DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22.38824
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.2, p. 569-593, jul. / dez. 2022 ISSN 1980-8518
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Reassentados do projeto urbanístico da Bacia
do Una (Belém/PA): uma avaliação da variação
da qualidade de vida dos moradores do
Conjunto Paraíso dos Pássaros após 22 anos
Resettled from the urban project of Bacia do Una (Belém/PA): an
evaluation of the variation in the quality of life of the residents of the
Conjunto Paraíso dos Pássaros after 22 years
Sérgio Luiz Cortinhas Ferreira Filho*
Raquel Carvalho Paiva**
Resumo: Os projetos urbanísticos que
envolvem processo de remoção de moradores
causam impactos socioeconômicos e culturais
em famílias, assim como no meio ambiente, no
entanto, esses impactos são minimizados
quando a intervenção urbanística possui uma
orientação que preza pela participação efetiva
dos beneficiados. A pesquisa buscou avaliar,
segundo os critérios de eficácia societal, a vida
das famílias do Conjunto Paraíso dos Pássaros
após 22 anos do processo de reassentamento
realizado pelo Projeto Una (Belém/PA), a partir
de pesquisa bibliográfica, documental e de
campo (2021 e 2022), com aplicação de
questionários, entrevistas e análise de
dissertações e teses acerca da temática. Os
resultados da pesquisa demonstram que o
processo de reassentamento de famílias à área
CDP causou melhora na qualidade de vida,
satisfação na maioria dos moradores
investigados, impacto na renda, implementação
de infraestrutura e serviços coletivos na área,
acesso a boas condições de moradia, dentre
outras mudanças.
Palavras-chaves: avaliação da eficácia
societal; famílias reassentadas; Projeto Una;
área CDP; Conjunto Paraíso dos Pássaros.
Abstract: Urban projects that involve the
removal process of residents cause
socioeconomic and cultural impacts on families,
as well as on the environment, however, these
impacts are minimized when urban intervention
has a orientation that values the effective
participation of beneficiaries. The research
aimed to evaluate, according to the criteria of
societal effectiveness, the life of the families of
the Conjunto Paraíso dos Pássaros after 22 years
of the resettlement process carried out by the
Una Project (Belém/PA), from bibliographic,
documentary and field research (2021 and
2022), with the application of questionnaires,
interviews and analysis of dissertations and
theses on the subject. The results of the research
show that the process of resettlement of families
to the CDP area caused improvement in quality
of life, satisfaction in most of the residents
investigated, impact on income, implementation
of infrastructure and collective services in the
area, access to good housing conditions, among
other changes.
Keywords: evaluation of societal effectiveness;
resettled families; Una Project; CDP area;
Conjunto Paraíso dos Pássaros.
* Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará,
PPGSS-UFPA, Belém/PA.
** Doutora em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC. Assistente social na Vara
da Infância e Juventude do TJSP - Comarca de São Bernardo do Campo/SP.
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Recebido em: 31/08/2022
Aprovado em: 09/12/2022
Introdução
A ocupação desigual do espaço urbano é decorrente das contradições inerentes ao modo
de produção capitalista, que segmenta a organização espacial transformando a sociedade
completamente urbanizada segundo os interesses das frações da classe dominante
(LEFEBVRE, 2008), e da fragilidade das políticas públicas e políticas sociais que não
conseguem atender a demanda populacional (LOJKINE, 1997). Segundo Lefebvre (2008), a
divisão do espaço em cidades se deu acompanhada de variados conflitos, pois ocorreu a
fragmentação da sociedade em dois lados que, embora fragmentados, possuem uma forte
interligação: um lado é constituído pelos centros de poder e núcleos de decisões da classe
dominante e do Estado, vinculados às determinações de expansão do capital; e o outro é
composto por espaços segregados destinados à reprodução da classe trabalhadora. Sendo esta a
contradição do espaço urbano.
A tendência da produção de moradias sem infraestrutura, por parte da classe
trabalhadora, existe devido ao não acesso à habitação em áreas infraestruturadas, bem como
pela ausência do Estado, no que se refere a não garantia de moradias em condições dignas.
Assim, a classe trabalhadora, especificamente a fração das famílias que têm renda familiar até
dois salários-mínimos, como forma de sobrevivência e resistência, ocupa os espaços
inadequados que podem atender suas necessidades imediatas (LOJKINE, 1997; MARICATO,
2011; ABELÉM, 1988).
Devido à particularidade
1
existente em Belém, onde as condições naturais e o processo
histórico de ocupação da região amazônica a aproximavam de uma configuração
predominantemente ribeirinha, a expansão da cidade e o recebimento de seus primeiros
equipamentos urbanos encontrou alguns acidentes hídricos que foram contornados em vez de
saneados. As ocupações feitas por frações da classe trabalhadora, que não possuíam terras e
1
Conforme Trindade Jr. (1997), a tendência de uma urbanização predominantemente ribeirinha em Belém foi
rompida pela padronização espacial, haja vista que as condições naturais, bem como o processo histórico da região
belenense, aproximavam a cidade para esta configuração. Assim, entende-se que o fortalecimento do espaço
metropolitano provocou tanto as instalações físicas da cidade, quanto redefiniu hábitos tradicionais de uma Belém
não moderna.
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moradias para residir, aconteceram preferencialmente em terrenos desocupados e
assentamentos precários, formadas por terrenos alagados, ou alagáveis, e de cotas baixas
2
,
precedendo, assim, um perfil irregular da cidade (ABELÉM, 1988).
Nesse sentido, pode-se dizer que a produção da cidade feita pela classe trabalhadora
também compõe a estruturação do espaço urbano, que advém da exploração de sua força de
trabalho e vulnerabilidade do Estado, ao aplicar leis pontuais e parciais ao território. Dessa
forma, com a permissão estatal para os trabalhadores ocuparem, muitas vezes de forma ilegal,
áreas sem saneamento básico e em condições precárias, ou seja, sem condições dignas de
moradia, acaba por se atender a uma lógica da produção capitalista, onde grande parcela da
população passa a morar em áreas sem infraestrutura básica, enquanto uma minoria habita em
terrenos supervalorizados e em perfeitas condições (MARICATO, 2011).
O Estado faz uso do discurso que pretende melhorar as condições de vida da população,
diminuir a pobreza dos moradores e sanear as áreas com problemas de saneamento básico, para
viabilizar as intervenções de projetos urbanísticos em assentamentos precários
3
. Esses projetos
realizam a infraestrutura de áreas alagadas ou alagáveis, havendo a necessidade de remoção
4
dos moradores dessas áreas mediante processos de reassentamento ou remanejamento de
famílias; tornando o local sujeito à especulação imobiliária, ocasionando, muitas vezes, a não
permanência das famílias no local do projeto (SOUZA, 2011; OLIVEIRA, 2017).
Dessa forma, verificou-se, a partir das produções bibliográficas que se voltam a estudar
projetos de intervenção urbanística, em especial sobre a questão do reassentamento de famílias,
que há uma tendência em relação aos impactos causados nos moradores, no que diz respeito a
não permanência das famílias na área para onde foram reassentadas. O Projeto de
Macrodrenagem da Bacia do Una apresentou como função principal sanar uma antiga dívida
social para com a população residente em áreas alagadas ou alagáveis, e por isso possuiu um
amplo projeto de saneamento com abrangência de 3.664 hectares, envolvendo direta ou
2
São terrenos baixos que constantemente sofrem inundações.
3
Define-se assentamentos precários como áreas que possuem uma, ou mais, das características: “irregularidade
fundiária ou urbanística; deficiência de infraestrutura; perigo a alagamentos, deslizamentos ou outros tipos de
risco; altos níveis de densidade dos assentamentos e das edificações; precariedade construtiva das moradias;
enormes distâncias entre a moradia e o local de trabalho; sistemas de transportes insuficientes, caros e com alto
nível de desconforto e insegurança; inexistência ou deficiência dos serviços públicos (saneamento, educação e
saúde); conjunto de problemas sociais que configuram situações de extrema vulnerabilidade; domínio por uma
‘ordem’ baseada em violência” (DENALDI, 2009, p. 112, grifo do autor).
4
Segundo Denaldi (2009), se compreende por reassentamento, ou realocação, a remoção de pessoas para outra
localidade, distante do perímetro da área que está recebendo a intervenção urbanística, onde foram produzidas
novas moradias (sejam apartamentos, habitações evolutivas, lotes urbanizados), destinadas aos moradores
removidos dos assentamentos precários. Enquanto o remanejamento, ou relocação, é a reconstrução das moradias
no mesmo perímetro da área que está sendo objeto de urbanização; a população remanejada é mantida no local
após a substituição das moradias e do tecido urbano (DENALDI, 2009, p. 116).
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indiretamente cerca de 550 mil habitantes, seja por processo de indenização, reassentamento ou
remanejamento (PERDIGÃO; SANTANA, 2018). O Projeto de Macrodrenagem previa
somente o processo de remanejamento de 4.824 famílias, e a partir de 1997 decidiu realizar o
reassentamento dos moradores para a área Companhia Docas do Pará (CDP) (GARCIA, 2001
apud PORTELA, 2005).
Após aproximação com as pesquisas realizadas acerca do Projeto Una (através de
dissertações e teses), e visto que foi amplamente estudado, ao longo dos 28 anos após sua
implementação, observou-se que não foi realizada uma avaliação conforme os critérios da
eficácia societal
5
. Ramos e (2003) definem alguns elementos para que se realize esse tipo de
avaliação, a saber: a presença, ausência ou deficiência de infraestrutura e equipamentos de
serviços coletivos; o impacto na reversão do quadro de pobreza e miséria urbana, e na melhora
da qualidade de vida da população em geral; nível de intervenção e controle social do conjunto
da população; a melhora das condições de habitabilidade; e os efeitos observados nas condições
de vida da população beneficiada, a partir também do seu próprio ponto de vista.
Com isso, este artigo apresenta resultados da pesquisa que teve como objetivo avaliar,
segundo os critérios de eficácia societal, a qualidade de vida das famílias do Conjunto Paraíso
dos Pássaros após 22 anos do processo de reassentamento realizado pelo Projeto de
Macrodrenagem da Bacia do Una (Belém – PA). A pesquisa buscou investigar a satisfação das
famílias com o Projeto, infraestrutura e serviços coletivos implantados, situação
socioeconômica dos moradores, condições de moradia da nova casa e impactos causados ao
meio ambiente.
O artigo está estruturado em quatro seções. A primeira trata sobre a fundamentação
teórica acerca do desenvolvimento desigual das cidades. Na segunda são apresentados
elementos históricos do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una. A terceira abordará sobre
o Conjunto Residencial Paraíso dos Pássaros, mostrando a importância da orientação técnica
desenvolvida no Barracão de Projetos no processo de reassentamento das famílias. A quarta
discorre sobre os resultados da pesquisa de campo realizada na área CDP.
Diante dos resultados obtidos com esse estudo, tem-se a expectativa de que o artigo
possa contribuir com os estudos acerca da questão habitacional que envolve o processo de
reassentamento de famílias e, posteriormente, auxiliar gestores da política habitacional em
5 Avaliação da eficácia societal é uma metodologia inovadora proposta pelas assistentes sociais e professoras Maria
Helena Rauta Ramos e Maria Elvira Rocha de Sá, em 2003, no Capítulo 07 intitulado “Avaliação de política de
habitação popular segundo critérios da eficácia societal”, no livro “Metamorfoses sociais e políticas urbanas”,
organizado por Maria Helena Rauta Ramos, editora DP&A, no ano de 2003.
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relação aos principais problemas e desafios que envolveram a intervenção urbanística, haja vista
que se passou um longo período desde que o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una foi
implementado.
Capitalismo e o desenvolvimento desigual das cidades
A separação entre o campo e a cidade é articulada ao processo de acumulação do capital
e responsável pelo antagonismo existente, pois os espaços urbano e rural passam a se rivalizar
para produzir espaços no estabelecimento da nova ordem. A principal manifestação dessa
rivalidade é demonstrada através da separação entre o trabalho agrícola e o trabalho industrial,
a qual expressa a oposição entre espaço campesino e citadino, sendo o primeiro visto como área
de isolamento e o segundo como área de forte concentração dos meios de produção e capital,
consecutivamente (MARX; ENGELS, 2009).
A oposição entre campo e cidade teve início quando ocorreu a passagem da barbárie
social para a civilização e vem transitando por toda a história da sociedade, permanecendo até
os dias atuais (MARX; ENGELS, 2009). De acordo com Lefebvre (2001), na sociedade visa-
se construir rede de cidades com uma divisão do trabalho em vários níveis, seja tecnicamente,
socialmente e/ou politicamente, formada entre as cidades que são interligadas via estradas e via
fluviais, bem como através de relações bancárias e comerciais.
Os diversos estágios no desenvolvimento da divisão do trabalho são outras
tantas diversas formas de propriedade; quer dizer, cada novo estágio da
divisão do trabalho determina também as relações dos indivíduos entre si com
referência ao material, instrumento e produto do trabalho (MARX; ENGELS,
2009, p. 188).
Lojkine (1997) aponta que a divisão do trabalho perpassa os muros das relações de
produção e se faz presente na divisão social dos indivíduos dentro da cidade, o que incorpora a
segregação do trabalho à produção do espaço em geral. Assim, com esta divisão social do
trabalho, a relação entre os proprietários dos meios de produção e a classe trabalhadora foi a
responsável pelo crescimento demográfico e a questão urbana e habitacional, já que os grandes
centros urbanos industriais atraíram muitos migrantes que buscavam vender a sua força de
trabalho (SANTOS, 2003).
Na Região Norte o processo de urbanização se intensificou com o Golpe Militar de
1964, a partir do fortalecimento dos processos de exploração de recursos naturais, corroborando
para as alterações físico-territoriais das capitais Belém e Manaus. Assim, as cidades tornaram-
se grandes expressões territoriais para o crescimento econômico, pois o modelo de
desenvolvimento urbano que se iniciou na Amazônia é explicado pela dimensão que o urbano
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tomou no processo de acumulação do capital. Por exemplo, desencadeou-se a política de
incentivos fiscais, que viabilizou a pecuária extensiva, exploração do minério, instalação de
órgãos e agências de financiamento, dentre outros (CRUZ, 2012).
Segundo Cruz (2012), a partir das grandes modificações que ocorreram na cidade
belenense, a capital passou a receber muitas migrações internas e externas, fazendo com que se
atingisse de forma pida níveis de adensamento demográfico e de urbanização. Com o
movimento decorrente das migrações os conflitos em torno da posse da terra ocasionaram
situações de expropriação violenta por parte de posseiros, e diversas cidades amazônicas
passaram a sofrer pressão social dos grandes projetos econômicos, a saber: o Grande Carajás,
Albrás Alunorte, e os outros projetos que envolvem hidrelétricas. E todo o processo de
urbanização foi responsável pela criação de efeitos segregativos, nos quais muitos da classe
trabalhadora se instalaram em Belém e passaram a constituir a periferia da cidade.
Por isso, entende-se que o processo de industrialização foi o início para a questão
urbana, pois um século e meio tem sido o motor das transformações sociais, assim como o
responsável pelo processo de urbanização e problemas relacionados à rápida expansão das
cidades (LEFEBVRE, 2001). Nesse sentido, existindo relação direta entre o campo industrial e
o campo urbano
6
, a tendência do capital é a urbanização do território global a fim de atender os
fluxos da acumulação do sistema vigente, conforme aponta Lojkine (1997, p. 159) ao afirmar
que não se pode desvincular a cidade da “tendência que o capital tem a aumentar a
produtividade do trabalho pela socialização das condições gerais da produção das quais a
urbanização [...] é componente essencial”.
Dessa forma, o desenvolvimento de uma nação estará sempre associado às suas forças
produtivas, e as relações sociais se darão conforme o tipo de trabalho realizado, seja ele
industrial ou artesanal. O desenvolvimento desigual das cidades, que possui relação direta com
o processo de industrialização e a especulação imobiliária, fez com que aparecessem diversos
conflitos na sociedade, pois a classe trabalhadora que migrou aos centros urbanos precisa suprir
suas condições materiais, como comer, beber, vestir, comprar a terra urbana e morar. Porém, no
espaço citadino nem todos conseguem prover estas necessidades, haja vista que as mercadorias
são designadas aos consumidores que possuem os melhores espaços, de médio e alto poder
aquisitivo (LEFEBVRE, 1999).
6
Segundo Cardoso (2012, p. 32), “Pode-se iniciar a definição do urbano, em Lefebvre, a partir da ideia de
“campos” – também denominada de “esferas” ou “eras históricas” – e de sua diferenciação espaço temporal através
dos campos rural, industrial e urbano. Portanto, os denominados campos rural, industrial e urbano são
representativos “não apenas de fenômenos sociais, mas de sensações e de percepções, de espaços e de tempos, de
imagens e de conceitos, de linguagem e de racionalidade, de teorias e de práticas sociais”.”
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Os estudos de Sposito (2014), acerca dos espaços citadinos, nos ajudam a refletir que os
investimentos do capital sempre foram direcionados aos lugares da cidade onde estão as pessoas
com maior poder aquisitivo, haja vista que possuem a intenção de valorizar a determinada área.
No entanto, outras áreas da cidade, que se encontram significativamente afastadas do centro,
ficam abandonadas, até o momento em que a lógica capitalista ver nelas alguma importância
para se reproduzir.
A nível intraurbano, o poder público escolhe para seus investimentos em bens
e serviços coletivos, exatamente os lugares de cidade onde estão os segmentos
populacionais de maior poder aquisitivo; ou que poderão ser vendidos e
ocupados por estes segmentos pois é preciso valorizar as áreas. Os lugares da
pobreza, os mais afastados, os mais densamente ocupados vão ficando no
abandono [...] (SPOSITO, 2014, p. 74).
Tendo em vista que a eficácia das ações está diretamente articulada com a localização
do território, o espaço geográfico recebeu novas definições e características na atual fase do
modo de produção capitalista, passando a ser compartimentado e redefinido conforme as
necessidades do poder estatal e de empresas, que passaram a atuar nesses espaços por meio da
ação direta e pelo viés político nos núcleos de decisão do planejamento urbano (SANTOS,
2008).
Para Santana (2012), o investimento do poder público em pequenas cidades do território
amazônico possui relação direta com a divisão socioterritorial do trabalho capitalista, na qual o
espaço
7
é produzido e recebe investimentos na medida em que o mesmo pode gerar lucro e
produtividade capitalista. Segundo a autora, esse pensamento explica o porquê de haver
diferenciação de investimentos acerca de infraestrutura física e social, seja em escala nacional,
regional ou local, afinal, uma determinada região somente receberá grande infraestrutura e
serviços se estiver alinhada à lógica de acumulação do capital.
Entretanto, devido à distribuição desigual entre os espaços citadinos, dos benefícios
adquiridos com a globalização, ocorreu em muitos territórios brasileiros a precarização da vida
social, causando o aprofundamento da questão social e aparecimento de vários aspectos da
segregação socioespacial nos aglomerados urbanos, configurando, assim, a urbanização do
Brasil. Desse modo, estudiosos da questão urbana e habitacional consideram que as periferias
das metrópoles cresceram mais do que os núcleos centrais, causando o aumento rápido de
regiões pobres em “áreas ilegais”
8
, como aconteceu em Belém, onde o município central
7
É por meio dos modos de apropriação do espaço que se revelam os modos de reprodução da vida, pois é através
da análise das formas de morar, das formas de trabalhar, dos tipos de transportes utilizados habitualmente para se
deslocar, das formas de acesso aos equipamentos públicos, dentre outros, que se pode avaliar a verdadeira dinâmica
de produção e reprodução das cidades (CARDOSO, 2012).
8
De acordo com Maricato (2011), a cidade ilegal é composta por construções de “áreas ilegais”, onde acontece
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apresentou crescimento negativo em contraposição ao enorme crescimento de municípios
periféricos, por meio, muitas vezes, de moradias em áreas alagadas
9
(MARICATO, 2011;
CRUZ, 2012).
Todavia, no momento em que o sistema capitalista percebeu que alguns bairros
construídos pela classe trabalhadora poderiam gerar lucros e embelezar as cidades, por meio do
poder estatal passou a ser colocado em prática o plano do urbanismo moderno “à moda” da
periferia, onde eram realizadas:
[...] obras de saneamento básico para eliminação das epidemias, ao mesmo
tempo em que se promovia o embelezamento paisagístico e eram implantadas
as bases legais para um mercado imobiliário de corte capitalista. A população
excluída desse processo era expulsa para os morros e franjas da cidade
(MARICATO, 2011, p. 17).
O que foi tratado no parágrafo e citação acima se relaciona com o objeto de estudo deste
trabalho, pois famílias que residiam em cima de áreas alagadas, ou alagáveis, em bairros
próximos ao centro da cidade, construídos pela classe trabalhadora, precisaram ser removidas
para uma área distante devido à implementação de um grande projeto urbanístico chamado
Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una.
Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una: Uma cronologia
No período da idealização do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una, em meados
da década de 1980, variados setores progressistas do Brasil uniram forças para derrubar o
regime militar e democratizar a sociedade brasileira, afinal, a população encontrava-se
indignada com os altos índices de inflação, desrespeito aos direitos humanos e coerção de
direitos políticos. Diante deste cenário, se desenvolveu o Movimento de Reforma Urbana
através da articulação de moradores com os movimentos sociais, intelectuais, sindicatos e
partidos políticos de esquerda, com o intuito de mudar o quadro das desigualdades enfrentadas
pela classe trabalhadora e efetivar o tema “direito à cidade ou cidade para todos” (PERDIGÃO;
SANTANA, 2018, p. 215).
Em 1980, durante o período em que Jader Barbalho, do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), estava em seu primeiro mandato como governador do Estado
do Pará, e Almir Gabriel, também do PMDB, estava como prefeito da capital paraense, os
“[...] uma gigantesca construção de cidades, parte dela feita de forma ilegal, sem participação dos governos, sem
recursos técnicos e financeiros significativos” (p. 37). Enquanto “[...] o controle urbanístico (a fiscalização sobre
o uso e a ocupação do solo), de competência municipal, se somente na cidade legal. Para os assentamentos
precários ilegais, em áreas que não interessam ao mercado imobiliário, a fiscalização é precária.” (p. 41).
9
Essas moradias construídas em cima do alagado possuem baixa qualidade das condições de moradia.
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moradores das baixadas de Belém estavam vivendo mais uma situação precária devido à falta
de saneamento básico e os efeitos de uma alta temporada de chuva
10
. Segundo Portela (2005),
a população tinha acesso às vias da cidade (não alagadas) somente através de estivas
11
, o que
ocasionou, muitas vezes, quedas de mulheres gestantes e crianças nas águas estagnadas por não
ter drenagem, resultando em alto índice de infecções e doenças de veiculação hídrica.
O Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una
12
constitui-se em um projeto de
intervenção urbanística sob a responsabilidade do Governo do Estado do Pará
13
em convênio
com a Prefeitura Municipal de Belém
14
e contou com o apoio financeiro
15
do Banco
Interamericano de Desenvolvimento/BID, implementado em 1993, para atender uma demanda
populacional, e tinha como objetivo principal: intervir na área alagada ocasionada pela Bacia
do Una, organizar a ocupação racional do espaço urbano, melhorar as condições de saúde da
população moradora dos bairros que seriam abrangidos pelo Projeto, elevar o nível de renda
dessa camada populacional, estimular investimentos dessas áreas, reduzir as distâncias de
deslocamentos a pé, bem como implementar os serviços de transporte coletivo na área interna
à bacia (BRASIL, 2004; SANTANA, 2013).
Conforme Portela (2005), o Projeto Una ocupa um espaço de 3.664 hectares, sendo este
equivalente a 60% (sessenta por cento) do município de Belém, com um quantitativo
populacional de 543.543 habitantes, ou seja, em torno de 550 mil pessoas. Esses moradores
habitam em mais de 100 mil moradias, sendo estas em zonas centrais da cidade, ou em zonas
periféricas, que o Projeto Una abrange cerca de 20 (vinte bairros), a saber: Nazaré, São Brás,
Fátima, Umarizal, Marco, Pedreira, Telégrafo, Souza, Sacramenta, Barreiro, Miramar,
Maracangalha, Marambaia, Castanheira, Val-de-Cans, Mangueirão, Benguí, Parque Verde,
Cabanagem e Una (SOARES, 2016).
10
Na cidade de Belém não se tem uma definição quanto as quatro estações do ano, já que ao longo do ano inteiro
chove. Dessa forma, acontece na cidade os períodos menos chuvosos e os mais chuvosos (inverno amazônico).
11
Pontes feitas de madeira.
12 Podendo ser chamado também como Projeto de Recuperação das Baixadas do Una (PORTELA, 2005), ou
Projeto de Macrodrenagem, ou como Projeto Una, ou ainda pelas suas iniciais “PMBU”.
13
O Governo gerenciou o Projeto de Macrodrenagem através de duas secretarias, sendo elas: Secretaria de
Estado e Desenvolvimento Urbano e Regional (SEURB) e a Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA).
14
A Prefeitura foi sub-gerenciadora do Projeto por meio da Secretaria de Saneamento Básico (SESAN).
15
O custo total do Projeto foi estimado em quantia equivalente a US$ 312.437.727, sendo que o financiamento
do BID representa o equivalente a US$ 142.942.660 e US$ 169.495.067 financiado pelo Governo do Estado
(COSANPA, 2006 apud SOARES, 2016).
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Figura 01: Bairros beneficiados pelo Projeto Una.
Fonte: Paranaguá (2003 apud SOARES, 2016).
O Projeto Una priorizou executar as obras nos espaços localizados em áreas
permanentemente alagadas, que não possuíam nenhum traço de urbanização, destaca-se que na
área com mais moradores houve a necessidade de realizar o processo de remoção da população
para se efetivar o Projeto. As desapropriações poderiam ser de forma total ou parcial, através
do processo de indenização das famílias que tinham seus imóveis localizados nas áreas das
obras e processo de reassentamento
16
para outros espaços distantes de onde moravam
anteriormente (PORTELA, 2005).
O processo de remoção resultou em indenização, remanejamento e reassentamento,
porém, inicialmente previa somente o processo de remanejamento de 4.824 famílias que se
daria sob duas formas, sendo elas: a primeira caracterizada pelo remanejamento total, na qual
as famílias de 2.780 imóveis localizados na faixa do canal (área onde aconteceriam as obras)
seriam realocadas para outros espaços com distância máxima de 1.5 km da moradia anterior; a
segunda é caracterizada pelo remanejamento parcial, na qual as famílias de 2.044 imóveis
localizados próximos ao local da obra precisariam se deslocar dentro de sua própria moradia,
onde poderia acontecer o recuo das casas envolvidas nesse processo (PORTELA, 2005).
Assim, o Plano de Reassentamento elaborado para os moradores que estavam
envolvidos com o Projeto de Macrodrenagem, operacionalmente passou a ser “[...] sujeito aos
princípios do Projeto de Qualificação Ambiental, utilizando-se, na prática, de uma definição do
16
O Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una possuía 25 áreas destinadas às famílias que fossem envolvidas
pelo processo de reassentamento, sendo uma delas a área CDP, hoje conhecida como Conjunto Paraíso dos
Pássaros.
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Plano Nacional de Habitação publicado em 1996 [...]” (PINHEIRO et al., 2007, p. 176-177).
Se assumiu a forma auto-construtiva, no que se refere ao provimento habitacional, como uma
maneira de desprezar os padrões que foram disseminados nos conjuntos habitacionais. Com
isso, os técnicos do Projeto Una realizavam orientação individual com a planta baixa de cada
família, ou morador, que seria remanejada para alguma das 25 áreas destinadas ao
assentamento. Porém, no decorrer desse processo, surgiram algumas dificuldades na
operacionalização, em especial pelas várias áreas de reassentamento (PINHEIRO et al., 2007).
Conforme apontam Pinheiro et al. (2007), devido às dificuldades de operacionalização
e a grande necessidade de se delimitar somente uma área que conseguisse demonstrar todo o
empenho do governo do Pará em relação às obras que estavam sendo realizadas, surgiu o
interesse por uma das áreas destinadas ao assentamento, chamada área CDP (Conjunto Paraíso
dos Pássaros). A partir de 1997, o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una decidiu realizar
o processo de remanejamento dos moradores, independente da subárea que fizessem parte, para
a área CDP, e com o decorrer do Projeto se completaria a determinada área com instalação de
infraestrutura e equipamentos coletivos que estavam faltando, bem como construção de escolas,
área de lazer, serviço de saúde etc. (GARCIA, 2001 apud PORTELA, 2005).
De Companhia das Docas do Pará (CDP) a Conjunto Paraíso dos Pássaros
Entre os anos 1997 e 2001 aconteceu o processo de reassentamento de 2.057 famílias
para a área CDP, que atualmente é chamada de Conjunto Paraíso dos Pássaros. Esta área está
localizada nos limites da Légua Patrimonial da cidade de Belém, no bairro de Val-de-Cans,
Distrito Administrativo da Sacramenta (Dasac), limitado ao norte pelos conjuntos Promorar e
Providência, ao sul por uma área de ocupação, ao oeste por um território com vegetação
originária que pertence às empresas Paragás e Tropigás e ao leste por uma ocupação chamada
de Santos Dumont (PERDIGÃO; SANTANA, 2018).
Perdigão e Santana (2018) pontuam que para a realização do reassentamento colocou-
se em prática o projeto de intervenção urbanística “Participação comunitária em projeto e auto-
construção habitacional de baixa renda em área de expansão urbana CDP/Belém (PA)”, por
meio de uma parceria entre a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Companhia de
Habitação do Estado do Pará (COHAB), intermediada pela Fundação de Amparo e
Desenvolvimento de Pesquisa (FADESP), que firmou o convênio Cohab/FADESP/UFPA.
Assim, através deste convênio entre Cohab, UFPA e FADESP, formou-se uma equipe
interdisciplinar de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil e Serviço Social que trabalhava
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no escritório “Barracão de Projetos” ou “Barracão CDP” (COSTA et al., 2006).
A instalação da equipe profissional teve por objetivo:
Orientar, dentro de uma perspectiva técnica e acadêmica, a forma e a
organização de espaços residenciais e de equipamentos comunitários visando
à melhoria da qualidade de vida em áreas de expansão urbana tendo em vista
o desenvolvimento e o aprimoramento dos indivíduos e da comunidade em
termos sociais, culturais, físicos e ambientais (CONVÊNIO COHAB,
FADESP, UFPA-PARU, 1998, p. 03 apud COSTA et al., 2006, p. 33).
A participação da família no desenho da planta baixa, para saber como futuramente seria
sua casa, fazia com que esses moradores se identificassem com o novo espaço habitacional,
onde se valorizava as vivências espaciais anteriores. Era muito mais que produção de moradias,
pois com o Programa de Necessidades acontecia “[...] a “escuta” direta pelo projetista sobre as
necessidades e expectativas dos moradores, incluindo o registro de informações sobre as
respectivas residências anteriores” (PERDIGÃO; SANTANA, 2018, p. 222).
A pesquisa
17
avaliativa realizada 02 anos após a ocupação na área CDP se deu devido à
preocupação de monitorar políticas urbanas financiadas por bancos multilaterais. A Federação
de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), por meio de seu Núcleo de Cidadania
e Políticas de Reforma Urbana, se propôs a identificar quais impactos surgiram com a
implementação do projeto de reassentamento. Assim, com o propósito de desenvolver um
Projeto de Pesquisa para investigar os impactos ocasionados em homens e mulheres que foram
envolvidos no processo de reassentamento para a área CDP, bem como verificar os rebatimentos
diferenciados nos mesmos por meio do enfoque na dimensão gênero, firmou-se uma parceria
entre a FASE e o Programa de Apoio à Reforma Urbana (PARU), que é vinculado à UFPA
(COSTA et al., 2006).
A pesquisa de avaliação, realizada 10 anos após o processo de reassentamento para a
área do Conjunto Paraíso dos Pássaros, buscou analisar, dentre outros aspectos, as práticas do
governo do Estado relacionadas a reassentamento de famílias, onde verificou-se em que medida
a orientação técnica fornecida no Barracão de Projetos (entre 1998 e 2000) impactou na vida
dos moradores. Assim como buscou investigar se as famílias atendidas pela equipe
interdisciplinar do Projeto Una ainda moravam na área, bem como a implicação entre a
participação das famílias na construção do projeto de suas moradias e a permanência das
mesmas na área devido à satisfação com a sua residência (PERDIGÃO; SANTANA, 2018).
Este trabalho, após estudar as duas pesquisas supracitadas realizadas no Conjunto
17
Esta pesquisa foi publicada em 2006 no livro intitulado “Impactos Socioeconômicos do Projeto de
Macrodrenagem: o reassentamento CDP e os rebatimentos diferenciados em homens e mulheres”.
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Paraíso dos Pássaros, apresenta uma avaliação, também do processo de reassentamento das
famílias para a área CDP, após 22 anos, conforme os critérios da metodologia de avaliação da
eficácia societal.
Resultados da pesquisa Aplicação da metodologia de avaliação de impacto: área
CDP ou Conjunto Paraíso dos Pássaros?
Diante do longo período de tempo que se passou desde o último estudo avaliativo
realizado com as pessoas que foram reassentadas para o Conjunto Paraíso dos Pássaros, e pela
tendência de impactos socioeconômicos evidenciados nas pesquisas que tratam de projetos
urbanísticos que adotaram processo de reassentamento, esta seção tratará sobre os resultados
da pesquisa desenvolvida no Conjunto Paraíso dos Pássaros após 22 anos do processo de
reassentamento realizado pelo Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una (Belém – PA).
A metodologia de avaliação segundo critérios de eficácia societal, que norteou este
estudo, utilizada por Ramos e (2003), aponta dimensões e variáveis para avaliação de uma
política de habitação popular. Através da associação com “variáveis” responsáveis pela
caracterização da estrutura de um território municipal (em específico a área onde o conjunto
habitacional está localizado), pode-se mensurar o grau de eficácia social de uma determinada
política urbana, por isso os resultados que se espera, com a implementação de uma determinada
política urbana, são efeitos estruturais, e não somente compensatórios, da nova moradia, seja
com a melhoria da qualidade de vida das famílias envolvidas e/ou impactos positivos no que se
refere à redução da segregação socioespacial (RAMOS; SÁ, 2003).
Figura 02: Área em amarelo corresponde à totalidade do Conjunto Paraíso dos Pássaros.
Fonte: Aplicativo Wikimapia (2022).
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Os resultados da pesquisa foram alcançados após a aprovação do projeto pelo Comi
de Ética da UFPA
18
, através do levantamento de campo (período de dezembro de 2021 a
fevereiro de 2022), por meio da observação, aplicação de questionários
19
a 15 moradores
reassentados para a área CDP e realização de entrevistas, por meios de roteiros
20
, a 03 técnicos
que trabalharam no processo de reassentamento, e, também, a 01 liderança comunitária. Os
dados dos questionários foram tabulados no Excel, para melhor compreensão dos resultados, e
as entrevistas realizadas foram transcritas, para delinear a realidade vivenciada, na tentativa de
aproximar o leitor dos fatos pesquisados. Importante destacar que as questões abertas, dos
questionários, foram categorizadas por frequência e agrupadas conforme a afinidade entre elas.
Levando em consideração que a amostra é de 15 famílias de um universo de 2.057
famílias reassentadas, a presente pesquisa se propôs alcançar 100% da amostra (15 famílias),
com o propósito de pesquisar 01 morador por família, tendo como critérios de inclusão: ter sido
reassentado pelo Projeto Una; e, ser o responsável pela negociação do processo de
reassentamento, ou seu familiar mais próximo (cônjuge ou filho, por exemplo), que seja maior
de 18 anos. E como critério de exclusão: não ter sido reassentado pelo Projeto Una; não ser o
responsável pela negociação do processo de reassentamento, ou não ser o familiar mais próximo
(cônjuge ou filho, por exemplo) que seja menor de 18 anos; e, não aceitar assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A amostra é de caráter intencional, pois foi
constituída de um grupo específico: moradores que foram reassentados pelo Projeto.
Os dados da pesquisa foram sistematizados em indicadores para serem analisados, sendo
eles: identificação dos participantes da pesquisa; ocupação/trabalho e renda; condições de
moradia; presença ou deficiência de infraestrutura; presença ou deficiência de serviços
coletivos; impacto ao meio ambiente; participação social no processo de reassentamento;
satisfação e “sentimento de segurança” dos moradores. Este artigo priorizou a apresentação de
alguns resultados da pesquisa realizada.
No que se refere à identificação dos participantes da pesquisa, a maioria dos moradores,
representando cerca de 66,7% das pessoas que participaram, foi responsável pela negociação
do processo de reassentamento, no caso, os beneficiários, como mostra o Gráfico 01.
Participaram, também, cônjuge, correspondente a 20% dos pesquisados, e filhos, que
18 O projeto de pesquisa obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal
do Pará (UFPA), sob protocolo 5.248.080/2021.
19
Questionário composto por 40 questões que tratam sobre as variáveis e dimensões que possibilitam realizar uma
avaliação da eficácia societal.
20
O roteiro de entrevista destinado aos técnicos é composto por 12 questões, enquanto o roteiro destinado à
liderança comunitária possui 14 questões.
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correspondem a 13,3% do total.
Gráfico 01: Participantes da pesquisa.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Quanto à renda dos participantes antes do reassentamento, era predominante moradores
na faixa salarial de 1 a 2 salários-mínimos (s. m.), representado por 80% das pessoas que
participaram da pesquisa, como mostra o Gráfico 02.
Gráfico 02: Renda dos participantes antes do reassentamento.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Embora a faixa salarial de 1 a 2 salários-mínimos ainda prevaleça (46,7%) após o
processo de reassentamento, percebe-se que os participantes tiveram um certo aumento em suas
rendas, como demonstra o Gráfico 03. Contudo, alguns dos moradores que passaram a ter renda
de 3 a 5 salários (20%), referiram que devido ao aumento do custo de vida, o percebiam
grande diferença em sua vida financeira se comparassem a renda atual com a de anteriormente.
Brasil (2004) refere que um dos objetivos principais do Projeto Una, que estava relacionado à
renda dos beneficiados, foi alcançado, porque apesar de alguns participantes da pesquisa terem
dito que não perceberam grande diferença em sua situação econômica, o gráfico demonstra que
houve aumento de renda no que diz respeito ao aumento de salário-mínimo.
Gráfico 03: Renda dos participantes após o reassentamento.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Sobre a perspectiva dos moradores em relação à sua renda familiar após o
0
5
10
15
Beneficiário Cônjuge Filho
66,7%
20% 13,3%
0
10
20
De 1 a 2 s. m. De 3 a 5 s. m. De 5 a 8 s. m. Menos de 1 s. m.
6,7% 6,7% 6,7%
80%
0
2
4
6
8
De 1 a 2 s. m. De 2 a 3 s. m. De 3 a 5 s. m. Mais de 8 s. m. Menos de 1 s. m.
6,7%
13,3% 13,3%
20%
46,7%
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reassentamento, conforme demonstra o Gráfico 04, 33,3% dos participantes acreditam que
piorou. De acordo com os estudos acadêmicos, muitas famílias que tiveram suas rendas
impactadas, devido à implementação do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una, passaram
a utilizar as suas moradias para fazer pequenos comércios e, através da economia informal,
buscaram estratégias de sobrevivência para contribuir com a geração de renda familiar. Dessa
forma, evidencia-se que houve desarticulação das estratégias de sobrevivência das famílias no
local do projeto (SANTANA et al., 2020).
Gráfico 04: Perspectiva dos participantes em relação à sua renda familiar.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Abelém (1988) refere que o processo de remoção de famílias prejudica diversas
instâncias da vida dos moradores e, certamente, causa impacto nos trabalhadores informais, que
muitas vezes possuíam serviços próximos das suas antigas residências, ou até mesmo nelas, e,
devido à mudança de localidade, perderam clientes e tiveram suas estratégias de sobrevivência
desarticuladas. Ao entrevistar os técnicos que trabalharam no Barracão de Projetos, no período
do processo de reassentamento das famílias, e perguntar se eles acreditavam que a renda dos
moradores reassentados havia melhorado, obteve-se as seguintes respostas:
Todo processo de reassentamento tem uma metodologia, e no projeto da área
CDP foi uma metodologia extremamente avançada, tanto é que ganhou um
prêmio nacional, como melhores práticas na área do trabalho com
habitabilidade. Mas todo processo de remoção que não é, digamos assim, uma
opção, onde é algo forçado, não só retira os laços de sentimentos de moradia,
vizinhança, de ajuda, solidariedade, que é muito presente na Amazônia, mas
também dificulta e restringe a parte socioeconômica na medida em que, por
exemplo, a manicure perdeu seus clientes, porque ela tinha ali por perto da sua
antiga casa as suas comadres... as vizinhas que ela fazia as unhas durante a
semana, ou no final de semana. Então no primeiro momento não houve
melhora na renda. [...] Mas eu gostaria que fosse considerado que o Serviço
Social tinha uma reativa, porque a gente buscava a partir desses desafios,
dentro da comunidade e com a comunidade, a articulação de postos de
trabalho para que não fosse algo tão impactado nos moradores, mas
certamente teve impacto pesado sim, nesse primeiro momento (Participante
16, técnico Assistente Social).
Nos moradores que ainda estão hoje lá, com certeza tiveram melhorias. Digo
0
1
2
3
4
5
6
7
Estável Melhor Pior
Total
40%
26,7%
33,3%
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isso porque conheço algumas pessoas que ainda moram e certamente elas
estão bem melhor de vida, do que como era antes (do reassentamento)
(Participante 17, técnico Engenheiro Civil).
No que diz respeito ao indicador condições de moradia, ao questionar os moradores
pesquisados se tinham satisfação com a sua nova casa e se possuíam “sentimento de segurança”
com a mesma, identificou-se que todos os participantes (100%) referiram que “sim”. Esse dado
dialoga com os estudos de Perdigão e Santana (2018), que realizaram pesquisa com os
moradores reassentados para a área CDP, 10 anos após o reassentamento, e constataram que os
moradores investigados possuíam satisfação com a nova casa e tinham um sentimento de paz
associado à sua moradia. As autoras apontam que esses sentimentos de paz e satisfação
provavelmente estariam relacionados com a oportunidade que os moradores tiveram de decidir
sobre o projeto de sua casa (PERDIGÃO; SANTANA, 2018; PERDIGÃO, 2006).
O Gráfico 05 trata sobre quantos participantes receberam orientação no Barracão de
Projetos, onde constata-se que 73,3% dos moradores foram orientados pela equipe de técnicos
que trabalhavam no processo de reassentamento. Pinheiro et al. (2007) demonstram em seus
estudos que a orientação disponibilizada pela equipe do Barracão estava alinhada ao que previa
o Programa Lote Urbanizado, implementado pela Companhia de Habitação do Estado do Pará
à época, e aos objetivos gerais declarados pelo Banco Nacional de Habitação em 1996, os quais
enxergavam a importância da participação da população no processo de reassentamento, bem
como gestão descentralizada dos assentamentos humanos.
Gráfico 05: Participantes que receberam orientação no Barracão de Projetos.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Sobre o indicador infraestrutura da área CDP, o Gráfico 06 demonstra que a maioria dos
moradores (80%) falou que atualmente
21
na área presença, principalmente, de abastecimento
e distribuição de água potável, rede de energia elétrica, serviços básicos de saneamento e
asfalto. Assim, por entender que o direito à cidade é mais do que morar em uma casa com
condições básicas, pois acessar o espaço citadino é ser provido de abastecimento de água
21
Utilizou-se a palavra “atualmente” porque alguns moradores inferiram que por muito tempo tiveram problemas
relacionados à questão do abastecimento e distribuição de água potável no Conjunto, mas uns meses o problema
foi solucionado e hoje em dia não existe mais insatisfação quanto a esse serviço.
0246810 12
Não
Sim
26,7%
73,3%
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potável, energia elétrica, saneamento básico, espaços de lazer etc. (CARDOSO, 2012;
PERDIGÃO; SANTANA, 2018), a pesquisa buscou investigar o que existe na área CDP
relacionado à infraestrutura.
Gráfico 06: Infraestrutura presente na área CDP.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Em relação ao indicador que trata da presença ou ausência dos equipamentos e serviços
coletivos no Conjunto Paraíso dos Pássaros, a partir dos dados do Gráfico 07, pode-se verificar
que 93,3% dos moradores participantes informaram que os equipamentos e serviços coletivos
mais presentes no Conjunto Paraíso dos Pássaros estão relacionados à coleta de lixo, que
acontece durante três vezes na semana, e com a instalação de creches. Assim, evidencia-se que
o Projeto Una foi eficaz ao instalar tais equipamentos e serviços coletivos na área CDP, afinal,
o direito à moradia está além de ter acesso aos direitos sociais básicos (COSTA et al., 2006).
Gráfico 07: Equipamentos e serviços coletivos presentes na área CDP.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Sendo o impacto provocado ao meio ambiente mais uma das características avaliadas
pela metodologia da eficácia societal (RAMOS; SÁ, 2003), esta pesquisa buscou investigar
com os participantes moradores reassentados se o processo de reassentamento para o Conjunto
Paraíso dos Pássaros provocou impactos positivos ou negativos ao meio ambiente. O Gráfico
0 2 4 6 8 10 12 14
Arborização
Tratamento de esgoto
Segurança pública
Calçamento
Rede telefônica
Asfalto
Serviços básicos de saneamento
Rede de energia elétrica
Abastecimento e distribuição de água potável
80%
80%
80%
80%
73,3%
66,7%
60%
46,7%
40%
-1
1
3
5
7
9
11
13
15
93,3% 86,7% 80%
60% 60%
40%
93,3% 86,7%
60% 53,3% 40%
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08 demonstra que 46,7% dos moradores investigados acreditam que o reassentamento para a
área CDP provocou impactos positivos ao meio ambiente, pois antigamente a área era um
terreno baldio, uma grande área sem utilização alguma, e, com a construção do Conjunto
Paraíso dos Pássaros, muitas famílias saíram de lugares insalubres para morar em casas com
boas condições de moradia. E 40% dos participantes consideram que o processo de removerem
as pessoas para o Conjunto provocou impactos negativos, devido ao desmatamento da área.
Gráfico 08: Impactos provocados ao meio ambiente da área CDP.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Em relação ao indicador participação social, a partir dos dados do Gráfico 09, a maioria
dos participantes da pesquisa (86,7%) referiu ter participado do Plano de Reassentamento do
Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una, evidenciando que havia participação social no
Projeto. Essa forte participação foi possível acontecer devido ao contexto histórico, que
representava o fim da ditadura militar e a abertura política, fazendo com que o Projeto de
Macrodrenagem fosse um marco nas formas democráticas de participação popular, deixando
um legado para a cidade de Belém e à democracia no Brasil (SOARES, 2016).
Gráfico 09: Moradores que participaram do Plano de Reassentamento do Projeto Una.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
Os entrevistados 16 e 18, que trabalharam no Barracão de Projeto durante o processo de
reassentamento, afirmaram que os moradores participavam bem efetivamente no que se refere
ao projeto das casas e o quanto a conjuntura do Brasil, na época, era favorável para isso.
A participação foi algo muito importante nesse Projeto, porque não era uma
coisa pronta, a gente construía junto com a família. Foi um Projeto muito
diferente dos outros, porque antes das famílias serem reassentadas, a gente
Não sabe
Negativos
Positivos
40%
13,3%
46,7%
0 2 4 6 8 10 12 14
Não
Sim
86,7%
13,3%
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(equipe técnica) ia lá para área onde elas moravam, às vezes a gente ia à noite,
porque era o momento em que elas estavam em casa, e dizia “olha, quando
vocês chegarem lá (área CDP), vai ter uma equipe que vai receber vocês, que
vocês podem solicitar o projeto da casa que vocês vão morar...”, ou seja, a
gente dava uma explicação inicial para os moradores (Participante 18, técnico
Arquiteto e Urbanista).
Eu preciso falar que nessa época nós estávamos em um contexto
extremamente favorável aos avanços democráticos na área da habitação [...]
em que pese ao remanejamento... e a Aldebaram, as Professoras Ana Kláudia
Perdigão e Joana Valente conversavam com a gente e diziam quem estava à
frente da questão da moradia na América Latina e no Brasil. Então, isso é
importante trazer como um elemento para analisar as possibilidades que eram
colocadas naquela época (Participante 16, técnico Assistente Social).
No que se refere ao indicador satisfação dos moradores reassentados em relação ao
Conjunto Paraíso dos Pássaros, todos os moradores investigados (100%) avaliam que houve
melhora na qualidade de vida das famílias reassentadas para o Conjunto Paraíso dos Pássaros e
sobre a satisfação, é apontado que 86,7% dos pesquisados encontram-se satisfeitos com o
Projeto Una. Destaca-se que dos dois participantes moradores que demonstraram insatisfação
acerca do Projeto de Macrodrenagem, um investigado relatou não possuir satisfação, porém
tem muita gratidão por conta do que o Projeto realizou na vida dele.
Dessa forma, a pesquisa buscou investigar, a partir do próprio ponto de vista dos
moradores participantes, quais as principais melhorias após o processo de reassentamento.
Conforme aponta o Gráfico 10, todos os participantes da pesquisa (100%) avaliam que as
principais melhorias após o processo de reassentamento estão relacionadas ao tamanho da casa,
ao morar em terra firme e acesso às escolas. O segundo maior percentual está representado por
86,7% dos moradores que apontaram a qualidade dos materiais de construção da casa e
segurança como principais melhorias após o reassentamento.
Gráfico 10: Principais melhorias após o processo de reassentamento.
Fonte: Pesquisa de campo, 2021/2022.
012345678910 11 12 13 14 15
Diminuição da taxa de água
Distância entre a moradia nova e o trabalho na área
Acesso aos postos de saúde
Acesso ao transporte
Conseguiu atividade de trabalho
Recursos para modificar/melhorar o espaço da residência
Boa infraestrutura no Conjunto
Acesso ao lazer
Segurança
Qualidade dos materiais de construção da casa
Acesso às escolas
Morar em terra firme
Tamanho da casa
100%
100%
100%
86,7%
86,7%
73,3%
60%
53,3%
53,3%
46,7%
46,7%
13,3% 40%
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Em síntese, a pesquisa realizada com os moradores reassentados pelo Projeto Una para
a área CDP identificou, com base nos indicadores da metodologia de avaliação de impacto
eficácia societal:
- IDENTIFICAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA: houve incidência de
participantes mulheres (66,7%); próprios beneficiários, no caso, as pessoas responsáveis pela
negociação do processo de reassentamento (66,7%); pessoas casadas (66,7%); com faixa etária
de 55 a 69 anos (53,3%); e com o Ensino Fundamental Completo (33,3%).
- OCUPAÇÃO/TRABALHO E RENDA: teve maior frequência de investigados que
possuíam trabalho autônomo (53,3%); tinham renda na faixa salarial de 1 a 2 salários-mínimos
(46,7%); não recebiam nenhum tipo de benefício social (53,3%); moravam distante do local de
trabalho (53,3%); avaliaram que a sua renda familiar, após o reassentamento, ficou estável
(40%); e referiram que a renda familiar dos moradores reassentados melhorou (53,3%).
- CONDIÇÕES DE MORADIA: Antes do reassentamento, a maioria dos participantes
morou de 11 a 20 anos no seu antigo imóvel (46,7%); residiam em casa própria (66,6%); tinham
suas casas construídas somente com madeiras (93,3%); moravam em área alagável (53,3%);
possuíam banheiro fora de suas moradias (53,3%); tinham de 03 a 05 cômodos em suas casas
(60%). Após o processo de reassentamento, os participantes passaram a possuir 06 ou mais
cômodos em suas novas residências (80%); receberam orientação no Barracão de Projetos
(73,3%); possuem satisfação e “sentimento de segurança” com a sua nova casa (100%);
referiram que o padrão das moradias da área CDP é melhor em relação ao padrão das moradias
anteriores ao reassentamento (100%); e nunca pensaram em vender a sua nova casa (73,3%).
- INFRAESTRUTURA: teve grande incidência de participantes afirmando que havia
presença de abastecimento e distribuição de água potável, rede de energia elétrica, serviços
básicos de saneamento e asfalto (80%); e havia ausência de arborização na área CDP (60%).
- SERVIÇOS COLETIVOS: muitos investigados apontaram que havia presença de
coleta de lixo no Conjunto e creches (93,3%); havia ausência de serviço de saúde e comércios
(60%); e apontaram a boa localização (66,7%) como o principal motivo que os fazem
permanecer residindo no Paraíso dos Pássaros.
- IMPACTO AO MEIO AMBIENTE: maior frequência de participantes avaliando que
o reassentamento para a área CDP provocou impactos positivos ao meio ambiente (46,7%).
- PARTICIPAÇÃO SOCIAL: a maioria dos investigados referiu ter participado do Plano
de Reassentamento do Projeto de Macrodrenagem (86,7%); bem como avaliaram como “Bom”
a sua participação no processo de execução do Projeto Una (53,3%); e no período da realização
da pesquisa, não estavam envolvidos a nenhuma instância política (93,3%).
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- SATISFAÇÃO DOS MORADORES REASSENTADOS: todos os participantes
avaliaram que houve melhora na qualidade de vida das famílias reassentadas para o Conjunto
Paraíso dos Pássaros (100%). No que se refere à satisfação com o Projeto Una, 86,7% dos
investigados afirmaram estar satisfeitos.
Nesse sentido, após concluir estas análises, destaca-se a importância da metodologia de
avaliação da eficácia societal de Ramos e Sá (2003), que norteou a avaliação de cada indicador
e variável deste estudo. Assim como é importante dizer que os moradores reassentados para o
Conjunto Paraíso dos Pássaros puderam aproveitar muito o contexto democrático, e,
certamente, aproveitaram da melhor forma. A experiência realizada no processo de
reassentamento do Projeto de Macrodrenagem foi tão importante que recebeu o prêmio
“Programa CAIXA Melhores Práticas/Caixa Econômica Federal” como melhores práticas em
habitação no Brasil. Acredita-se que foi uma experiência exitosa na área de habitação na
Amazônia.
Considerações finais
Ao levar em consideração o panorama de projetos de intervenção urbanística realizados
na Região Metropolitana de Belém, que também praticaram remoção de famílias, evidencia-se
uma realidade diferenciada na vida das famílias do Conjunto Paraíso dos Pássaros, que
receberam orientação profissional técnica e social. Fica evidente, assim, que mesmo existindo
a tendência de impactos socioeconômicos após o processo de reassentamento, o trabalho
profissional, especialmente o do Serviço Social, quando alinhado às bases teórico-
metodológica, ético-política e técnico-operativa da profissão, busca estratégias para superar as
desigualdades sociais e efetivar o direito à cidade pela classe trabalhadora.
Embora o processo de reassentamento realizado com os moradores para o Conjunto
Paraíso dos Pássaros tenha causado impactos socioeconômicos e culturais, como evidenciou-
se através da pesquisa avaliativa, se faz necessário reconhecer o esforço e trabalho diferenciado
realizado pelo Projeto de Macrodrenagem, por meio do Barracão de Projetos e a equipe de
profissionais comprometidos com a questão urbana e habitacional. Essa experiência urbanística
possibilitou a conjugação entre a interdisciplinaridade das equipes técnicas, descentralização
através da participação social e a Universidade Federal do Pará, corroborando para que
houvesse a satisfação por parte dos moradores envolvidos pelo Projeto Una.
Mediante a isso, conforme foi assinalado por Gomes (2020, p. 404), os projetos de
intervenções urbanísticas que praticaram processo de remoção de famílias e realizaram a “[...]
Reassentados do projeto urbanístico da Bacia do Una (Belém/PA)
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produção de moradias em larga escala são uma grande conquista, mas mostraram-se pouco
efetivo no combate à pobreza urbana e nem de longe tocam nas estruturas que sustentam a
abissal desigualdade social”. Dessa forma, mesmo que o Projeto de Macrodrenagem da Bacia
do Una tenha realizado quase todos os tópicos que estavam instituídos no Plano de
Reassentamento, no que se refere a equipamentos sociais e urbanos para propiciar melhor
qualidade de vida aos moradores reassentados na área CDP, os dados da pesquisa, realizada por
este estudo, evidenciam que não houve grande impacto na reversão do quadro de pobreza e
miséria urbana (sendo esse um dos critérios avaliados pela metodologia da eficácia societal).
Sendo assim, devido ao método e à metodologia utilizados neste estudo, percebe-se o
quanto é importante realizar avaliações, conforme os critérios da eficácia societal, de projetos
urbanísticos, pois geralmente os estudos avaliativos são feitos por instituições e/ou
organizações contratadas para cumprir um simples protocolo, onde é produzido o
conhecimento, mas não é socializado com os trabalhadores técnicos operacionais e nem com a
população beneficiada. Por isso, acredita-se ser de extrema importância que os profissionais
atuantes em projetos urbanos, como os técnicos de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil
e Serviço Social que trabalharam no Projeto Una, sejam comprometidos com os direitos de
cidadania, onde mesmo trabalhando com remoção de pessoas, possam saber lidar com os limites
e possibilidades existentes, não perdendo de vista a luta pela democratização das políticas
públicas.
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