Liana França Dourado Barradas; Gabriel Magalhães Beltrão
A crise política que deflagra o processo de fascistização não é aquela advinda da
ofensiva das classes dominadas sobre as classes dominantes, ao contrário, o traço peculiar da
crise política que pode desaguar em um regime fascista é a posição defensiva do proletariado e
a intensa crise política no seio do bloco no poder5, que se manifesta em crise de representação
partidária e em crise ideológica. Há, segundo Poulantzas, um “processo de politização
declarada da luta de classes”: com a fascistização as classes dominantes, a despeito de sua
profunda crise política interna (crise de hegemonia), avançam sobre as classes dominadas não
apenas em termos econômicos (ampliação da taxa de exploração), mas também e
principalmente em termos políticos, atacando por todos os meios, inclusive físicos, a
organização do operariado a fim de fragmentá-lo ao máximo. Não se trata, portanto, de uma
crise política oriunda de um equilíbrio de forças entre as classes antagônicas, muito menos de
uma crise política resultante de uma ofensiva do proletariado. É justamente essa debilidade da
classe antagônica que permite essa situação aparentemente paradoxal em que a ofensiva
burguesa ocorre pari passu à politização das contradições internas ao próprio bloco no poder,
sem que exista, portanto, o efeito de “‘ressoldagem’ interna ao bloco face ao inimigo comum”
(Poulantzas, 2021, p. 78)6.
Feitas estas considerações, passemos à análise das condições que permitiram o
surgimento e fortalecimento do bolsonarismo, expressão mais acabada do neofascismo no
Brasil.
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Partimos da premissa de que entre 2003 e 2014 esteve no governo brasileiro uma frente
política neodesenvolvimentista liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Tratava-se de
uma frente ampla e heterogênea, policlassista, que, apesar da liderança do PT, era dirigida pela
grande burguesia interna brasileira7, envolvendo de forma subordinada seguimentos da classe
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“Em uma formação social, composta de numerosas classes sociais, e em particular em uma formação social
capitalista, onde a classe burguesa é constitutivamente dividida em frações de classe, o terreno da dominação
política não é ocupado por uma única classe ou fração. Trata-se de uma aliança específica de muitas classes ou
frações de classes, aliança que eu, aliás, designei com o termo de bloco no poder. Assim, as contradições entre as
classes e frações de classe dominantes assumem uma importância bastante determinante, no que concerne às
formas de Estado e regime” (Poulantzas, 2021, p. 78).
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6 A título de exemplo poderíamos mencionar a crise política interna ao bloco no poder ocorrida no Brasil no início
dos anos 1960. Em linhas gerais, opunham-se as frações da média e grande burguesias, estas últimas já possuindo
vínculos orgânicos com o capital monopolista estrangeiro. Tal confronto de classes apresentava-se publicamente
como disputa de projetos políticos entre os desenvolvimentistas nacionalistas (trabalhismo varguista) e os
desenvolvimentistas adeptos da associação definitiva ao capital estrangeiro (UDN e o grosso do PSD). Tais
projetos, por sua vez, firmavam alianças de classes distintas: os nacionalistas principalmente com o operariado
urbano e os adeptos do desenvolvimento associado com as modernas classes médias urbanas e as oligarquias rurais.
Entretanto, a progressiva autonomização política do operariado e a emergência das ligas camponesas operaram o
efeito de “ressoldagem” do bloco no poder, secundarizando a luta interna ao bloco em relação à luta entre as classes
antagônicas. A crise política específica ao fascismo, entretanto, não apresenta esse elemento coesionador das
classes dominantes, o que intensifica a disputa política interna. O proletariado encontra-se na defensiva.
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Segundo Boito Jr.: “Não se trata da velha burguesia nacional, passível de assumir posições anti-imperialistas,
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n. 2, p. 453-476, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518