As palavras e as coisas no pensamento econômico
aproximamos de Michel Foucault, mas em vez de ficarmos fascinados com as limitações
comuns de forma, por que não descobrir com alegria as inovações comuns de conteúdo? Afinal,
talvez seja isso que separa o historiador do filósofo formalista com sensibilidade literária. Se o
último chama sua disciplina de “arqueologia”, isso não é, afinal, um grande inconveniente. Isso
não tem grande importância.
Voltemos, então, para o tempo de Antoine de Montchrestien. Vamos nos perguntar se
ele foi o único, no início da “era clássica”, a refletir sobre o primado da produção?
Em primeiro lugar, quando ele diz sobre a menor província da França que ela “fornece
a Vossas Majestades seu trigo, vinho, sal, óleo, tecido, lã, ferro e lã, o que torna a França mais
rica do que todos os peruanos do mundo”, ele está espontaneamente ecoando, sem se referir,
aos pensamentos de Sully35: “Lavoura e pastagem são os dois seios dos quais se diz que a França
se alimenta, e as verdadeiras minas e tesouros do Peru”.
Quanta tinta foi derramada sobre os “Tesouros do Peru”! Mas não se engane pensando
que esse desdém francês é simplesmente o fato de a raposa36 dizer que "eles são verdes demais".
No alvorecer do século XVII, os espanhóis também condenaram a ilusão de riqueza que
a conquista da Índia lhes deu. Assim Pedro de Valencia37:
O mal vinha da abundância do ouro, da prata, do dinheiro, que sempre foi
(mostrei em outro lugar) o veneno destruidor das cidades e das repúblicas.
Acredita-se que o dinheiro é o que assegura a subsistência e não é. Heranças
lavradas, rebanhos e pescas, é isso que faz subsistir as cidades e as repúblicas.
(1608)
281
E Caxa de Leruela38, em1620, diz:
T
R
A
D
U
Ç
Ã
O
As riquezas e os tesouros que as monarquias retiram do exterior não podem
compensar a insuficiência dos frutos naturais da pátria... Desde que os
espanhóis colocaram sua felicidade temporal na aquisição desses metais,
desprezando, como disse Columella, a melhor maneira de manter e aumentar
o patrimônio sem crime, ou seja, lavrando e pastoreando, eles perderam
35
Maximilien de Béthune, duque de Sully, nascido em Rosny-sur-Seine em 13 de dezembro de 1559 e falecido
em Villebon em 22 de dezembro de 1641, marechal da França (1634) foi um soldado protestante e companheiro
de armas do rei Henrique IV, de quem se tornou um dos principais conselheiros. Cf. Les Œconomies royales de
Sully, éditées par David Buisseret et Bernard Barbiche, tome I (1572-1594), tome II (1595-1599), Paris, Librairie
C. Klincksieck, 1970-1988.
36
Referência à fábula “A raposa e as uvas”. Chegando uma Raposa a uma parreira, viu-a carregada de uvas
maduras e formosas e cobiçou-as. Começou a fazer tentativas para subir; porém, como as uvas estavam altas e a
subida era íngreme, por muito que tentasse não as conseguiu alcançar. Então disse: - Estas uvas estão muito azedas,
e podem manchar-me os dentes; não quero colhê-las verdes, pois não gosto delas assim. E, dito isto, foi-se embora.
37 Pedro de Valência (falecido em 1631) foi um prelado católico romano que serviu como Bispo de La Paz (1617–
1631) e Bispo de Santiago da Guatemala (1615–1617).
38
Miguel Caxa (modernizado como Caja) de Leruela (Palomera, província de Cuenca, 5 de maio de 1562 -
Palomera, província de Cuenca, por volta de 1632), foi um economista espanhol, jurista e magistrado. Autor das
obras: Discurso sobre la principal causa y reparo de la necesidad común, carestía general y despoblación destos
reynos, Madrid, 1627 e Restauración de la abundancia de España, o prestantíssimo, único y fácil reparo de su
carestía presente, Nápoles, Lázaro Scorigio, 1631.
Revista Libertas, Juiz de Fora, 23, n.1, p. 268-285, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518