Paula Raquel da Silva Jales; Solange Maria Teixeira
contraditoriamente prejudica a autonomia do movimento social e enfraquece as mudanças que
podem ser ocasionadas por essa relação:
A participação, ao reforçar a interação e trânsitos entre agentes
governamentais e movimentos, principalmente em cenários onde as posições
de governo estão ocupadas por forças de centro-esquerda, coloca novos
dilemas à ação dos movimentos. Em governos de esquerda, os movimentos
tendem a valorizar a maior oferta de participação estatal e a disputar nessas
instâncias seus projetos e interesses. Mas, [sic] tendem também a orientar sua
ação por uma disposição menos conflitiva e uma postura de maior conciliação,
evitando a pressão sobre os governos e diminuindo o uso do protesto como
forma de negociação. Seja para garantir suas demandas ou para garantir a
governabilidade a partir de uma agenda de esquerda, os movimentos tendem
a diminuir a distância crítica em relação ao Estado e ao partido submetendo,
conseqüentemente [sic], suas agendas de mais longo prazo ao ritmo e às
exigências próprias às disputas eleitorais. Esse processo tende a aumentar a
fragmentação no interior do campo movimentalista e pode resultar, no longo
prazo, no enfraquecimento dos movimentos contraditoriamente
à
incorporação de várias de suas bandeiras em programas e políticas de governo.
Em governos de esquerda, os movimentos associados a esse campo ético-
político agem sob o fio da navalha, tentando responder a exigências
contraditórias (Dagnino; Tatagiba, 2010, p. 11).
Com o golpe7 político, jurídico e midiático de 2016, que depôs a presidenta Dilma
Rousseff (2011-2016), através de impeachment por crime de responsabilidade fiscal; a ascensão
do vice-presidente, Michel Temer (2016-2018), ao principal cargo do Poder Executivo federal;
e, posteriormente, a eleição de Jair Messias Bolsonaro (2018-2021), articulados a uma série de
conteúdos ideológicos veiculados pelas grandes emissoras de televisão que desqualificavam e
depreciavam tendências de esquerda, progressistas e anticapitalistas, a Nova Direita,
caracterizada pela vinculação entre o neoliberalismo e o neoconservadorismo (Pereira, 2016)
como projeto de dominação burguesa, fortaleceu-se e criou um contexto ainda mais adverso ao
projeto democrático participativo, a modalidade de participação por ele defendida e as
experiências democráticas que já funcionavam com muitos antagonismos.
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Um exemplo foi o Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, sancionado por Jair
Bolsonaro, que extinguiu e apresentou novas diretrizes para o funcionamento de colegiados da
administração pública federal8. Segundo notícia veiculada pelo jornal on-line O Globo, em 29
de junho de 2019, dos 2.593 colegiados identificados pelo Ministério da Economia, 734 foram
extintos pela medida (Saconi; Aleixo; Maia, 2019), dentre eles o Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), com graves prejuízos à continuidade dos
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Corroboram-se as análises que compreendem o impeachment como golpe de frações da classe dominante para
assumir o poder e alcançar a efetivação de seus interesses.
8 O artigo 2º do Decreto nº 9.759/2019 considera os conselhos, os comitês, as comissões, os grupos, as juntas, as
equipes, as mesas, os fóruns, as salas e outras denominações como colegiados. O parágrafo único desse mesmo
artigo explicita aqueles que não entram no conceito de colegiado (Brasil, 2019a).
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n. 2, p. 286-306, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518