DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.40800  
Estado brasileiro e a subserviência ao capital:  
traços da formação econômica brasileira  
Brazilian state and subservience to capital: traits of the Brazilian economic  
formation  
Everton Melo da Silva*  
Resumo: O Estado brasileiro historicamente  
constituiu-se subserviente ao capital  
internacional e nacional, o que nos provoca a  
analisar seu vínculo de dependência  
subordinação aos ditames do sistema do capital.  
Por meio de uma pesquisa bibliográfica, e  
ancorado no método materialismo histórico-  
dialético e teoria social de Karl Marx,  
desvendamos a gênese, a formação e o  
desenvolvimento do Estado brasileiro através  
das profícuas pesquisas de autores clássicos e  
contemporâneos da formação sócio-histórica do  
Abstract: The Brazilian State has historically  
constituted itself subservient to international  
and national capital, which leads us to analyze  
its bond of dependence and subordination to the  
dictates of the capital system. Through a  
bibliographical research, and anchored in the  
historical-dialectical materialism method and  
social theory of Karl Marx, we unveil the  
genesis, formation and development of the  
Brazilian State through the fruitful researches of  
classic and contemporary authors of the socio-  
historical formation of Brazil. It is understood  
that in order to unveil the current performance  
of the State and Brazilian capitalism under the  
fierce auspices of neoliberalism, it is crucial to  
apprehend the process of constitution of the  
state apparatus from the point of view of the  
critique of political economy, capturing the  
form that capital assumes in the dynamics  
Brazilian economy and the correspondence of  
the Brazilian State.  
e
Brasil. Entende-se que para desvelar  
a
performance atual do Estado e capitalismo  
brasileiro sob os auspícios feroz do  
neoliberalismo é crucial apreender o processo  
de constituição do aparato estatal sob o ponto de  
vista da crítica da economia política, capturando  
a forma que o capital assume na dinâmica  
econômica brasileira e a correspondência do  
Estado brasileiro.  
Palavras-chaves: Estado brasileiro; Formação  
Keywords: Brazilian state; Brazilian economic  
econômica brasileira; Capital.  
formation; Capital.  
Recebido em: 08/04/2023  
Aprovado em: 27/05/2023  
*
Assistente Social. Professor Adjunto do Curso de Serviço Social/Unidade Educacional Palmeira dos  
Índios/UFAL. Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas. Líder do Grupo de Estudos e  
Pesquisas Economia Política e Sociedade (UFAL) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Marxistas  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 228-251, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
Introdução  
As reflexões aqui contidas neste artigo fazem parte dos resultados da pesquisa de  
doutoramento que teve como um dos objetivos analisar as particularidades do Estado brasileiro  
na dinâmica da formação e desenvolvimento do modo de produção capitalista. Compreendemos  
que, para entender o atual estágio do capitalismo brasileiro e as requisições ao Estado é  
essencial desvelar o processo de constituição do aparato estatal no Brasil sob o ponto de vista  
da crítica da economia política, capturando a forma que o capital assume na dinâmica  
econômica brasileira e a correspondência do Estado brasileiro.  
Nesta direção, o objetivo deste artigo constitui-se em apresentar o Estado brasileiro  
diante do vínculo de dependência e subordinação (heteronomia) do capital nacional em relação  
às demandas do capital internacional a partir da mediação da formação econômica do  
capitalismo brasileiro. Para alcançar tal objetivo, debruçamo-nos sobre autores clássicos e  
contemporâneos da formação sócio-histórica brasileira na tentativa de captar as principais  
determinações da realidade social. A abordagem histórica foi essencial, pois a concepção  
histórica da dialética marxiana parte da intenção e da ação de compreender as categorias que  
geram os processos históricos e os sujeitos partícipes desse processo, em suas particularidades  
e potencialidades.  
O artigo conta com duas seções, além desta breve introdução e considerações finais. Na  
primeira seção, apresentamos a constituição e desenvolvimento do Estado brasileiro por meio  
da análise da movimentação do capital e do capitalismo no Brasil, isto é, entre as demandas e  
requisições da economia nacional e internacional sobre o aparato estatal, principalmente com a  
industrialização hipertardia brasileira. Em seguida, desvelamos, na segunda seção, a  
configuração do regime militar-empresarial sob a dependência e subordinação ao capital  
estrangeiro e as tendências do neoliberalismo no Brasil. Nas considerações finais, sintetizamos  
algumas tendências do Estado brasileiro que servem para subsidiar análises sobre os desafios  
postos ao Serviço Social.  
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O processo de constituição do Estado brasileiro e a industrialização hipertardia  
associada à dependência do capital estrangeiro  
Na gênese e desenvolvimento do Brasil colônia não havia a formação de um Estado  
autenticamente brasileiro, nem um Estado com todas as suas dimensões institucionais, jurídicas  
e normativas. O que não significa que no território brasileiro não existiu, em sua gênese, a figura  
do Estado, até porque em qualquer sociedade de classe onde predomina a exploração do homem  
pelo homem há sempre uma forma de Estado. Explico: comumente, tem-se o Estado no Brasil  
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colônia como “[...] peças daquele Estado, apêndices dos órgãos centrais, sediados na  
metrópole.” (SODRÉ, 1990, p. 49). A economia colonial contava com um aparato estatal que,  
apesar de incipiente, fazia-se presente no processo de organização da economia e com a  
administração colonial. No modelo de Governo Geral, havia cargos administrativos de ouvidor-  
mor, provedor-mor e capitão-mor, responsáveis, respectivamente, por questões jurídicas,  
impostos e defesas militares contra os estrangeiros indesejáveis, os indígenas e os negros.  
Objetivamente, no processo de colonização, o Brasil foi dividido em capitanias  
hereditárias como forma de administração da colônia com autonomia política, mas  
subalternizadas ao Rei de Portugal D. João III (SODRÉ, 1990), isto é, ao Estado português. Até  
a vinda da Família Real, vigorou no Brasil o “Estado colonial”, apêndice do Estado absolutista  
português, com a função de controle da produção e da vida social.  
A partir do momento que Portugal invadiu o Brasil, com a finalidade de estabelecer  
exploração na colônia, as terras passaram a ser consideradas como propriedade privada da coroa  
portuguesa, refirmando essa premissa por meio da concessão de terras a donatários-aventureiros  
e pela vinda de tropas militares. Entendemos que a propriedade privada está estabelecida  
formalmente desde o início da colonização, utilizando a violência como forma de produção e  
reprodução das relações econômicas e sociais e, portanto, “[...] a parteira de toda sociedade  
velha que está prenhe de uma sociedade nova.” (MARX, 2013, p. 821). A coroa portuguesa  
garantiu condições básicas para os “capitalistas-colonizadores” investirem seu capital mercantil  
no Brasil, tal como com a atribuição de posse de grandes terras com o intuito de produzir e  
exportar mercadorias para a Europa.  
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O Estado no Brasil apresentava sua dimensão coercitiva e violenta desde sua chegada,  
contendo revoltas, insurgências e rebeliões contra qualquer tipo de movimentação de rebeldia  
em oposição aos determinantes exploradores dos europeus. A coerção do aparato repressor-  
punitivo do Estado vem a ser um dos principais traços característicos do Estado brasileiro,  
onde a violência estatal é sistemática, continua e funcional ao capital, especialmente em  
tempos de crise.  
A administração da colônia – e dos outros territórios apropriados pelos portugueses –  
colocou-se como uma urgência para a metrópole, devido à corrida marítima com outros países  
colonizadores (Espanha, Holanda e França) para garantir a posse e o poder sobre os territórios  
apropriados. Assim, estabeleceu-se “[...] a unidade administrativa criando o Conselho  
Ultramarinho, cujo regulamento data de 14 de julho de 1642, e que permanecerá até o fim da  
era colonial.” (PRADO JUNIOR, 1994, p. 51, grifos originais). No final do século XVII, com  
a intensificação da povoação e do aumento da produção da economia colonial, há o reforço do  
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poder estatal no Brasil. A expressão jurídico-legal do Estado no Brasil encontrava-se presente  
sob ordens direta do Estado português.  
Outra atividade econômica que complexificou a forma de organização social da colônia,  
dinamizou a economia e exigiu de Portugal o aumento do controle sobre território brasileiro foi  
a mineração. Essa acentuou a principal característica da economia brasileira: a apropriação das  
riquezas naturais para reprodução do capital internacional. O conteúdo da extração de ouro e  
diamante foi transferido, principalmente, para a Inglaterra, impulsionando a industrialização  
desse país, enquanto para o Brasil a mineração reforçou a tendência exportadora de produtos  
primários.  
Além de dinamizar a balança de exportação, estabeleceu um mercado interno de  
produtos de subsistência mais diligente e dinâmico e possibilitou a interiorização do território  
brasileiro. As atividades mineradoras coexistiram com a Plantation, porém aquelas  
impulsionaram e dinamizaram a economia nacional, centrada na agricultura agroexportadora.  
A mineração causou um aumento da produção da riqueza no Brasil e um crescimento  
populacional, seja por meio da chegada de viajantes em busca do enriquecimento  
proporcionado pelo ouro ou, até mesmo, pela imigração interna, o que demandou um aparelho  
estatal que comportasse a estrutura produtiva mineradora, conforme atestou Sodré (1990, p.  
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[...] o deslocamento da sede do governo colonial, a elevação do Brasil a vice-  
reino, o desdobramento dos órgãos judiciários, o crescimento das forças  
militares, as regulares e as irregularidades, o desenvolvimento gigantesco das  
repartições burocráticas, o rigor e a ampliação dos órgãos fiscais e tributários,  
a submissão das próprias organizações religiosas.  
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No âmbito das regulações da economia mineradora o Estado interviu fortemente por  
meio de “regimento dos superintendentes, guardas-mores e oficiais deputados para as minas de  
ouro” (SODRÉ, 1990, p. 51), além disso, o governo português, que controlava as casas de  
fundição, complexificou o aparelho judiciário e aumentou o controle das zonas de mineração  
com tropas militares para evitar roubos, furtos ou o não pagamento dos tributos a Portugal pelos  
donos das minas (SODRÉ, 1990), o que exigiu o aumento do funcionalismo público e das  
profissões liberais.  
A estrutura mineradora teve como base o trabalho escravo e o trabalho livre. A  
mineração, igualmente à agricultura, não desenvolveu novas técnicas, reafirmando o traço  
constitutivo da estrutura produtiva brasileira versada na ausência do desenvolvimento da base  
técnica e científica das forças produtivas (PRADO JUNIOR, 1994). Historicamente, o Estado  
brasileiro “antinacional” não incentiva o progresso técnico e científico, essenciais para o  
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desenvolvimento econômico capitalista, o que contribui para reafirmar a dependência e  
subordinação da base técnica e científica em relação ao capitalismo central. A coroa não tinha  
interesse, nem o Estado, em desenvolver uma base técnica e científica. A agricultura  
rudimentar/arcaica permaneceu por vários séculos, utilizou principalmente a enxada; a  
mineração, do mesmo modo, não desenvolveu novas técnicas. O que mantinha a dinâmica da  
produção para a exportação era o grande número de trabalhadores, no caso, o trabalho escravo.  
Alerta Prado Júnior (1994, p. 92) que  
[...] o baixo nível técnico das nossas atividades agrárias e as consequências  
que teria, não se devem atribuir unicamente à incapacidade do colono. [...]  
Estava no próprio sistema, um sistema de agricultura extensiva que  
desbaratava com mãos pródigas uma riqueza que não podia repor.  
Não havia investimento no desenvolvimento das forças produtivas, apenas na  
intensificação da exploração da força de trabalho. Indiscutivelmente, o trabalho escravo foi a  
base para o êxito da empresa colonizadora. Entretanto, com a emergência da nova dinâmica do  
capitalismo industrial na Europa, essa estrutura escravista se tornava um empecilho, um entrave  
para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro. O trabalho escravo não correspondia mais à  
base econômica que surgia e entrava em contradição com o estatuto colonial (FERNANDES,  
1976).  
É sob a base material do estatuto colonial que se constitui o Estado brasileiro. Seu marco  
histórico consiste na vinda da Família Real Portuguesa (1808), que trouxe seu aparato estatal,  
implementando no Brasil o Estado com funções burocráticas específicas; e com a  
Independência do Brasil (1822), observamos os contornos políticos específicos desse Estado e  
da classe burguesa. Amplificaram-se, portanto, as seguintes funções: “[...] das forças armadas,  
instrução pública, higiene, povoamento, abertura de novas estradas, obras de urbanismo no Rio  
de Janeiro, etc.” (PRADO JUNIOR, 1994, p. 138), o que gerou despesas econômicas para  
manter a função sociopolítica do aparato estatal.  
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A base material do sistema colonial não demandava uma organização estatal complexa.  
Com o Estado brasileiro delineado, a organização estatal que operava “de fora para dentro”  
passou a operar “de dentro para fora”, obviamente, com a mesma essência de atender aos  
determinantes do mercado mundial e aos interesses da dinâmica do capital internacional.  
Escreve Fernandes (1976, p. 32) que  
sob o estatuto colonial, não só o controle do poder se operava de fora para  
dentro; as probabilidades de atuação social das elites ‘nativas’ subordinavam-  
se às conveniências da Coroa e dos que representassem, dentro da sociedade  
colonial, os seus interesses econômicos, sociais e políticos mais profundos.  
A Independência do Brasil foi resumida à barganha desajustada da oligarquia brasileira  
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com a metrópole para que essa renunciasse, em partes, o seu poder econômico para conservar  
seu poder político de comando do Estado. Entretanto, institui-se uma forma de autonomia  
política relativa, devido à dependência ontológica da estrutura produtiva com relação à  
superestrutura estatal. Esse processo determina a conformação do caráter antinacional do  
Estado brasileiro, conforme apontou Mazzeo (2015, p. 107), “[...] a Independência assemelha-  
se mais à contrarrevolução do que à revolução; à conciliação com o velho, relegando ao novo  
uma exterioridade vazia de significado concreto.”.  
A metrópole e outros países europeus eram favoráveis à extinção do estatuto colonial,  
desde que essa extinção não rompesse com a dependência e subordinação econômica. Isto é, os  
interesses do mercado externo eram nítidos e prioritários no processo de concordância com o  
fim da condição de colônia. Assim, a Independência cessa, limitadamente, com o estatuto  
colonial e autonomiza, relativamente, a nascente burguesia brasileira (FERNANDES, 1976),  
que iria se moldando e revigorando suas raízes por meio das determinações conjunturais da  
sociedade brasileira. De acordo com esse autor,  
[...] a burguesia nacional converte-se, estruturalmente, numa burguesia pró-  
imperialista, incapaz de passar de mecanismos autoprotetivos indiretos ou  
passivos para ações frontalmente antiimperialistas, quer no plano dos  
negócios, quer no plano propriamente político e diplomático. (FERNANDES,  
1976, p. 305).  
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A emergência do Império tem sua base material na crise do sistema colonial,  
[...] que expressa a necessidade de superação das relações de produção e  
circulação fundamentadas no mercantilismo. [...], no entanto, ao invés da  
morte do capital mercantil, o que se observa é uma metamorfose em que o  
capital mercantil deixa de ser o polo regente da produção para emergir na  
circulação como expressão do desenvolvimento das relações genuinamente  
capitalistas. (SANTOS NETO, 2015, p. 98).  
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Para Fernandes (1976), o processo de Independência é complexo e se desdobra em dois  
aspectos interrelacionados: o caráter revolucionário e o caráter conservador. Apesar de ser  
paradoxal, o processo de compreensão desafia a aparência dos fenômenos e exige a captação  
das raízes estruturantes da economia política brasileira. Descreve Fernandes (1976, p. 32-33,  
grifos nossos) que:  
O elemento revolucionário aparecia nos propósitos de despojar a ordem social,  
herdada da sociedade colonial, dos caracteres heteronômicos aos quais fora  
moldada, requisito para que ela adquirisse a elasticidade e a autonomia  
exigidas por uma sociedade nacional. O elemento conservador evidenciava-  
se nos propósitos de preservar e fortalecer, a todo custo, uma ordem social que  
não possuía condições materiais e morais suficientes para engendrar o padrão  
de autonomia necessário à construção e ao florescimento de uma Nação.  
O exemplo do processo da Independência do Brasil é latente para ilustrar os moldes da  
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cultura política brasileira, onde D. Pedro I, “o Libertador”, conciliou os desejos econômico-  
políticos de Portugal com a nascente burguesia brasileira, manobrando soluções “pelo alto” e  
antevendo as movimentações populares que eclodiam no solo brasileiro, como a Inconfidência  
Mineira e a Conjuração Baiana que, apesar das suas características distintas, sendo essa mais  
radical em suas finalidades que aquela, tinham por objetivo a separação entre Brasil e Portugal.  
Para Santos Neto (2005, p. 143), “a independência política passou pela mediação do  
capital inglês, que concedeu empréstimos para que o país pudesse assumir a dívida portuguesa,  
transferida aos cofres públicos brasileiros, no valor de dois milhões de libras.”. Essa  
argumentação deixa explícito que, com o processo de Independência, entra em cena o domínio  
britânico e a dívida pública na configuração da economia brasileira. O capital inglês inicia  
sua presença fortemente na construção de estradas de ferro, equipamentos de portos e início da  
mecanização do setor rural (PRADO JUNIOR, 1994), infraestruturas que dão fluidez à  
dinâmica do capital.  
Devido às nossas particularidades econômicas diante do capitalismo mundial, o Estado  
possui funções essenciais “atípicas” perante a economia: “[...] em vez de objetivar o fim que  
realmente lhe compete, que é de contribuir para a estruturação de uma economia efetivamente  
nacional, se põe a serviço de empreendimentos imperialistas [...].” (PRADO JUNIOR, 1994, p.  
322), conforme visualizaremos com mais profundidade e latência no próximo item.  
A formação econômica e política do Brasil é marcada por “revoluções” sem rupturas  
com seu passado, “revoluções” com mudanças em suas formas, em sua aparência, contudo, em  
sua essência, trazem o caráter da conservação de marcas insuperáveis do estatuto colonial. Em  
outras palavras, o pretérito sempre se apresenta como a novidade, é um “novo” que carrega os  
cernes das ruínas coloniais escravistas, latifundiárias e monocultoras de uma economia  
dependente e subordinada (MAZZEO, 2015), combinação de relações progressistas capitalistas  
e relações arcaicas políticas.  
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O caráter contrarrevolucionário constitui-se umas das características latentes da  
burguesia brasileira que, mesmo dispondo de consciência sobre seu papel com relação à  
metrópole, optou (com base em suas condições objetivas) por estabelecer mudanças  
superficiais, mesmo sabendo que a metrópole precisava substancialmente da sua colônia em  
termos econômicos. Devido às condições objetivas, a burguesia brasileira manteve o atraso  
econômico e oposição à participação popular (MAZZEO, 1995), resultando na manutenção, em  
parte, do estatuto colonial pela burguesia. Com a autocracia burguesa institucionalizada, o  
Estado brasileiro atuará na contenção da classe trabalhadora, para o capitalismo se desenvolver  
com mais tranquilidade.  
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Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
Com o processo de Independência, alastra-se a doutrina liberal no Brasil, não em sua  
forma clássica europeia, uma vez que a principal característica do liberalismo é a liberdade  
individual para vender sua força de trabalho, e aqui tinha-se o obstáculo da estrutura escravista  
colonial (MAZZEO, 2015). Nesse país, o liberalismo foi transmutado em ser livre para  
comercializar; naquele momento histórico, era fundamental para a Inglaterra – país que estava  
com sua industrialização acelerada e precisava dar vazão às suas mercadorias – que o Brasil  
estivesse desprendido das amarras de Portugal para comercializar livremente. O liberalismo foi  
utilizado de forma instrumental no processo de Independência, contribuindo para a diluição  
ideológica do estatuto colonial, mas preservando o sistema escravista. Para a concretização do  
liberalismo com seu caráter revolucionário e transformador das relações econômicas, políticas  
e sociais, era fundamental bases materiais da estrutura produtiva, o que no Brasil tornou-se um  
empecilho com as relações escravistas. Mesmo com a abolição da estrutura escravista, em  
especial, o trabalho escravo, a economia brasileira não reverteu sua subserviência econômica.  
A abolição, produto dos movimentos negros e das resistências, além das pressões econômicas  
da Inglaterra, protegeu os senhores de escravos pela legislação estatal.  
A nascente economia cafeeira, no final do século XIX, exigiu novas relações de  
trabalho, especificamente o trabalho assalariado com força de trabalho do imigrante. O Estado  
brasileiro financiou a importação dessa força de trabalho europeia para as fazendas de café.  
Segundo Sodré (1990, p. 111), “por meio do século, entre 1880 e 1930, chegaram ao Brasil  
quatro milhões de imigrantes.”. A acumulação de capital no Brasil foi possibilitada pela  
economia cafeeira, uma acumulação pelo campo que sustentou, por longas décadas, a economia  
nacional e a base do poder político, conduzindo o desenvolvimento do Estado brasileiro. Foi  
uma tendência de acumulação específica brasileira, constituindo-se como uma particularidade  
da formação econômica.  
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O Estado brasileiro ganhou novas conotações com a eclosão do capital industrial e a  
emergência do proletariado, principalmente a partir das greves de 1917, exigindo um Estado  
não só de natureza coercitiva, mas portador de projetos ideológicos de manutenção do status  
quo, sendo a intervenção pública direta no desenvolvimento da industrialização para dinamizar  
a economia nacional um dos principais exemplos dessa tendência.  
O movimento de transformação e intensificação da divisão internacional do trabalho  
provocou mudanças no espectro mundial com a expansão do capital por todos os domínios dos  
quatro cantos do mundo, configurando “[...] uma totalidade heterogênea, desigual e  
contraditória.” (IANNI, 2019, p. 94). Essas transformações resultaram em modificações  
substanciais na economia brasileira, inclusive “o desenvolvimento industrial brasileiro esteve  
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relacionado ao processo de expansão do imperialismo na segunda metade do século XIX,  
especialmente à necessidade do capital financeiro de exportar seus capitais excedentes [...]”  
(SANTOS NETO, 2019, p. 59), processo que confluiu para mudanças na dinâmica econômica  
interna e no aprofundamento das disparidades regionais, realocando arranjos produtivos de uma  
área (Nordeste) para outras (São Paulo e Rio de Janeiro).  
A emergência da industrialização brasileira foi profícua por meio da exploração do  
trabalho do escravo e do trabalhador imigrante (SANTOS NETO, 2015), forças de trabalho  
utilizadas de formas discriminadas pelo capital, sendo aquela por meio do trabalho forçado e o  
imigrante europeu como uma mão de obra demandada pela nova fase do capitalismo brasileiro  
e absorvida pelos cafeicultores e por alguns segmentos industriais urbanos. O Estado brasileiro,  
juntamente com a burguesia agrária e a burguesia comercial, constitui-se como responsável pela  
vinda dos imigrantes (trabalhadores assalariados) oferecendo, em larga medida, condições  
favoráveis para a nova força de trabalho e, ao mesmo tempo, “arremessando à própria sorte” os  
recém-libertos escravos não absorvidos no mercado de trabalho. A força de trabalho excedente  
da Europa foi conduzida para o território brasileiro como a principal força de trabalho, o que  
delegou aos recém-libertos escravos a condição de exército industrial de reserva. O capital  
movimentou uma mão de obra especializada, tendo em vista que os negros eram entendidos  
como apenas mão de obra para o trabalho bruto, e não para a nascente indústria. A utilização  
do trabalho forçado obstaculizou o desenvolvimento das técnicas das forças produtivas no  
Brasil. Apesar desta ser a razão material para a não absorção da mão de obra escrava, temos  
aspectos político-ideológicos para esta questão, tendo em vista que o capitalismo brasileiro, na  
sua estrutura medular, delegou ao negro um “lugar” específico – esse “lugar” do negro não era  
o mercado formal de trabalho, nem a “proteção social” viabilizada pelo Estado brasileiro.  
É inegável a função do complexo cafeeiro no sistema econômico brasileiro, pois a  
atividade cafeeira carrega um conjunto de outras atividades produtivas que dinamizaram  
fortemente vários setores de produção (CANO, 2007). O capital cafeeiro foi investido nas  
ferrovias – que também contou com os investimentos estrangeiros, principalmente do capital  
inglês – para escoar com mais eficiência o produto. Além disso, tem-se a expansão das  
comunicações, do sistema bancário (catalizador das movimentações bancárias), urbanização e  
ampliação da economia urbana. Não obstante, exigiu-se do Estado o controle sobre as contas  
públicas, pois a principal arrecadação de impostos entre os setores econômicos provinha do  
complexo cafeeiro.  
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O “Oeste Paulista” ganhou destaque na produção do café nacional devido ao fato de  
possuir técnicas mais avançadas de produção e ter utilizado mais máquinas e equipamentos para  
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Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
o beneficiamento do café (CANO, 2007). Assim, o complexo cafeeiro foi o primeiro a  
incorporar alto teor tecnológico em sua produção, processamento e distribuição. As máquinas  
estavam ativas e as ferrovias a ganhar mais espaço na distribuição do café, desenvolvendo um  
papel crucial nesse setor. Com a introdução sistematizada da técnica nesse complexo, os  
fazendeiros puderam explorar mais os trabalhadores e acumular capital.  
O “Oeste Paulista” reunia as condições ideais para a expansão do café que se iniciou  
por volta de 1886, o que intensificou a demanda por imigrantes e imigrações inter-regionais,  
principalmente com a saída de trabalhadores do Nordeste para o complexo cafeeiro – cerca de  
156.000 nordestinos (CANO, 2007). No Nordeste, o regime assalariado foi mais uma imposição  
formal do que demanda da dinâmica da economia regional, ao contrário da região Sudeste, onde  
as relações capitalistas estavam mais desenhadas e delimitadas (CANO, 2007). No Nordeste,  
ocorre a imposição formal e, além disso, as relações híbridas de pagamento da força de trabalho,  
seja por meio do salário, salário e moradia e alimentação, mas sempre recorrendo à intensa e  
precária exploração do trabalho, tendência do trabalho que marca o Nordeste até os dias atuais.  
O Estado brasileiro contribuiu estreitamente com o complexo cafeeiro, sendo o “braço  
direito” e o guardião dos interesses dos cafeicultores, seja por meio da fragilização intencional  
regulatória da apropriação de terras devolutas ou pela vinda dos imigrantes da Europa (inclusive  
arcando com alguns custos desta absorção do trabalhador imigrante).  
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Com a acumulação de capital proporcionada por esse complexo, o capital cafeeiro  
tomou novas formas, transformando-se em capital bancário, comercial e industrial (CANO,  
2007). Parte dos lucros cafeeiros eram investidos em outros segmentos industriais,  
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[...] o capital industrial nasceu como desdobramento do capital cafeeiro  
empregado, tanto no núcleo produtivo do complexo exportador (produção e  
beneficiamento do café), quanto em seu segmento urbano (atividades  
comerciais, inclusive as de importação, serviços financeiros e de transportes).  
(MELLO, 2009, p. 82).  
O Estado brasileiro deu suporte ao setor cafeeiro, “[...] não só o crédito farto, mas, em  
especial, os instrumentos destinados a mobilizar e concentrar capitais [...].” (MELLO, 2009, p.  
82).  
O capital industrial surgiu em São Paulo entre 1881-1894, mas a concentração industrial  
nesse estado somente foi possível nos primeiros anos do século XX (CANO, 2007). Este é um  
processo de industrialização diferenciado, heteróclito e hipertardio (com forte interferência do  
Estado assumindo as tarefas da inexpressiva burguesia brasileira). A taxa de crescimento  
industrial de São Paulo era maior que a taxa do Brasil – enquanto aquele crescia 8,5 vezes, o  
Brasil crescia 3,5 vezes (CANO, 2007). O desenvolvimento industrial do estado de São Paulo  
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demandou “[...] uma série de obras para a implementação do parque industrial e da economia  
urbana [engrossou] a arrecadação dos cofres públicos locais e regional, o que deu suporte à  
realização de várias intervenções no setor de infra-estrutura.” (CAMPOS, 2012, p. 88). Se é  
verossímil que o Estado brasileiro contribuiu diretamente para o desenvolvimento da  
infraestrutura necessária à alavancagem do capitalismo, não é alarmante afirmar, com base na  
argumentação teórica e histórica desenvolvida até aqui, que o Estado brasileiro, sob o comando  
e direcionamento do capital nacional e internacional, foi um dos principais responsáveis pelo  
aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais entre as regiões do território  
brasileiro. Seus investimentos massivos a partir de 1930 foram indubitavelmente na região  
Sudeste e, em parte, no Centro-oeste. Criou-se uma infraestrutura de estradas, ferrovias e portos,  
considerando a região Sudeste como centro econômico dinamizador, para além da construção  
de Brasília, tornando-a o centro conectivo do Brasil na construção de estradas e o centro da  
conjunção do poder político de comando do governo federal.  
Voltando para a questão da industrialização no Brasil, a Primeira Guerra Mundial  
colocou um dinamismo maior para as indústrias de São Paulo, proporcionando uma  
diversificação da produção e um salto qualitativo (CANO, 2007). Apesar da industrialização  
brasileira estar atrelada ao processo de acumulação de capital cafeeiro, o capital estrangeiro  
esteve presente fortemente sob a mediação do Estado brasileiro, que  
238  
[...] ofereceu ao capital estrangeiro a segurança e o controle que ele precisava  
não apenas para conceder empréstimos, mas para financiar os negócios  
relativos ao universo agroexportador, dedicando atenção especial ao controle  
do processo de exportação da produção cafeeira. (SANTOS NETO, 2015, p.  
207, grifos nossos).  
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Enquanto isso, o capital estrangeiro não tinha pretensão de dinamizar e desenvolver a  
produção brasileira, pois seus investimentos eram direcionados à manutenção do status quo do  
Brasil na divisão internacional do trabalho (SANTOS NETO, 2019).  
A entrada de capital na economia brasileira se dava por meio do Investimento Direto  
Estrangeiro (IDE), empréstimos ou financiamentos regulados pela mediação do Estado  
brasileiro por meio de decretos e/ou leis que colocavam condições para a entrada e saída de  
capitais, além de, nitidamente, serem a principal via para a entrada de capital (obviamente  
porque o Estado oferecia condições e garantias ao capital estrangeiro). Desde o Brasil Império  
que a economia reforça a dependência econômica do capital estrangeiro, traçando um longo  
caminho de subordinação e servidão, curvando-se enquanto um Estado disponível e atuante  
para as demandas externas. As vias de entrada de capitais no Brasil não eram destinadas  
somente à produção direta da economia, mas ao próprio desenvolvimento das funções estatais  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 228-251, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
de infraestrutura pública.  
Entre os anos de 1930 até 1955, diante da conjuntura internacional (Segunda Guerra  
Mundial e rebatimentos da Crise de 1929), a economia brasileira dinamizou sua produção  
interna implementando um modelo de desenvolvimento econômico “voltado para dentro”,  
processo denominado por Tavares (1972, p. 41) como “substituição de importações”  
[...] para caracterizar um processo de desenvolvimento interno que tem lugar  
e se orienta sob o impulso de restrições externas e se manifesta,  
primordialmente, através de uma ampliação e diversificação da capacidade  
produtiva industrial.  
Contudo, as mudanças da “substituição de importações” foram incapazes de romper  
com a estrutura dependente da produção brasileira, e de alterar a paragem do Brasil na divisão  
internacional do trabalho. Para Carcanholo (2002, p. 117):  
O processo de substituição de importações que caracterizou a industrialização  
brasileira no longo período 1930-61 acabou sendo imposto pelas próprias  
conseqüências da inserção internacional periférica e dependente do país. A  
redução da demanda internacional por nossas exportações e a retração do  
financiamento externo, pelo menos em um primeiro momento, definiam os  
recorrentes estrangulamentos externos que colocavam a necessidade de tarifas  
aduaneiras sobre importações, controle quantitativo sobre as mesmas (com  
esquemas como os licenciamentos), reservas de mercado interno e uso  
planejado de divisas com controle cambial.  
O Estado brasileiro não mediu esforços para desenvolver a indústria pesada (siderurgia,  
metalurgia, petroquímica etc.) e infraestrutura necessária para escoar o funcionamento ao  
capitalismo e para a dinamização da acumulação de capital por meio da construção de estradas,  
portos, aeroportos, hidrelétricas, telecomunicações etc., que contribuem, em larga medida, para  
a fluidez do capital. Para Bugiato (2016, p. 42),  
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[...] o Estado devia assumir o papel de investidor principal na criação da  
infraestrutura voltada ao desenvolvimento da indústria nacional [...] e no  
desenvolvimento do parque industrial nacional, que conduziria  
independência econômica do país e à soberania nacional.  
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Ora, o Estado brasileiro não foi constituído para possibilitar qualquer autonomia da  
economia perante o mercado externo e o capital estrangeiro. Temos enfatizado até aqui que,  
desde a sua gênese e constituição, operou-se um Estado subserviente desde a “quebra” do  
estatuto colonial, pois o pacto formado nas estruturas estatais era para constituir um Estado  
voltado “para fora”. Ademais, esse processo de um possível rompimento com as demandas  
externas e as imposições “de fora para dentro” torna-se impraticável devido às conformações  
das tendências do capitalismo mundial. Nitidamente, não há desenvolvimento do capitalismo  
brasileiro sem a presença do Estado, uma presença auxiliar ao capital, com atuação forte e  
firme perante a reprodução do capital.  
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A tendência estrutural de dependência da economia brasileira é tão latente que o início  
das construções de infraestrutura contou de forma direta, inicialmente, com o capital inglês  
(lembrar que outrora pontuamos isso sobre a construção das ferrovias). Entre 1850 e 1930,  
segundo Campos (2012), as empresas de infraestrutura vieram do exterior, principalmente dos  
Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Alemanha, países que possuíam mais desenvolvimento  
tecnológico nesse setor.  
O chamado “Estado Novo”, com a emblemática “Revolução” de 1930, “[...] tomou  
novos rumos e começou a levar a cabo políticas de modernização do país [...]” (HIRT, 2016, p.  
67), após mediar os conflitos de interesses econômicos e políticos da burguesia interna. Os  
projetos internos em disputa foram consubstanciados na intervenção estatal com o projeto  
“nacional-desenvolvimentista”, configurado como  
[...] o projeto de desenvolvimento econômico assentado no trinômio:  
industrialização substitutiva de importações, intervencionismo estatal e  
nacionalismo. O ND [Nacional-Desenvolvimentista] é, na realidade, uma  
versão do nacionalismo econômico; ou seja, é a ideologia do desenvolvimento  
econômico assentado na industrialização e na soberania dos países da América  
Latina, principalmente, no período 1930-80. No plano estratégico o ND tem  
como foco o crescimento econômico, baseado na mudança da estrutura  
produtiva (industrialização substitutiva de importações) e na redução da  
vulnerabilidade externa estrutural. Este último aspecto está assentado nos  
seguintes pilares: (i) alteração do padrão de comércio exterior (menor  
dependência em relação à exportação de commodities, mudança na estrutura  
de importações e redução do coeficiente de penetração das importações  
industriais); (ii) encurtamento do hiato tecnológico (fortalecimento do sistema  
nacional de inovações), e; (iii) tratamento diferenciado para o capital  
estrangeiro (ou seja, ausência de tratamento nacional via, por exemplo,  
discriminação nas compras governamentais, restrição de acesso a  
determinados setores, imposição de critérios de desempenho e restrição na  
obtenção de incentivos governamentais). (GONÇALVES, 2012, p. 1).  
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Do Governo Vargas até meados dos anos 1950 o Estado assume diretamente o  
desenvolvimento de infraestrutura que  
[...] entrou como contratador e também realizador de obras públicas,  
subsidiando a formação e o fortalecimento de um capital industrial no país, o  
que incluiu a criação de instrumentos jurídicos e institucionais e montagem  
das agências que iriam contratar as obras de infra-estrutura [...]. (CAMPOS,  
2012, p. 69).  
Temos, nesse contexto, a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) para  
implantar a usina de Volta Redonda, uma das maiores da América Latina, a Companhia  
Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão, e a Usiminas em Ipatinga (MG). A industrialização  
passou a fazer parte da agenda do Estado brasileiro, “ou seja, o planejamento estatal teria a  
função técnica de alocação dos recursos, com uma suposta neutralidade.” (HIRT, 2016, p. 69).  
Nesta quadra histórica, há um pequeno recuo das empresas estrangeiras na execução dos  
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Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
projetos de infraestrutura, dando lugar as empresas nacionais. Contudo,  
se desde os anos [19]30, houve um processo de estatização da contratação das  
obras de construção pesada, posteriormente viu-se a retirada do aparelho de  
Estado da atividade construtora, passando a mero contratador das obras. Trata-  
se de um processo longo, complexo, com idas e vindas e cheio de exceções,  
sendo o governo que melhor marca essa divisão de tarefas entre o Estado e as  
empresas privadas o de Juscelino Kubitschek, quando houve não só aumento  
significativo das obras contratadas, como sinais claros dessa divisão de  
funções. (CAMPOS, 2012, p. 63).  
Mesmo com aquele “recuo tímido” das empresas estrangeiras no setor de construção  
civil, o capital estrangeiro fazia movimentações nas tentativas de conduzir o processo de  
modernização da economia brasileira. A título ilustrativo, tem-se o Plano de Metas do Governo  
JK desenhado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e pela CEPAL  
da ONU que “[...] tinha as suas 12 primeiras e mais importantes metas relacionadas a transportes  
(5) e energia (7) [...]. Os dois setores são justamente os de maior interesse dos empreiteiros no  
que tange ao Plano de Metas.” (CAMPOS, 2012, p. 64). A obra magna do Plano de Metas foi,  
indubitavelmente, a construção da Capital do país, Brasília.  
Com o Governo JK seguindo a lógica de acumulação e expansão do capital no Brasil, o  
Estado passou a figurar mais como “Estado-contratante” e pouco como “Estado-construtor”.  
Começou-se a contratar empresas privadas (no caso, as nacionais) para a execução de obras  
públicas, as empreiteiras. Desenvolvia-se no Brasil um “mercado de obras públicas” e emergia 241  
na cena econômica os empreiteiros, “[...] fração de classe do empresariado industrial e também  
seus diferentes membros como representantes de diferentes frações da burguesia brasileira.”  
(CAMPOS, 2012, p. 28). Esse autor ainda afirma que estes empresários, que emergiram  
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fortemente na economia brasileira, participaram diretamente do aparelho estatal após o golpe  
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empresarial-militar, o que não é de estranhar que as obras faraônicas dos empreiteiros do  
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período do regime militar-empresarial tenham sido permeadas por indícios de corrupção.  
A dinamização da produção brasileira demandou uma forte intervenção estatal em  
setores estratégicos com a instituição da Companhia Vale do Rio Doce, da Companhia  
Siderúrgica Nacional e da Petrobras, empreendimentos que possibilitaram, em um definido  
espaço-tempo, a autonomia da extração de minérios, produção de ferro e aço e da produção  
energética (SANTOS NETO, 2015; 2019). Na construção desses empreendimentos, o Estado  
assumiu todo o processo, tomando empréstimos ao capital estrangeiro.  
Se a economia brasileira é gestada para atender aos interesses do capital internacional,  
o mesmo ocorreu com o processo de industrialização que foi forjado para atender às economias  
centrais e não para desenvolver uma economia independente e nacional (“soberania nacional”),  
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voltada ao seu desenvolvimento e à sociedade brasileira. Pelo contrário, a potencialização da  
economia brasileira sempre teve um intuito, em larga medida, de cumprir subserviência na  
divisão internacional do trabalho. O mesmo processo se deu com a emersão do Brasil na  
dinâmica da financeirização da economia, deixando-o num lugar especial de exportador de  
commodities agrícolas e minerais.  
A seguir, iremos desvelar a relação do Estado brasileiro com as demandas e requisições  
do capital estrangeiro, bem como a emergência do neoliberalismo que conformou novos  
contornos atuantes e repressivos do Estado na sociedade brasileira.  
Estado brasileiro, capital estrangeiro e neoliberalismo  
A entrada de capitais dos EUA em toda a América Latina vinha acompanhada de fortes  
interferências econômicas e políticas, criavam ambientes de instabilidade e fortalecimento da  
heteronomia dos estados-nação desta região. Na década de 1960, o Brasil recebeu grande  
volume de capital estrangeiro, sendo o segundo país da América Latina a receber mais capital,  
ficando atrás apenas do Chile, devido às condições favoráveis do Estado brasileiro (CAMPOS,  
2003). O Brasil, no aspecto da internacionalização da economia, ganha destaque nesta região  
continental, tornando-se “[...] um dos prediletos na atração desses investimentos estrangeiros,  
essencialmente pelas dimensões de seu mercado interno, e pelas condições institucionais e de  
infra-estrutura [...]” (CAMPOS, 2003, p. 10).  
242  
A chegada de capitais estrangeiros dos países centrais dinamizou as relações capitalistas  
no solo brasileiro e emperrou qualquer possibilidade de desenvolvimento dos aspectos  
ideológicos da “ameaça do socialismo”, pois o presidente João Goulart tinha “[...] defesa de  
alguns projetos sociais como a reforma agrária, ou [uma] política externa independente [...]”  
(CAMPOS, 2003, p. 17), o que era considerado uma “proximidade com ideias socialistas” e do  
bloco soviético no contexto da Guerra Fria. Uma medida do Estado brasileiro, no Governo de  
João Goulart, que dispôs alerta no capital estrangeiro foi a aprovação da Lei n.º 4.131 (Lei de  
Remessa de Lucros), promulgada em 1962 e sancionada em 1964, que “[...] representou o maior  
controle já imposto ao movimento de capitais estrangeiros no Brasil [...]” (CAMPOS, 2003, p.  
80), como tentativa de defender a economia nacional e a burguesia brasileira.  
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Para barrar o “avanço do socialismo”, o governo norte-americano, de forma estratégica e  
controladora com a América Latina, correlacionou forças com a burguesia brasileira e a ala das  
forças armadas. Campos (2012, p. 30), ancorado em René Armand Dreifuss, não concorda com  
[...] as teses que se referem à uma ditadura militar, ou regime militar, ou  
qualquer outra concepção que ponha os segmentos militares como líderes  
autônomos ou mesmo preponderantes daquele regime. Quanto ao elemento  
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Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
‘civil’, concordamos que se deve qualificar o mesmo, para que não se caia no  
erro de homogeneizar grupos sociais heterogêneos entre si, dado que estes  
estão assim reunidos sob a própria ótica da caserna. Entendemos que o  
elemento civil que compôs o regime militar era preponderantemente  
empresarial, havendo diversos agentes da burguesia brasileira que fizeram  
parte do pacto político estabelecido pós-1964.  
Na nossa avaliação, identificar como “regime militar-empresarial” agrega às  
determinações da base material, a força coercitiva estatal do golpe, no caso, os militares, e os  
empresários que apoiaram, asseguraram e mantiveram o golpe. Assim, o golpe empresarial-  
militar de 1964 foi, de certo modo, uma estratégia econômico-financeira de garantia de saídas  
dos lucros gerados no Brasil. Assim, o Estado brasileiro gerencia as saídas dos lucros gerados  
em favor do capital internacional, pois os investidores estrangeiros injetam capital no Brasil, e,  
na lógica capitalista, devem ter a segurança jurídico-normativa de retorno do capital investido.  
Para atrair o capital estrangeiro, o Estado brasileiro assegurava  
[...] no âmbito de isenções de impostos, facilidades de créditos, avais para  
empréstimos e operações externas, política de remessa de lucros, dividendos  
e royaltes ao exterior etc., tudo isso aumenta a escala de articulação do Estado  
com o capital monopolista. (IANNI, 2019, p. 83, grifos originais).  
Observamos que o Estado brasileiro tentou disciplinar e orientar, por meio de  
mecanismos normativo-legais, a entrada e saída de capitais com objetivo de garantir,  
legalmente, que parte do excedente ficasse para o desenvolvimento da economia brasileira.  
O golpe empresarial-militar brasileiro – ou “contrarrevolução preventiva”  
(FERNANDES, 1976; NETTO, 2015; IANNI, 2019) – eclode por meio das movimentações do  
sistema do capital na sua totalidade global e as consequentes mudanças na divisão internacional  
do trabalho, bem como das particularidades da formação sócio-histórica brasileira, expressas  
em raízes estruturais dependentes, escravagistas e opressoras sob a tutela de Estado brasileiro,  
com o objetivo de manter a acumulação de capitais e conter as movimentações das massas.  
O Estado brasileiro é crucial na garantia desse processo, seja através do aparato jurídico-  
normativo-legal, seja por meio de mudanças mais substanciais de condução do governo,  
mediante as quais influencia – quando não determina – eleições ou medidas mais drásticas,  
como golpes de Estado. De modo ilustrativo, as mudanças bruscas e drásticas de comando  
político do Estado são um traço forte da economia política brasileira, como foi com a retirada  
de João Goulart em 1964, com o Golpe empresarial-militar e com a destituição de Dilma  
Rousseff em 2016 – esse último caracterizado como golpe empresarial-jurídico –, golpes que  
serviram para manter e aprofundar as raízes estruturantes da economia e política brasileira e  
manter o padrão de acumulação de capital. A própria democracia burguesa é fragilizada pela  
autocracia burguesa.  
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Com o regime militar-empresarial de 1964 houve uma baixa de investimentos  
estrangeiros, com exceção dos EUA, o que “[...] demonstra a percepção positiva do capital  
produtivo norte-americano em relação à política autoritária implementada após o Golpe.”  
(CAMPOS, 2003, p. 23). Na aliança estratégica para a acumulação de capital entre o Estado,  
capital privado nacional e capital estrangeiro, esse, historicamente, mantém as principais  
vantagens, ao subjugar os outros nas relações econômicas e políticas.  
Não obstante, o Estado brasileiro colocou em prática uma “tecnocracia estatal” (IANNI,  
2019), isto é, o planejamento e técnica foram utilizados com força nos discursos oficiais dos  
militares na condução do Poder Executivo pois, nesse período, “[...] era importante ‘legitimar’  
a ditadura por meio da ideologização da sistemática, coerência, operatividade, pragmatismo,  
racionalidade, modernização etc. da política econômica.” (IANNI, 2019, p. 28).  
À época, coube ao Estado investir em áreas “menos atrativas” para o capital estrangeiro,  
como infraestrutura, estradas, portos, ferrovias, setor petrolífero e energético (CAMPOS, 2003)  
que, com o aprofundamento do neoliberalismo, na quadra recente do capitalismo brasileiro, são  
entregues, por esse mesmo Estado, para a iniciativa privada. Isto é, após todo o investimento  
de “capital estatal” na infraestrutura, com tomadas de empréstimos, por exemplo, o Estado a  
entrega “solidariamente” ao capital internacional. Desse modo, o Estado brasileiro revela sua  
natureza de complementariedade ao capital, sua vinculação simbiótica com o capital, seja de  
forma direta ou indireta, independentemente da gestão dos governos. A forma de governo  
revela tão somente a intensidade, proporção e mediação política da relação entre Estado e  
capital.  
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O regime militar-empresarial no Brasil de 1964 é o ponto substantivo da análise do  
processo de ruptura total com qualquer possibilidade de “nacionalismo” da economia brasileira  
e da entrada “à moda porta-aberta” do capital estrangeiro, especialmente provindos dos EUA.  
É plácida a afirmação que não se operou no Brasil a transição total do período do regime  
militar-empresarial para o período democrático. A recente democracia brasileira, desenhada no  
final da década de 1980, absorveu bases e formas do regime militar-empresarial, além das raízes  
estruturais da economia que mantém o status quo. O próprio regime estabeleceu as regras de  
transição do regime político ditatorial para o regime democrático. Os militares, acusados de  
torturar e matar seus opositores diretos e indiretos, não responderam legalmente pelos seus  
crimes, do mesmo modo que as famílias, que perderam entes, não tiveram respostas sobre os  
corpos torturados. O Estado brasileiro, até os dias atuais, possui meandros de conformação  
política legatários do regime militar-empresarial e possui, na sua estrutura de comando político,  
a ala militar (Exército, Marinha e Aeronáutica).  
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Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
Empreiteiras participaram ativamente das grandes obras estatais no regime militar-  
empresarial e no período do neoliberalismo. Esse crescimento vertiginoso das empreiteiras  
brasileiras possibilitou que essas se tornassem grandes concessionárias durante as privatizações,  
com a entrada do neoliberalismo no Brasil. Isso fez com que ampliassem seus ramos de atuação,  
sendo o “mercado das privatizações” bem aproveitado pelo setor. Após a década de 1980, as  
empreiteiras também entram no ramo da agropecuária, impulsionadas pelas exportações e  
crescimento das commodities.  
Os últimos anos do regime militar-empresarial foram marcados pela eclosão da crise  
estrutural do capital (final da década de 1970), que provocou mudanças na totalidade da  
produção capitalista, nas relações de produção e no padrão financeirizado de acumulação,  
operando transformações na produção/reprodução capitalista. Para responder a essa crise,  
foram direcionadas mudanças na forma de extração de trabalho excedente por meio da inserção  
e desenvolvimento da alta tecnologia na produção e na organização do trabalho, especialmente  
a “automação”, o sistema kanban, “celularização” e regime just-in-time do processo produtivo  
(PINTO, 2013), e na forma de intervenção do Estado na regulação do trabalho e da economia.  
A partir da crise de 1970, o capital, juntamente com o Estado, preparou uma ofensiva  
contra os trabalhadores, versada na figura do neoliberalismo como medida de gerenciamento  
da crise, uma vez que,  
245  
a intervenção estatal macroscópica em função dos monopólios é mais  
expressiva, contudo, no terreno estratégico, onde se fundem atribuições  
diretas e indiretas do Estado: trata-se das linhas da direção do  
desenvolvimento, através de planos e projetos de médio e longo prazos; aqui,  
sinalizando investimentos e objetivos, o Estado atua como um instrumento de  
organização da economia, operando notadamente como um administrador  
dos ciclos de crise. (NETTO, 2009, p. 25-26, grifos nossos).  
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Esta nova ordem conforma um Estado neoliberal instrumentalizado para a ampliação da  
liberdade econômica, do individualismo possessivo – pois, “[...] os arautos do neoliberalismo  
desencadearam inúmeras estratégias ideológicas e culturais” (BEHRING, 2003, p. 65) –, do  
livre mercado e da diminuição significativa da intervenção estatal na garantia dos direitos  
sociais, com a fortificação do Estado mais para o capital (leia-se: garantir a intensificação da  
exploração do trabalho e do escancaramento do fundo público para o capital) e menos para os  
trabalhadores (com cortes de direitos sociais e intervenção na capacidade organizativa dos  
trabalhadores). Cada vez que o capital fica agressivo e voraz, o Estado corresponde-o no mesmo  
tom contra os trabalhadores por meio de mecanismos repreensivos, seja pelas legislações mais  
severas, poder da polícia ou forças armadas, conforme o lastro histórico que se abriu no Estado  
brasileiro a partir de 2019 com o Governo Bolsonaro.  
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O neoliberalismo fortalece a intensa divisão internacional do trabalho, condenando os  
países periféricos a se manterem no lugar de países agrário-mineral-exportadores, fragiliza a  
economia política dos países dependentes e subordinados e amplifica a retórica de que esses  
países devem sempre se tornar mais “competitivos” e “eficientes”, “tudo isto produto apenas  
das ‘forças livres do mercado’ e sem a interferência do Estado.” (SOARES, 2009, p. 16). Ao  
assumirem os discursos e a agenda dos organismos multilaterais, os países periféricos tomam  
volumosos recursos emprestado com esses organismos, aumentando vertiginosamente o  
endividamento público e rendendo o aparato estatal ao poder das instituições financeiras e do  
capital internacional.  
Para entender a forma de inserção do neoliberalismo no Brasil e seus impactos na  
produção e reprodução social (na política, na cultura etc.) convém lembrar que a estrutura  
econômica e política brasileira é permeada por raízes agressivas e predatórias, a considerar que  
o Brasil nasce sob o signo da reprodução violenta do capital mercantil, do trabalho escravo e  
da cultura de repressão às massas populares para atender aos determinantes econômicos. E,  
mesmo com o desenvolvimento e modernização do capitalismo brasileiro, a conservação é um  
traço constitutivo da economia e do Estado, onde o atraso é conditio sine qua non e modus  
vivendi da formação brasileira, na mesma medida que é benéfica e favorável ao imperialismo e  
aos países centrais.  
246  
A burguesia brasileira não se opõe à burguesia internacional, havendo uma relação de  
sujeição favorável com ganhos diretos para aquela burguesia na acumulação de capital e com a  
continuidade do seu comando político no âmbito do Estado, dedicado a maximizar os  
mecanismos regulatórios de exploração do trabalho. Behring (2003, p. 92-95) pontua que “[...]  
o Estado é visto como meio de internalizar os centros de decisão política e de institucionalizar  
o predomínio das elites nativas dominantes.”. Essa é a realidade da formação econômica  
brasileira com a qual o neoliberalismo se defrontou.  
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As “boas-vindas” ao neoliberalismo pode ser visualizada durante o Governo Sarney,  
com a aprovação do Decreto n.º 91.991/1985, que regulamenta as empresas públicas  
“enquadráveis” no Programa de Privatização. Os governos subsequentes ao período de  
redemocratização, sob o comando neoliberal, diluíram o frágil parque industrial e a capacidade  
industrial brasileira e aumentaram a dependência em relação ao mercado de exportação de  
commodities sob as bases do mercado financeiro, o que levou alguns autores a categorizar esse  
processo como “desindustrialização” para explicar o “[...] deslocamento da fronteira de  
produção na direção dos produtos intensivos em recursos naturais. Este deslocamento ocorre,  
principalmente, na fase ascendente dos preços das commodities no mercado mundial.”  
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Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
(GONÇALVES, 2012, p. 2, grifos nossos). O desmantelamento da indústria brasileira tem  
raízes nas estruturas frágeis dos pilares e relações de produção industrial devido à sua emersão  
estar associada diretamente à dependência do capital estrangeiro, o que forjou uma indústria  
dependente numa economia vulnerável. A “desindustrialização” brasileira foi acompanhada  
pela crescente demanda por matérias-primas na dinâmica mundial, principalmente pela  
extração de recursos naturais e uso abundante do solo brasileiro, sobretudo, para responder à  
dinamização da ascensão da economia chinesa, e pelo crescimento vertiginoso da expansão do  
setor de serviços no Brasil.  
Ao acompanhar esse processo de mudanças significativas na economia brasileira, o  
Estado brasileiro aderiu fortemente à lógica do discurso dos “ajustes necessários”, ecoado  
diretivamente pelos organismos internacionais, que ganhou força no Brasil com o Plano Real e  
o Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), momento de consolidação das reformas  
neoliberais. O Governo FHC modificou a “[...] política de estabilização macroeconômica [...]”  
e deu “[...] continuidade à estratégia neoliberal, ao defender a política antiinflacionária como  
pré-requisito para a retomada do crescimento, e as reformas estruturais como meio de obter essa  
retomada do desenvolvimento.” (CARCANHOLO, 2002, p. 3).  
A solidificação do neoliberalismo no Brasil, com o Governo FHC, “[...] organiza um  
grande ciclo de reformas que [...] determinam mudanças estruturais no interior do aparelho do  
Estado brasileiro sob a pragmática neoliberal e no curso da mundialização do capital.”  
(TAVARES, 2014, p. 59). Para o capital estrangeiro entrar com mais fluidez no Brasil a  
economia deveria dispor de atratividade, adaptação, flexibilidade e competitividade  
(BEHRING, 2003).  
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As privatizações brasileiras – ou “Privadoação” (BIONDI, 2003) – na era neoliberal  
foram um “festival de doações” das empresas públicas para o capital privado. Biondi (2003)  
revela que, em algumas empresas públicas, o Estado investia no desenvolvimento e na  
infraestrutura antes de vendê-las, como o emblemático caso das empresas telefônicas, nas quais  
foram investidos 21 bilhões de reais, tendo sido vendidas, posteriormente, por uma entrada de  
8,8 bilhões; além disso, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi comprada por 1,05 bilhão  
de reais, sendo 1,01 bilhão em “moedas podres”. Além de vender nestas condições, o Estado  
ficava com as dívidas das empresas públicas vendidas e com os custos sobre a demissão em  
massa dos funcionários, assumindo a rescisão dos contratos dos trabalhadores e as despesas  
previdenciárias. E, se tudo isso não bastasse, os grupos brasileiros (inclusive empreiteiras), as  
multinacionais e as empresas estrangeiras as compraram tomando empréstimos ao Estado  
brasileiro por meio do BNDES.  
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No jogo do capital financeiro com o Estado brasileiro, faz parte também o sistema de  
corrupção, traço marcante da economia política brasileira presente desde os governos anteriores  
ao período da redemocratização. Devemos lembrar dos fortes indícios de corrupção no regime  
militar-empresarial com as grandes obras dos empreiteiros e o governo FHC, com os recorrentes  
“assaltos” ao patrimônio público mediante a “Privataria Tucana”. Assim, o “festival de  
doações” foi altamente rentável para o capital privado, pois as empresas eram vendidas a preços  
mais baratos do que valiam; inclusive, vendiam-se empresas estatais com dinheiro em caixa –  
como o caso da Vale que “[...] foi entregue a Benjamin Steinbruch com 700 milhões de reais  
em caixa, segundo noticiário da época” (BIONDI, 2003, p. 16).  
Assim, a cultura patrimonialista, traço da formação sócio-histórica brasileira, das  
frações da burguesia brasileira, presente desde a época da Independência do Brasil, é ainda a  
tônica para a privatização em tempos presentes. A necessidade das privatizações era entoada  
pelo discurso da ineficácia e ineficiência do Estado em gerir as empresas públicas, e a saída  
seria privatizá-las (SOARES, 2009).  
A vitória e a passagem do Governo Fernando Henrique Cardoso para o Governo Luís  
Inácio Lula da Silva davam a tônica dos efeitos negativos do neoliberalismo no Brasil. Isso  
porque FHC levou a “ferro e fogo” os preceitos neoliberais, esfacelando os trabalhadores e as  
políticas sociais, o que aprofundou o ritmo de desigualdade social. E, apesar do “triunfo” do  
governo de esquerda, que nutriu esperanças para os trabalhadores, após severos ataques do  
neoliberalismo, as alianças pré-eleitorais firmadas com a agenda neoliberal deixaram em alerta  
as diversas organizações dos trabalhadores (alguns sindicatos, movimentos sociais e outros  
partidos de esquerda). Todavia, desenvolveu-se uma tendência defensiva teórica e política dos  
governos petistas diligenciando macular diferenças entre as medidas macroeconômicas do  
governo Lula das medidas neoliberais escancaradas do governo FHC. Obviamente que existem  
particularidades substanciais entre os dois governos, entretanto, apontar as particularidades não  
incide em contornar a materialidade da realidade social, a essência das relações econômicas  
capitalistas desenvolvidas no Brasil nos 13 anos dos governos petistas (Lula-Dilma) e a atuação  
feroz do Estado brasileiro contra os trabalhadores. O projeto neoliberal passou a ditar os  
programas de governo de esquerda, tornando-se uma força difícil de corroer, provocou uma  
disjunção entre as demandas reais dos trabalhadores e as demandas do mercado, onde alguns  
partidos de esquerda, sindicatos e movimentos sociais centram suas forças para atender aos  
determinantes do mercado, numa rendição completa ao momento contrarrevolucionário.  
Reativamente, um ponto de clivagem entre o Governo FHC e o Governo Lula foi a  
estagnação da enxurrada de privatizações que vinham desde o início dos anos 1980 e que  
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Estado brasileiro e a subserviência ao capital: traços da formação econômica brasileira  
tiveram ritmo de combustão com esse primeiro. Entretanto, o governo Lula implanta e inaugura  
“[...] outra configuração para as privatizações do patrimônio público nacional. Ao invés da  
venda direta dos ativos [...], concessões e parcerias público-privadas foram promovidas nos  
últimos anos nos setores de energia, transporte, telecomunicações e políticas sociais [...].”  
(CASTELO, 2013, p. 134, grifos originais).  
No plano econômico, o Governo Lula angaria crescimentos da economia nacional (e  
favorecimento à burguesia interna) com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),  
criado em 2007 com vistas a dinamizar e promover o crescimento da economia brasileira. O  
PAC constitui-se como uma tentativa de impulsionar a economia brasileira, semelhante a outras  
ocorridas no período do Governo Vargas, do Governo Juscelino Kubitschek e equipara-se ao  
desenvolvimento de infraestrutura do período do regime militar-empresarial. O PAC serviu para  
a criação de infraestrutura voltada ao crescimento das commodities agrícolas e minerais, que  
passaram a manter o superávit da balança comercial, e garantir legitimação do projeto  
econômico o PAC ampliou programas sociais.  
Por fim, pontuamos outra característica do Estado brasileiro é seu compromisso fiel ao  
pagamento da dívida pública. Por isso, os governos que assumem o comando político do Estado,  
que são regidos pelos preceitos neoliberais, devem cumprir “à risca” o pagamento da dívida  
pública, uma dívida que tem “natureza antinacional e antissocial” (SAMPAIO JR., 2004). A  
dívida pública move o sistema financeiro do capitalismo sem nenhum escrúpulo ou “zelo” pelas  
economias periféricas, até porque a natureza do capital é impiedosa e, devido a sua forma de  
ser, não está subjugada a nenhum apelo ou cuidado moral. Não é necessária uma análise teórica  
rigorosa para identificar qual o real compromisso do Estado brasileiro com o pagamento da  
dívida se seus efeitos são reais, visíveis e latentes no cotidiano: em 2018, a dívida pública  
consumiu 40, 66% (R$ 1, 065 trilhão) do Orçamento Federal; em 2019, 1.037 trilhão; e, em  
2020, 1.381 trilhão (39,08% do Orçamento Federal executado)1.  
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Considerações finais  
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Os fundamentos do método marxiano de apreensão da realidade social não permitem  
qualquer tratamento sobre o Estado autonomizando e desvinculando-o da produção material da  
sociedade. Todo o processo de desenvolvimento sui generis do capitalismo brasileiro reverbera-  
se ativamente pela intervenção direta do Estado e seu aparato legal-normativo-jurídico. A  
intensidade da atuação do Estado brasileiro no processo de garantia da sua função econômica e  
1 Dados extraídos do site https://auditoriacidada.org.br/. Acesso em: 19 abr. 2021.  
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política de manter a acumulação de capital se modifica diante das movimentações históricas  
internas e externas.  
O Estado brasileiro alavancou a infraestrutura necessária ao desenvolvimento do capital  
e do capitalismo, às custas da exploração do trabalho, do saque aos recursos naturais e da  
destruição ambiental, com contração de empréstimos públicos, com contratação de empreiteiras  
nacionais e estrangeiras. É inegável que de Vargas até a quadra atual do capitalismo brasileiro  
a dinâmica da economia política teve um suporte essencial do Estado no asseguramento das  
condições de acumulação de capital. A ínfima e frágil industrialização brasileira só foi possível  
com a associação ao capital estrangeiro e suporte direto e indireto do Estado brasileiro, e o  
regime militar-empresarial constitui-se o ápice da subordinação total da economia brasileira aos  
países centrais e da configuração de um Estado autoritário e repressivo contra os trabalhadores  
que ganha contornos violento contra os direitos dos trabalhadores no neoliberalismo.  
Portanto, a dependência e subordinação da dinâmica econômica brasileira, submetidos  
aos imperativos do capital, modulou o Estado brasileiro, a sua forma de comando político e  
toda a estrutura do aparato estatal. Sua atuação tem sido, historicamente, direcionada “para  
fora” e não para estruturar a economia nacional “para dentro” (PRADO JUNIOR, 1994), por  
isso ele possui o caráter antinacional (MAZZEO, 1995), sempre subjugando e reprimindo  
violentamente os trabalhadores.  
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