DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22. 39503
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.2, p. 334-358, jul. / dez. 2022 ISSN 1980-8518
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Questão social no Brasil contemporâneo:
contribuições do feminismo marxista e
antirracista ao serviço social
Social issue in contemporary Brazil: contributions of Marxist and anti-
racist feminism to social work
Mirla Cisne*
Camila Mesquita Soares**
Resumo: Objetivamos analisar a questão social
e algumas de suas expressões na
contemporaneidade brasileira frente ao avanço
do ultraconservadorismo de cariz neonazista,
por meio da análise feminista, marxista e
antirracista. Para tanto, realizamos uma
pesquisa bibliográfica e documental,
conduzidas por meio do método materialista
histórico dialético. O intuito deste artigo é
contribuir com a renovação profissional e o
avanço do Serviço Social crítico por meio do
fortalecimento do nosso vínculo com os
movimentos sociais e organizações da classe
trabalhadora. Por conseguinte, esperamos
contribuir com a práxis profissional
comprometida com o enfrentamento às
expressões da questão social frente ao
crescimento do ultraconservadorismo
neonazista no Brasil contemporâneo.
Palavras-chaves: Questão social; movimentos
sociais; feminismo antirracista; Brasil.
Abstract: We aim to analyze the social issue
and some of its expressions in Brazilian
contemporaneity in the face of the advance of
neo-Nazi ultraconservatism, through feminist,
Marxist and anti-racist analysis. For that, we
carried out a bibliographical and documentary
research, conducted through the dialectical
historical materialist method. The purpose of
this article is to contribute to the professional
renewal and advancement of critical Social
Work by strengthening our link with social
movements and working class organizations.
Therefore, we hope to contribute to the
professional praxis committed to facing the
expressions of the social question in the face of
the growth of neo-Nazi ultraconservatism in
contemporary Brazil.
Keywords: Social issue; social movements;
anti-racist feminism; Brazil.
Recebido em: 15/09/2022
Aprovado em: 18/11/2022
* Professora Adjunta de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Bolsista
Produtividade em pesquisa/ Pq2 CNPq. Dra. em Serviço Social pela UERJ. Orcid: 0000-0002-4654-8464
**Professora Adjunta de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Mestre em
Serviço Social e Direitos Sociais pela UERN. Egressa do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção
Básica/Saúde da Família e Comunidade (RMABSFC) pela UERN, em parceria com a Prefeitura Municipal de
Mossoró (PMM). Orcid: 0000-0002-0437-6879.
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Introdução
Os últimos anos da realidade brasileira, sob o governo Bolsonaro, foram marcados pelo
agravamento da questão social em todos os seus aspectos. Houve um aprofundamento da
desigualdade de classe associado ao agravamento do racismo e do cisheteropatriarcado em suas
expressões mais vis e desumanas. Retrocedemos décadas em 4 anos, do ponto de vista de
avanços democráticos civilizatórios. Chegamos em 2022, a patamares de uma barbárie social e
ambiental impensáveis após a conquista da Constituição Federal de 1988.
Pretendemos problematizar algumas expressões da questão social na atualidade,
especialmente no tocante à questão étnico-racial, das mulheres e da população LGBTQIA+,
alvos de ataques constantes, não por meio dos discursos de ódio e preconceito, mas, pelos
cortes de verbas e retrocesso de direitos.
O debate sobre questão social possui centralidade no Serviço Social por ser matéria
indispensável na formação profissional, uma vez que é o nosso objeto de intervenção
profissional, o que nos exige reflexão contínua sobre o movimento do real, para aprofundar o
entendimento teórico sobre essa categoria em uma perspectiva crítica, considerando suas
particularidades e a atualização das suas expressões.
Neste artigo, situaremos o nosso entendimento de questão social ancorado na
perspectiva feminista marxista e antirracista, buscando apontar contribuições para a atuação
profissional sintonizada com o processo ininterrupto, de renovação do Serviço Social, ou seja,
comprometida com o enfrentamento ao conservadorismo e sua capacidade de revigoramento.
Nesse sentido, objetivamos analisar a questão social e algumas de suas expressões na
contemporaneidade brasileira frente ao avanço do ultraconservadorismo de cariz neonazista,
por meio da análise feminista, marxista e antirracista.
Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental, conduzidas por meio
do método materialista histórico dialético. Como método de exposição dos resultados que serão
aqui discutidos, subdividimos artigo em 3 itens, além desta introdução e das considerações
finais. O primeiro tratará do entendimento teórico-político da questão social e aspetos da sua
particularidade no Brasil; o segundo aborda a questão social no Brasil contemporâneo e o
terceiro refletirá como o feminismo antirracista associado aos movimentos e lutas sociais pode
contribuir com a atuação profissional de assistentes sociais.
O intuito deste artigo é contribuir com a renovação profissional e o avanço do Serviço
Social crítico por meio do fortalecimento do nosso vínculo com os movimentos sociais e
organizações da classe trabalhadora. Por conseguinte, esperamos contribuir com a práxis
profissional comprometida com o enfrentamento às expressões da questão social frente ao
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crescimento do ultraconservadorismo neonazista no Brasil contemporâneo.
1- Fundamentos teóricos sobre questão social
Categoria fundamental para o Serviço Social, a questão social é matéria indispensável
na formação profissional por ser considerada o nosso objeto de intervenção profissional, ou
seja, são sobre as suas expressões que a/o assistente social atua, como elucida Marilda
Iamamoto (1997, p. 14):
Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas
expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho,
na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública, etc.
Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver
sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta
tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência,
que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por
interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir
porque tecem a vida em sociedade. [...] a questão social, cujas múltiplas
expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social.
A compreensão crítica e a atualização constante do entendimento sobre a questão social
são imprescindíveis para atuação profissional comprometida com o Projeto Ético Político do
Serviço Social. Afinal, como intervir na realidade sem conhecê-la para além da sua aparência?
Assim, o primeiro passo para pesarmos nossa atuação profissional qualificada, como práxis, é
apreender criticamente a realidade.
Segundo Netto (2001), o termo questão social passou a ser utilizado na terceira década
do século XIX, para expressar o fenômeno que se ampliava na Europa em decorrência do
processo de industrialização, iniciado no último quartel do século XVIII, denominado
pauperismo (NETTO, 2001). Tratava-se de um “fenômeno novo, sem precedentes na história
anterior conhecida. Com efeito, se não era inédita a desigualdade entre as várias camadas sociais
[...] era radicalmente nova a dinâmica da pobreza que então se generalizava” (NETTO, 2001,
p. 42).
Nesse cenário, o pauperismo passou a ser um termo insuficiente para explicar o
fenômeno novo que passava a existir, não apenas pela generalização da pobreza, mas pelas
condições em que essa pobreza se massificava, em razão direta ao crescimento das forças
produtivas e da riqueza. Nas palavras de Netto (2001, p. 42): “Pela primeira vez na história
registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir
riquezas”.
Há ainda outra determinação fundamental para a designação do termo questão social e
não mais pauperismo, trata-se da sua dimensão política. Nesse sentido, elucida Netto (2001,
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p.43): “A designação desse pauperismo pela expressão ‘questão social’ relaciona-se com seus
desdobramentos sócio-políticos. [...] Foi a partir da perspectiva efetiva de uma eversão social
da ordem burguesa que o pauperismo designou-se como questão social”. É nesse sentido que
Marilda Iamamoto (1997) afirma que questão social não é apenas desigualdade, mas também,
rebeldia.
É nessa tensão entre desigualdade, rebeldia, lutas e resistências, que a questão social se
designa como tal, ao passo que a caridade e a repressão policial passam a ser insuficientes para
o controle da “ordem”, ou melhor, na medida em que a classe trabalhadora passa a ameaçar essa
“ordem” [burguesa]. Assim, não se pode falar em questão social sem luta e antagonismo de
classe. Em síntese:
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da
sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros
tipos de intervenção mais além da caridade e repressão (CARVALHO e
IAMAMOTO, 1983, p.77).
Para Netto (2001, p. 44), a Revolução de 1848 é o marco do antagonismo entre classes
e, consequentemente, da caracterização da questão social em seus desdobramentos sócio-
políticos, pois teve como resultado:
[...] a passagem do nível histórico-universal, do proletariado da condição de
classe em si a classe para si. As vanguardas trabalhadoras acederam, no seu
processo de luta, à consciência política de que a “questão social” está
necessariamente colada à sociedade burguesa: somente a supressão desta
conduz à supressão daquela.
Essa compreensão marxista da questão social é fundamental para nos distanciar de
qualquer ilusão jurídica de que por meio da conquista de direitos, nos marcos do capital,
podemos superar a questão social. Por mais que os direitos sejam fundamentais para a garantia
das condições de existência da classe trabalhadora, eles não garantem a superação da exploração
e, portanto, do antagonismo de classe, coração da questão social. Em outras palavras, enquanto
houver classes antagônicas, haverá desigualdade, mas, também, resistências e rebeldias,
portanto, questão social. Somente com a superação das classes, podemos superar a questão
social.
1.1- Particularidades da questão social no Brasil e a imbricação entre classe, raça e sexo
Como vimos anteriormente, o entendimento marxista tradicional sobre questão social
no Serviço Social compreende a relação antagônica entre capital e trabalho como a sua
determinação fundante, não pela desigualdade entre as classes, mas pelos conflitos daí
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também, decorrentes. Não temos discordância desse entendimento, todavia, é preciso
enriquecê-lo de mediações. Para tanto, é fundamental considerar a concretude do nosso terreno
histórico em que pousam as relações sociais e conformam as classes sociais, ou seja, a
particularidade da questão social no Brasil.
A primeira reflexão que precisamos fazer é, apesar da relação antagônica e contraditória
entre capital e trabalho ser a determinação central da questão social em qualquer país do mundo,
ela não a mesma em países com formações históricas diferentes. Assim, embora haja
características comuns da questão social em todo lugar como a apropriação privada da riqueza
socialmente produzida pelo trabalho a exploração, seu traço peculiar, não ocorre da mesma
forma. A composição material da conformação das classes é significativamente diferente em
um país periférico, de capitalismo tardio e dependente, com histórico de uma colonização
patriarcal e escravista, em comparação, por exemplo, com países de capitalismo central e que
foram (e em grande medida ainda o são) colonizadores.
Trata-se, portanto, de buscar entender o antagonismo entre as classes não apenas como
uma abstração teórica dissociada da sua concretude, mas, apreender as classes em seu
movimento real, ou seja, como um fenômeno sócio histórico, “[...] algo que de fato acontece
nas relações humanas. Mais do que isso, a noção de classe contém a noção de relação histórica
[...] essa relação vem sempre corporificada em pessoas reais e num contexto concreto”
(THOMPSON, 1963, p. 9). Logo, “as classes acontecem ao viverem os homens e as mulheres
as relações de produção e ao experimentarem situações determinantes dentro do conjunto das
relações sociais” (THOMPSON, 1979, p. 38). Nesse sentido, não podemos negar a existência
das relações sociais de sexos nas relações de classe, tampouco, o contrário.
No Brasil, a história das classes sociais é indissociável da colonização escravista e
patriarcal. As relações sociais de sexo e raça se imbricam, dialeticamente, com a classe e
conformam uma totalidade una e indivisível para compreensão da desigualdade social que
estrutura a sociedade brasileira e os conflitos políticos que dela decorrem. Nesse sentido,
conforme Cisne e Santos (2018, p. 97):
[...] somos síntese de um passado de dominação e exploração com raízes na
escravidão, no colonialismo e no patriarcalismo. Da mesma forma, também
somos síntese de um passado de lutas e resistências, que repousam suas raízes
opressão e resistência integram profundos processos da realidade da luta de
classes [no país].
A questão social no Brasil, portanto, não pode ser entendida em sua profundidade e
totalidade se desconsiderarmos as apropriações sobre mulheres e povos originários desde a
colonização do Brasil, que estruturaram as raízes de um Estado patriarcal-racista-capitalista.
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No tocante ao patriarcado, segundo Saffioti (2013, p. 251), a sociedade colonial
brasileira
[...] aliou à divisão da população em castas a estratificação social na linha do
sexo. Esse rígido sistema de constrangimento físico e moral do elemento
feminino, criado e mantido pelo androcentrismo da família patriarcal, marcou
profundamente a vida e a mentalidade da mulher brasileira.
Na colonização brasileira, as mulheres que foram escravizadas, tanto indígenas como
africanas, sofreram além da escravização do trabalho, a apropriação dos seus corpos para fins
reprodutivos o que significava aumento de força de trabalho/mercadoria para acúmulo de
riqueza e de satisfação sexual dos seus “senhores”. Dito de maneira mais direta, nossas
mulheres negras e indígenas sofreram estupro. Assim, a visão idílica sobre a miscigenação do
Brasil, sob o manto de uma pseudo democracia racial, cai por terra. A marca violenta do
patriarcado no regime escravista imprimiu seu legado sexista de forma implacável” (CISNE e
SANTOS, 2018, p. 103).
O entendimento dos fundamentos materiais que deram origem ao regime escravista é
fundamental para compreendermos como a divisão de classes no Brasil se estruturou a partir
do escravismo, “como exigência econômica” (CHAUÍ, 2007, p. 62). Uma divisão que é
naturalizada e, portanto, não questionada, sob ideologias como a do mito da democracia racial,
como nos alerta Marilena Chauí (2007, p. 89):
[...] a divisão social das classes é naturalizada por um conjunto de práticas que
ocultam a determinação histórica ou material da exploração, da discriminação
e da dominação, e que, imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo
da nação una e indivisa, sobreposta como um manto protetor que recobre as
divisões reais que a constituem.
Essas divisões sociais compõem o “nó” estruturante da nossa sociedade: “classe”,
“raça/etnia-gênero”, ou se preferir, estruturam o sistema “patriarcal-racista-capitalista”
(SAFFIOTI, 2004), que estrutura a sociedade desigual e autoritária em que vivemos. Em
síntese, de acordo com Chauí (2007, p. 90), nossa sociedade é:
estruturada pela matriz senhorial da Colônia [...]. As divisões são
naturalizadas em desigualdades postas como inferioridade natural (no caso das
mulheres, dos trabalhadores, negros, índios, imigrantes, migrantes e idosos).
[...] Essa naturalização, que esvazia a gênese histórica da desigualdade e da
diferença, permite a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de
violência, pois estas não são percebidas como tais.
estruturada a partir das relações privadas, fundadas no mando e na
obediência, disso decorre a dificuldade para lutar por direitos substantivos e,
portanto, contra as formas de opressão social e econômica [...].
Tornar mulheres, indígenas e pessoas negras inferiores socialmente, possibilitou a
formação de uma sociedade dividida em antagonismos que as tornam mais intensificadamente
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exploradas e/ou mesmo apropriadas no sentido de fornecerem trabalhos gratuitos.
Embora a questão social só se configure no estado capitalista, portanto, após a abolição
do trabalho escravizado e instituição do trabalho assalariado, comungamos com o pensamento
de Ivone Silva (2014, p. 49) de que o patriarcado e a escravidão estão associados às raízes
latentes da questão social no Brasil. Nas palavras da autora:
Escravidão e patriarcalismo são categorias constituintes e atuais no processo
de formação da sociedade brasileira [...]. Sendo assim, não estão descoladas
das raízes latentes da nossa questão social representada no contexto da
colonização, pela questão étnica e pelo trabalho forçado, motivos de tantos
conflitos sociais e raciais que ainda não foram superados (IDEM, destaques
da autora).
Defendemos, portanto, que a imbricação entre classe, raça e sexo é indispensável para
compreensão da questão social no Brasil, não pela raiz histórica de uma colonização
escravista-patriarcal, mas, pela reatualização constante do racismo e do patriarcado nas relações
sociais que determinam a desigualdade social de forma estrutural no país. Podemos dizer,
portanto, que a questão social tem sexo e raça ou, se preferir, que é determinada pelas relações
sociais de sexo, raça e classe de maneira dialeticamente imbricada.
No próximo item, deteremo-nos na análise de algumas expressões dessa reatualização –
ultraconservadora para refletirmos sobre aspectos da questão social no Brasil contemporâneo.
2- Questão social no brasil contemporâneo: um problema moral?
A forte rejeição aos governos petistas foi alimentada por inquietações e incômodos
elitistas, racistas e patriarcais frente a conquistas que colidiram com a cultura senhorial/colonial
brasileira. Dentre essas conquistas, estão pautas feministas e as das populações negra, indígena
e LGBTQIA+.
Para ilustrar, destacamos a lei 12.711/2012, que instituiu cotas de 50% para pessoas
negras, das vagas de universidades e institutos federais para estudantes de baixa renda, advindos
da escola pública. As cotas chocaram com os interesses da elite branca que, aentão, ocupavam
grande parte das universidades públicas. Essa lei não repercutiu apenas na ocupação das
universidades e institutos federais, mas se desdobrou na profissionalização de pessoas negras
em trabalhos tradicionalmente brancos. Com as cotas, mais pessoas negras conseguiram sair do
lugar que lhe fora socialmente atribuído, da periferia, do desemprego, da precarização do
trabalho. Furar o bloqueio da divisão racial da educação e do trabalho, desorganizou a
acomodação da hegemonia do poder branco brasileiro que não suportou ver pessoas negras nos
lugares tidos como “de brancos”.
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Não queremos dizer com isso, que os governos petistas superam o racismo ou a divisão
racial do trabalho, mas, o pouco que foi possibilitado ao pagamento da imensa dívida social às
pessoas negras, não foi tolerado pelo poder branco. Por óbvio, esse racismo está associado ao
elitismo, uma vez que a rejeição e inferiorização das pessoas negras vêm acompanhadas da sua
condição de classe. A verdade é que nossa elite senhorial não suporta pobres e nem negros(as),
a não ser como seus serviçais. Assim, a “casa grande” parece necessitar da “senzala” para se
sentir no poder.
Outra conquista democrática que causou grande incômodo ao conservadorismo
cisheteropatriarcal foi a regulamentação do casamento homoafetivo. Em um primeiro
momento, em 2011, houve o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que
LGBTs poderiam constituir família, mas foi em 2013, após grande mobilização do movimento
LGBTQIA+, por meio da resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que o
casamento homoafetivo passou a ser legal no Brasil.
Em 2011, o projeto “Escola Sem Homofobia”, parte integrante do Programa Brasil sem
Homofobia, iniciado em 2004 pelo governo Dilma, também gerou forte reação conservadora.
Uma reação não conservadora como repleta de mentiras e distorções dos reais objetivos do
projeto. Se difundiu, por exemplo, fake news de que o governo iria distribuir cartilhas nas
escolas para ensinar e estimular, precocemente, as crianças ao sexo e a “se tornarem” gays. O
discurso moralista de defesa da família “tradicional” (lê-se: heterossexual de tipo patriarcal) e
a proibição do debate de gênero e educação sexual nas escolas ganham destaque na cena pública
e muitos parlamentares passam a propor leis para tal. Em uma nítida confrontação ao
feminismo, a perseguição a chamada equivocadamente “ideologia de gênero”
1
passa a ser
uma arma ideológica para extrema direita conservadora.
Após o golpe em 2016, contra a então presidenta Dilma Rousseff, o advento do governo
Temer (2016-2018) e posteriormente, com o governo Bolsonaro (2019-2022), o Brasil
progressivamente recrudesceu o conservadorismo, com nítidas características neonazistas,
associado a uma política econômica ultraneoliberal de extrema direita. Três dimensões desse
contexto passam a se espraiar e ganhar legitimidade governamental, institucional e, portanto,
social: o elitismo senhorial, o racismo contra pessoas negras e indígenas e o
1
Afirmamos que a expressão “ideologia de gênero” é equivocada porque os que dizem ser contrários a ela, na
verdade, o que mais fazem é defender uma ideologia de gênero. Ao estabelecerem um padrão tradicional de família
e a naturalização dos sexos e da divisão sexual do trabalho, dos brinquedos e brincadeiras, nada mais fazem do
que defenderem a reprodução de uma ideologia de gênero totalitária, a cisheteropatriarcal. O que os partidários
contrários à “ideologia de gênero” querem é impedir o debate crítico e plural sobre diversidade sexual e a
desnaturalização das desigualdades entre os sexos. Só aceitam a ideologia de gênero cisheteropatriarcal, qualquer
outra ideologia, é proibida.
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cisheteropatriarcado, que violenta mulheres e população LGBTQIA+.
no início do governo Temer, em maio 2016, o perfil da composição de seu governo
demostrara o que estaria por vir. Michel Temer empossou um “machistério monocromático”,
todos os 24 ministros eram homens e brancos, fato inédito desde 1979 (GONÇALVES, 2018,
s/p). Estamos falando de um governo que resultou de um golpe contra uma mulher. Entra em
cena, portanto, a legitimação patriarcal da negação dos direitos das mulheres não só na política,
mas em todos os campos. De acordo com Renata Gonçalves (2018), ao longo do governo Temer
(2016 a 2018), as políticas para as mulheres sofreram duros cortes orçamentários. Houve uma
redução de 61% na verba para o atendimento à mulher em situação de violência; a assistência
teve uma queda de recursos de R$ 42,9 milhões para R$ 16,7 milhões; as verbas das políticas
de incentivo à autonomia das mulheres diminuíram 54%. Esse cenário de cortes orçamentários
vem sempre acompanhado de discursos ideológicos conservadores que se aprofundaram nos
anos posteriores ao governo Temer.
As pautas conservadoras que atingem diretamente direitos das mulheres e população
LGBTQIA+, estiveram e estão diretamente associada ao crescimento de representantes
evangélicos na política brasileira. Em 2003 foi criada a Frente Parlamentar Evangélica da
Câmara dos Deputados, com cerca de 33 parlamentares. Após o impeachment de Dilma
Rousseff em 2016, alcançou o número de 89 parlamentares. Em 2022, chegou a 196 deputados,
o que corresponde a mais de um terço dos 513 em exercício. Não por coincidência, foi no ano
de criação dessa Frente, em 2003, que surgiu pela primeira vez o termo “ideologia de gênero”
na Câmara (MACHADO, 2020).
Fortalecida, a ofensiva conservadora, explicitamente contrária ao feminismo e às
populações racializadas e LGBTQIA+ é coroada com a chegada de Bolsonaro à presidência,
em 2019. Com Bolsonaro, o sexismo, o racismo (incluindo a perseguição e destruição de
direitos indígenas
2
) e a lgbtfobia se legitimam no poder executivo federal como nunca fora
anteriormente vivenciado no país, desde o final da ditadura empresarial-militar.
Várias questões associadas a uma suposta pauta moral ganharam fôlego na sociedade.
Muitas delas, como a criminalização do aborto e a proibição do debate de gênero, educação e
diversidade sexual, têm como escudo ideológico uma suposta “defesa da família tradicional”.
Em 2019, com a nomeação de Damares Alves ao Ministério da Mulher, Família e
Direitos Humanos (MMFDH), uma das primeiras campanhas realizadas foi a defesa da
2
O governo Bolsonaro não fez nenhuma demarcação de terra indígena e cortou orçamento da FUNAI (BRAGON
et al., 2021).
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abstinência sexual para as adolescentes, como forma de evitar a gravidez precoce (BORGES,
2020). Ainda em 2019, o ministério da saúde fez um despacho para a retirada do termo violência
obstétrica dos documentos de políticas públicas (DOMINGUES, 2019). Em uma convenção da
ONU em 2020, o governo defendeu a extinção de qualquer referência ao termo educação sexual
nos documentos produzidos pela convenção (CHADE, 2020). Em 2020, o governo Bolsonaro
editou a Portaria 2.282, que passou a dificultar o acesso das mulheres ao aborto legal no SUS
em caso de estupro (BRASIL, 2020).
Com Damares, houve uma mudança estrutural na política pública voltada para as
mulheres, além da política de promoção da igualdade racial, que foi completamente
desmontada. Damares instituiu o Programa 5034 - Proteção à Vida, Fortalecimento da Família,
Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para todos. Esse programa possui nítidas pautas
ideológicas fundamentalistas, como a “defesa da vida desde a concepção”.
Os desmontes às políticas e direitos das mulheres também foram provocados por outros
ministérios, como o Relações Exteriores, ocupado por Ernesto Araújo, que, logo após sua posse,
adotou medidas para abolir o debate de gênero nas propostas e acordos internacionais. Da
mesma forma, Abraham Weintraub, ministro da educação, aprofundou o patrulhamento
ideológico em torno das chamadas pautas de gênero e diversidade sexual. Além disso,
conjuntamente com Damares, lançou um canal para receber denúncias sobre conteúdos que
atentassem “contra a moral, a religião e a ética da família” nas escolas.
Desde a primeira campanha de Bolsonaro à presidência, outros escudos ideológicos são
acionados além da família tradicional, como a defesa da “pátria” (“Brasil acima de todos”) e o
slogan “Deus acima de tudo’. Sob esses escudos, absolutamente tudo pode ser feito, mesmo a
apologia às armas, à violência, bem como atrocidades racistas e misóginas. Um patriotismo
arbitrário, com nítido cariz nazista, entra em cena com o uso político da religião. Fala-se em
nome de “deus” e cobra-se obediência cega aos fieis de igrejas que cederam ao coronelismo da
para promoção de interesses políticos particulares. Um “deus que propaga e banaliza
violência e violações de direitos humanos. Um representante que fala em nome de “deus” e
defende não a tortura, como torturadores, profere vários discursos machistas, lgbtfóbicos e
de preconceito racial, vira mito.
Um Deus acima de tudo e a suposta defesa da família e da pátria, mediadas por fake
news, permitiram uma blindagem de críticas e do senso racional e de humanidade por parte da
população brasileira. Uma blindagem mesmo diante do criminoso negacionismo e negligência
do presidente Bolsonaro durante a pandemia da covid-19, sem falar na sua desumanidade ao
menosprezar as milhares de mortes e afirmar que não era “coveiro” e que as pessoas precisavam
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parar de chorar e de “mimimi”. Assistimos a uma trágica banalização da morte e da empatia.
É importante lembrar que “Deus, pátria e família” foi lema do nazismo na Alemanha e
do integralismo no Brasil. Os adeptos/as ao projeto que se convencionou chamar de
bolsonarista, mas que preferimos denominar de neonazista, vivem em sua maioria imersos em
um universo paralelo deslocado da realidade, de informações verdadeiras. Acredita-se em
tudo e nega-se tudo conforme os desejos e conveniências do seu “mito”, independentemente de
todas as evidências de atrocidades cometidas por ele e explícitas por cientistas, jornalistas,
professores(as).
Aliás, essas profissões passaram a ser não só desvalorizadas, como negadas. Até a terra
voltou a ser plana para alguns... Nesse contexto de abdução da razão, como acreditar na ciência,
em docentes e jornalistas? O que passou a valer como fonte de formação e informação para
muitos dos chamados patriotas conservadores, defensores da família e dos “bons” costumes,
são as dias controladas pela família Bolsonaro, os grupos de WhatsApp, twiter, instagram,
youtube e por óbvio, as lives do presidente. Uma espécie de universo paralelo foi criada, que
parece ter o poder de deixar as pessoas nele imersas, alheias a realidade concreta, fechadas em
uma bolha de idolatria cega e a-histórica ao seu “mito”.
O que vivenciamos não foi apenas uma renovação da tradição ultraconservadora no
campo da moral, mas um nítido projeto societário de cariz nazista, que tem como base a
alienação, o uso político de igrejas e da religião, com destaque para a neopentecostal, além da
“máquina” de fake news. Todo esse projeto que tem como escudo uma pauta moralista, na
verdade, representa uma política elitista de extrema-direita ultraneoliberal de destruição do
Estado, do meio ambiente e dos direitos sociais e trabalhistas.
Por isso, é necessário entender o que está por trás do discurso ultraconservador, ou
melhor, qual a base material e os interesses que o sustentam. Mészáros nos ajuda a entender:
[...] quando grandes dificuldades e perturbações no processo de
reprodução, manifestando-se de maneira dramática também no nível do
sistema geral de valores [...] os porta-vozes do capital na política e no mundo
empresarial procuram lançar sobre a família o peso da responsabilidade pelas
falhas e ‘disfunções cada vez mais freqüentes, pregando de todos os púlpitos
disponíveis a necessidade de “retornar aos valores da família tradicional” e
aos ‘valores básicos’ (2002, p. 272).
O aprofundamento do projeto ultraneoliberal diante de uma crise estrutural e
civilizatória sem precedentes históricos como a que estamos atravessando, alimentado por
cortes orçamentários nas políticas públicas e direitos sociais, necessita de uma ideologia
(conservadora) para se legitimar e se reproduzir. Diante das consequências desse projeto, a
responsabilização das famílias [leia-se: mulheres] pelo agravamento das expressões da questão
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social, é absolutamente funcional à desresponsabilização do Estado. Em poucas palavras,
quanto menor a proteção e o investimento social do Estado, maior a responsabilização das
mulheres e a necessidade de apropriação do seu tempo e trabalho gratuito. Isso demanda a
naturalização da ideologia patriarcal, que tem como foco a família tradicional heterossexista,
associada à divisão sexual do trabalho que sobrecarrega as mulheres com a reprodução social.
O discurso ideológico de defesa da família tradicional não é novo no nosso país, ele
apenas se atualiza nos momentos de crise, como apontou Mészáros (2002), bem como nos
momentos de incômodo senhorial frente a conquistas democráticas. Na contemporaneidade
brasileira, como vimos, ele veio acompanhado dos traços históricos cisheteropatriarcais-
racistas-senhoriais-elitistas que estruturam nossa formação sócio-histórica.
A crise econômica do país, instalada anteriormente à pandemia de Covid-19, foi
agudizada pela crise sanitária, o que fez aprofundar a desigualdade social. Paulo Guedes,
ministro da economia, em 2019 efetivou contrarreformas de políticas sociais, como a da
Previdência Social; flexibilizou direitos trabalhistas, desvalorizou o Real em relação ao dólar e
provocou aumento dos juros. Com isso, no início de 2020, houve um rápido empobrecimento
da população, com o retorno do país ao Mapa da Fome e de milhões de brasileiros para baixo
da linha da pobreza (BRAGON et al., 2021). O desemprego também cresceu, atingiu a taxa de
14,6% entre os meses de março, abril e maio de 2021 (a maior taxa desde 2012) (BRAGON et
al., 2021).
No campo do trabalho, em 2019, 46,1% das mulheres se encontravam ocupadas. Dessas,
41,1% estavam na informalidade (IBGE, 2020). No trabalho doméstico remunerado, ocupação
majoritariamente integrada por mulheres (92% da categoria) destacadamente negras, a taxa de
informalidade alcançou 75% dessas trabalhadoras. Somente no emprego doméstico foram
perdidos 1,6 milhões de postos de trabalho entre 2019 e 2020, dos quais 400 mil empregos com
carteira assinada (IDEM). Em 2019, o número de mulheres ocupadas era de 41,5 milhões. No
primeiro trimestre de 2020, esse número foi reduzido a 35,5 milhões (IDEM). Isso significa que
entre 2019 e 2020, 8,6 milhões de mulheres perderam suas ocupações (IDEM).
De acordo com IBGE (2020), no que diz respeito às pessoas que se declararam pretas
e pardas, em junho de 2020, correspondiam a 54,9% da força de trabalho, sendo 52,5% dos
ocupados e 60,3% dos desocupados. Em relação à ocupação informal, que incide mais
fortemente sobre essa população negra e parda, estima-se que 37,2% dos ocupados estavam
nessa situação em maio de 2020 (IDEM).
Segundo o INESC (2021), o Brasil é o no ranking mundial de feminicídios, e em
2020, registrou uma morte a cada 6 horas e meia. Ainda de acordo com o relatório do INESC
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(2021), o Brasil continua a liderar em violência contra pessoas trans: aumentou 41% de mortes
em 2020 em relação a 2019, com 175 travestis e mulheres trans assassinadas.
Na contramão desse cenário, o governo não executou 70% do recurso voltado para o
enfrentamento da violência contra as mulheres em 2020, mesmo com a suspensão das regras
ficais e a flexibilização das normas para contratos e licitações decorrentes do decreto de
calamidade pública. Esse percentual corresponde um montante de R$ 93,6 milhões de reais,
que não foi viabilizado aos estados e municípios para financiar a rede de atendimento às
mulheres (INESC, 2021).
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
3
(ABSP), os feminicídios
passaram de 1.326, em 2019, para 1.727, em 2020, um aumento de 30% e as mulheres negras
representam 61,8% das vítimas. Também são as meninas negras as maiores vítimas do trabalho
infantil doméstico no país. Segundo pesquisa do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação
do Trabalho Infantil (FNPETI), “em 2019 o trabalho infantil tem sexo e cor, atingindo, em sua
maioria, meninas (85%), negras (70%) e adolescentes de 14 a 17 anos (94% do total)”
4
. Temos
nessas situações exemplos de expressões da questão social na atualidade, que reatualizam
relações racistas e patriarcais que estruturam nossa sociedade.
Se esse projeto societário de ultradireita conservadora é mediado pelo racismo e sexismo
e agudizam a questão social também sob essas dimensões, entendemos que não outro
caminho para enfrentá-lo senão por meio do fortalecimento dos sujeitos coletivos que lutam
pela construção de um projeto societário feminista, antirracista e anti-capitalista.
3- Serviço social, movimentos sociais e outras organizações da classe trabalhadora:
um caminho a fortalecer
O acúmulo teórico-político do Serviço Social brasileiro em torno do que denominamos
de Projeto Ético-Político evidencia que a nossa profissão tem lado: o da classe trabalhadora, em
defesa da emancipação humana. Se consideramos que a questão social é nosso objeto de atuação
profissional e nela a luta de classes lhe é intrínseca, não podemos ter dúvidas de qual lado
devemos estar nessa luta. Nesse sentido, pensar a nossa atuação profissional não apenas ao lado,
mas com os movimentos sociais e outras organizações da classe trabalhadora, parece-nos um
caminho imprescindível.
Isso não significa negarmos as instituições e nossos limites de categoria assalariada ou
3
Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/. Acesso em: 15/06/2022.
4
Disponível em: https://fnpeti.org.br/noticias/2022/10/12/mpt-fnpeti-e-oit-alertam-para-importancia-de-se-
combater-o-trabalho-infantil/. Acessado em out de 2022.
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cairmos nas armadilhas do messianismo, mas estarmos atentas de que o nosso trabalho
profissional voltado para a conquista, garantia e ampliação de direitos tende ampliar suas
possibilidades quando atuamos com os sujeitos responsáveis pela construção da luta por esses
direitos. Sabemos que a profissão é apenas parte desta luta, seja como trabalhadores(as), seja
como uma profissão comprometida com os interesses dessa classe.
Com o mesmo cuidado de não cairmos no messianismo, também devemos superar o
fatalismo imobilizante, que tem como base “uma visão determinista da lógica do capital,
esvaziada de sua dinâmica contraditória [...]” (IAMAMOTO, 2013, p. 145). Na lógica fatalista,
a/o profissional acomoda-se e não consegue ir além das demandas institucionais e burocráticas.
Com isso, “[...] o limite de seu horizonte profissional é, no máximo, ser um bom tecnocrata,
aperfeiçoar formal e burocraticamente seu fazer cotidiano” (IAMAMOTO, 2013, p. 146).
Iamamoto (2008) reflete, ainda, sobre a situação de autonomia relativa do(a)
profissional de Serviço Social, dada por sua condição de trabalhador(a) assalariado(a). De
acordo com a autora, “a força de trabalho do assistente social contém as contradições típicas de
toda mercadoria entre trabalho concreto e trabalho abstrato, que preside a sociabilidade
capitalista” (IAMAMOTO, 2008, p. 215). Dessa forma, a condição de assalariamento
estabelece condicionantes à autonomia dos(as) profissionais. Vários elementos dos contratos
de trabalho, da política, das instituições empregadoras “estabelecem limites e possibilidades à
realização dos propósitos profissionais” (IAMAMOTO, 2008, p. 128). Ao mesmo tampo,
segundo Iamamoto (2014, p. 610), o(a) profissional: “[...] participa tanto dos mecanismos de
exploração e dominação quanto, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, de respostas
institucionais e políticas às necessidades de sobrevivência das classes trabalhadores e da
produção do antagonismo de interesses sociais”.
Com isso, consideramos imperativo o fortalecimento da relação entre o Serviço Social
e os movimentos sociais da classe trabalhadora (e/ou outras organizações populares), tanto no
âmbito da produção do conhecimento, quanto da intervenção profissional.
Infelizmente, contrário a essa perspectiva, segundo Duriguetto (2014, p. 185), no âmbito
da pesquisa em Serviço Social uma pequena produção teórica da profissão tanto sobre as
“organizações, movimentos e lutas sociais quanto da relação da profissão com as mesmas. E
uma quase oculta sistematização/relatos de experiência da intervenção profissional com as
organizações, movimentos e lutas sociais”.
Também em pesquisa feita por Moro e Marques (2010) com os trabalhos publicados em
anais dos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais (CBAS) e dos Encontros Nacionais de
Pesquisadores de Serviço Social (ENPESS), realizados de 1995 a 2008, constatou-se que do
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total de 6204 trabalhos, apenas 207 discutem a temática “movimentos sociais”. Apenas 3,82%
das produções eram sobre movimentos sociais (MARRO e MARQUES, 2010). Desse
quantitativo restrito (os 3,82%), apenas 6,10% tratam das experiências profissionais junto
aos movimentos sociais. Esses dados fortalecem a necessidade de darmos ênfase a importância
da produção de pesquisas e atuação profissional junto aos movimentos sociais e organizações
da classe trabalhadora.
Nesse sentido, assim como Duriguetto e Marro (2016), defendemos a necessidade de
“reconstruir historicamente o vínculo político e profissional entre o Serviço Social e os
movimentos sociais” (DURIGUETTO e MARRO. 2016, p. 98). Esse vínculo profissional “vem
se materializando nas últimas décadas, ainda que com graus diferenciados de profundidade na
formação acadêmica, na organização da categoria, na produção do conhecimento e na
intervenção profissional” (DURIGUETTO; MARRO, 2016, p. 98). Iamamoto (2013, p. 144)
evidencia o caráter “essencialmente político” da prática profissional:
[…] surge das próprias relações de poder presentes na sociedade. Esse caráter
não deriva e uma intenção do assistente social, não deriva exclusivamente da
atuação individual do profissional ou de seu “compromisso”. Ele se configura
na medida em que a sua atuação é polarizada por estratégias de classes
voltadas para o conjunto da sociedade, que se corporificam através do Estado,
de outros organismos da sociedade civil, e expressam nas políticas sociais
públicas e privadas e nos organismos institucionais nos quais trabalhamos
como assistentes sociais […].
A relação profissional com movimentos sociais, também nos é indicada pelo Código de
Ética do Serviço Social em vigor e pela Lei de Regulamentação da Profissão (Lei 8662/93).
Pelo primeiro, quando o mesmo garante ser direito do(a) profissional “apoiar e/ou participar
dos movimentos sociais e organizações populares vinculados à luta pela consolidação e
ampliação da democracia e dos direitos de cidadania” (CFESS, 2011, p. 34). Pela segunda,
quando estabelece como competência profissional a atividade de “prestar assessoria e apoio aos
movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos
direitos civis, políticos e sociais da coletividade” (IDEM, p. 45).
Sobre isso, vale lembrar que os processos de trabalho de assistentes sociais podem
acontecer em organizações da classe trabalhadora em duas referências institucionais distintas
(CARDOSO; LOPES, 2009, p. 13):
[...] na primeira, é realizado em espaços ocupacionais nas instituições de
organização autônoma da classe trabalhadora como empregadora desses
profissionais; e na segunda, o trabalho do assistente social se realiza junto a
essas instituições e no movimento de organização da classe trabalhadora, a
partir de outras instituições da prática profissional, com as quais mantém o
vínculo como trabalhador assalariado.
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Nos processos de trabalho nos quais assistentes sociais atuam junto aos movimentos
sociais e/ou organizações populares, por meio de outras instituições empregadoras, essa atuação
pode acontecer na forma de assessoria e de consultoria. Por exemplo, quando assistentes sociais
compõem as equipes técnicas de projetos de extensão universitária, como assalariados(as).
Outro elemento sobre a atuação junto aos movimentos sociais, que consideramos importante
destacar, é que esta também pode ocorrer e/ou ocorre nos pontos de atenção ou instituições das
diversas políticas sociais. Ou seja, por intermédio das políticas sociais nas quais se inserem
assistentes sociais, é exercido um projeto de trabalho que se articula a movimentos sociais e/ou
às organizações populares.
Dessa forma, consideramos que esse exercício de articular as demandas que chegam aos
espaços sócio ocupacionais, assim como atuar na dimensão socioeducativa com grupos de
moradores, cooperativas, mulheres, dentre outros, numa perspectiva de efetivação dos direitos
e de questionamentos às opressões/ explorações de classe, raça/etnia e sexo, é uma forma de
atuar que extrapola as rotinas e demandas institucionais. Consideramos que nesse caso se
expressa de forma particular o compromisso de assistentes sociais com o Projeto Ético Político
da profissão, pois, na maior parte das vezes, não está presente na rotina ou nos objetivos
institucionais a relação com os sujeitos políticos coletivos. O Controle Social e a Participação
Popular sobre as políticas sociais, destacado nas legislações das políticas, acabam sendo, muitas
vezes, resumido aos conselhos de direitos.
Nesse sentido, a atuação de assistentes sociais nos processos de mobilização e
organização popular é uma “contribuição necessária para o fortalecimento do projeto
profissional” porque éuma possibilidade de a profissão contribuir para as organizações e lutas
sociais” (DURIGUETTO, 2014).
As contribuições de profissionais de Serviço Social para os movimentos e organizações
populares estão diretamente ligadas às duas dimensões que, para Iamamoto (2006), são
constitutivas da ação profissional de assistentes sociais. São elas: 1. Dimensão material-
assistencial, por meio da qual o(a) profissional garante o acesso a benefícios, programas,
projetos e serviços; 2. Uma dimensão imaterial, a qual influencia ou pode influenciar nas formas
de pensar e viver dos sujeitos com os quais trabalham. Yasbek (2009, p.155-156), por sua vez,
enfatiza que esse exercício profissional se realiza,
- pelo atendimento de demandas e necessidades sociais de seus usuários,
podendo produzir resultados concretos nas condições materiais, sociais,
políticas e culturais na vida da população com a qual trabalha, viabilizando
seu acesso a políticas sociais, programas, projetos, serviços, recursos e bens
de natureza diversa. Nesse âmbito, desenvolve tanto atividades que envolvem
abordagens diretas com os seus usuários, como ações de planejamento e
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gestão de serviços e políticas sociais; - por uma ação socioeducativa para
com as classes subalternas, interferindo em seus comportamentos e valores,
em seu modo de viver e de pensar, em suas formas de luta e organização e em
suas práticas de resistência.
Acreditamos que o potencial da dimensão ideopolítica, concordando com Iamamoto
(2006), está em possibilitar à(ao) profissional de Serviço Social atuar no âmbito das
consciências, dos costumes, valores. Acreditamos que essa dimensão, também considerada e
referida por algumas autoras como “dimensão pedagógica” (ABREU, 2016), se expressa em
eixos diversos que compõe o dia a dia de atendimentos e trabalho nas instituições, programas e
projetos das políticas sociais, por parte de assistentes sociais.
Se trouxermos, por exemplo, os quatro eixos apontados pelos “Parâmetros para a
atuação de assistentes sociais nas políticas de saúde” (CFESS, 2010), como atribuições e
competências de assistentes sociais na saúde, quais sejam “Atendimento direto aos usuários
(ações socioassistenciais, ações de articulação com a equipe de saúde e ações socioeducativas);
Mobilização, Participação e Controle Social; Investigação, Planejamento e Gestão; E
Assessoria, Qualificação e Formação Profissional” (CFESS, 2010, p. 37), podemos refletir que
a dimensão ideopolítica se transversaliza em todos eles, não limitando-se apenas aos momentos
de atividades grupais, coletivas, de educação em saúde e educação em direitos.
Além da dimensão ideopolítica, é interessante analisar que o exercício profissional do
Serviço Social tem boas possibilidades para atuar com mobilização/ação política, seja
fortalecendo os espaços, grupos, organizações ou movimentos organizados, seja contribuindo
para criar estes espaços quando eles não existem.
Baldi e Duriguetto (2014) argumentam que elementos na atuação de assistentes
sociais que atuam ou buscam atuar com organização popular que são essenciais para pensarmos
formas de incentivo à mobilização. Primeiramente, como evidenciado aqui, a dimensão
ideopolítica, que possibilita que o exercício desta profissão implique no âmbito das
consciências, nas concepções, costumes e valores dos sujeitos. Além disso, o que estes autores
nos fazem refletir é que há profissionais que fazem uso do paradigma teórico-metodológico da
Educação Popular.
Baldi e Duriguetto (2014), assim como Peloso (2009) e Mesquita (2017) destacam que
na Educação Popular uma dimensão do “diálogo reflexivo” ou “diálogo provocativo” que,
com instrumentais metodológicos mais didáticos e dialógicos que facilitam a realidade como
ponto de partida, a participação, troca de saberes, a utilização respeitosa de questionamentos e
reflexões a partir das situações vividas no cotidiano (ou seja, a problematização), busca-se uma
apreensão mais crítica e coletiva de suas demandas e necessidades. Outro importante elemento
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é, então, o grupo. Ressaltamos aqui o potencial que tem o grupo na perspectiva de possibilitar
o reconhecimento, em outros usuários, da demanda que antes parecia tão individual. Dando,
portanto, um salto na compreensão que as demandas são coletivas e têm uma raiz ou raízes em
comum (IASI, 1999).
Assistentes sociais lidam com demandas imediatas: demandas de saúde, demandas de
geração de renda e autonomia financeira de mulheres, etc. Muitas vezes, essas demandas além
de imediatas, são “burocratizadas” nas rotinas do cotidiano institucional: realização de estudo
socioeconômico, construção de relatório social, emissão de parecer, realização de seleção de
perfil socioeconômico para programas e benefícios da assistência estudantil, por exemplo.
Nisso, angústia de muitos(as) profissionais em relação, no entanto, podemos refletir: “se
certas demandas não podem ser eliminadas, o que se exige do profissional que se propõe crítico?
(IAMAMOTO, 2013, p. 147)” Ir além das rotinas imediatas e de sua burocratização.
Quando não conseguimos ultrapassar as demandas imediatas, é fundamental articular a
dimensão econômica (movida pelas necessidades mais imediatas de sobrevivência, nas quais a
profissão intervém mais diretamente) com a dimensão política, que aponta a necessidade de
mudança na ordem societária – que exige articulação com sujeitos políticos coletivos -, onde a
função ideopolítica da profissão se desenvolve.
É evidente que, a depender do grupo, organização ou movimento social com o qual
atuamos, as possibilidades de aprofundar articulação entre “luta econômica” e “luta política” é
maior ou menor. Isso fica explícito se compararmos uma atuação junto à direção de um
movimento nacional, como o MST, com um incipiente grupo de geração de renda sem histórico
de organização política. São diferentes graus de organização, de debate, de abrangência das
demandas mais imediatas e individuais para a coletivização destas. São tempos e processos,
inclusive pedagógicos, diferentes.
A atuação de assistentes sociais com grupos de geração de renda, por exemplo, pode ser
um ponto de partida, um ponto de agrupamento e, na intervenção com esse grupo, mobilizações
e reivindicações podem ser fortalecidas. No caso de um grupo de geração de renda de mulheres,
a autonomia financeira pode ser trabalhada associada a temáticas como divisão sexual do
trabalho, saúde reprodutiva e diversas formas de violências contra a mulher. Trocas de
experiências, inclusive de quem saiu de relações de violência doméstica, podem acontecer.
Assim como maior participação em espaços externos ao ambiente privado: feiras, encontros
com outras mulheres, intercâmbios, formações, atos políticos. O que queremos dizer sobre este
exemplo de atuação é que a geração de renda, como ato de vender o que foi produzido no grupo
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de mulheres, seja por produção coletiva ou por produção individual para sustento, pode ser um
ponto de partida e não um fim em si.
Juntas, essas mulheres podem identificar demandas em comum, sejam no nível familiar,
sejam em prol de reivindicações coletivas, como acesso à educação, saúde, garantia de políticas
públicas e serviços sociais como creches, mobilidade urbana, criação de conselhos locais,
tensionamento à qualidade e ampliação dos serviços pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS),
etc.
Aqui, estamos apontando também para a necessidade da(o) profissional de Serviço
Social para o território de abrangência do equipamento da política social na qual trabalha ser
ampliado e integral. Na saúde, por exemplo, é fundamental considerar os determinantes sociais
de saúde e do processo de saúde doença (ALBUQUERQUE; SILVA, 2014). A atuação em
assessoria de organizações populares é também um caminho por uma práxis do Serviço Social
que pense e paute a instrumentalização dos movimentos sociais, com formação e informação
sobre direitos que envolve o seu próprio cotidiano, à exemplo da experiência das Promotoras
Legais Populares (DOURADO; SOARES, 199) que não é uma atribuição privativa de
assistentes sociais, mas na qual esta categoria profissional tem muito a contribuir.
Fizemos uso da Saúde e da Assessoria Popular como exemplos, mas em várias políticas
sociais, no âmbito da assistência direta ou da gestão, é possível exercer nossa instrumentalidade
com potencial político-criativo. Em outras palavras, um potencial organizativo dos territórios
de abrangência das políticas sociais pode ser um, dentre tantos possíveis, caminho para um
exercício profissional mais próximos às demandas da classe trabalhadora.
Os territórios são vivos. Se pretendemos fazer-pensar-fazer políticas de forma ampla,
entendemos como essencial mapear, ouvir, apreender, aproximar-se das potencialidades e
criações desses territórios. Aprender com essa potência criadora dos territórios pode contribuir
para assistentes sociais e equipes pensarem ações, grupos e estratégias de educação popular, de
educação permanente e continuada, de ações socioeducativas em uma perspectiva mais popular,
mais ampla e politizada. Nessa perspectiva, podemos contribuir com a formulação de políticas
mais próximas às reais demandas da classe trabalhadora, ao passo que fortalecemos seu
potencial político.
O processo de mapear e aprender com as demandas, negações de direitos, violações,
adoecimentos, mas também com a potência criadora dos territórios, faz sentido para a nossa
atuação profissional que executa, planeja, gera e cria políticas sociais. Para isso, devemos partir
de um pressuposto: fazer junto com nossos usuários/as, equipes multiprofissionais e outros
sujeitos coletivos voltados aos interesses da classe trabalhadora, que é atravessada,
Questão social no Brasil contemporâneo: contribuições do feminismo marxista e antirracista ao serviço social
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estruturalmente, pelas desigualdades de classe, raça e sexo. Daí a necessidade de trabalhar e
construir resistências coletivas em nosso cotidiano profissional voltadas para a um projeto
societário feminista, antirracista e anti-capitalista
3.1- Feminismo antirracista e classista: contribuições à renovação profissional e ao
enfrentamento à questão social
O reconhecimento da importância do vínculo do Serviço Social com os movimentos e
organizações populares deve vir mediado pela necessidade de fortalecermos um novo projeto
societário. Defendemos que o feminismo antirracista é fundamental para a renovação do
Serviço Social, em contraposição ao conservadorismo.
O movimento de renovação profissional é contínuo, uma vez que o conservadorismo
tem sido constantemente reatualizado na sociedade. Enquanto houver conservadorismo, haverá
a necessidade de renovar a profissão, para tanto, a incorporação de uma perspectiva feminista,
antirracista e classista por parte da categoria profissional não é importante, como
indispensável.
Como vimos anteriormente, as relações sociais de sexo, raça e classe que sustentam o
sistema patriarcal-racista-capitalista, estruturam a desigualdade social e são atravessadas por
conflitos, lutas e resistências. Logo podemos dizer que essas relações compõem a questão
social, nosso objeto de intervenção profissional. Assim, para entender nosso objeto de atuação
profissional é indispensável considerar essas relações sociais que determinam a questão social.
Encontramos no feminismo antirracista e classista um arcabouço teórico e político para tal.
Como práxis, o feminismo não contribui com suas epistemologias, produção de
conhecimento crítico e engajado, mas é indissociável da ação e organização política. O
feminismo põe a produção de conhecimento em movimento em defesa da igualdade e da
liberdade substantivas. Logo, ao passo que elabora categorias teóricas fundamentais para
análise crítica do sistema patriarcal-racista-capitalista, como divisão sexual do trabalho e
relações sociais de sexo, põe em movimento a contestação e desnaturalização da desigualdade
social. Nesse sentido, o feminismo nos instrumentaliza para compreensão crítica da questão
social, em uma perspectiva de totalidade, além de nos fortalecer politicamente junto às lutas e
sujeitos coletivos voltados à defesa da igualdade social.
Ainda sobre a importância dessa perspectiva feminista para a renovação profissional, é
preciso considerar a histórica composição de sexo da nossa categoria e público usuário do
Serviço Social. Desde a nossa origem, somos uma profissão predominantemente composta por
mulheres e voltada para mulheres. Esse fenômeno, que não é nada natural ou espontâneo,
ocorre, fundamentalmente, por duas determinações, radicalmente articuladas entre si: 1) a
Mirla Cisne; Camila Mesquita Soares
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divisão sexual do trabalho; 2) o empobrecimento histórico das mulheres frente às
desigualdades de sexo que sofrem, como o não acesso ou acesso desigual a produção e usufruto
da riqueza socialmente produzida. O Serviço Social está inserido na divisão sexual do trabalho
como uma profissão considerada feminina, no campo da reprodução social, área destinada
prioritariamente às mulheres pelo capitalismo patriarcal. Enquanto os homens, destacadamente
brancos, são priorizados para a esfera da produção de valor.
Conforme estudos de Cisne (2012), a inserção do Serviço Social como profissão
feminizada na divisão sexual do trabalho, acarreta baixo prestígio social e baixas remunerações.
Além disso, ao termos em nossa composição profissional hegemonicamente mulheres, não
estamos isentas de todas as violências e violações de direitos que sofremos numa sociedade
patriarcal. Sim, não são apenas as nossas usuárias que sofrem violências, com a precarização
do trabalho, com jornadas intensivas e extensivas de trabalho, com o desemprego, com racismo,
com preconceitos, empobrecimento, opressões etc. A luta portanto, não é pelas usuárias dos
nossos serviços, é por todas nós. Por isso, a construção de uma identidade feminista nos é
fundamental, no sentido de entendermos que a luta não é das mulheres, como se não fizéssemos
parte desse grupo, mas uma luta com as mulheres. Nesse sentido, foi muito acertada a campanha
do conjunto CFESS/CRESS de 2022: Trabalhadoras do Brasil, somos e lutamos com elas.
Nessa mesma direção política, arremata Marilda Iamamoto (1999, p. 105):
Se a imagem social predominante da profissão é indissociável de certos
estereótipos socialmente construídos sobre a imagem social da mulher na
visão tradicional e conservadora de sua inserção na sociedade, o processo de
renovação do Serviço Social é também tributário da luta pela emancipação das
mulheres na sociedade brasileira.
É nessa direção que precisamos acumular para a renovação da profissão. Para tanto, a
análise da questão social e suas expressões não pode cair nas armadilhas da moralização e
culpabilização das famílias, mais precisamente, das mães, tão típicas do conservadorismo
patriarcal. Infelizmente, ainda comum deslocar o entendimento teórico-crítico da questão social
para esse terreno da culpabilização familiar. Por isso, esse discurso tão fortalecido de ‘defesa’
da família tradicional, não é uma pauta meramente moral, mas está associada a uma lógica
positivista neoliberal e cisheteropatriarcal de ajustamento e responsabilização dos indivíduos
pelas expressões da questão social.
Esse viés de culpabilização das mulheres pelas expressões da questão social,
geralmente, vem acompanhado de uma postura policialesca, patriarcal e elitista sobre as
usuárias dos nossos serviços. Quando, por exemplo, julgamos que mulher pobre não precisa ser
usuária de algum serviço ou benefício social por estar bem vestida, bem calçada, maquiada e
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com unhas feitas. Ou, por esse mesmo motivo, avaliamos que ela não está empregando
financeiramente bem os recursos de um benefício.
Ao contrário dessa postura, para corresponder ao perfil profissional pautado no Projeto
Ético-Político, devemos lutar é para que toda mulher possa ser livre de todas as violências
patriarcais, sentir-se bem, ter autonomia, autoestima e não ser culpabilizada e responsabilizada
pelas expressões da questão social, uma vez que esta resulta dos antagonismos de classe, raça
e sexo do sistema patriarcal-racista-capitalista.
Considerações finais
A finalização da escrita deste artigo ocorreu logo após o pleito eleitoral para presidência
da República, em 2022. Um novo fôlego abre brecha para restauração de patamares
democráticos, ainda que nos limites do capitalismo de um país periférico e como forte
crescimento e uma perspectiva nazista. Não temos a ilusão de que o novo governo federal,
liderado pelo Partido dos Trabalhadores, com Luís Inácio Lula da Silva como presidente, irá
resolver os problemas estruturais da desigualdade social no Brasil, mas, não podemos negar a
importância de derrotar nas urnas o projeto da necropolítica neonazista bolsonarista. Sem
dúvida, abrimos uma via democrática para percorrermos e fortalecermos as necessárias lutas
por um outro projeto societário.
O que o governo Bolsonaro representou não foi apenas um reacionarismo em pautas
moralistas conservadoras, mas um projeto de morte, de negacionismo científico, de
desumanização e destruição do meio ambiente, das condições de vida dos povos originários e
das florestas. A educação e a saúde foram golpeadas não apenas do ponto de vista orçamentário,
de falta de investimento, mas, também, pela ausência de valorização e reconhecimento da
importância de ambas. Negar a ciência, negar a importância e o papel das universidades e
institutos de pesquisa em plena pandemia da covid-19 fez do governo não apenas omisso ou
negligente, tivemos um governo contrário aos profissionais da saúde, da pesquisa e da educação
que foram e são fundamentais para a conquista da vacina e controle da pandemia.
A legitimidade ao racismo, a xenofobia, a lgbtfobia, ao machismo fez o Brasil retroceder
décadas em relação ao respeito e direitos à diversidade humana, aos povos originários e à
proteção ambiental. Não são apenas discursos moralistas, de ódio e preconceito. Trata-se de um
modus operandi de uma necropolítica negacionista, anti-iluminista e absolutamente anti-
democrática, que nega o direito de existir de todas as pessoas que não correspondem ao padrão
e projeto societário branco-masculino-dominante (elitista). Assim, as problemáticas que
envolvem a questão social na contemporaneidade não são meramente de ordem
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moral/ideológica, mas estão associadas a um projeto societário, portanto, a uma estrutura
concreta de sociedade.
Como podemos perceber, o legado colonial-patriarcal-racista que violentou tantas
mulheres indígenas e negras, infelizmente, não deixou suas marcas apenas no passado, mas é
constantemente reatualizado na história do Brasil. Não à tôa, a exploração do trabalho, o assédio
sexual e o estupro contra mulheres negras serem tão comuns na nossa sociedade. Uma história
que se inicia na “casa grande” e se reproduz em tantas casas na sociedade atual brasileira, por
meio, por exemplo, da exploração do trabalho doméstico não regulamentado de tantas mulheres
negras que permanecem sob o mandonismo senhorial branco, sujeitas a múltiplas violências,
inclusive, sexual.
Nesse contexto, entendemos que o Serviço Social precisa estar em sintonia e fortalecer
seu vínculo com os movimentos sociais e organizações da classe trabalhadora que representam
as lutas em prol de um projeto societário anti-capitalista, anti-racista e anti-patriarcal. Esse
vínculo perpassa a construção histórica do Projeto Profissional do Serviço Social, destacando-
se como elemento substancial a busca contínua de ruptura com o conservadorismo na profissão.
De tal forma, a vinculação do Serviço Social com movimentos sociais e organizações populares
possui uma relação com o Projeto Ético-Político profissional e com o desenho de um perfil
profissional que ultrapassa uma mera recomendação legal das demandas institucionais dos
espaços sócio-ocupacionais.
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