DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.40576  
Expropriação em tempos de capitalismo: o  
trabalho reprodutivo e o impacto na vida das  
mulheres  
Expropriation in times of capitalism: reproductive work and the impact on  
women's lives  
Priscilla Brandão de Medeiros*  
Resumo: O artigo apresenta o debate acerca das  
marcas da expropriação na vida das mulheres  
em tempos de capitalismo, colocando como  
central o prisma histórico da submissão do  
trabalho feminino, entendido mediante uma  
análise feminista marxista, como fundamental  
na geração do valor. Metodologicamente,  
caracteriza-se como um estudo bibliográfico,  
ancorado pelo materialismo histórico-dialético,  
por entender que aparência – por mais  
importante que seja no desvelamento dos  
fenômenos – não traduz a essência do real.  
Conclui-se que o capitalismo, juntamente com o  
patriarcado e o racismo, sustentam um pilar  
Abstract: The article presents the debate about  
the marks of expropriation in women's lives in  
times of capitalism, placing as central the  
historical prism of the submission of female  
work, understood through a Marxist feminist  
analysis, as fundamental in the generation of  
value. Methodologically, it is characterized as a  
bibliographical study, anchored by historical-  
dialectical materialism, for understanding that  
appearance – however important it may be in  
unveiling phenomena – does not translate the  
essence of reality. It is concluded that  
capitalism, together with patriarchy and racism,  
support an intertwined pillar of oppression,  
exploitation, domination and precariousness  
that plague women's lives, since they have in  
reproductive work, which is performed free of  
charge by women - in its majority -, and treated  
as something innate to female existence and  
alien to capital, is fundamental for the condition  
of maintenance and subsistence of the main  
commodity that generates capital: the  
workforce.  
imbricado  
de  
opressões,  
explorações,  
dominações e precarizações que assolam a vida  
das mulheres, uma vez que tem no trabalho  
reprodutivo, o qual é realizado gratuitamente  
pelas mulheres – em sua maioria –, e tratado  
como algo inato a existência feminina e alheio  
ao capital, é fundamental para a condição de  
manutenção  
e
subsistência da principal  
mercadoria que gera o capital: a força de  
trabalho.  
Palavras-chaves:  
Trabalho  
reprodutivo;  
Keywords: Reproductive work; Capitalism;  
Capitalismo; Mulheres.  
Women.  
Recebido em: 14/03/2023  
Aprovado em: 18/05/2023  
*
Bacharela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Especialista em  
Docência no Ensino Superior pela Universidade Potiguar (UNP) e em Gestão Pública da Organização em Saúde  
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestra em Serviço Social e Direitos Sociais pela Universidade  
Estadual da Paraíba (UEPB). Doutoranda pelo PPGSS/UFRN. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2183-6141  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 205-227, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Priscilla Brandão de Medeiros  
Introdução  
A história das mulheres é atravessada por um construto de invisibilidades e  
naturalizações. De um lado, há relações que fincam a submissão e a secundarização do trabalho  
feminino não remunerado; de outro, há a invisibilidade quanto ao reconhecimento delas como  
sujeitos de direitos.  
Com o advento do capitalismo e as várias formas de expropriação da existência  
humana, as mulheres foram também apropriadas e expropriadas material, política e  
socialmente, uma vez que, apoiado no patriarcado, que é secular, o capitalismo utilizou do  
binômio dominação/exploração e intensificou a opressão de classe, gênero e, com o racismo,  
de raça dentro da classe trabalhadora.  
O trabalho reprodutivo – aqui compreendido como as esferas do cuidado, a sustentação  
emocional cobrada às mulheres, as atividades domésticas, a procriação e a criação –, o qual não  
é remunerado, tornou-se parte do cotidiano das mulheres como sendo uma atribuição  
naturalizada socialmente e como estratégia direta do capital e, por isso é visto como não  
trabalho, sendo tratado como “função social das mulheres”, portanto, sem valorização.  
É importante apresentar que não há a produção do valor na realização do referido  
trabalho, mas há diretamente uma relação quando as mulheres contribuem para a reprodução  
da parcela da força de trabalho que estão inseridas nos espaços produtivos, o que coloca a  
importância de aprofundar os estudos acerca da reprodução social realizada por estas como  
parte fundamental na geração desse valor e de sua valorização.  
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Diante disso, o presente artigo tem como proposta discorrer e analisar, criticamente,  
sob os aspectos que afetam a vida das mulheres a partir do contexto da expropriação da vida e  
utilização da sua condição de gênero, classe e raça para ser responsabilizada pela reprodução  
humana – e na sociabilidade vigente é a responsável pela reprodução da mercadoria mais  
especial para o engendro do capital.  
Como percurso metodológico, esse estudo apresenta uma direção de análise qualitativa  
de cunho bibliográfico, guiada pelo método do materialismo histórico dialético, por  
compreender que a aparência da realidade – um aspecto fundamental para desvelamento dos  
fenômenos – não apresenta os determinantes que a traduzem, sendo, portanto, necessário  
investigar e compreender a essência enquanto totalidade crítica.  
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Expropriação em tempos de capitalismo: o trabalho reprodutivo e o impacto na vida das mulheres  
Por fim, ressaltamos a relevância social desse artigo por compreender o realce na  
discussão acerca da expropriação da vida das mulheres e o lugar que o trabalho reprodutivo  
assume como estratégia direta de manutenção do capitalismo, patriarcado e racismo, podendo  
oferecer uma reflexão social crítica – marxista. Academicamente, a relevância se dá no sentido  
da potencialização dos estudos feministas marxistas, de modo a impulsionar a importância  
desses para o despertar da construção do projeto societário de emancipação humana,  
coadunando com a direção social hegemonicamente assumida pelo Serviço Social.  
O capitalismo e seus elementos predatórios: as marcas da expropriação da vida da  
classe trabalhadora  
O processo de expropriação do tempo e da vida dos(as) trabalhadores(as) é inerente ao  
contexto de industrialização no capitalismo. Fontes (2018) aponta que expropriação é a  
transformação de tudo aquilo que traduz os meios de vida em capital. Ou seja, é o ocultamento  
das necessidades, desejos e afetos humanos em detrimento dos interesses do capital, uma vez  
que essa é base da relação social que sustenta o capitalismo.  
Tal fundamentação indica a amputação que tal modo de produção conduz quando as  
possibilidades de existência da humanidade, o que reflete diretamente na forma de vida e na  
própria organização política da classe trabalhadora.  
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Para corroborar com a direção crítica, é importante entender, inicialmente, o que é  
expropriação a partir do entendimento de Marx ([1867] 2017, p. 786). Segundo ele é:  
O processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o processo de  
separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de  
seu trabalho, processo que, por um lado, transforma em capital os meios  
sociais de subsistência e de produção e, por outro, converte os produtores  
diretos em trabalhadores assalariados.  
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Ou seja, o ato de expropriar – e que no capitalismo isso ocorre efetivamente – se dá  
pela separação dos indivíduos de tudo que coaduna com as condições sociais que geram a  
produção e reprodução da vida, o que não acontece passivamente – assim como nada nesse  
modo de produção. É um processo com traços violentos e ilegítimos, os quais impactam  
diretamente na vida individual e coletiva das pessoas, das sociedades. Sobre isso, Fontes (2018,  
p. 19) traz que “o nascimento histórico e concreto do capitalismo resulta em enormes violências  
e poreja sangue”.  
Portanto, falar sobre a categoria expropriação remete-nos a perceber a centralidade  
atual que ela possui quando se vivencia tempos de perplexa instalação da barbárie e da  
descartabilidade humana, colocando os interesses econômicos/materiais como protagonistas  
diante de qualquer condição de existência. Isso fica claro quando Marx apresenta que na  
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condição do trabalho assalariado os seres humanos são reduzidos a trabalhadores(as), sem que  
sejam vistos(as) como dotados(as) de subjetividades além das necessidades mínimas e  
biológicas que garantam manterem-se vivos(as).  
Contudo, aos retirar as pessoas das suas propriedades de terra e usurpar-lhes os  
instrumentos de trabalho, o capitalismo os(as) conduz a venda da força de trabalho como sendo  
a única possibilidade de garantir a sobrevivência diante dessa sociabilidade. Tudo em prol do  
lucro e da geração exponencial da riqueza, a qual não é socialmente compartilhada.  
N’O Capital ([1867] 2017) Marx vai destacar alguns processos que exemplificam as  
brutais formas de violências sofridas pela população no que é, por ele, tratado como período da  
Acumulação Primitiva. O autor enfatiza como o capital – enquanto relação social –, para  
manter-se, precisa da existência dos(as) trabalhadores(as) e, por isso, toma-os(as) como posse  
e faz da sua força de trabalho a única mercadoria que, nas relações de trabalho, mediante sua  
venda, possibilitem sua manutenção. E de forma ainda mais esdrúxula, gera um exército de  
reserva que o serve, quando tem milhares de trabalhadores(as) buscando vender sua força de  
trabalho, uma vez que não há como acoplar todos(as), sendo essa a raiz que estrutura as relações  
capitalistas, dada a geração da mais valia e o barateamento da força de trabalho em sua relação  
de venda nesse sistema.  
A expropriação, é importante destacar, não é uma discussão que assume recortes  
“somente” com vieses pretéritos, pelo contrário. Na contemporaneidade ela se intensifica e se  
mantém tão presente dentro das relações capitalistas como qualquer outro traço caracterizador  
dessa sociabilidade, todavia, salienta-se, com aspectos mais devastadores. Mota e Tavares  
(2016) apontam aspectos advindos do neoliberalismo que evidenciam de modo concreto os  
traços da expropriação nos tempos presentes. As autoras,  
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os processos de privatização, mercantilização e as supressões de direitos  
sociais e trabalhistas são expressões dessas expropriações contemporâneas,  
revelando-se como o principal meio de utilização da reprodução capitalista.  
(MOTA; TAVARES, 2016, p. 235).  
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Para que não se perca a totalidade da discussão, faz-se necessário percorrer  
historicamente o processo de acumulação do capital, buscando compreender a expropriação, e  
para isso, faz-se imperativo analisar tais nuances.  
Sobre isso, Marx ([1867] 2017) vai tratar das relações de trabalho mediante o  
assalariamento do proletariado, de modo que a expropriação se fundará mediante a efetivação  
do contrato social (contrat social) do tipo original no período de formação das colônias.  
Contudo, é importante destacar que nas colônias ainda se vislumbrava um processo  
que não coaduna, efetivamente, com a separação entre o trabalhador e suas condições de  
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trabalho, “entre ele e sua raiz, a terra [...]”, como aponta Marx ([1867] 2017, p. 838). Ou seja,  
ainda havia traços de uma relação baseada na indústria doméstica rural.  
Daí cabe refletir: onde perceber os entornos perversos do capitalismo?  
Para essa resposta, parafraseamos Marx ([1867] 2017, p. 839) ao tratar da metáfora da  
beleza do capital:  
A grande beleza da produção capitalista consiste em que ela não só reproduz  
constantemente o assalariado como o assalariado, mas, em relação à  
acumulação do capital, produz sempre uma superpopulação relativa de  
assalariados [...] Mas nas colônias essa bela fantasia se faz em pedaços.  
Isso se justifica pelo processo de transformação dos assalariados em camponês ou  
artesão independente, o que finda numa relação de exploração mais contundente, que evidencia  
que o capital não se abstrai dessa relação.  
Assim, a tendência histórica da acumulação primitiva conduz a transformação direta  
de escravizados e servos – quando vistos os cenários históricos da escravidão e do feudalismo  
– em trabalhadores assalariados que perdem sua condição de liberdade – antes também  
apropriada a partir das relações de escravatura e servidão – só que de modo ainda mais perverso  
quando tem a expropriação concreta dos meios de subsistência, a qual repousa sob a exploração  
do trabalho alheio.  
Ou seja, é a constituição da propriedade privada dos meios de vida, o que, aponta  
Marx, é a antítese da propriedade social e coletiva, que não há condições de ser efetivada em  
tempos de capitalismo, pois o que era socialmente apropriado e compartilhado passa agora a  
ser de posse de pequeno grupo que expropria outros, a partir de um vandalismo cruel das  
relações de vida.  
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Assim, e de forma articulada a tudo que esse modo de produção faz, acresce a  
expropriação dos proprietários privados, apontado por Marx como a nova forma de  
expropriação, pois haverá a liquidez dos pequenos pelos grandes capitalistas, a partir do jogo  
das leis imanentes da produção, mediante a centralização dos capitais.  
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Com isso, vemos a lógica destrutiva e acirrada que o capitalismo impõe, restando à  
manutenção somente dos supercapitalistas, numa raiz de aguçamento também da exploração,  
opressão e precarização dos moldes de vida daqueles que a eles se sobrepõe por uma única  
necessidade: sobreviver!  
Assim, percebemos o desenvolvimento da força cooperativa do processo de trabalho  
em escala cada vez maior e avassaladora no tocante a geração de miséria, pobreza e subtração  
das formas de existência.  
Com a diminuição constante do número de magnatas do capital, que usurpam  
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e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, aumenta  
a massa da miséria, opressão, servidão, degeneração, exploração [...]. sob a  
hora da derradeira da propriedade privada capitalista, os expropriadores serão  
expropriados. (MARX, [1867] 2017, p. 187).  
Com isso, é notório que o cercamento das terras e a usurpação dos meios de produção,  
consequentemente, dos meios de vida – aqui no entendimento da garantia da sobrevivência –  
marcam a instalação da propriedade privada e das formas originárias da expropriação, como  
aponta Fontes (2018).  
A subsunção real do trabalho direciona a forma de realização do trabalho não mais  
para a satisfação humana, mas para atendimento, primeiro, das necessidades do capital.  
O processo de mercadorização da força de trabalho, portanto, é o ponto de partida para  
a elevação máxima que o capitalismo gera quanto a privação dos meios de produção e dos  
produtos do trabalho humano, uma vez que “o capital só surge quando o possuidor de meios de  
produção e de meios de subsistência encontra no mercado o[a] trabalhador [trabalhadora] livre  
como vendedor[a] de sua força de trabalho [...]” (MARX, [1867] 2017, p. 245).  
O enfoque acerca desse recorte faz-se acompanhar por uma divisão social do trabalho,  
a qual marca a separação e distinção entre o valor de uso e valor de troca – categoria central no  
modo de produção capitalista – dos produtos fruto da relação de trabalho no referido modo.  
Para Marx ([1867] 2017) o processo de geração do valor da força de trabalho é  
determinado pelo tempo de trabalho necessário para a produção, assim como acontece com  
todas as mercadorias na sociabilidade capitalista, porém, há que se destacar que mesmo sendo  
uma mercadoria, há um aspecto essencial que nos diferencia de qualquer outra: a capacidade  
racional e teleológica. Essa mercadoria especial, como assim ele também trata, exige sua  
criação, procriação e reprodução social. O(a) trabalhador(a) precisa manter-se vivo(a) para  
atender os interesses de compra de sua força de trabalho.  
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Marx também observa que a lei da oferta e a da procura governa a produção  
dos homens, tanto quanto a de qualquer outra mercadoria, e que o trabalhador  
como ‘capital vivo’ é uma forma especial mercadoria que tem a infelicidade  
de ser um capital ‘carente’. Mas, como resultado da lei da oferta e da procura,  
‘suas propriedades humanas o são apenas na medida em que o são para o  
capital, que lhe é estranho’. Isso significa que as necessidades humanas só  
podem ser satisfeitas até o limite em que contribuem para a acumulação de  
riqueza. (MÉSZÁROS, 2006, p. 133 – 134).  
Sobre isso, Saffoti (2013) traz que “o trabalhador não mais produz diretamente para  
seu consumo, mas produz artigos cuja existência independe de suas necessidades enquanto  
produtor singular” (SAFFIOTI, 2013, p. 54), ou seja, o(a) trabalhador(a) vende sua força de  
trabalho para obter, nessa relação, as condições que gerem o atendimento a sua sobrevivência  
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– e aqui no sentido do atendimento biológico, uma vez que o capital nega essa condição de  
atendimento genérico – e, consequentemente, ainda produz o que é estranho a si e, por vezes,  
às suas necessidades.  
O estranhamento produzido na relação de trabalho capitalista cimenta a separação  
brutal entre o(a) trabalhador(a) e suas satisfações enquanto ser humano social e genérico, o que  
coloca como a mais perversa forma de coisificação humana em detrimento do mundo das coisas  
– que geram valor – produzindo uma liberdade falseada.  
Dessa forma, sendo o trabalho o momento que gera o privilégio da práxis, por sintetizar  
as relações entre os homens [e as mulheres] com a natureza, relação essa a qual se baseia  
unicamente para o atendimento de suas necessidades individuais e coletivas, o que também  
desperta as relações entre os próprios homens, se constitui como a via de excelência através da  
qual se procede o desvelamento da verdadeira posição que as categorias históricas ocupam na  
totalidade dialética na sociedade capitalista e das respectivas relações que elas mantêm entre si  
e com o todo social no qual se inserem.  
Assim, a partir desse fundamento, compreende-se que o alijamento dos(as)  
trabalhadores(as) de todas as suas escolhas privadas, passam agora a uma administração do que  
o processo de produção impõe no sentido de que o(a) trabalhador(a) não se perceba como gente,  
mas como coisa. E tudo o que é reflexo da condição social das pessoas é tido como “natural”  
nessa sociabilidade capitalista. A pobreza, por exemplo, é tida como condição natural e divina  
– uma vez que vale destacar a apropriação dos aspectos abstratos espirituais como forma de  
concretizar esse processo – e por uma consequência do não esforço individual do(a)  
trabalhador(a).  
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A propriedade do capital apresenta-se aos seres sociais como natural, eterna,  
necessidade econômica primeira, forma histórica indeclinável e potência  
exterior à qual precisam dobrar-se para assegurar sua subsistência. A  
propriedade do capital recobre e reatualiza todas as formas precedentes de  
propriedade, as defende de maneira nominal (juridicamente), enquanto as  
devasta em permanência. (FONTES, 2018, p. 43).  
Ou seja, as expropriações geram violências diretas ao próprio reconhecimento crítico  
da capacidade de existência, o que impacta, e é estratégico, na consciência de classe. Acerca  
disso, Fontes (2018) traz que “o latégo do capital” se abate quando há jornada de trabalho e em  
sua ausência, o que se evidencia como uma relação de cercamento da condição legítima de  
sobrevivência na ordem ditada pelo capital.  
Tal complexidade mostra o influxo do capital, quando a própria dinâmica social  
esmaga o conjunto dos(as) trabalhadores(as) e o conjunto social de suas vidas, reduzindo  
também a natureza aos seus ditames. Isso nos leva a crer como a propriedade do capital é  
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dinâmica, expropriadora.  
Dessa forma, é entendido que a expropriação é a base social que legitima a relação do  
capital, com suas relações devastadoras e que assolam todo o tecido individual e coletivo de  
modo atemporal.  
Sendo que, na contemporaneidade, esse processo se intensifica mediante a lógica  
imperialista do capitalismo, a qual reitera as bases de extração do valor a partir do trabalho e  
agora de forma mais intensificada, uma vez que os bancos e os juros são a base central.  
Esse chamado atual a capitalização, a partir da forma investimento e do  
empreendedorismo popular, desconsiderando as relações estruturais que regem a dinâmica do  
capital – sendo transcorrida como bases ilusórias de resistência da classe trabalhadora – fixam  
um aguçamento da alienação e da exploração e precarização.  
Com isso, a população pobre é a mais afetada através do incentivo aos microcréditos  
e todas as vias de endividamento, principalmente da moradia. O Estado Social – que também é  
mínimo para o social, consequentemente, para as políticas públicas –, por sua vez, e também  
como aliado direto aos interesses do capital, sucateia o conjunto das políticas sociais,  
principalmente as de Seguridade Social (previdência social, saúde e assistência social), de  
forma a alimentar o chamado a vinculação privada como sendo a mais eficaz das vias, e ainda,  
impulsionando o discurso de ausência de recursos para destinação a tais políticas. Ou seja, o  
que é direito social e investimento público, se passifica diante da falácia da responsabilização  
social.  
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As necessidades vitais são novamente tomadas pelo capitalismo sob o prisma de um  
Estado que “não pode” se responsabilizar com a proteção social, dado o discurso da crise –  
quando na verdade há um direcionamento de quase 50% do PIB para amortização dos juros da  
dívida pública, reduzindo e retirando sempre das parcelas do financiamento da saúde e  
educação, principalmente –, e com isso, tem-se uma classe trabalhadora que trabalha mais, que  
ganha menos e que agora precisa financiar o acesso às políticas sociais por necessidade direta,  
como é o caso da educação, saúde e moradia.  
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Nesse contexto, assim como tudo no capitalismo, há uma apropriação da força de  
trabalho também das mulheres, as quais têm suas condições de vida perversamente abaladas  
em solos capitalistas, uma vez que a divisão sócio – sexual e racial do trabalho se intensifica  
ainda mais em tempos de crises.  
Subordinadas ao domínio da propriedade do capital, as atividades do cuidado e da  
reprodução da vida, enquanto atividades expropriadas contemporaneamente, as mesmas tendem  
a converte-se em relação mediada pelo capital. Corroboramos com Fontes (2018, p. 58) ao tratar  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 205-227, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Expropriação em tempos de capitalismo: o trabalho reprodutivo e o impacto na vida das mulheres  
que “a industrialização do cuidado e da reprodução não viria para emancipar as mulheres, mas  
para submetê-las ao capital”.  
Diante disso, o ponto a seguir discorrerá, criticamente, acerca de como as mulheres,  
mediante as relações fruto de uma sociabilidade capitalista – patriarcal – racista – sexista tem  
suas vidas expropriadas pela punção real do capital sobre suas vidas e sua força de trabalho.  
Do privado ao público somos expropriadas: analisando os reflexos do capitalismo  
– racismo – patriarcado na vida das mulheres  
Iniciamos do ponto de vista que o entendimento da divisão sócio – sexual e racial do  
trabalho, e sua consequente superação, é uma das pautas fundamentais para o feminismo  
marxista. Partimos da compreensão que há uma divisão do trabalho em dois tipos: o produtivo  
e o reprodutivo, sem que sejam tratados de modo separado, mas dialeticamente intrínsecos. Nós  
mulheres não produzimos valor na realização do trabalho doméstico não remunerado, por  
exemplo, mas estamos diretamente ligadas quando contribuímos para a reprodução social e  
humana da parcela da força de trabalho – majoritariamente masculina – que estão nos espaços  
produtivos. E quando estamos vendendo nossa força de trabalho, na condição de assalariadas,  
a vinculação se dá maciçamente nas profissões voltadas ao campo da reprodução social.  
Contrariamente, os espaços de produção estão vinculados aos homens, o que evidencia um  
recorte sexista na produção/geração do valor.  
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Sobre a emblemática discussão acerca da inserção das mulheres nos espaços  
produtivos, Federici (2021) traz que tal inserção nunca liberou as mulheres da responsabilização  
do trabalho doméstico – e acrescentamos do trabalho reprodutivo – pelo contrário, houve a  
intensificação da jornada de trabalho feminina e, como discorre a autora citada “significou  
menos tempo e energia para a luta” (FEDERICI, 2021, p. 30).  
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É notório que historicamente essa dicotomia na ocupação das esferas produtiva e  
reprodutiva constituiu fator importante para a submissão da mulher e a hierarquização das  
ocupações e funções destinados a ambas os sexos.  
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[...] a divisão entre esfera produtiva e reprodutiva fortaleceu a hierarquia e a  
desigualdade entre homens e mulheres. A esfera produtiva é a da valorização,  
da produção da riqueza e, portanto, é tida como um espaço privilegiadamente  
masculino. A esfera da reprodução social – aqui entendida como as atividades  
necessárias para garantir a manutenção e reprodução da força de trabalho -, é  
considerada um espaço feminino. (CISNE, 2014, p. 88).  
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É sob essa reflexão que Saffioti (2004) chama a atenção – com a qual concordamos –  
de perceber os contornos sociais numa perspectiva histórica, e acrescenta-se de totalidade.  
Defendemos que as transformações socioeconômicas e políticas têm influência notória no  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 205-227, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
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desencadear das relações sociais, já que o capital se apropria de tais como forma de intensificar  
seus interesses a partir das determinações do que vem a ser do homem e o que vem a ser mulher  
mediante uma força de hierarquização e separação. Por isso, torna-se indissociável pensar as  
relações de classe, gênero e raça de modo isolado.  
[a] divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores: o princípio  
de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o  
princípio de hierarquização (um trabalho de homem “vale” mais do que um  
trabalho de mulher). (KERGOAT, 2003, p. 01).  
Por mais que na realização do trabalho reprodutivo às mulheres não produzam uma  
mercadoria, sem as atividades ligadas a reprodução social não haveria a produção social, uma  
vez que o Estado se ausenta de prestar esse atendimento – aqui compreendido como proteção  
social –, como ainda, se apropria das construções patriarcais, sexistas, classistas e raciais para  
fincar o lugar que as mulheres devem assumir.  
Assim, quanto mais o Estado omite a criação de políticas públicas para atender as  
necessidades da esfera reprodutiva, mais oneroso isso se torna para as mulheres, pois se não há  
investimento na saúde pública, são as mulheres que estão se responsabilizando pelos cuidados,  
se não há educação integral, são as mulheres que educam e etc. Portanto, cria-se a naturalização  
que o trabalho reprodutivo é uma função social incumbida às mulheres e, por isso,  
desconsiderado como trabalho.  
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Ou seja, como apresenta Saffioti (2013), as mulheres nascem e crescem sob o prisma  
da “ideologia do outro”, por sermos vistas como as que servem para servir ao outro, não sendo  
tratadas como detentoras de desejos e vontades alheias a isso.  
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Dessa forma, precisamos ampliar o olhar crítico para compreensão que a casa (o lar),  
a esfera privada, não é um lugar neutro para pensar o trabalho e suas formas de explorações,  
opressões e dominações, ou seja, as “três formas canônicas” como aponta Kergoat (2010, p.  
95). É preciso fomentar essa perspectiva política de entender as nuances que atravessam o  
cotidiano das mulheres mediante a destinação de responsáveis pela reprodução social.  
Parafraseamos Federici (2021, p. 56) quando a mesma indaga: “onde as mulheres  
podem ser mais produtivas: na linha de montagem ou na linha de produção de bebês?”. Ela faz  
esse questionamento crítico justamente para despertar as amarras do capital no tocante a  
compreensão que o capital precisa das mulheres enquanto corpos de procriação, reprodução e  
manutenção de força de trabalho, como também, quando inseridas na esfera produtiva, tê-las  
como força de trabalho barata.  
Os estudos de algumas economistas feministas, como Antonopoulos (2008) e  
Razavi (2007), mostraram como essa “economia invisível”, formada por  
atividades laborais de cuidados, não remuneradas – como a preparação de  
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Expropriação em tempos de capitalismo: o trabalho reprodutivo e o impacto na vida das mulheres  
alimentos, o cuidado de crianças, doentes e população idosa, as atividades de  
limpeza do lar, entre outras –, desempenha um papel fundamental na  
reprodução da força de trabalho e possibilita o crescimento econômico dos  
países, representando uma espécie de “subsídio” às economias nacionais. Um  
“subsídio” que se ergue contra as próprias mulheres que realizam esse  
trabalho, impedindo-as de ampliar suas capacidades, alcançar sua autonomia  
econômica e exercer outros direitos. (BARAJAS, 2016, p. 24).  
Historicamente – porém uma história, em parte, ocultada – as mulheres assumem  
espaços e se protagonizam nas lutas e militâncias denunciando o racismo, o capitalismo, o  
patriarcado, a partir de uma construção coletiva feminista.  
Corroboramos com Kergoat (2010, p. 100) ao defender a consubstancialidade das  
categorias gênero, raça e classe, entendendo-as como um nó imbricado, como também defende  
Saffioti, pois “é o entrecruzamento dinâmico e complexo do conjunto de relações sociais, cada  
uma imprimindo sua marca nas outras, ajustando-se às outras e construindo-se de maneira  
recíproca” que faz perceber a totalidade, entendendo e enxergando os intercruzamentos e  
interpenetrações que formam o “nó”. A percepção defendida pela autora se traduz no  
rompimento da compreensão mecanicista das relações sociais, o que afeta consubstancialmente  
a totalidade social, pois ao considerar as análises com prismas geométricos, ou seja, fincadas  
sob a lógica da intersecção, adição, por exemplo, perde-se as determinações que engendram as  
referidas categorias enquanto parte de um plano real do cotidiano sob uma perspectiva  
materialista.  
215  
O casamento (ou contrato social) e a maternidade são os catalizadores para o  
aprisionamento da mulher, uma vez que, além de corresponderem aos interesses da família  
burguesa e do capitalismo, direcionam o destino das mulheres como únicos ao atendimento  
desses vínculos. É como se nossa existência estivesse (esteja, pois ainda vigora essa forma  
histórica cisheteropatriarcal) condicionada, como atributo de felicidade, ao matrimônio e a  
maternidade. Todavia, o que se busca, de fato, é exatamente tornar nós mulheres como  
verdadeiras “fábricas sociais” (FEDERICI, 2021) da reprodução da força de trabalho.  
A origem dessa divisão sócio sexual foi fortemente influenciada a partir do surgimento  
da família monogâmica – isso ocorre na transição para as sociedades de classes – a primeira  
estratégia é o rompimento da perspectiva coletiva pela busca da sobrevivência. Com as  
sociedades de classes, o individualismo é gerado e apregoado entre os sujeitos contrariando a  
coletividade. A colaboração “perde” lugar para a concorrência.  
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Para Gama (2014, p. 47), o cuidado é concebido “como uma atividade feminina  
geralmente não remunerada, sem reconhecimento nem valorização social”. E isso será ainda  
mais evidenciado com a constituição do modelo de família monogâmica.  
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Priscilla Brandão de Medeiros  
Vale ainda considerar que com a entrada massiva da mulher no mundo do trabalho  
produtivo – mais precisamente em meados de 1970 – ocorreu a transferência da atribuição das  
atividades domésticas para outras mulheres. Mostrando então, que o trabalho doméstico  
continua, hegemonicamente, como encargo feminino. Tal constatação é evidenciada no que traz  
Sorj (2004) quando faz uma análise da marca cultural que as mulheres carregam no tocante a  
responsabilização com a família. Em pesquisa realizada para analisar como se dava a divisão  
sexual do trabalho na esfera doméstica, a autora apresenta que:  
[...] em 96% dos domicílios pesquisados, a principal responsável pelas tarefas  
domésticas era uma mulher. Além disso, quando outra pessoa participava das  
responsabilidades pelo trabalho doméstico, em 49% dos casos tratava-se  
também de uma mulher. (SORJ, 2004, p. 112).  
E ainda sob essa análise, recai o viés de raça e classe, uma vez que a mulher que  
ocupará a função do cuidado doméstico do lar de outrem será, na sua maioria, a mulher negra  
e pobre. É importante frisar, que mais recentemente, principalmente no Brasil, esse trabalho  
doméstico realizado por essa outra mulher tem um caráter de trabalho visibilizado, uma vez que  
será remunerado e passa a constituir a lógica do mercado. Mas, o que é importante ser destacado  
é a continuidade da realização do trabalho doméstico apenas por mulheres. A delegação do  
trabalho doméstico de uma mulher para outra.  
E mais, quando há uma comparação da divisão das tarefas domésticas entre homens e  
mulheres, os dados comprovam que permanece como sendo da mulher a responsabilidade pela  
sua execução, mesmo que os homens, minimamente, se incluam nestas. Para evidenciar esse  
aspecto, segundo Cisne (2014, p. 84 - 85), com base em uma pesquisa realizada pelo PNAD –  
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e  
Estatística – em 2011, é evidente que continua mínima a participação masculina na realização  
das tarefas domésticas quando comparada com os dados de 2001. Salientando que, segundo  
Pinheiro (2016), até 2001 não havia a mensuração estatística do tempo de uso na realização de  
atividades domésticas e de cuidado entre homens e mulheres pela PNAD e IBGE. Foram  
inseridas nesse ano, mas ainda sem o teor teórico político das discussões de gênero, todavia, já  
se considera como um ganho, uma vez que instigou os movimentos sociais – feminista  
especialmente – a pensar e fomentar pesquisas e debates acerca das políticas públicas voltadas  
ao campo da reprodução social. Ou seja, é um indicador nitidamente recente, o que evidencia,  
em parte, os muitos limites em tratar esse debate como questão de política de Estado.  
Para além dessa organização social do trabalho, os indivíduos se veem imersos em  
uma divisão do trabalho que agrega condicionantes, como o gênero, raça e classe. A partir de  
determinado momento histórico, se configura uma fragmentação das tarefas para homens e  
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mulheres, constituindo-se, assim, a divisão sexual do trabalho.  
Nogueira (2006) vai analisar ainda que é na família que ocorrem as primeiras  
manifestações da divisão social e sexual do trabalho. Onde ela irá afirmar, calcado em Marx e  
Engels (1997), que a mulher e os(as) filhos(as), dentro do núcleo familiar, são encarados com  
“escravos” do homem, esposo e pai, respectivamente.  
Então, o espaço privado foi destinado às mulheres e, socialmente, isso passou a ser  
visto com o algo naturalizado. Foi na família que as mulheres vivenciaram suas primeiras  
formas de submissão. Na família monogâmica, constituída e oriunda junto às sociedades de  
classes, couberam as mulheres o papel de procriação, cuidado com o lar e filhos(as). Ou seja,  
“a divisão do trabalho na família havia sido a base para a distribuição da propriedade entre o  
homem e a mulher” (ENGELS, 2012, p. 203-204).  
Para compreender os ditames que perpassam a opressão feminina quanto a divisão  
sexual do trabalho “a família [torna-se] uma importante chave para o entendimento histórico da  
exploração e opressão sobre as mulheres” (CISNE, 2014, p. 81). É nela que se fixam as bases  
tidas como naturais da submissão e precarização do trabalho da mulher.  
Na verdade, o lugar da mulher sempre tinha sido em casa, mas durante a era  
pré-industrial a própria economia centrava-se na casa e nas terras cultiváveis  
ao seu redor. Enquanto os homens lavravam o solo (frequentemente com a  
ajuda da esposa), as mulheres eram manufatoras, fazendo tecidos, roupas,  
velas, sabão e praticamente tudo o que era necessário para a família. O lugar  
das mulheres era mesmo em casa – mas não apenas porque elas pariam e  
criavam as crianças ou porque atendiam às necessidades do marido. Elas eram  
trabalhadoras produtivas no contexto da economia doméstica, e seu trabalho  
não era menos respeitado do que o de seus companheiros. (DAVIS, 2016, p.  
52).  
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Assim, percebe-se que a família, mesmo diante dos inúmeros avanços políticos, sociais  
acerca dessa instituição, continua como elemento importante para a reprodução do capital e das  
bases para sua apropriação, ou como diz Cisne (2014, p. 84) “é um modo de circulação e de  
consumação de bens e serviços baseados na exploração da mulher”.  
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Ou seja, é nesse espaço que se torna evidente o processo de (in)visibilização do  
trabalho realizado pelas mulheres, sendo este tido e tratado, historicamente como natural a elas.  
O aspecto mais importante da família na manutenção do domínio do capital  
sobre a sociedade é a perpetuação – e a internalização – do sistema de valores  
profundamente iníquo, que não permite contestar a autoridade do capital [...].  
(MÉSZÁROS, 2011, p. 271).  
Ao longo das sociedades, as relações de gênero construídas foram determinando as  
tarefas, deveres e profissões para homens e mulheres, determinando, portanto, a divisão sexual  
do trabalho. As mulheres sempre trabalharam, porém, na maioria das sociedades, elas trabalham  
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mais que os homens e não tinham o reconhecimento no que se refere à realização de trabalho,  
além de salários mais baixos (CISNE, 2014).  
A fim de compreender a divisão sexual do trabalho, buscamos em Kergoat e Hirata  
(2008) uma definição conceitual dessa categoria. As referidas autoras trazem a categorização a  
partir de estudos e vivências francesas, onde fundamenta a divisão sexual do trabalho através  
de dois recortes de entendimentos:  
[...] de um lado, uma acepção sociográfica: estuda-se a distribuição diferencial  
de homens e mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e nas profissões, e  
as variações no tempo e no espaço dessa distribuição; e analisa-se como ela se  
associa à repartição desigual do trabalho doméstico entre os sexos.  
(KERGOAT; HIRATA, 2008, p. 263).  
Contudo, entender e analisar a divisão sócio sexual e racial do trabalho precisa-se ir  
além da simples verificação de desigualdades apontadas mediante a contradição sócia histórica.  
Segundo as autoras citadas, é necessário mostrar que essas desigualdades são sistemáticas e  
“articular essa descrição com o real” (idem).  
É importante traçar caminhos que não apontem somente as constatações das  
desigualdades entre homens e mulheres, mas que possam compreender a origem do que envolve  
e desencadeia esse contexto, em um complexo dialético e de totalidade.  
Apartir desse traço histórico, percebe que tanto a mulher livre quanto a mulher escrava  
eram destinadas tarefas, na sua maioria, de cuidados dos(as) filhos(as) e a alimentação dos  
homens que iam para a caça e a pesca. Desde então, já ocorria uma divisão desigual das  
atividades, as quais se faziam perceptível à soberania do homem em relação à mulher e aos  
filhos(as).  
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Em 1831, quando a indústria têxtil ainda era o principal setor da nova  
Revolução Industrial, as mulheres constituíam a maioria do operariado. Nas  
fábricas de tecidos, espalhadas por toda a Nova Inglaterra, havia 38.927  
mulheres operárias e 18.539 homens. As primeiras jovens operárias [“mill  
girls”] haviam sido recrutadas nas famílias de agricultores locais. Em busca  
de lucro, os proprietários das indústrias apresentavam a vida nas fábricas como  
um prelúdio atraente e instrutivo para o casamento. (DAVIS, 2016, p. 72).  
Neste instante, pode-se perceber que a análise da divisão sócio sexual e racial do  
trabalho passava de uma divisão de uma relação de gênero para, também, uma relação de classe,  
uma vez que as mulheres dos camponeses e dos servos trabalhavam de forma mais acentuada  
do que as mulheres burguesas. As primeiras além de trabalhar na agricultura, cuidar dos  
filhos(as) e do lar, muitas vezes, eram as amas dos filhos(as) das burguesas. Entende-se, com  
isso, que a intensa jornada de trabalho da mulher já existe há séculos.  
Portanto, a realidade que marca a inserção das mulheres no mundo de trabalho  
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Expropriação em tempos de capitalismo: o trabalho reprodutivo e o impacto na vida das mulheres  
produtivo corrobora com os aspectos estruturais que refutam a expropriação real vivida por  
essas. Sobre isso, Davis (2016) destaca como se dava a realidade nas fábricas dos Estados  
Unidos – EUAem meados do séc. XIX: “Mas qual era a realidade da vida nas fábricas? Jornadas  
inacreditavelmente longas – doze, catorze e até dezesseis horas por dia –, condições de trabalho  
atrozes, alojamentos desumanamente lotados” (DAVIS, 2016, p. 72).  
Primando por uma abordagem marcada pela coextensividade entre gênero, raça/etnia  
e classe, enquanto categorias sociais imbricadas, consequentemente, vivenciadas  
indissocialmente pelas pessoas – e aqui focamos nas mulheres – as quais consideramos como  
não fixas e que são reflexo de processos históricos, não preexistentes de processos culturais,  
como trata a pós modernidade.  
Para enfatizar e parafrasear os dados apontados por Davis (2016) e fazermos uma  
análise temporal, trazemos os dados apontados por Sorj (2019, p. 106):  
[...] a mulher negra é a base do sistema de remuneração e ocupa as piores  
posições, indicando a convergência da tríplice opressão de gênero, raça e  
classe. A partir de um indicador de precariedade ocupacional, 39,1% das  
mulheres negras ocupadas estão inseridas em relações precárias de trabalho,  
seguidas pelos negros (31,6%), mulheres brancas (27,0%) e homens brancos  
(20,6%).  
Ou seja, o capitalismo, em seus traços perversos de coisificação humana, se apropria  
desses sistemas de dominação, opressão e exploração para demarcar suas estratégias e,  
consequentemente, impactar na vida das mulheres, aqui as pobres e negras de modo mais  
incisivo.  
219  
Sabendo que é a mais valia a maneira de ativação da acumulação capitalista, por via  
da exploração do trabalho, a qual não é explícita na relação de trabalho, dada a sua abstração,  
gera a não consciência desse processo por parte da classe trabalhadora, como ainda, a utilização  
da naturalização das construções sociais de gênero – delimitando o que é da mulher e o que é  
do homem – no intuito de obter a invisibilidade da esfera reprodutiva como necessária de  
responsabilização do Estado, e, com isso, gerando uma sobrecarga de trabalho para as mulheres,  
e, de modo mais bárbaro, para atendimento dos interesses do capitalismo.  
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Isso resulta no ocultamento da exploração sob a justificativa de uma aparente  
naturalização da divisão do trabalho, em que colocam os indivíduos em um lugar de  
atendimento as suas especificidades a partir de seu gênero.  
Dessa forma, é inegável afirmar que o capitalismo é um sistema que possibilita a  
vivência sem que haja curvas exponenciais de violência sobre a condição humana, pois, nem  
de longe, esse protagoniza em suas estratégias as necessidades humanas, mas sim, gera a  
intensificação dessa relação enquanto mercadoria, mediante a força de trabalho, gerando o  
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reducionismo humano a essa única condição.  
É importante frisar que no capitalismo as formas de opressão, exploração e  
precarização do trabalho se dão de forma seletiva e apresenta particularidades quanto  
analisamos sob os enfoques de classes, raça/etnia e gênero. E quando vistas a partir do mundo  
do trabalho, como mostra as passagens já em destaque trazidas por Davis (2016), vemos como  
se dão esses realces.  
Assim, corroboramos com Federici (2017) quando ela traz que o capitalismo está  
necessariamente ligado ao racismo e sexismo como bases alicerçantes de suas formas de  
opressão e exploração humana, e não como uma relação meramente simbiótica, mas dialética,  
uma vez que a exploração, expropriação atinge não “somente” as condições de trabalho das  
mulheres, mas suas formas de existência, ao passo, por exemplo, que naturalizam a violência –  
situação essa que se agrava pela naturalização secular do patriarcado e de suas formas de  
reprodução nas relações sociais.  
[...] entendemos o capitalismo também como sistema de dominação masculina  
de opressão, expropriação e exploração das mulheres que se mantém sob uma  
base material sólida e ancora-se numa economia doméstica e na violência  
sexista, a qual garante a produção diária e a reprodução da vida. A violência  
contra as mulheres não é um fenômeno específico dessa forma social, mas,  
nessa sociabilidade, torna-se necessária ao capital naquilo que é  
imprescindível: transformar tudo o que existe em mercadoria para produção  
de mais valor e, consequentemente, garantir a produção ampliada do capital.  
(BARROSO, 2018, p. 315).  
220  
O capitalismo, portanto, se utiliza dessas características demarcadas socialmente  
de modo a impactar diretamente na vida das mulheres, uma vez que sendo a esfera reprodutiva  
o espaço privilegiado e destinado a essas, é lá que devem primar suas atribuições e  
responsabilizações, justificando as bases de precarização como algo natural mediante os  
recortes sexistas, disfarçado, como traz Federici (2017), de sua condição não assalariada,  
caracterizada pelos serviços pessoais domésticos e reprodutivos, os quais impactam e servem  
diretamente ao funcionamento do capitalismo.  
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Daí, pensar a divisão sócio sexual e racial do trabalho, ou como traz Lobo (1991) a  
“nova divisão sexual do trabalho” a partir do emprego do capitalismo, é um debate necessário  
de ser potencializado no campo da academia, dado o rigor ainda secundarizado desse debate,  
principalmente em tempos de avanços reais do conservadorismo, apoiado nas práticas  
fundamentalistas mediante o discurso religioso.  
Então, a marca histórica de subordinação das mulheres aos homens, enquanto um  
ditame cisheteropatriarcal se solidifica nesses tempos de capitalismo de modo particular quando  
visto o trabalho assalariado, o qual é negado, inicialmente a essas, e quando as inserem, é de  
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Expropriação em tempos de capitalismo: o trabalho reprodutivo e o impacto na vida das mulheres  
modo precarizante e aliado aos trabalhos domésticos ou com reflexos da condição de  
reprodução social.  
Assim, cabe criticizar, para que não caiamos nas amarras da romantização teórica,  
como se deu/dá a inserção das mulheres no mundo produtivo e sua conciliação com a esfera  
reprodutiva, o que gera a intensificação da sua exploração do trabalho, como ainda, a  
desresponsabilização do Estado na elaboração/execução de políticas sociais que retire das  
mulheres esse peso do cuidado como evidência de sua identidade.  
No capitalismo há associação entre Mulher e Domesticidade se logra de modo  
permanente, assolando a divisão sócio sexual e racial do trabalho e negando seus reflexos na  
vida das mulheres, uma vez que apropriação dessa esfera reprodutiva – antes tida como natural  
nos moldes das sociedades pré-capitalistas – é agora tomada pelas engrenagens do capitalismo  
como forma de corresponder aos seus interesses.  
Federici (2017) chama atenção para uma crítica fundamental quando pensado esse  
processo de exploração particular das mulheres quando ela analisa o processo de serventia ao  
modo de produção supramencionado. A autora trata que são as mulheres as reais produtoras –  
quando visto as responsabilizações que as mulheres cumprem nos cuidados e atribuições  
domésticas – e reprodutoras – enquanto biologicamente responsáveis pela geração/reprodução  
humana – da mercadoria capitalista mais essencial: a força de trabalho.  
221  
Assim, vale muito no mundo de relações do capital o trabalho diariamente realizado  
pelas mulheres na esfera reprodutiva do cuidado e procriação, cabendo a elas [nós] também a  
direção desse cuidado, o qual deve corresponder a um jogo de interesses caracterizados em  
papéis sociais exigidos e “pré-elaborados” social e historicamente. O que isso quer dizer? O  
modelo de formação social sexista molda esse lugar das representações, em que ao homem se  
volta à virilidade, a esperteza, o domínio público; e as mulheres, a atenção doméstica, os  
cuidados, os atributos da calmaria. Portanto, ao pensar essa sociedade e responsabilizar as  
mulheres esse papel, ele não se faz livre de preceitos morais, pelo contrário, há uma gama de  
codificações que são necessárias para corresponder ao que socialmente de espera no  
cumprimento das exigências no âmbito reprodutivo.  
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As tradições de masculinização e feminização de profissões e tarefas se  
constituem às vezes por extensão de práticas masculinas e femininas: homens  
fazem trabalhos que exigem força, mulheres fazem trabalhos que reproduzem  
tarefas domésticas. Mas, mais do que a transferência das tarefas, são as regras  
da dominação de gênero que se produzem e reproduzem nas várias esferas da  
atividade social. (LOBO, 1991, 152).  
O capital usa, em prol de atender seus interesses, métodos e categorias como se fossem  
neutros na órbita da divisão social do trabalho. Perceber como se dá o contexto dessa divisão é  
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Priscilla Brandão de Medeiros  
entender que não se trata de segregar a esfera produtiva da reprodutiva, mas, analisar como  
ambas são vistas e entrelaçadas ao modo do capital, recolocando espaços ditos masculinos e  
femininos ou no que Lobo (1991, p. 145) vai designar como sendo a “sexualização das  
ocupações”.  
É notório que as mulheres da classe trabalhadora são as mais precarizadas quanto aos  
postos de trabalho ocupados e, consequentemente, os salários recebidos. Sobre esse mesmo  
aspecto, Falquet (2008) trará a questão da utilização do “trabalho considerado feminino” como  
estratégia direta do Estado aliado ainda a obrigatoriedade da heterossexualidade como  
interesses de permanência da mulher inserida em relações de gratuidade e (des)valorização do  
seu trabalho.  
Portanto, problematizar a divisão sócio sexual e racial do trabalho, enquanto reflexo  
das marcas da reprodução social, criticamente e em uma perspectiva totalizante é ir além do  
que aparentemente está exposto e buscar ir à essência que envolve e complexifica esse cenário,  
a partir das múltiplas formas de intensificação e apropriação do uso da força de trabalho  
feminina e seus rebatimentos.  
A partir das construções sociais alicerçadas pelo sistema patriarcal, é a mulher que  
destina maior parte da sua jornada de trabalho nos afazeres e cuidados domésticos. Já a  
participação do homem nas tarefas do lar ainda se dá fincada na lógica da ajuda e em tempo  
reduzido quando comparado ao da mulher.  
222  
Dessa forma, é notório o processo expropriador na vida das mulheres, entendido como  
uma violência originária e intensificada nos crivos capitalistas, quando a essas [nós] o trabalho  
doméstico não remunerado é uma condição natural do seu processo de vida.  
E ao negar ou questionar esse lugar, a punição social – apoiada pelo patriarcado – se  
faz presente em múltiplas formas, como aponta Falquet (2016) ao enfatizar que a violência  
contra as mulheres, como principal expressão desse cenário, no espaço privado e público é  
entendida como um meio de garantir uma força de trabalho a preços muito baixos, ou mesmo  
sem remuneração, para manter a organização social que autoriza essa distorção: a estrutura  
patriarcal.  
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O patriarcado seria uma dessas estruturas, e a dominação masculina produto  
histórico de um trabalho contínuo de reprodução com o qual contribuem,  
especialmente, sujeitos singulares (homens com suas armas) e instituições,  
tais como: família, igreja, escola, Estado. (BARROSO, 2018, p. 336).  
A partir disso, queremos apontar e ratificar a indissociabilidade entre o patriarcado –  
racismo – capitalismo, os quais são tidos como o sistema de dominação – opressão que assola,  
principalmente, quando vistas as intensidades desse processo, a vida das mulheres.  
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Expropriação em tempos de capitalismo: o trabalho reprodutivo e o impacto na vida das mulheres  
Saffioti (1987) aponta como sendo um processo simbiótico o que interliga esses três  
sistemas de dominação – exploração. “Na realidade concreta, eles são inseparáveis, pois se  
transformaram, através deste processo simbiótico, em um único sistema [...], aqui denominado  
patriarcado – racismo – capitalismo” (SAFFIOTI, 1987, p. 60). Portanto, sem que seja desfeito  
esse “nó”, como aponta a autora, não conseguimos especialmente as mulheres, o alcance de  
uma sociabilidade livre de opressões, explorações e dominações.  
Isso faz perceber que a emancipação feminina só será alcançada com a eliminação do  
capitalismo, pois, segundo Mészáros (2011, p. 271):  
[...] dadas as condições estabelecidas de hierarquia e dominação, a causa  
histórica da emancipação das mulheres não pode ser atingida sem se afirmar  
a demanda pela igualdade verdadeira que desafia diretamente a autoridade do  
capital [...].  
Enquanto o capitalismo imperar a sociedade não vivenciará a emancipação humana,  
pois o capital trata de se apropriar das relações de classe, gênero e raça como forma de acirrar  
as relações interpessoais.  
[...] enquanto o relacionamento vital entre homens e mulheres não estiver livre  
e espontaneamente regulado pelos próprios indivíduos [...] não se pode sequer  
pensar na emancipação da sociedade da influência paralisante que evita a auto-  
determinação dos indivíduos como seres sociais particulares (MÉSZÁROS,  
2011, p. 268).  
223  
São notórias, assim, as “interdependências que marcam a vida profissional das  
mulheres e o processo familiar”, diz Bulport (1986, p. 16). Isso faz perceber, portanto, que há  
uma relação direta do trabalho ligado aos cuidados relacionados ao espaço familiar – doméstico  
– como atribuição das mulheres.  
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Portanto, tocar no debate – e fomentar a importância dos estudos – acerca do trabalho  
reprodutivo, principalmente em tempos de crise do capital, haja vista que as mulheres tendem  
a ter espaços e contextos de vida nitidamente mais precarizados, é realçar aspectos que tocam  
o trabalho das mulheres, espaços tidos como competência e lugar de mulher. Ou seja, é perceber  
a necessidade de construir uma agenda contínua de discussão acerca das relações sociais de  
gênero, raça e classe como raiz desse fenômeno, trazendo enquanto aspecto de ordem estrutural.  
A elas a vida era privada de liberdade política e social, ou como diz Lessa (2012, p.  
33) “sua razão social de viver perdeu a sociedade por horizonte e se resumiu às relações mais  
imediatas, locais [o lar e seus empregados]”.  
Acontece, então, nas sociedades capitalistas a marginalização do trabalho realizado  
pelas mulheres e isso refletirá na precarização e falta da valorização deste. Isto implica no não  
reconhecimento do trabalho feminino enquanto atividade útil e produtora de riqueza, mesmo as  
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que estão no nível do simbólico e subjetivo. Esta situação exclui a mulher enquanto sujeito da  
sociedade. Saffioti (2013, p. 69) coloca que o trabalho feminino foi implementado no  
capitalismo com o caráter de exploração.  
O processo de acumulação do capital nesta fase não apenas elimina menos  
trabalho do que a máquina está apta a fazê-lo; elimina, por vezes, o trabalho  
do chefe da família não porque tenha a nova sociedade subvertido a nova  
hierarquia familiar, mas porque a tradição de submissão da mulher a tornou  
um ser fraco do ponto de vista das reivindicações sociais e, portanto, mais  
passível de exploração.  
O mercado necessitava de força de trabalho, mas, não era – nem é – interesse dos  
capitalistas arcar com altos custos no pagamento de trabalhadores para que os mesmos cubram  
suas necessidades. Então, para isso, a utilização da força de trabalho feminina surge como  
possibilidade de trabalho e barateamento de força de trabalho, fazendo com que as mesmas não  
se percebam enquanto trabalhadoras, “não construindo, portanto, a identidade com a sua classe”  
(CISNE, 2012, p. 114).  
O discurso de responsabilização atribuída a figura da mulher quanto à naturalização  
desta no que se refere às atribuições contidas na esfera doméstica é algo presente até os dias  
atuais. Como afirma Mészáros, “a família está entrelaçada às outras instituições a serviço da  
reprodução do sistema dominante de valores” (MÉSZÁROS, 2011, p. 271). Isto ocorre devido  
o enraizamento, ainda vigorante, das representações fixadas com base no binômio  
homem/mulher, gerado pelo discurso conservador e de poder das instituições: Estado, Família,  
Escola, Igreja, por exemplo.  
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Considerações finais  
O esforço em colocar a discussão acerca da expropriação histórica das mulheres e a  
redução de suas vidas a procriação e reprodução da mercadoria especial para o capitalismo foi  
a atribuição maior desse estudo.  
Após a compreensão crítica, marxista e feminista, a respeito de enfoque de análise, foi  
possível ratificar o que já corrobora com a leitura e militância contemporânea que trata da  
necessidade de aprofundamento do debate central da Reprodução Social no campo dos estudos  
marxistas – e mesmo do serviço social.  
O chamado à construção da consciência de classe e, de modo especial a militante  
feminista, é aspecto primário nas considerações desse estudo. É urgente a necessidade do  
fortalecimento das bases de organização política da classe trabalhadora para que possamos  
construir uma agenda de luta ancorada nos princípios marxistas e feministas emancipatórios,  
uma vez que a revolução precisa chegar ao lar.  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n.1, p. 205-227, jan./jun. 2023. ISSN 1980-8518  
Expropriação em tempos de capitalismo: o trabalho reprodutivo e o impacto na vida das mulheres  
A gestão do cuidado ainda prevalece como algo naturalizado às mulheres, de modo a  
condicioná-las, desde o modelo prevalecente de educação sexista, a essa responsabilização dos  
entes que compõe sua esfera familiar; ou mesmo, a seguir profissões que coloquem essa  
demarcação do “trabalho de mulheres” como direção central, e para isso, tem-se na família  
monogâmica, enquanto “célula” burguesa, o cimento para a concretização dessas questões.  
É imperativo trazer para a centralidade da discussão marxista a pauta do trabalho  
reprodutivo como aspecto na geração do valor. É necessário fomentar esse debate  
trasversalizando com a perspectiva de totalidade que perpassa as relações sociais no  
capitalismo. Obscurecer esse aspecto é desconsiderar uma análise macro acerca de como se  
constituem essencialmente as relações sob o prisma estruturante.  
Assim, vê-se que a reprodução social precisa ser pauta de debate legítimo no campo  
dos movimentos sociais que buscam o alcance de uma nova ordem societária que vise romper  
com a pré-história das mulheres – o patriarcado –, parafraseando Marx ao tratar do capitalismo  
como a pré-história da humanidade.  
Não é possível pensar uma direção emancipatória sem considerar as opressões,  
explorações, dominações e discriminações de classe, gênero, raça/etnia, ou seja, sem considerar  
a diversidade humana e sua forma de apropriação pelo capital, de modo a corromper suas  
liberdades. É imperativo unificar as lutas, sem perder de vistas suas essências, para que a  
totalidade seja primada nesse horizonte coletivo.  
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Ainda é exigido as mulheres o cumprimento de “sua função social” quando se trata da  
realização do trabalho reprodutivo. O cuidado, o suporte emocional as suas famílias, a  
manutenção do espaço doméstico e dos que nesse convive, são aspectos que atravessam o  
cotidiano contemporâneo dessa parcela da humanidade. São elas que procriam, criam, cuidam,  
mantém o conjunto da classe trabalhadora.  
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Portanto, considera-se como fundamento analítico desse estudo que as mulheres são,  
dentro da mercadoria força de trabalho, a mercadoria especial da especial, dada sua condição  
central para permanência da vida e, aos interesses do capital, para geração do valor.  
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