DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.41383  
Ofensiva ultraneoliberal no capitalismo em  
crise no Brasil e no mundo  
Ultra-neoliberal offensive in crisis-ridden capitalism in Brazil and  
worldwide  
Elaine Rossetti Behring*  
Resumo: O capitalismo em crise e decadência  
desencadeou uma reação burguesa monumental  
a partir do fim dos anos 70 do século XX na  
forma da reestruturação produtiva, da  
mundialização financeira do capital e das  
contrarreformas neoliberais dos Estados  
nacionais. A ofensiva capitalista se deu pela  
intensificação da exploração da força de  
trabalho, acompanhada das expropriações, mas  
também pela punção de valor por meio do  
endividamento público e privado. Outras faces  
do mesmo processo foram a intensificação da  
crise climática e ambiental, e a eclosão de uma  
crise sanitária sem precedentes e da guerra. O  
metabolismo destrutivo do capitalismo em crise  
tem mostrado suas facetas mais perversas e no  
Brasil se expressa pelo ascenso do  
ultraneoliberalismo e do neofascismo dos  
últimos anos. O presente artigo analisa esses  
processos a partir de uma perspectiva de  
totalidade.  
Abstract: Capitalism in crisis and decay  
triggered a monumental bourgeois reaction  
from de late 1970s onwards in the form of  
productive  
restructuring,  
the  
financial  
globalization of capital and the neoliberal  
counter-reforms of national states. The  
capitalista offensive was due to the  
intensification of the exploitation of the  
workforce, accompanied by expropriations, but  
alos by the puncture of value through public and  
private indebtedness. Other faces of the same  
process were the intesification of the climate  
and environmental crisis, and the outbreak of na  
unprecedented health crises and war. The  
destructive metabolismo of apitalism on crisis  
has shown ist most perverse facets and in Brazil  
it is expressed by the rise of ultraneoliberalismo  
and neofascismo in recente Years. This article  
analyzes thes processes from a perspective of  
totality.  
Palavras-chaves: Crise do capitalismo;  
Trabalho; Dívida pública; Crise ambiental;  
Ultraneoliberalismo.  
Keywords: Crisis of capitalism; Work; Public  
debt;  
Environmental  
crisis;  
Ultra-  
Neoliberalism.  
Recebido em: 05/03/2023  
Aprovado em: 07/06/2023  
* Assistente Social com mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorado em  
Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Titular da Faculdade de Serviço Social da  
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 10-22, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Ofensiva ultraneoliberal no capitalismo em crise no Brasil e no mundo  
Introdução  
“O sono da razão produz monstros”  
Goya  
O presente artigo é resultado, com revisões, de minha participação no VII Seminário  
Internacional Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal e Serviço Social: resistências e  
articulações internacionais, promovido pela Faculdade de Serviço Social da UFJF, pela qual  
tenho tanto carinho e onde já estive muitas vezes presencialmente e, na ocasião, on line. Assim,  
abro este texto agradecendo pela oportunidade da contribuição ao Seminário e agora pela  
publicação, em nome das professoras Carina Moljo e Cláudia Mônica dos Santos, extensivo a  
todas as pessoas envolvidas na construção desse projeto. Foi uma também uma oportunidade  
de compartilhar ideias com o professor Michael Löwy, que teve um papel importantíssimo na  
minha trajetória, não só do ponto de vista acadêmico, mas sobretudo do ponto de vista do seu  
papel de na esquerda mundial. Ele fez parte da minha formação acadêmica e política, de forma  
que nossas contribuições ao Seminário tiveram muita conexão. Vamos ao tema da ofensiva  
ultraneoliberal do capital no mundo.  
Vejamos alguns elementos e argumentos acerca da ofensiva capitalista no contexto de  
sua crise estrutural, maturidade e decadência, e em busca desesperada, desenfreada – e  
destrutiva - pela valorização do valor. Este é um processo que incrementa a exploração da força  
de trabalho e seu pressuposto, as expropriações contemporâneas, tendo em vista a subsunção  
do trabalho às atuais condições de produção e reprodução do capital. Tal crise foi desencadeada  
no início dos anos 70 do século passado, o que Ernest Mandel caracterizou como uma onda  
longa com tonalidade de estagnação.  
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A partir dali o capitalismo mundial começa a encontrar com seus limites históricos e  
materiais. E, desde então, estamos vivendo num ambiente geral de estagnação com alguns  
momentos de stop and go, mas com a marca geral de uma certa estagnação do crescimento  
econômico. Mandel já sinalizava na sua obra principal – Capitalismo Tardio (1982) - o  
movimento geral do capital de queda das taxas de lucro. Por seu turno, tem-se uma reação  
burguesa à queda das taxas de lucro, o que estamos vivendo no conjunto dos países, porém,  
evidentemente, com as mediações das particularidades nacionais com suas formações histórico-  
sociais, e inserção na economia mundial. Isso traz marcas diferentes dessa experiência nos  
marcos nacionais. Está em curso uma crise estrutural do capital no contexto da decadência desse  
sistema de produção e reprodução social. Esta é contrarrestada por meio da busca destrutiva do  
capital pela valorização do valor, incrementando a exploração da força de trabalho e seu  
pressuposto, as expropriações (MARX, [1867] 1982; FONTES, 2010, BOSCHETTI (Org.),  
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Elaine Rossetti Behring  
2018).  
Para além das formas clássicas de expropriação que permanecem acontecendo, há  
também formas contemporâneas, a exemplo da desproteção social tendo em vista a  
disponibilização da força de trabalho para o capital, com o foco na absorção precarizada e com  
padrões de reprodução rebaixados da força de trabalho, o que se oferta nas atuais condições de  
produção e reprodução do capital. O neoliberalismo constitui essa reação burguesa à crise do  
capital, onde a ofensiva sobre a classe trabalhadora será intensa e duradoura. O que venho  
caracterizando como ultraneoliberalismo tem inteligibilidade na particularidade brasileira  
recente (BEHRING, 2021). É nesse contexto geral de crise e de reação burguesa à crise, via  
neoliberalismo, que vão se produzir monstros, conforme a famosa frase de Goya, que  
acompanha uma das suas gravuras intitulada O Sono da Razão Produz Monstros.  
Alguns desses monstros estão nos perseguindo de forma implacável nesse início de  
Século XXI. Observemos alguns deles. No contexto em que há forças produtivas para alimentar  
o conjunto da população mundial temos, segundo o Relatório Estado da Segurança Alimentar  
e Nutrição no Mundo (2022), da Organização das Nações Unidas (ONU), que 9,8% da  
população passa fome no mundo. São cerca de 828 milhões de pessoas, quadro este que foi  
acirrado pela pandemia de Covid a partir de 2020, e pela guerra na Ucrânia, em 2022. Cerca de  
2,3 bilhões de pessoas convivem diuturnamente com a insegurança alimentar no planeta. Em  
função da inflação global dos alimentos, 3,1 bilhões de pessoas no mundo não têm condições  
de pagar uma dieta alimentar saudável. Portanto, entram nesse circuito os transgênicos da  
produção em massa de alimentos de baixa qualidade. Inclusive é a esse tipo de consumo  
destrutivo, esse produtivismo destrutivo, a que muitas vezes estão associados os programas de  
transferência monetária, que se tornaram centrais na política social contemporânea. Quem  
denuncia isso é um outro intelectual francês importante, e que nos deixou precocemente em  
2021, Michel Husson, criticando os programas de transferência monetária que estimulam um  
consumo de baixa qualidade e produtivista, destrutivo da natureza. Assim, existe uma conexão  
que precisamos observar inclusive quando defendemos e discutimos os programas de  
transferência monetária.  
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Dentro desse contexto da insegurança alimentar há desigualdades de gênero e raça, sob  
esses dados, e é importante chamar atenção que essas situações atingem mais deleteriamente as  
mulheres, e as populações negras em todas as partes do mundo; e os imigrantes que hoje se  
deslocam pelo mundo, especialmente em direção à Europa e Estados Unidos, buscando  
melhores condições de vida. Já em países como o Brasil, marcados pelos seus cerca de 400 anos  
de escravização, esta é uma marca indelével da nossa formação social. Aqui, este país de  
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Ofensiva ultraneoliberal no capitalismo em crise no Brasil e no mundo  
maiorias negras – fazendo a crítica do IBGE – boa parte da classe trabalhadora brasileira é  
duramente atingida por essas condições, isso tem corte de gênero, tem corte de raça. E todas as  
estatísticas no Brasil mulheres negras e homens negros estão na ponta dos ataques e dos  
impactos destrutivos dessa ofensiva burguesa. Contudo, é preciso sublinhar, essa questão da  
insegurança alimentar atinge duramente a infância comprometendo o devir. Isso é uma espécie  
de hipoteca do futuro: o neoliberalismo é isso, o verdadeiro Exterminador do Futuro, fazendo  
alusão ao filme homônimo. No caso das pessoas idosas, esse processo tem uma relação  
profunda com a desproteção social.  
Vejamos de um outro ângulo: a condição do trabalho e dos trabalhadores neste  
capitalismo que foi caracterizado como tóxico por Michael Husson. Ricardo Antunes, em seu  
Capitalismo Pandêmico (2022), aponta para uma nova onda de devastação do mundo do  
trabalho – o que ademais vem denunciando no conjunto de sua pesquisa e obras recentes. Sob  
o jugo de um sistema de metabolismo antissocial do capital, tendo em vista uma oferta da força  
de trabalho em quaisquer condições e a qualquer custo para a extração de mais valia, estão em  
curso processos destrutivos. No limite, estes resultam na fome já referida, que guarda relação  
íntima com o pauperismo. Aqui operam as tendências de: rebaixamento generalizado do peso  
dos salários sobre o PIB, diga-se, do fundo de reprodução da força de trabalho, o que tende a  
ser maior nos países de capitalismo dependente, marcados pela superexploração da força de  
trabalho para compensar os termos de troca no mercado mundial, como nos ensina Marini  
(1973); uma ofensiva tecnológica (a revolução 4.0), que além de ampliar a expulsão de trabalho  
vivo na produção, e corroborar para as taxas de desemprego, empurra a força de trabalho para  
o monumental exército de reserva que vem se formando, e também para a uberização e  
precarização do trabalho. Para Antunes, terceirização, flexibilidade e informalidade passaram a  
fazer parte do léxico permanente das corporações. E, junto a essas tendências, há a destruição  
dos direitos do trabalho, com agressivas contrarreformas trabalhistas e de direitos sociais,  
configurando o que Fontes (2010) caracteriza como expropriações secundárias. São criaturas  
do capitalismo em crise e decadência, que existem para “aviltar, desvertebrar, desorganizar,  
isolar, fragmentar e fraturar” a classe que vive do trabalho, na análise de Antunes. Encontrar  
emprego e trabalho em condições dignas nesse contexto se tornou uma espécie de privilégio  
dos indivíduos que tem mérito – segundo a apologética neoliberal – e impulso empreendedor  
no darwinismo social que se instaura, no mundo do horror econômico que já denunciava há  
algum tempo a crítica visceral de Viviane Forrester, em livro homônimo.  
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O fato é que, nas formas brutais do capitalismo contemporâneo em crise e decadência,  
que combina a queda tendencial da taxa de lucros com o aumento imediato da massa de lucros  
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– uma convivência que pode acontecer, como nos explica Marx no Livro III de O Capital –,  
uma das primeiras “causas contrariantes” à queda tendencial da taxa de lucros desencadeadas  
pelo capital e elencadas por Marx é a elevação da exploração da força de trabalho, e a  
compressão dos salários abaixo do valor, seja pela redução do valor de componentes da cesta  
básica de reprodução, seja pela imposição de derrotas sindicais e políticas à classe trabalhadora.  
Para Marx, as reações do capitalismo às suas tendências de conflito entre “agentes antagônicos”  
instauram as crises como “soluções violentas das contradições existentes”; no entanto, ao  
buscar superar suas barreiras imanentes, são mobilizados meios que as recolocam em escala  
mais ampliada. Esse processo não é automático, pois que para Marx o capital é, sobretudo, uma  
relação social. Portanto, estamos falando de um processo histórico e social, cujos  
desdobramentos e perenidade ou não, estão nas mãos de homens e mulheres que podem fazer  
e fazem a sua história, ainda que não nas condições escolhidas. Nesse sentido, esses processos  
precisam ser analisados numa perspectiva de totalidade, que articula estrutura e sujeitos,  
determinações materiais e história, para assim encontrarmos as mediações e contradições a  
serem dinamizadas por um projeto emancipador e de superação desta ordem decadente, partido  
da ideia marxiana de que o capital é uma relação social, e nesse sentido, não é perene ad  
infinitum. Quem pereniza este mundo bárbaro é um Francis Fukuyama, que decretou o “fim da  
história”; ou Margaret Thatcher, que vaticinou que não existe sociedade, mas apenas indivíduos.  
Cabe à esta geração no presente encontrar caminhos de superação da barbárie do capital.  
Uma outra face do mesmo processo é a mundialização do capital, com deslocalizações  
de empresas, ondas de privatizações, e busca de nichos de valorização, constituindo mudanças  
na geopolítica mundial e reatualizando o imperialismo e o subimperialismo, categorias  
fundamentais para pensar a economia mundial hoje. Abre-se um tempo de disputa acirrada de  
hegemonia, bastando observar a escalada das tensões entre a China e os Estados Unidos. É a  
operação da outra causa contrariante à queda das taxas de lucro em operação: a saída para o  
exterior e que forja novas relações hierárquicas e de dependência na economia mundial. Dentro  
desse movimento temos mudanças importantes nos padrões de reprodução do capital nos vários  
países, bem como contrarreformas do Estado tendo em vista facilitar o fluxo de capitais e a  
exploração dos trabalhadores. Tratei deste tema especialmente no meu trabalho sobre o governo  
Fernando Henrique Cardoso (BEHRING, 2003). Na verdade, ali se inaugurava um longo  
período contrarreformista no Brasil, de ajuste fiscal permanente. Naquele momento teremos os  
marcos inaugurais desse processo “austericida” que vai orientar o Brasil por décadas mesmo  
com governos de tonalidades distintas gestões também levemente diferentes do ajuste. Em  
2021, atualizei esse debate da contrarreforma do Estado, tendo em vista facilitar o fluxo de  
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Ofensiva ultraneoliberal no capitalismo em crise no Brasil e no mundo  
capitais e constituir os mecanismos de exploração da força de trabalho (BEHRING, 2021).  
Num contexto de crise combinada de superprodução e superacumulação, com  
gigantesca concentração de riqueza na forma líquida/monetária, a busca por nichos de  
valorização e de punção de valor, em tempos de curto-circuito nas metamorfoses do capital, é  
frenética. Neste passo, é que se colocam duas das questões mais candentes do nosso tempo: a  
questão ambiental e a da dívida pública. Sobre a primeira, a busca de petróleo, água, lítio,  
nióbio etc., bem como a produção de alimentos à base de agrotóxicos e pastos em grandes  
extensões de terras – o que no Brasil tem centralidade – é fortemente destrutiva do futuro. Há  
nexos importantes já apontados pela ciência entre a crise sanitária de Covid 19, iniciada em  
2020 e da qual mal saímos, e a destruição ambiental, o que por sua vez acirra a crise climática,  
abrindo espaços para a proliferação dos vírus, pelo que muitos cientistas apontam para a  
possibilidade de novas pandemias e epidemias letais nos anos vindouros. A ciência mostrou  
uma capacidade de resposta bastante grande e rápida, mas ainda assim nós tivemos cerca de 5  
milhões de mortos dos quais mais de 700 mil são brasileiros(as), números subnotificados, como  
indicam várias pesquisas e assume a OMS.  
A outra questão candente é a regência do processo como um todo pelo capital portador  
de juros, cujas instituições reúnem enormes massas monetárias, buscando nichos de valorização  
ou de punção de valor, neste caso, pela esfera financeira – a dos “papeizinhos” da “moderna  
bancocracia”, tal como ironizava Marx. Nessa esfera, destacam-se as dívidas públicas  
titularizadas, que vem se constituindo num mecanismo de forte chantagem sobre os países e  
seus Estados nacionais, obrigados na hierarquia da economia mundo e com aquiescências  
internas, a realizarem ajustes fiscais draconianos, tendo em vista pagar regularmente juros  
encargos e amortizações de dívidas todos os anos, pelo que arcam com um custo social  
altíssimo. Evidentemente, isso ocorre de forma mediada pela hierarquia da economia mundo,  
pois que não acontece da mesma forma na França, por exemplo, e no Brasil, este último  
obrigado a realizar ajustes fiscais draconianos tendo em vista pagar regularmente juros,  
encargos e amortizações da dívida pública todos os anos, com um custo social e ambiental  
gravíssimo (BEHRING, 2013).  
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Os mecanismos de punção de valor pelo endividamento público são parte fundamental  
da tragédia contemporânea, e se articulam com a ofensiva sobre os trabalhadores, já que pela  
via tributária, vem crescendo os mecanismos de tributação indireta que incidem sobre suas  
rendas, cumprindo um papel regressivo, bem como vem se impondo gasto financeiro sobre o  
gasto social, com o ataque aos direitos sociais já apontado antes. Se observamos a crise de  
2008/2009 e seu efeito contágio mundial, ela inicia exatamente pelas cadeias de endividamento  
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privado em curto-circuito, em função de empréstimos de risco, as subprimes. Donde a regência  
pela finança do processo no seu conjunto coloca um ambiente de instabilidade permanente, e  
quando as bolhas explodem, o fundo público do Estado capitalista aparece em operação de  
salvamento, socializando os custos da crise. Tal como também no contexto pandêmico, que  
gerou um ambiente de crise com a interrupção da rotação do capital, pela situação de  
confinamento dessincronizado (HUSSON, 2020).  
A barbárie capitalista se impõe também pela via tributária pois os trabalhadores vêm  
pagando mais impostos por mecanismos de crescimento da tributação regressiva indireta, que  
incide sobre a renda do trabalho. E, ainda, essa lógica impõe o gasto financeiro sobre o gasto  
social, ou seja, se conjuga com o ataque aos direitos sociais já apontado. Então as seguidas  
contrarreformas da Previdência, o desfinanciamento da educação e o corte recente de gastos da  
farmácia popular, no governo Bolsonaro, tudo isso se articula com um ambiente que é forjado.  
O fundo público se torna cada vez mais uma espécie de pressuposto geral da lógica  
financeira da expansão do crédito, nesse capitalismo que se ergue sobre um mar de dívidas –  
públicas e privadas –, para o que precisa estar a postos e sob a vigilância das agências de notação  
de risco, que indicam aos países o quanto de ajuste fiscal eles precisam fazer para manter a  
remuneração dos credores. Então, o neoliberalismo é uma espécie de corolário de tudo isso,  
como programa econômico e ideologia. O neoliberalismo tem sido uma reação burguesa a partir  
de fins dos anos 70, à viragem para um ciclo longo com tonalidade de estagnação que remonta  
ao final dos anos 60 e início dos 70. Os governos de Thatcher, Reagan e Kohl, dentre outros,  
buscavam naquele momento quebrar o poder dos sindicatos do período fordista keynesiano,  
exatamente para desencadear essa imensa ofensiva sobre a força de trabalho, tendo em vista  
alavancar as taxas de lucro, além de desbloquear o fluxo de capitais e colocar o Estado – forte  
e blindado (nunca mínimo, apesar da verborragia) (DEMIER, 2017), “desdemocratizado”  
(BROWN, 2021) – à serviço da adaptação e atratividade aos novos tempos, a partir das  
contrarreformas. Sobre esse último aspecto, Mandel já nos chamava atenção, desde 1972, para  
a tendência de limitação das liberdades democráticas no capitalismo maduro, em crise e  
decadência, já este requisitaria um Estado forte para a garantia das condições gerais de produção  
e reprodução social, a coerção dos dissensos e as tarefas de integração social. Apontava para a  
tecnocratização das decisões substantivas e sua retirada da esfera da política, destacadamente  
da grande política, e sua remissão à esfera da pequena política.  
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No que diz respeito ao trato das cada vez mais candentes expressões da questão social,  
tem-se que a gestão do imenso exército de reserva passou a ocorrer pelo incremento de um  
complexo assistencial-carcerário, o que tem corte de gênero e raça ao redor do mundo, como  
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Ofensiva ultraneoliberal no capitalismo em crise no Brasil e no mundo  
nos mostra Löic Wacquant (2002). O campo da política social – e consequentemente do serviço  
social – vem sendo duramente atingido, seja pela transformação de políticas e direitos sociais  
em mercadorias e fontes de punção de recursos, a exemplo da saúde, educação e previdência  
social; seja pelo trato da pauperização de amplos segmentos por meios assistencialistas e  
exclusivamente voltados a um consumo de massas de baixa qualidade, como assinalei linhas  
acima, que nada tem a ver com um amplo e consistente sistema de proteção social ou de  
seguridade social. Dentro disso, observamos também a precarização do trabalho de assistentes  
sociais, por meio do rebaixamento do valor da sua força de trabalho e erosão das condições de  
trabalho, já que o fundo público passa a ser intensamente disputado, subfinanciando ou  
desfinanciando as políticas sociais.  
Cabe falar ainda de um antigo “cavaleiro do apocalipse”: a guerra. Uma saída clássica  
para as crises do capitalismo foi historicamente a destruição de forças produtivas por meio das  
guerras, a exemplo das duas guerras mundiais que vivemos e inúmeras guerras localizadas  
desde então, justificadas como guerra ao terror ou em defesa do mito “democracia ocidental”,  
mas sempre se constituindo num desaguadouro de mercadorias – armas – antes em alqueive e  
justificando novos aportes de fundo público. No entanto, tal saída belicista – que se anuncia nas  
ameaças nucleares em torno da invasão da Ucrânia e adesões à OTAN de países fronteiriços à  
Rússia, bem como na elevação do tom a respeito de Taywan entre EUA e China – dado o  
potencial destrutivo nuclear acumulado, poderia ter consequências catastróficas para a  
humanidade e o meio ambiente. Para além do preço dos alimentos e das barganhas em torno da  
questão energética, o já longo “sono da razão” pode anunciar esse monstro maior.  
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Postas essas dimensões da ofensiva capitalista contemporânea, na qual o neoliberalismo  
– essa nova “desrazão” do mundo, parafraseando Dardot e Laval (2016) – é uma espécie de  
corolário, falemos um pouco do Brasil.  
Tenho utilizado a caracterização de ultraneoliberalismo para falar de nossa dinâmica  
interna mais recente, pós-golpe de 2016. Ela é inteiramente coadunada ao ambiente mundial  
do neoliberalismo (ou ultraliberalismo como apontam alguns autores), mas mediada pelas  
nossas particularidades. O neoliberalismo aporta no Brasil de forma definitiva após a aprovação  
da Constituição de 1988, bombardeada e retalhada desde então. Após o outsider Collor tomar  
as primeiras medidas neoliberais e ser afastado por impeachment da Presidência da República,  
tivemos o Plano Real (1994) e o PDRE/MARE de 1995, verdadeiros marcos da ofensiva  
neoliberal e monetarista no Brasil, e da contrarreforma do Estado. A estabilidade monetária a  
qualquer custo, especialmente após o acordo com o FMI de 1999, impôs uma série de  
constrangimentos ao gasto público primário, em detrimento dos gastos financeiros ao longo dos  
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anos da redemocratização, dos quais destaco o superávit primário, a Lei de Responsabilidade  
Fiscal e a Desvinculação de Receitas da União como principais mecanismos de ajuste fiscal e  
que impediram um boom de investimentos nas políticas sociais, o que corresponderia ao espírito  
constitucional. Além disso, nos governos de FHC, 49 bilhões de dólares em ativos passaram do  
poder público para a esfera privada. Lembro ainda do trato truculento da greve dos petroleiros  
em 1995, e da contrarreforma da previdência (regime geral) como partes constitutivas do ataque  
aos que vivem do trabalho. A partir de 2003, os governos de coalizão de classes do PT  
realizaram alguns deslocamentos importantes (política de recuperação do salário-mínimo, por  
exemplo), mas mantendo a lógica geral do ajuste e da estabilidade monetária a constranger os  
investimentos e o financiamento das políticas sociais. Tanto que as poucas conquistas do  
período foram desmontadas, quando o grande capital (nacional e estrangeiro) e segmentos da  
“pequena política” brasileira, com o apoio da mídia e de setores do judiciário dão um golpe de  
novo tipo, em 2016. Esses segmentos, mesmo beneficiados por inúmeras políticas nos treze  
anos de governos petistas, não enxergavam no governo Dilma Rousseff a capacidade de  
conduzir suas demandas no ritmo e intensidade desejados, dentre elas: a intensificação da  
exploração da força de trabalho; a exploração capitalista dos recursos naturais brasileiros, a  
exemplo do pré-sal, aquíferos e mineração (com o foco na Amazônia); um ajuste fiscal ainda  
mais profundo para que o fundo público possa funcionar como pressuposto geral da reprodução  
do capital, donde decorreu a abrangente contrarreforma da previdência em 2019, em mais um  
profundo ataque aos direitos dos trabalhadores. Com o golpe de 2016 se instaura o que  
chamamos de ultraneoliberalismo: o Novo Regime Fiscal – EC 95 e 93 (2016); a contrarreforma  
trabalhista de 2017; a entrega do pré-sal; a contrarreforma da previdência.  
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É no contexto golpista e de seus desdobramentos, que o Brasil aporta às desastrosas  
cifras mundiais, números internos macabros e desproporcionais, em relação a países da América  
Latina e do mundo. Isto porque tivemos desde 2016 uma combinação de golpe de Estado de  
novo tipo, crise burguesa orgânica, programa ultraneoliberal de ajuste fiscal e neofascismo no  
poder (MATTOS, 2020), este último desde 2019. Desde então o Brasil tem sido a cena de um  
processo de devastação das pessoas e do meio ambiente sem precedentes.  
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Observemos alguns dados factuais. Mais de 702 mil mortos na pandemia, sendo que  
parte destas mortes poderia ter sido evitada não fosse negacionismo (e sua truculência e  
descaso) no trato da pandemia no Brasil; e os aportes pífios de recursos no campo da saúde e  
em ciência e tecnologia, porque o que o governo Bolsonaro fez foi aumentar de forma  
insignificante o orçamento da Saúde, o que foi absolutamente insuficiente frente a demanda.  
Tivemos até junho de 2023, mais de 37,6 milhões de casos.  
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Ofensiva ultraneoliberal no capitalismo em crise no Brasil e no mundo  
Sobre a fome no Brasil, nós temos 33,1 milhão milhões de brasileiros que não tem o que  
comer segundo a Oxfam, e 58,75 milhões de pessoas convivem com situações de insegurança  
segurança alimentar de alguma forma.  
Sobre a força de trabalho, com a diminuição dos impactos da pandemia houve um certo  
recuo da desocupação no Brasil, que encontrava na faixa de 9,3% da População  
Economicamente Ativa em fim de 2022, o que significa um número em torno de 10,00 milhões  
de desempregados. No entanto, é preciso registrar que essa queda correspondeu a um aumento  
da informalidade – 35,8 milhões de trabalhadores estavam na condição de informalidade dentre  
as 98 milhões de pessoas inseridas no mundo do trabalho, e o rendimento dos trabalhadores  
caiu 5,1% enquanto a inflação destacadamente dos alimentos esteve acima de dois dígitos. Ou  
seja, esses elementos correspondem aos dados sobre a fome levantados pela Oxfam. Se havia  
em 2022 no Brasil 98,3 milhões de pessoas ocupadas comportando esse grau de informalidade,  
há temos um outro indicador que o IBGE calcula, a subutilização da força de trabalho, e que  
inclui os desocupados (10 milhões): são 24,7 milhões de pessoas subutilizadas. Há ainda os que  
estão em situação de desalento – 4,3 milhões de pessoas. Estes são números da PNAD/IBGE,  
do segundo trimestre de 2022, que apontavam uma taxa de informalidade de 40% da população  
ocupada. O número de “empregados” sem carteira assinada, ou seja, desprotegidos, foi o maior  
da série histórica no último período: 13 milhões de trabalhadores. Então vejam, a retomada pós-  
pandemia acontece. Porém, numa dinâmica de informalização, diminuição de salários e não  
alterando significativamente a situação de desalento.  
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O Brasil, em 2022, com essa sociabilidade dilacerada – e aqui não apontamos elementos  
sobre a violência endêmica –, foi palco de uma das mais importantes disputas de projetos  
societários no nível mundial, o que permanece em 2023, apesar da derrota eleitoral da extrema-  
direita nas eleições presidenciais. Michael Löwy fez referência aos rios voadores da floresta  
amazônica e recomendo enfaticamente a exposição de Sebastião Salgado sobre a Amazônia,  
porque vão encontrar nela não só as explicações sobre o papel da floresta e a necessidade  
estratégica de defendê-la para o Brasil e a humanidade, mas também as resistências dos povos  
indígenas. Precisamos urgentemente colocar um freio na devastação. Tivemos uma  
oportunidade eleitoral para a defesa da ciência com aporte de recursos, a defesa da Amazônia,  
da Mata Atlântica, o combate substantivo à fome. Enfim, para derrotar projeto destrutivo  
ultraneoliberal e neofascista que esteve em curso no Brasil. Uma oportunidade para sair da  
condição de ajuste fiscal permanente, superando o teto de gastos, revertendo a contrarreforma  
trabalhista, e implementando uma série de medidas para recompor as políticas sociais, proteger  
a população brasileira, e alterar os padrões de produção e de consumo nesse país que tem uma  
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Elaine Rossetti Behring  
potência gigante. Uma oportunidade de ser a cena de uma experiência inovadora que contamine  
e contagie nossa América Latina e o mundo. Mas nossa tarefa não é só eleitoral, e os primeiros  
meses do terceiro governo de Lula, quando escrevo essas linhas, são fartos em demonstrar as  
dificuldades de aproveitar esse deslocamento do terreno da luta de classes no Brasil. Precisamos  
construir os nossos afrobankers, lembrando aqui do filme Medida Provisória (Direção de  
Lázaro Ramos, 2022), com uma agenda de lutas anticapitalista, ecossocialista, antirracista, e  
antimachista para impor ao neofascismo uma derrota sem retornos. Além disso, há uma série  
de liberdades democráticas precisamos defender, mas uma agenda dos trabalhadores precisa  
reunir e contemplar esse conjunto de elementos, já que eles estão totalmente interligados na  
ofensiva do capital. Precisamos, mais do que nunca, de uma contraofensiva das forças do  
trabalho, uma recomposição da classe trabalhadora como sujeito político. E se a potencialidade  
dessa recomposição está no movimento de mulheres, que sejamos nós, mulheres, as  
protagonistas. Se a potencialidade da recomposição da classe trabalhadora está no movimento  
indígena, sejamos todos Yanomamis, Guaranis Kaiwuás, Pataxós, etc! Se a potencialidade está  
na luta antirracista do povo preto contra violência policial e a invasão nas comunidades  
habitadas majoritarimente pela população afrodescendente, vamos construir os afrobunkers,  
porque fomos e continuamos a ser atacados, como diz o filme Bacurau (Direção de Kleber  
Mendonça e Juliano Dornelles, 2019). Uma contraofensiva passa necessariamente por processo  
miúdo de organização e de educação popular, sem o que será difícil reverter a imensa corrosão  
e destruição que se instaurou no país e que, como vimos, tem conexões internacionais, num  
capitalismo em crise e decadência.  
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A consciência de classe não brota do além: é processo, é construção histórica, é disputa  
de hegemonia, como nos ensinava Gramsci. E isso se constrói nas lutas. É por isso que a  
experiência é importante. Não apenas as experiências alternativas que estão em curso, por  
exemplo, a produção de arroz e feijão pelo MST, mas experiências de luta: a luta ensina, a luta  
educa. Se não tem luta, não tem experiência, não tem processo educativo, não tem salto de  
consciência. É por isso que as direções do campo da esquerda têm que abandonar ou deixar de  
dar exclusividade a esse eleitoralismo parlamentar. Trata-se de repensar as suas estratégias no  
sentido da construção das lutas, da coletivização de pautas que realizem a mediação com as  
necessidades da vida real de milhões e milhões de pessoas.  
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Construir um o campo crítico ao capitalismo em crise e decadência – anticapitalista –, é  
bom que se diga, vai para além da tradição marxista, embora nela se encontrem seus  
fundamentos mais profundos. Há hoje um antineoliberalismo neofoucaultiano crítico, há um  
pensamento decolonial na América Latina – não aqueles que dizem que o marxismo é mera  
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Ofensiva ultraneoliberal no capitalismo em crise no Brasil e no mundo  
branquitude eurocêntrica –, mas segmentos que tem uma preocupação fundamental de traduzir  
a dinâmica do capital na particularidade da América Latina e construir as lutas sociais,  
reconhecendo os saberes e a experiência dos povos indígenas. Uma preocupação expressada  
por Mariátegui e outros marxistas latino-americanos que buscaram esse caminho e fizeram a  
advertência para essa necessidade. Mas é certo que o anticapitalismo não se reduz à tradição  
marxista e a própria luta social envolve uma diversidade de sujeitos e de pautas. Os marxistas  
revolucionários são parte desse processo e buscam oferecer para as lutas o melhor de si, mas  
não esgotam as lutas. É fundamental articular um espectro o mais amplo possível para as lutas  
antissistêmicas. Porém estou convencida de que a crítica mais radical e mais visceral ao mundo  
do capital é a crítica marxista da economia política e que esta não foi superada por nenhuma  
dessas outras tradições críticas. Por exemplo, os neofoucaultianos, tão em evidência, não  
oferecem uma leitura mais profunda do que aquela que Marx nos legou ao discutir a lei do valor.  
Linhas acima, busquei articular a questão da valorização do valor com a queda tendencial da  
taxa de lucros e as suas causas contrariantes, o que é um raciocínio dialético em Marx,  
imprescindível para pensar o capitalismo e a sua dinâmica contemporânea. Enquanto houver  
capitalismo, essas indicações permanecem válidas, mas isso não nos impede, nem deve nos  
impedir, de ter uma relação democrática com todos os setores que querem superar esse modo  
de produção e reprodução social que hoje assume sua face mais destrutiva ao encontrar seus  
limites históricos. Nesse campo da luta ecológica, por exemplo, há uma diversidade enorme de  
sujeitos e muitos deles não colocam a crítica ao capital no devido lugar. Quase remetem aos  
falanstérios proudhonianos. Mas precisamos dialogar, insistir, persistir tê-los ao nosso lado.  
Vamos precisar de todo mundo, pra banir do mundo a opressão” (Beto Guedes) e a exploração.  
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