DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.41210  
Serviço Social - Internacionalizar é preciso!  
Social Work - Internationalization is necessary!  
Berta Granja*  
Nuno Pires**  
Resumo: A internacionalização é fundamental  
para à construção das disciplinas académicas e  
profissionais, porque o conhecimento científico  
que orienta e suporta o agir profissional tem que  
ser universal, mas contendo em si próprio  
orientações sobre dinâmicas e processos para o  
necessário ajustamento aos problemas,  
contextos económicos, sociais, políticos e  
culturais locais. A internacionalização no  
serviço social confronta-se inevitavelmente  
com valores, culturas, contextos sociais e  
Abstract: Internationalization is fundamental  
for the construction of academic and  
professional disciplines, because the scientific  
knowledge that guides and supports  
professional action has to be universal, but  
containing within itself guidelines on dynamics  
and processes for the necessary adjustment to  
problems, economic, social, and political  
contexts and local cultures. Internationalization  
in social work is inevitably confronted with  
heterogeneous and often conflicting values,  
cultures, social and political contexts.  
Therefore, the article will address the challenges  
and problems related to internationalization and  
the resources that Europe and Portugal  
políticos heterogéneos  
e
muitas vezes  
conflituantes. Por isso o artigo vai abordar os  
desafios e problemas relacionados com a  
internacionalização e os recursos que a Europa  
e Portugal especificamente podem oferecer para  
apoiar a internacionalização.  
specifically  
can  
offer  
to  
support  
internationalization.  
Palavras-chaves:  
Internacionalização;  
Keywords: Internationalization; Professional  
Disciplina  
profissional; Recursos  
e
discipline; Resources and Internationalization.  
internacionalização.  
Recebido em: 16/02/2023  
Aprovado em: 17/05/2023  
*
Docente do ISSSP, elemento do departamento de relações internacionais do ISSSP, investigadora do CLISSIS –  
Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social.  
** Docente do ISSSP, Coordenador do programa Erasmus+ no ISSSP, investigador do CLISSIS – Centro Lusíada  
de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social.  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 35-48, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Berta Granja; Nuno Pires  
Introdução  
Como qualquer disciplina académica e profissional, o serviço social não dispensa a  
internacionalização, como uma condição necessária à sua construção dinâmica, actualizada e  
crítica, cujo conhecimento tem que articular o universal com o local, numa procura permanente  
de aprofundamento desse conhecimento e do seu ajustamento a contextos muito diversos.  
Num mundo onde o trabalho dos assistentes sociais, se desenvolve “sobre as múltiplas  
expressões da questão social que, nos tempos presentes, ampliam o seu fosso de desigualdade  
e injustiça, assumindo novas configurações e expressões em um mundo globalizado pelo capital  
financeiro, pelos interesses das grandes corporações, dos mídias, do conhecimento  
planetarizado, saturado, e a serviço de minorias” (YAZBEK, 2019, p. 16) a internacionalização  
é uma questão fundamental para a afirmação da profissão e construção da disciplina.  
Na intervenção social os profissionais desenvolvem processos e dinâmicas sociais para  
a mudança social, prover carências, resolver problemas, restaurar laços sociais cooperativos e  
solidários que permitam a vida e o bem-estar colectivo, necessários à condição humana. E isto  
exige sínteses do conhecimento das ciências sociais e humanas, articulação interdisciplinar com  
todas as áreas do conhecimento aplicadas às condições planetárias da vida humana. Os  
processos de intervenção social têm por base este conhecimento, operacionalizado na acção,  
em processos de ensaio e erro, que pressupõem uma disposição científica, critica, reflexiva,  
experimental com responsabilização ética sobre as consequências da operacionalização, porque  
se trata de vidas humanas e das relações sociais que daí resultam.  
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Dadas estas considerações, o artigo vai numa primeira parte analisar o porquê da  
necessidade da internacionalização para a construção do conhecimento sobre os processos e  
dinâmicas sociais da intervenção social.  
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Numa segunda parte procurará identificar alguns dos desafios que a internacionalização  
pode colocar aos profissionais e investigadores nos processos de investigação e cooperação  
internacional.  
Numa terceira parte vai informar sobre alguns dos recursos europeus que podem  
sustentar o esforço de internacionalização.  
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1 - O serviço social como disciplina académica e profissional exige  
internacionalização  
A definição Global da Profissão de Serviço Social foi aprovada nas instâncias  
internacionais da profissão:  
O serviço social é uma profissão baseada na prática e uma disciplina  
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académica que promove a mudança e o desenvolvimento social, a coesão  
social e o empoderamento e a libertação das pessoas. Princípios de justiça  
social, direitos humanos, responsabilidade colectiva e respeito pelas  
diversidades são centrais para o trabalho social. Apoiado por teorias de  
serviço social, ciências sociais, humanidades e conhecimentos indígenas, o  
serviço social envolve pessoas e estruturas para enfrentar os desafios da vida  
e melhorar o bem-estar.” 1  
Os padrões para a formação em serviço social aprovados, apontam para um  
conhecimento derivado da pesquisa, da experiência adquirida na prática em diversos contextos  
históricos, socioculturais, económicos e políticos em cada país em que o Serviço Social é  
exercido. A diversidade de práticas em campos diferentes com suporte em teorias, métodos,  
técnicas e habilidades, sustentam o exercício profissional nos diferentes níveis, micro, médio e  
macro. As orientações globais para a formação afirmam ainda que nos contextos mais amplos,  
internacionais, é necessário estabelecer o vínculo entre o global e o local, para permitir a  
transferência da formação em Serviço Social entre fronteiras internacionais.  
A internacionalização é fundamental para a construção da disciplina porque como  
afirma Ruano-Borbalan (2014):  
(…) la science est aussi un “champ” un secteur de la société constitué par des  
institutions, des politiques publiques, de professions, des discours accumulés,  
des corps de connaissances et savoirs articculés les uns aux autres mais distints  
et au centre de gravité Variable. (RUANO-BORBALAN, 2014, p. 22).  
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A internacionalização desenvolve o conhecimento sobre a experiência das políticas  
sociais ou falta delas, sobre os diferentes serviços e recursos para responder aos problemas das  
pessoas, sobre as respostas legislativas ao nível local, nacional e / ou regional / internacional,  
bem como o conhecimento das leis e tratados internacionais. Pode aumentar a compreensão dos  
papéis do Serviço Social no planeamento político, na implementação, avaliação e processos de  
mudança social, identificar as diferentes formas de defesa dos direitos humanos, da importância  
histórica dos movimentos sociais e sua interconexão com questões de classe, género e etnia /  
racial.  
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A internacionalização pode contribuir para fortalecer a identidade dos profissionais,  
como membros de uma profissão reconhecida em todo o mundo. Dubar (1997) e Sainsaulieu  
(2005), definem a identidade profissional, como identidade em rede, sempre em construção e  
com ajustes permanentes, legitimada pela actualização do saber que lhe é próprio, que se  
valoriza na procura de saberes provenientes de fontes diversas, através da investigação  
1 Definição aprovada pela Assembleia Geral IFSW e pela Assembleia Geral IASSW em julho de 2014.  
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científica. No caso do serviço social, o objecto privilegiado são os contextos, processos e  
dinâmicas da intervenção do serviço social, com competências, especialização e formação  
específica.  
O método científico pode produzir conhecimentos partindo da experiência, e os  
produtores desse saber legitimam-se pela sua formação, tecnologias, métodos rigorosos,  
procedimentos de validação e debate. A legitimação dos saberes provenientes da experiência,  
produz-se pelo grau de formalização, pelos métodos de recolha e observação, pelos processos  
de validação, pela sua codificação explícita e escrita, pela publicidade e pela organização em  
larga escala dos dispositivos de investigação. O serviço social, como disciplina, está a afirmar-  
se na comunidade científica, procura a sua autonomia epistemológica e metodológica, por isso,  
não pode prescindir da internacionalização, pois disciplinas como o serviço social:  
Para se afirmarem como domínios autónomos precisam de teorias próprias.  
Necessitam construir unidades novas de conhecimento a partir de outras  
matérias como economia, sociologia, educação, administração, etc. Fica claro,  
no entanto, que o desenvolvimento de teorias e métodos próprios, em cada  
nova área do conhecimento, passa pela transformação de múltiplos  
conhecimentos em unidades logicamente fundadas. (PAVIANI, 2004, p. 34).  
A reflexão sobre os problemas e os processos operacionais da intervenção social que se  
realiza nos fóruns internacionais, é fundamental para consolidar e valorizar os diversos tipos de  
saberes: os provenientes da experiência que emergem da acção, os teóricos que se investem  
depois de apropriados, os processuais que guiam os processos desencadeados na acção, os  
éticos que definem as opções a tomar e os saberes fazer já formalizados. Simultaneamente, esta  
reflexão permite desenvolver métodos e esquemas de análise sobre o saber agir para  
reorganizar, recriar estes saberes, nomeadamente os teóricos e verificar a sua validade na acção.  
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A reflexão internacional desenvolvida nos encontros internacionais, estimula  
o desenvolvimento da capacidade argumentativa e conceptual, a partir do  
‘quotidiano, como parcela do real, e campo de racionalidade, onde  
componentes singulares e universais concretas e abstractas se evidenciam,  
imiscuem e combinam com permutas de proximidade e distanciamento’.  
(ALBUQUERQUE, 2017, p. 23).  
Permite ainda a reorganização dos saberes teóricos a descoberta de novos contributos a  
partir da própria acção, num processo de auto-reconhecimento e a explicitação dos esquemas  
de pensamento e acção, sob a forma de saberes processuais, procedimentos do serviço social,  
que demonstrem a capacidade de articulação fecunda entre os saberes teóricos e a prática.  
Garret (2007) propõe que assistentes sociais, usem a sua capacidade reflexiva para  
escrutinar os seus habitus pessoais e colectivos, os espaços que ocupam e os seus campos de  
autonomia.  
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A reflexividade sobre a acção é uma componente da construção e reconstrução  
identitária profissional, que se consolida com os processos de reflexão internacional. A acção  
tem uma lógica de percurso, com passado, presente e futuro que se influenciam mutuamente e  
o contacto com outras realidades, outros processos históricos e políticos, estimula  
inevitavelmente confrontos entre o agir profissional e o crescente conhecimento científico  
acumulado. Este confronto internacional obriga a articular as lógicas do agir profissional, as  
lógicas dos sistemas e actores onde e com quem interage, alarga a possibilidade de escolhas e  
decisões, encoraja disposições para a inovação e a criatividade, num processo contínuo e  
dinâmico que se desenvolve no tempo e nos vários espaços e contextos.  
Não participar na reflexão internacional sobre a disciplina profissional e académica é  
contrariar o processo do desenvolvimento do seu conhecimento, num campo de saber/  
intervenção que precisa sempre considerar a realidade social, construída por políticas, recursos  
materiais, mas sobretudo seres humanos em relação. Quem não reflecte, perde de vista as  
possibilidades, deixa-se dominar pelos constrangimentos e pelas decisões que lhe alheias, perde  
os objectivos éticos originais. A capacidade reflexiva implica “manter um olhar frio sobre a  
reflexão antes de mergulhar no calor da acção.” (CROZIER, 1995, p. 217-218).  
A prática reflexiva, como prática intelectual, dialógica e social pressupõe, segundo  
Perrenoud:  
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Une suite d’opérations intellectuelles, dont les états mentaux ne sont que le  
point de départ, un état temporaire ou le point d’arrivée. On peut considérer  
cette suite d’opérations comme une «pratique intellectuelle. Elle est aussi  
souvent une pratique langagière, dialogique et sociale. (PERRONOUD, 2005, p.  
36).  
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Em contexto internacional, explicitar o pensamento pela mediação de conceitos, permite  
nomear e reconstruir os problemas, (re)construir a experiência e repertórios profissionais,  
consolidar o saber de acção nas estruturas mentais da racionalidade específica do grupo, com  
as suas representações operatórias conscientes e infra conscientes. Construir conhecimento nas  
relações internacionais, significa observar, reflectir sobre o diferente e o semelhante, analisar  
as experiências e atribuir sentido, para transferir para as situações de trabalho, saber gerir  
sentimentos, as emoções, vida e as relações com as pessoas. Nestas relações é necessário  
dominar os suportes da linguagem e os reportórios estruturados de experiência para descrever  
a realidade, interpretá-la e construir representações operacionais porque “Les praticiens sans  
réflexion se limitent au même temps qu’ils se détruisent" (SCHÖN, 1994, p. 344).  
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Essa reflexão deve ser feita para poder deliberar sobre os dados pertinentes dos  
fenómenos, com base numa actividade analítica que viabilize o recorte dos objectos de  
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conhecimento e intervenção, identifique os padrões regulares verificados na actividade  
profissional, para que possam ser reconhecidos, explicitados e transmissíveis, constituindo  
então uma fonte do saber profissional. Sem dúvida a internacionalizam é uma fonte importante  
para o enriquecimento dessa análise.  
Segundo Neto (2000) os processos reflexivos e críticos sobre o saber agir precisam  
ultrapassar a leitura empirista da própria actividade, vincular a teoria à acção para explicar a  
dinâmica social e orientar as possibilidades da acção nos processos sociais.  
Estes debates e discussões, no plano internacional, têm condições para proporcionar:  
Aprocura de perspectivas teóricas das ciências sociais para explicação dos problemas  
colocados à acção profissional, a sua permanente actualização;  
O aumento da percepção dos hiatos entre a teoria e a acção, a conjugação de  
generalismo das ciências sociais com a especificidade da acção;  
A construção de perspectivas mais lúcidas sobre realidade favorecendo a intenção -  
como uma disposição para olhar o mundo como objecto de saber, como procura de  
sentido;  
Os trabalhos escritos que se apresentam nos fóruns internacionais, estruturam e  
formalizam o saber profissional do grupo, atribuem novos significados, novos  
sistemas de legitimação. Consolidam as formas de identidade profissional, dando  
materialidade e visibilidade ao discurso comum sobre o trabalho, que desta forma se  
tornam objecto de pensamento como afirmam Lopes e Pereira (2004).  
40  
Proporcionar uma acção dialógica, cria uma linguagem colectiva, a descoberta de  
contributos teóricos, recria identidades colectivas inseparáveis das identidades individuais que  
as suportam, todos mudam e todos podem ganhar nas experiências obtidas nas interacções  
internacionais. Os eventos internacionais podem ser sequências de reflexividade aberta que,  
funcionam como grelhas de filtragem identitárias, onde se podem fazer escolhas, ter voz, usar  
o discurso próprio em primeira pessoa, significa autorizar-se a falar e ter auto-estima para expor  
e valorizar o seu saber e o mesmo tempo estar aberto a outras experiencias e saberes.  
A internacionalização foi uma estratégia fundamental para construir e afirmar a  
disciplina do serviço social em Portugal.  
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O serviço social português, como disciplina afirmou-se no contexto nacional pelo apoio  
objectivo do serviço social doutros contextos internacionais. No entanto os protocolos  
realizados com Universidades do Brasil foram determinantes.  
O grau de licenciatura foi reconhecido em 1989, resultou da luta que mobilizou  
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profissionais, estudantes, docentes e direcções de escolas que nesta altura formavam assistentes  
sociais em Portugal. Neste processo, foram apresentados pareceres de universidades europeias,  
norte americanas e da PUC-SP /Brasil, que reconheciam o programa apresentado para os cursos  
de licenciatura em Portugal, como programas com credibilidade científica.  
Ainda durante este processo, a luta pelo reconhecimento de outros níveis de formação  
(mestrado e doutoramento) e o reconhecimento da investigação em serviço social já estava em  
curso. Pois mesmo antes, em 1987 foi estabelecido um protocolo com a PUC-SP, e foi iniciado  
um curso de mestrado. Dada a resistência dos poderes políticos e académicos instalados, com  
o argumento da ausência de assistentes sociais portugueses com o estatuto de mestre e doutores  
em serviço social, foram determinantes os protocolos instituídos com o Instituto Superior de  
Serviço Social de Lisboa (ISSSL), e mais tarde com o Instituto Superior de Serviço Social do  
Porto (ISSSP) para formar os primeiros mestres em serviço social na PUC-SP.  
No decurso deste processo foi importante o esforço de alguns assistentes sociais  
portugueses que se inscreveram e concluíram o doutoramento em serviço social da PUC/SP,  
criou-se assim o primeiro grupo de Doutores em serviço social em Portugal, que abriu o  
caminho para o reconhecimento dos cursos de doutoramento que posteriormente vieram a ser  
aprovados em Universidades Portuguesas.  
Pode concluir-se que o movimento académico e profissional do serviço social  
português, foi reforçado e fortalecido pela cooperação internacional, estabelecida nos  
protocolos com a PUC-SP, e segundo Rodrigues e Andrade (2009), permitiram:  
O acesso a produção teórica ampla;  
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Reforço da uma cultura profissional própria pela ligação estabelecida com uma  
identidade profissional constituída;  
Forte incentivo à investigação;  
Saber legitimado e reconhecido internacionalmente para traçar orientações para a  
prática e a formação.  
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2 - Os desafios da internacionalização  
A internacionalização está hoje facilitada pela democratização dos meios de transporte  
e pela generalização do acesso a tecnologias de comunicação permitidas pelos computadores e  
pelas redes de conexão permitidas pela internet.  
Mas viajar para territórios desconhecidos, ou mesmo entrar em interacção com falantes  
de outras línguas e culturas, por meios virtuais, torna-se difícil quando se iniciam esses desafios.  
Internacionalizar implica desenvolver competências para falar e escrever em línguas diferentes  
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da língua materna, portanto, aprender uma língua diferente é um primeiro requisito para  
enfrentar a internacionalização. Entre Portugal e o Brasil mesmo falando a mesma língua  
verificam-se diferenças, o que também é verdade para outros falantes de português nos diversos  
continentes.  
Na Europa muitas são as línguas com diferentes origens, com alfabetos e símbolos  
diferentes.  
E se é verdade que em todas as línguas se produz conhecimento, em árabe, em russo,  
indiano, ou chinês, é necessário admitir que qualquer um de nós, por muito que conheça, só  
conhece uma parte muito reduzida do conhecimento produzido, o que só acentua a necessidade  
de cultivar a humildade e a tolerância nas nossas interacções internacionais.  
Aprender uma ou duas línguas que permitam a interacção internacional, para além das  
fronteiras mais próximas, é hoje um imperativo de todas as profissões e de todos os  
investigadores em qualquer área do conhecimento. É evidente, que esta aprendizagem deveria  
ser feita o mais cedo possível, no ensino básico e secundário, mas aprender na escola, não é  
suficiente porque é necessário praticar a fala e a leitura, sobretudo da linguagem técnica mais  
especifica ao grupo profissional e disciplinar, para consolidar a aprendizagem em línguas  
diferentes da língua materna. Mas mesmo dominando melhor ou pior outras línguas nunca se  
resolvem todos os problemas linguísticos, sobretudo nos países cujo alfabeto é diferente do  
nosso. Fixar por exemplo, o nome de uma rua onde se está alojado, que se escreve de uma forma  
que não sabemos pronunciar e muito menos ler ou escrever, pode ser um elemento de ansiedade  
quando nos deslocamos numa cidade de um país estrangeiro.  
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Viajar implica ainda correr riscos para enfrentar aventuras imprevistas, por melhores  
que sejam os planos. A incerteza do desconhecido exige criar e desenvolver disposições de  
abertura a culturas e saberes diferentes, humildade para compreender o caminho feito pelo  
grupo profissional noutros contextos sociais e políticos, para reconhecer o avanço ou bloqueios  
dos contextos formativos diferentes dos nossos.  
Quem está habituado a estabelecer contactos internacionais tem que se preparar e  
programar para, por exemplo, gerir diferenças horárias muitas vezes de muitas horas. Mesmo  
para marcar uma reunião, entre um país da América latina, Portugal e um outro país europeu,  
já é necessário gerir agendas muito diferentes: quando na américa latina estão a acordar, em  
Portugal estamos a meio da manhã e na Alemanha é hora de almoçar.  
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É preciso enfrentar o desafio das viagens, dos meios de transporte diferentes, das  
informações que nos parecem sempre insuficientes, decifrar redes de transportes complexas que  
nos levam ao desconhecido, sentir a desorientação inicial em espaços que ignoramos.  
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As culturas e as religiões diferentes também apresentam desafios. Por exemplo conviver  
com hábitos e produtos alimentares desconhecidos, ajustar quando necessário as formas de  
vestir a culturas diversas, gerir horários em quotidianos organizados de forma diferentes (em  
Espanha por exemplo almoçam mais tarde que nos outros países europeus), adaptar-se a  
dinâmicas de convívio social diferentes da nossa cultura, pode trazer incertezas, medos,  
incompreensões.  
Mas apesar dos desafios e dos riscos, aprofundar e consolidar a cooperação internacional  
é fundamental, porque como afirma Andrade (2002):  
Só pensando, argumentando, debatendo, concordando, discordando, podemos  
esclarecer dúvidas, optar, avaliar e gerir os riscos (…). Congregar vontades, é  
um imperativo necessário para desencadear, desenvolver, e difundir processos  
de construção, apropriação, e transmissão de saberes (…). (ANDRADE, 2002,  
p. 40).  
3 - A internacionalização e os recursos necessários  
A internacionalização exige recursos materiais, mesmo quando existem disposições das  
pessoas e instituições para desenvolver processos, protocolos e eventos de nível internacional.  
Apresentam-se agora alguns dos programas que a nível europeu podem trazer recursos  
para os processos de internacionalização. No entanto, geralmente para que os países  
estrangeiros fora da EU, tenham acesso a esses recursos é sempre necessário que estejam  
ligados com países da EU.  
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3.1 - O programa Erasmus para o ensino superior  
O Programa Erasmus+ é já uma história de sucesso na União Europeia. O Erasmus tem  
impacto na vida de milhares de estudantes, que devido a este programa já estudaram ou  
estagiaram num país diferente do seu, puderam conviver e estudar com colegas europeus ou  
escutaram as suas exposições e participaram em aulas orientadas por docentes de outras  
universidades europeias. Muitos participaram em partenariados, em seminários intensivos, em  
estágios profissionais.  
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Este programa tornou-se o mais célebre de todos os programas europeus. Ser estudante  
ERASMUS, para um professor ou técnico não docente, fazer uma mobilidade para outra  
universidade transformou-se numa situação normal do quotidiano europeu no ensino superior.  
Acolher estudantes ERASMUS faz parte da vida das cidades universitárias da União Europeia.  
O Erasmus+ - programa da União Europeia (EU) para a educação e formação, juventude  
e desporto, é um instrumento fundamental para a construção de um espaço europeu de educação  
e para a promoção da cooperação estratégica europeia neste campo.  
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O programa Erasmus estabelece como objectivos contribuir para o desenvolvimento da  
inclusão e coesão social e para a construção de sociedades mais ecológicas, preparadas para a  
era digital e participação democrática. Prevê instrumentos para reduzir o impacto dos problemas  
de saúde, deficiência e os obstáculos relacionados com os sistemas de ensino e formação, as  
diferenças culturais e os obstáculos sociais como as dificuldades de adaptação social, obstáculos  
e desvantagens económicas.  
Relativamente aos países terceiros como é o caso do Brasil os objectivos gerais do  
programa são contribuir para:  
Melhorar a qualidade do ensino superior,  
Melhorar o nível de competências e facilitar a empregabilidade,  
Promover a educação inclusiva, a igualdade e a equidade.  
O programa ERASMUS+ para o ensino superior estrutura-se em diferentes plataformas  
que a seguir se indicam, que são geridas pela EU e pelas agências nacionais. Dispõem de  
orçamentos que são aprovados com cada programa plurianual, e que vão variando de acordo  
com as medidas aprovadas para cada programa.  
3.1.1 - Mobilidade individual  
Mobilidade alunos, docentes e funcionários do ensino superior, cuja duração depende  
dos objectivos da mobilidade:  
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Para os estudantes as mobilidades tem normalmente a duração de um semestre2, para  
realizar, um período de formação numa instituição de ensino superior europeia, numa  
empresa ou em qualquer outro local de trabalho pertinente (os docentes e pessoal não  
docente, geralmente fazem mobilidade de pequena e média duração);  
Programas intensivos mistos são programas curtos e intensivos que utilizam formas  
inovadoras de aprender e ensinar, incluindo a utilização da cooperação em linha,  
onde grupos de estudantes ou de pessoal realizarão, como aprendentes, uma atividade  
de mobilidade física de curta duração no estrangeiro, combinada com uma  
componente virtual obrigatória (actividades colaborativos em linha);  
Mobilidade internacional que pode envolver países terceiros (relativamente à  
América Latina, o orçamento com o Brasil e o México em conjunto, não pode  
ultrapassar 30 % do orçamento de cada projeto).  
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Os estudantes de países terceiros como o Brasil que estudam nas universidades  
2 Podem ser de menor duração ou prolongar-se por um ano.  
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europeias podem aceder às mobilidades ERASMUS em qualquer ciclo do ensino universitário  
(licenciatura, mestrado ou doutoramento)  
O programa actual prevê ainda intercâmbios virtuais nos domínios do ensino superior  
para desenvolver actividades online, como debates para alunos de Instituições de Ensino  
Superior e formação de professores.  
3.1.2 - Parcerias de cooperação.  
Os resultados a obter com estas parcerias devem trazer abordagens inovadoras ao  
encontro dos respetivos grupos-alvo, um ambiente mais moderno, dinâmico, empenhado e  
profissional no seio das organizações, maior capacidade e profissionalismo para trabalhar ao  
nível da UE/internacional. Propõe a cooperação entre organizações e instituições parceiras para  
a cooperação, (média e pequena dimensão). (Universidades, centros de formação e Academias  
de Professores Erasmus+).  
Parcerias para a excelência, incluindo Centros de Excelência Profissional, Academia de  
Professores e a Ação Erasmus Mundus.  
Destacamos pela sua importância os Mestrados Conjuntos Erasmus Mundus (MCEM)  
que pretendem ser programas de excelência ao nível académico e com elevado grau de  
articulação / integração entre instituições académicas.  
A sua organização é complexa e tem que cumprir muitos requisitos:  
Programa curricular académico conjunto e inteiramente integrado (política  
linguística acordada, períodos de estudo);  
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Requisitos de admissão de estudantes (regras e procedimentos de candidatura,  
selecção, propinas, monitorização e avaliação de desempenho conjuntos, serviços  
comuns oferecidos);  
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Sítio Web específico que seja integrado e abrangente (em língua inglesa, assim como  
na principal língua de ensino);  
Diplomas conjuntos;  
Para ter um mestrado ERASMUS MUNDUS é preciso integrar três instituições de  
ensino superior de três países diferentes, dos quais, dois têm de ser da EU;  
Um contrato de parceria MCEM, que tem de ser assinado por todas as instituições  
parceiras. Este contrato de parceria implica questões académicas, operacionais,  
administrativas e financeiras, que condicionam a gestão financeira e administrativa  
conjunta, e têm que ser aprovados por todas as instituições envolvidas na parceria.  
Parcerias para a inovação e parcerias para promover projetos de reforço de capacidades  
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no domínio do ensino superior, são parcerias que normalmente exigem que os países terceiros  
estejam inscritos nos respectivos programas europeus.  
3.2 - Os programas de apoio à investigação científica na Europa - (Europa 2020, Horizon  
entre outros)  
Tais programas podem trazer possibilidades de cooperação internacional com países  
terceiros, mas sempre têm que envolver países europeus:  
A sua missão é responder aos desafios na saúde, problemas societais e económicos e os  
seus objetivos:  
Enfrentar o desafio verde;  
Desenvolver a Europa digital;  
Pôr a economia ao serviço do povo;  
Promover o modo de vida europeu;  
Fortalecer a Europa no mundo;  
Aprofundar a democracia europeia;  
Melhorar o funcionamento da Comissão Europeia.  
3.3 - A Fundação para a Ciência e Tecnologia - FCT  
FCT – Agencia Pública Nacional para a investigação em Ciência e Tecnologia e  
Inovação.  
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Objetivos da FCT:  
Tornar Portugal uma referência internacional;  
Assegurar que o investimento contribui para o crescimento económico e o bem-estar  
do cidadão;  
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Bolsas e contratos com investigadores (bolsas de doutoramento pós doutoramento);  
Financiamento de projetos (serviços, bolseiros, missões no exterior);  
Apoio a centros de investigação;  
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Coordenação de políticas públicas para a sociedade de informação e conhecimento  
em Portugal.  
A FCT apoia projetos de investigação desenvolvidos no âmbito dos centros de  
investigação directamente financiados pela FCT, ou projetos apresentados por equipas de  
investigação.  
Relativamente a países estrangeiros pode financiar missões de investigação de  
investigadores nacionais a países estrangeiros, publicações de artigos científicos que incluam  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 35-48, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Serviço Social - Internacionalizar é preciso!  
autores estrangeiros e missões de investigadores estrangeiros como consultores ou participantes  
em eventos nacionais entre outras possibilidades.  
3.4 - Associação Europeia das Escolas de Serviço Social  
Esta associação pode financiar pequenos projetos e apoiar missões, recursos logísticos,  
para projetos de investigação e participação em Congressos.  
Considerações finais  
É necessário estimular a escrita profissional, treinar os profissionais para construir  
discursos argumentativos sobre quem são, que valores defendem, o que fazem, em articulação  
com as instâncias de formação e de investigação a nível internacional, para isso é necessário o  
aprender no mínimo outro idioma relevante para as trocas científicas.  
É necessário estimular a actividade reflexiva nos contextos territoriais próximos, mas  
também internacionais, desenvolver disposições de abertura ao desconhecido, ao diferente e ao  
enfrentamento dos riscos inerentes e capacidade de escuta de outras experiencias, percursos  
históricos e políticos.  
Para que os recursos para a internacionalização sejam acessíveis, é necessário consolidar  
redes de cooperação internacional, numa perspectiva colaborativa, em situação de igualdade e  
de vantagens mútuas.  
47  
Em síntese o desenvolvimento da investigação e cooperação em rede envolvendo  
investigadores, profissionais docentes e estudantes é fundamental num período marcado por  
problemas planetários. Numa perspectiva de construção da reflexão internacional é necessário  
desenvolver processos de cooperação e investigação com utilidade social e na invenção de  
respostas que, sem acentuar a prescrição sobre os profissionais, valorizem e reconheçam o saber  
agir profissional, os seus desafios, poderes e limites, vividos nos diversos contextos socio  
históricos e políticos, pois a internacionalização, a investigação e os processos reflexivos, como  
afirma Granja (2011) são e precisam ser aprofundados como objecto da actividade profissional:  
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Participar nos processos reflexivos e criativos sobre a actividade profissional  
para a (re)construção permanente do saber da acção e contribuir para o avanço  
do conhecimento sobre os processos de mudança social e respostas aos  
problemas sociais (GRANJA, 2011, p. 451).  
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Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 35-48, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Berta Granja; Nuno Pires  
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