DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.41356  
A ofensiva do capitalismo neoliberal contra a  
Mãe Terra1  
The offensive of neoliberal capitalism against Mother Earth  
Michael Löwy*  
Resumo: Vivemos uma ofensiva do capital, sob  
a forma neoliberal, contra os serviços públicos,  
os pobres, os trabalhadores, as mulheres, os  
indígenas e, enfim, contra a esmagadora maioria  
da população no Brasil, na América Latina e no  
mundo. Este artigo concentra-se na ofensiva do  
capitalismo neoliberal contra a "Mãe Terra",  
revelando-se como uma verdadeira guerra  
contra a natureza e a humanidade, cujo aspecto  
mais dramático é a mudança climática, uma  
questão política e social fundamental do século  
Abstract: We are witnessing an offensive by  
capital, in its neoliberal form, against public  
services, the poor people, workers, women,  
indigenous people, and ultimately, the majority  
of the population in Brazil, Latin America, and  
the world. This article focuses on the offensive  
of neoliberal capitalism against "Mother Earth,"  
revealing itself as a true war against nature and  
humanity, with the most dramatic aspect being  
climate change, a fundamental political and  
social issue of the 21st century. The  
strengthening of anti-systemic and radical  
alternatives, such as eco-socialism, affirms the  
possibility of a different way of life.  
XXI.  
antissistêmicas  
O
fortalecimento de alternativas  
radicais, como  
e
o
ecossocialismo, e de experiências coletivas  
afirmam a possibilidade de um outro modo de  
vida.  
Palavras-chaves: Capitalismo neoliberal; Crise  
Keywords:  
Neoliberal  
capitalism;  
ambiental  
e
social; Mudança climática;  
Environmental and social crisis; Climate  
Ecossocialismo; Lutas socioecológicas.  
change;  
Eco-socialism;  
Socio-ecological  
struggles.  
Recebido em: 21/03/2023  
Aprovado em: 02/06/2023  
1 Transcrição da Conferência de Abertura do VII Seminário Internacional - Lutas Sociais, Ofensiva Ultraneoliberal  
e Serviço Social: resistências e articulações internacionais, promovido pela Faculdade de Serviço Social da UFJF.  
Transcrição e adaptação por Luciano Cardoso de Souza.  
*
Sociólogo, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, com Doutorado na Universidade de  
Paris. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), na França. ORCID:  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 1-9, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Michael Löwy  
Introdução  
Bem, primeiro eu gostaria de agradecer o convite da Faculdade de Serviço Social da  
UFJF, por me dar a oportunidade de realizar esse diálogo. Aliás, as faculdades de Serviço Social  
no Brasil estão na vanguarda de uma ciência social comprometida com as causas populares,  
uma coisa bastante interessante, que não existe na França, por exemplo; não tem nada parecido.  
Então, é realmente para mim um prazer colaborar com a Faculdade de Serviço Social nesse  
seminário.  
Nós assistimos a uma ofensiva capitalista que tem tomado nas últimas décadas a forma  
do neoliberalismo, que é uma das formas, digamos, mais violenta, mais brutal do sistema  
capitalista. Mas o problema no fundo é o próprio sistema. Bem, assistimos então a uma ofensiva  
do capital, sob a forma neoliberal, contra os pobres, contra os trabalhadores, as mulheres, os  
indígenas, enfim, à esmagadora maioria da população no Brasil, na América Latina e no mundo,  
mas aqui na América Latina no Brasil em particular.  
Essa é uma ofensiva contra os pobres, contra o “pobretariado”, eu diria, e contra os  
serviços públicos, que, para o neoliberalismo, são pura perda, puro gasto inútil: “Não  
precisamos de serviços públicos; existem tantos serviços privados, então para quê ter serviço  
público?” Há uma ofensiva já há anos contra os serviços públicos, inclusive contra o Serviço  
Social, naturalmente, mas há também uma ofensiva do capitalismo neoliberal contra “a nossa  
casa comum” – essa é a expressão do Papa Francisco: “a nossa casa comum”, isto é, a Mãe  
Terra. Então eu gostaria de concentrar as minhas observações nesse aspecto: a ofensiva do  
capitalismo neoliberal contra a Mãe Terra, isto é, contra a natureza, pois estamos testemunhando  
uma verdadeira guerra levada cabo pelo capitalismo neoliberal contra a natureza. Mas como  
nós não podemos viver sem a natureza, é uma guerra contra nós, contra a humanidade. Essa é  
a situação que nós estamos vivendo, quer dizer, a lógica capitalista de expansão ilimitada está  
levando à destruição do meio ambiente, em particular, a uma crise ecológica, cujo aspecto mais  
preocupante, mais dramático, é a mudança climática.  
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A mudança climática é, como nos advertem os cientistas do grupo internacional de  
estudo do clima, uma ameaça sem precedente na história da humanidade. Você pode voltar  
centenas de milhares de anos atrás e não vai encontrar nada parecido com o que pode se perfilar  
nas próximas décadas. É uma ameaça que resulta, como apontam os cientistas, das emissões  
com gases do efeito estufa, CO2, metano, etc., produto da queima do petróleo, do carvão, do  
gás, etc., da agricultura agroindustrial, etc., aspectos que são fundamentais no sistema  
capitalista há dois séculos, só que com o neoliberalismo, se multiplicaram por dez. Então essa  
acumulação de gases na atmosfera está provocando a subida da temperatura. Dizem os cientistas  
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que se esse aumento de temperatura superar 1,5°C, nós vamos entrar num processo  
incontrolável de aquecimento global, cujas consequências são dramáticas.  
Dois ou três exemplos, de processos que já começaram, que não são para daqui a cem  
anos, mas já começaram, como a fusão das calotas polares, os gelos da Groenlândia e da  
Antártida. Se o conjunto desses gelos entrar em fusão, o mar vai subir uns cem metros, mas  
basta ele subir alguns metros – quatro, cinco, seis metros – para que as principais cidades da  
civilização humana, Rio de Janeiro, Recife, Nova York, Amsterdam, Londres, Veneza, Hong  
Kong, etc., fiquem debaixo da água. Esse processo já começou, está se acelerando, a fusão dos  
gelos polares. Junto com isso, outro processo é a desertificação, que também já começou.  
Incêndios de florestas em grande escala pelo mundo afora. Rios secando, etc., e o aumento da  
temperatura, que já chegou na Índia e em outros lugares a 50°C. Quem é que pode viver com  
50°C? Então se coloca a pergunta: a partir de que temperatura a vida humana já não será  
possível nesse planeta? É uma pergunta que se coloca, mas não temos resposta.  
Entre parênteses: parece que há alguns anos atrás, o governo americano pediu ao  
Pentágono uma proposta sobre o que fazer, se com a mudança climática a vida se tornar  
impossível nesse planeta e a única proposta deles foi mandar um foguete para o planeta Marte.  
Nesse foguete vão o presidente dos Estados Unidos, o Congresso, o Senado, o estado maior do  
Exército, alguns cientistas, etc. Fazer o quê no planeta Marte? Não existe “planeta B”, o único  
planeta é este em que nós estamos. Então precisamos protegê-lo, ou melhor, proteger a vida  
humana que está sendo ameaçada.  
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Quem é responsável por esta catástrofe? Os cientistas não falam que é o capitalismo,  
eles dizem que é o atual sistema econômico. É o que diz também o Papa Francisco na Carta  
Encíclica Laudato si (2015), onde afirma que o atual sistema econômico globalizado em escala  
mundial, baseado na propriedade privada e na maximização do lucro, a qualquer preço, é  
responsável pela desigualdade social, pela injustiça social e pela destruição da nossa casa  
comum – que é a natureza – e pela mudança climática. Ele aponta bem isso. Então, o  
responsável é o atual sistema. Tem uma moça, que vocês devem ter ouvido falar, Greta  
Thunberg, uma jovem extraordinária da Suécia, que deve estar com dezessete anos agora. Ela  
fez várias declarações, e uma delas eu acho muito pertinente, que diz assim: é matematicamente  
impossível resolver a crise ecológica, a crise do aquecimento global, nos quadros do atual  
sistema econômico. É isso, está dito, em poucas palavras, é exatamente isso. Só faltou dar  
nomes aos bois do atual sistema capitalista na sua fase neoliberal. Essa é a situação em que nós  
estamos, uma situação grave, dramática. Diante disso, o que fazem os responsáveis (os  
governos do planeta, quase todos, com pouquíssimas exceções a serviço da acumulação do  
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Capital)? Eles se reúnem a cada ano nas conferências das partes, a Conferência das Nações  
Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), para discutir o que fazer em relação à mudança  
climática. Já são 26 reuniões, já fazem 26 anos que eles se reúnem. O resultado é muito próximo  
de zero, os resultados são declarações, algumas até boas declarações – no sentido de que  
precisamos fazer tudo para impedir que a temperatura suba mais de 1,5°C, mas na prática,  
praticamente nada.  
Aprova é que a acumulação de gás não só não diminuiu, mas aumentou e se intensificou.  
Só recuou um pouco na época da crise da pandemia de covid, mas já retomou em grande escala.  
Então, nada. Aliás, na última conferência das partes (2021), que teve lugar em Glasgow, na  
Inglaterra, o responsável pela conferência, que é um alto funcionário inglês, conservador, na  
hora de apresentar os resultados da conferência de Glasgow – a vigésima sexta – ele  
simplesmente chorou. Esse é o resumo da política dos governos, dos representantes do sistema,  
em última análise. É realmente de chorar. No fundo, a mentalidade dos grandes proprietários,  
banqueiros, proprietários de multinacionais do petróleo, etc., e todos os ramos industriais  
relacionados com o petróleo – a indústria automobilística, química clássica, etc. No fundo, a  
atitude deles é aquela do Rei Luís XV, da França. Parece que um conselheiro do Rei Luís XV  
– que foi o rei que precedeu a Revolução Francesa – disse: Majestade, se a coisa continuar  
assim vai ter uma revolução na França. Ele previu o que iria acontecer. Então o rei respondeu:  
Olha, depois de mim, que venha o dilúvio. Essa é a atitude dos membros da casta dirigente, em  
particular, o que chamo de oligarquia fóssil, ligada às empresas do carvão, do petróleo, do gás,  
e tudo ao que é relacionado. O interesse deles, o problema deles, é garantir o lucro deste ano,  
do ano que vem e pronto. O resto é que “venha o dilúvio” e ele virá se a coisa continuar assim.  
O que foi o dilúvio da Bíblia senão a subida dos mares que submergiu tudo? Pois é o que pode  
acontecer. Então essa é uma ameaça dramática, sem precedente para todos nós, para toda a  
humanidade. Se o responsável por essa ameaça, se o responsável por essa crise é o atual sistema  
capitalista na sua fase neoliberal, precisamos pensar em alternativas antissistêmicas.  
Se a raiz do problema é o sistema capitalista neoliberal, então nós precisamos arrancar  
soluções radicais e arrancar o mal pela raiz. Precisamos atacar o problema pela raiz, e  
precisamos, portanto, de alternativas radicais. O ecossocialismo é uma dessas alternativas  
radicais, e na minha opinião, é a mais coerente. Então vou apresentar, em algumas palavras, o  
que é o ecossocialismo. Como diz a palavra, o ecossocialismo é uma conjunção entre as ideias  
fundamentais do socialismo revolucionário – com seus manifestantes mais interessantes desde  
Marx até hoje – e ao mesmo tempo, junto com as colocações fundamentais da ecologia – em  
particular, o diagnóstico da crise ecológica, etc. Marx já tinha tido a intuição de que o  
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capitalismo é destruidor do meio ambiente. Em O Capital (1983) encontramos várias passagens  
que apontam para isso, mas não é para ele um tema fundamental, por uma razão muito simples:  
não era uma questão fundamental na época dele, pois estava começando o processo de  
destruição do meio ambiente. De maneira nenhuma não era uma questão fundamental e por isso  
na obra dele, tampouco. Já hoje, a coisa mudou, quer dizer, essa questão da crise ecológica, da  
catástrofe que se avizinha, a mudança climática, etc., é uma questão, talvez a questão política  
e social fundamental do século XXI. Temos que pensar o socialismo, e também o que é o  
capitalismo, em termos novos, pois são desafios novos. Por exemplo, o capitalismo, do ponto  
de vista dos marxistas ou socialistas, é um sistema brutal de exploração, de injustiça social, e  
continua sendo cada vez pior. Vocês conhecem os estudos da Oxfam, que mostram que dez  
bilionários do mundo têm tanto patrimônio quanto metade da humanidade. É uma coisa  
totalmente absurda.  
Além da injustiça social, o capitalismo é um sistema destruidor da nossa casa comum,  
da natureza, portanto da vida. Assim, também temos que entender o socialismo de uma nova  
forma, quer dizer, o ecossocialismo é um socialismo que entende que a ecologia não é um  
aspecto entre vinte e outros do programa, mas é um elemento central da nossa concepção do  
que é o socialismo. Então do socialismo nós retomamos colocações fundamentais, como a  
propriedade coletiva dos bens de produção, a planificação democrática, o poder do trabalhador,  
etc., mas nós colocamos agora no centro da reflexão o respeito pela Mãe Terra – a ecologia –  
que implica em mudanças fundamentais, implica em uma verdadeira ruptura com os  
fundamentos da civilização capitalista industrial moderna, em particular, na sua forma  
neoliberal, mas não só. Por exemplo, para começar pelas fontes de energia, precisamos acabar  
com o petróleo, o carvão, o gás; claro que não vai se fazer em uma semana, um processo de  
transição, mas precisamos sair disso antes que seja tarde demais. É uma tarefa urgente. Nós  
precisamos mudar também todo o sistema produtivo, toda a lógica capitalista da produção, que  
é a de produzir mercadorias com obsolescência programada.  
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O que é obsolescência programada? Eu sempre conto a história da minha avó, que tem  
uma geladeira que durou 40 anos. Péssimo negócio para o fabricante de geladeira. Muito melhor  
para ele fabricar uma geladeira que quebra depois de cinco anos, que é a obsolescência  
programada. Então é isso que acontece hoje em dia: todas as mercadorias são programadas para  
você ter que substituí-las depois de poucos anos, o mais depressa possível para eles. É a lógica  
do capitalismo. Um capitalista que quiser continuar produzindo bens duráveis e reparáveis vai  
para a falência. Só ficam os outros, que produzem os bens com obsolescência programada e  
não reparáveis, onde não há possibilidade de conserto e tem de se jogar fora e comprar outro.  
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Essa é a lógica do capitalismo, é claro. Então, precisamos sair disso, romper completamente  
com isso, produzir não mercadorias para lucro, mas valores de uso em função das verdadeiras  
necessidades da população e não das falsas necessidades criadas pela publicidade, que  
bombardeia constantemente “compre isso, compre aquilo”, etc. Então é uma mudança muito  
profunda que propõe o ecossocialismo. Na verdade, o ecossocialismo é um projeto de uma nova  
civilização, que rompe com a civilização capitalista industrial moderna. Uma nova civilização  
baseada em outros princípios – princípios de igualdade, solidariedade, respeito pela Mãe Terra  
– enfim, é uma outra maneira de viver, que não é a do “American way of life”, que o  
imperialismo quer estender por todo planeta.  
O ecossocialismo é uma proposta radical, uma proposta revolucionária, eu diria, mas  
ele não vai cair do céu. Só vai acontecer se nós começarmos a luta pela mudança aqui e agora.  
Só se começarmos a luta aqui e agora que talvez possamos fazer virar a mesa antes que seja  
tarde demais, porque o tempo está ficando curto. Então é uma esperança, é uma proposta, é uma  
aposta, eu diria, uma aposta no sentido de Pascal, que dizia “tem coisa que a gente não pode  
provar, não pode garantir, mas a gente tem que apostar”. É uma aposta na qual você se engaja  
toda sua vida. Mas como disse, é uma luta que começa aqui e agora e a estratégia ecossocialista  
é promover lutas, lutas ecossociais. O que é uma luta ecossocial? É uma luta que ao mesmo  
tempo é ecológica e social. Vou dar um exemplo que todos conhecem no Brasil: Chico Mendes.  
Chico Mendes, que era um socialista, um sindicalista socialista revolucionário, que organizou  
aquela “Aliança dos Povos da Floresta”, que era ao mesmo tempo uma luta social, em defesa  
do seu trabalho, dos seringueiros, dos camponeses, dos indígenas, e era uma luta em defesa da  
floresta, portanto uma luta ecológica. Então esse é um belo exemplo de lutas socioecológicas,  
e como esta, nós temos muitas no Brasil e na América Latina.  
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Por exemplo, temos hoje em dia no Brasil, lutas em torno da defesa da floresta  
amazônica, que é uma causa fundamental. Aí temos as lutas dos indígenas, que convergem com  
as lutas dos camponeses pobres sem terra, as comunidades de base. Essa luta na Amazônia é  
importantíssima, não só para a população da Amazônia, mas para todo o povo brasileiro, porque  
da Amazônia é que vêm os rios de chuva que trazem água para o sul do Brasil. Se acabar a  
Amazônia, vai ter seca no sul do Brasil, vai ter seca, como no Nordeste ou pior ainda. Então é  
uma causa de todo o povo brasileiro e é uma causa de toda humanidade, porque a Amazônia,  
como se diz, “é o pulmão do planeta” e sem a Amazônia, a catástrofe vai se acelerar. É uma luta  
muito importante, é uma luta socioecológica muito importante, junto com as outras lutas de  
comunidades indígenas, mas também na cidade.  
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Vou dar um exemplo de uma luta que é socioecológica nas cidades. Há alguns anos atrás,  
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em São Paulo e em outras grandes cidades, houve um grande movimento de jovens, em cima  
de uma demanda, de uma palavra de ordem muito concreta em relação ao transporte, que é o  
passe livre. Como o preço do transporte está caro demais, boa parte da população pobre já não  
consegue pagar, sendo de péssima qualidade, tudo privatizado, verdadeiras máfias que o  
controlam. Então o projeto, a alternativa, é um sistema de transporte público de qualidade e  
gratuito. Com isso vai se reduzir muito a circulação de automóveis, que é uma das fontes de  
emissões de gases, porque as pessoas vão poder tomar um transporte coletivo. Essa foi uma luta  
socioecológica. Não triunfou, foi reprimida, mas ficou a palavra de ordem e, cedo ou tarde, vai  
reaparecer.  
Dessas lutas socioecológicas participam jovens, trabalhadores, população pobre da  
periferia, camponeses sem terra e participam comunidades indígenas – que têm um papel muito  
importante – e participem também mulheres, que têm um papel de vanguarda, porque elas são  
as primeiras vítimas da crise ecológica, porque elas que vão buscar água no rio, elas que vão  
colher os frutos na floresta. Então as mulheres são as primeiras vítimas e não é por acaso que  
elas estão na primeira linha dessas lutas socioecológicas. Essas lutas, aliás, são ferozmente  
reprimidas pelos governos, pelos militares, pelas polícias e pelos capangas dos proprietários de  
terra, das multinacionais, etc. Muitas vezes os dirigentes dessas lutas são assassinados, foi que  
o aconteceu com Chico Mendes, como sabemos. O mesmo aconteceu com a jovem Berta  
Cáceres (dirigente indígena de Honduras), que organizou as comunidades indígenas para resistir  
contra um projeto ecocida e foi assassinada. Ela não é a única. Há outros casos que se sucedem  
por toda a América Latina e não só. É uma luta difícil, porque o nosso adversário é muito  
poderoso, ele controla a imprensa, a televisão, as fábricas, os bancos, a terra, a polícia, os  
governos, controlam tudo. Mas, do nosso lado, potencialmente, temos a esmagadora maioria da  
população que tem interesse que as coisas mudem. Então nós temos esperança. Não podemos  
abandonar a esperança, e como dizia Bertolt Brecht, para terminar, “quem luta pode perder, mas  
quem não luta já perdeu”.  
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Pergunta da professora Viviane de Souza Pereira (FSS/UFJF): A transformação social  
que buscamos, que inclui o chamado ecossocialismo, faz-se necessariamente pela construção  
de uma outra forma de vida, que questione combustíveis, locomoção pela cidade, indústria  
automobilística, agronegócio, etc. Como você vê a possibilidade de construção desse processo  
de transformação no tempo de aprofundamento da barbárie que estamos vivendo, onde  
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Michael Löwy  
paradoxalmente o capitalismo parece ter tomado como nunca uma única forma de vida  
possível?  
Michael Löwy: O capitalismo, evidentemente, o sistema capitalista, a ideologia dele é  
que não existe outra forma de vida que não seja a capitalista. Já Margaret Thatcher tinha uma  
fórmula célebre, que em inglês é TINA – que são as iniciais de “There is no alternative” – não  
tem alternativa, o capitalismo é o único sistema possível. Só que isso é absurdo. A humanidade  
conheceu vários modos de produção, vários sistemas desde a Antiguidade até hoje, que foram  
se sucedendo. Nenhum sistema é o único possível, nenhum sistema é eterno; todos eles são  
produto histórico.  
Então, se o capitalismo é um produto histórico ele também pode ser historicamente  
superado pelo processo histórico; mas isso é uma batalha política, uma batalha cultural, uma  
batalha ideológica: convencer as pessoas de que outro modo de vida é possível. Essa batalha a  
gente leva com palavras, com discursos – como eu estou fazendo agora – com livros, com  
folhetos, com artigos, etc., mas também com experiências vividas. As pessoas que se organizam  
numa cooperativa agroecológica, por exemplo, do MST no Brasil, estão fazendo a experiência  
que é possível viver de outra maneira. Claro, você não está completamente fora do sistema, mas  
você está vivendo de outra maneira e, como essa, há muitas outras experiências. Além disso,  
também no curso das lutas, as pessoas sentem que nesse processo de luta estão se dando outras  
formas de viver em conjunto. Então é uma experiência de solidariedade, uma experiência de  
igualdade. Essas experiências são muito importantes.  
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Precisamos combinar os dois: o trabalho de educação – trabalho de educação popular,  
no sentido de Paulo Freire, que é muito importante – e um trabalho de organização das lutas e  
das experiências emancipadoras, que são parte desse combate para quebrar o monopólio  
ideológico, cultural, do sistema. Nós queremos também, através dessas lutas, provar de que é  
possível se viver de outra maneira. Por exemplo, essa luta que mencionei, do passe livre, é uma  
maneira de você provar que o automóvel não é único meio de transporte. Aliás, a maioria da  
população brasileira não tem automóvel, então não passa por aí. Através das experiências da  
agricultura camponesa, de cooperativas agroecológicas, etc., você tá mostrando que o  
agronegócio não é a única maneira de você cultivar a terra. Aliás, no caso do Brasil, o que o  
agronegócio produz? Ele produz commodities para o mercado mundial, quer dizer, produz gado  
– que vai para os McDonald's do mundo – e produz soja para engordar os porcos, também nos  
Estados Unidos, na Europa, etc. Enquanto isso, o povo come arroz e feijão, que é produzido  
pela agricultura camponesa. Essa que é a realidade. Nós precisamos romper com esse modo de  
produzir e de consumir. Precisamos apontar para a possibilidade de um outro modo de vida,  
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A ofensiva do capitalismo neoliberal contra a Mãe Terra  
através das lutas, das experiências localizadas, através de um trabalho de explicação e de  
educação popular. É uma tarefa grande, mas eu acho que nós temos a possibilidade de avançar,  
porque por mais que a classe dominante controle todos os meios de comunicação, mesmo assim  
a opinião da população, dos trabalhadores, dos pobres, das mulheres, muitas vezes escapa desse  
controle. Nós temos visto muitos exemplos na América Latina. Na Bolívia se elegeu um  
presidente, que era o Evo Morales, que não estava de jeito nenhum nos quadros da doutrina  
capitalista neoliberal. Ele não conseguiu fazer tudo o que queria, mas, enfim, o povo boliviano  
mostrou que podia fazer o contrário do que diziam a imprensa, a televisão, os meios de  
comunicação. Essa batalha é difícil, mas não é impossível. Então temos que avançar nesse  
caminho.  
Referências bibliográficas  
FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo:  
Paulinas, 2015.  
MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural (Os  
Economistas), 1983.  
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Conferência das Nações Unidas sobre  
Mudanças Climáticas (COP 26). Glasgow, Reino Unido, 2021.  
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