DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22. 38269
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.2, p. 422-445, jul. / dez. 2022 ISSN 1980-8518
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Diretrizes curriculares: “questão social”,
questão étnico-racial e realidade brasileira
Curriculum guidelines: "social issue", ethno-racial issue and Brazilian
reality
André Henrique Mello Correa*
Resumo: Este artigo é constitutivo de aportes
teórico-metodológicos, apresentados no projeto
de mestrado de ingresso na UFRJ. Partindo de
pesquisa bibliográfica, se articula em dois
momentos: (i) buscamos trazer elementos
acerca da centralidade da questão étnico-racial
enquanto chave analítica, estrutural e
estruturante do capitalismo e dinamizador da
“questão social” na particularidade da formação
econômica-social do Brasil, situando o serviço
social nesta trama; (ii) tomando como mediação
os acúmulos da categoria profissional e as
Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996),
evidenciar a centralidade da agenda antirracista
na profissão. As conclusões, longe de se
esgotarem, nos mostram que a atual quadra
histórica carrega avanços significativos para
pensarmos a produção do conhecimento acerca
da matéria e a centralidade da luta antirracista
na afirmação do projeto ético-político, ainda
que incorra atravessamentos e dilemas a serem
postos na agenda do dia.
Palavras-chaves: Fundamentos do Serviço
Social; Questão Étnico- Racial; Questão Social;
Formação e Trabalho Profissional.
Abstract: This article is constitutive of
theoretical and methodological contributions
presented in the project for a Master's degree at
UFRJ. Based on bibliographical research, it is
articulated in two moments: (i) we seek to bring
elements about the centrality of the ethno-racial
issue as an analytical, structural and structuring
key of capitalism and dynamizer of the "social
issue" in the particularity of the social-
economic formation of Brazil, situating social
service in this web; (ii) taking as mediation the
accumulations of the professional category and
the Curricular Guidelines of ABEPSS (1996), to
highlight the centrality of the anti-racist agenda
in the profession. The conclusions, far from
being exhaustive, show us that the current
historical period brings significant advances to
think about the production of knowledge on the
subject and the centrality of the anti-racist
struggle in the affirmation of the ethical-
political project, even if it involves crossings
and dilemmas to be put on the agenda of the day.
Keywords: Foundations of Social Service;
Ethnic and Racial Issues; Social Question;
Formation and Professional Work.
Recebido em: 05/09/2022
Aprovado em: 13/11/2022
*Assistente Social, Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (PPGSS/UFRJ); Integrante do Laboratório de Estudos Capitalismo Dependente e Questão Social
no Brasil (LECAD/UFRJ) e da Frente Nacional de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo.
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Introdução
“Eles tentaram nos matar, mas a gente combinamos de não morrer”
Conceição Evaristo - Olhos D’água (2014)
As Diretrizes Gerais para os Cursos de Serviço Social (1996) da Associação Brasileira
de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), é um marco na trajetória sócio-histórica da
profissão no Brasil. Seu resultado é fruto de inúmeros debates coletivos e acúmulos da categoria
profissional, no esteio das reelaborações e concepções em torno da natureza do Serviço Social,
ou seja, o significado social da profissão na trama das relações sociais em idos dos anos 1970,
1980 e 1990.
Consideramos como seu maior legado, a concepção de formação profissional, que de
tal maneira, se articula e orienta um determinado projeto profissional teórico-crítico e sua
relação com projetos societários mais amplos, assim, trazendo direcionamentos às Escolas de
Serviço Social e suas bases formativas no âmbito da graduação e também, na pós-graduação.
Esse importante documento, conforme seus pressupostos norteadores, tem na “Questão
Social” o “fundamento básico da existência” do serviço social, de tal maneira que a profissão
numa perspectiva de totalidade, se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução
da vida social, como uma profissão interventiva no âmbito da “questão social”, expressa pelas
contradições do desenvolvimento do capitalismo monopolista, que inclusive, sofre
configurações históricas que a particularizam e incidem no âmbito do processo de trabalho
profissional (ABEPSS, 1996).
Mas afinal, o que é “Questão Social”? O que a particulariza? Quais suas determinações
na realidade brasileira? Seus elementos na cena contemporânea e rebatimentos nas bases
formativas?
Tais perguntas nos levam a finalidade deste trabalho: a) compreender os elementos
constitutivos da nossa formação econômico-social, trazendo como centralidade a questão
étnico-racial, enquanto chave analítica estrutural e estruturante das relações sociais que
conformam o conjunto da classe trabalhadora no Brasil; b) as determinações para se pensar a
categoria questão-social na história fincada da nossa realidade social, perpassada pelo
racismo/patriarcado/sexismo/LGBTfobia, o que nos coloca desafios fundamentais na cena
contemporânea enquanto profissão nas nossas bases formativas e no trabalho profissional.
Parte-se das mediações postas nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996), compreendendo
o conjunto de direcionamentos em torno de um determinado perfil profissional. Pontuamos que
tais movimentos não o endógenos e ausentes de disputas, contradições e possibilidades,
devendo assim, serem analisados na órbita do conjunto das relações sociais mais amplas que as
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determinam.
Ademais, encontra-se articulado em dois momentos, frente a finalidade anteriormente
expressa: (i) Inicialmente, com o aporte da pesquisa bibliográfica e documental, buscamos
trabalhar a categoria “questão social” orgânica e substancialmente vinculada a Lei Geral de
Acumulação Capitalista (MARX, 1867 [2014]) e suas particularidades na formação
econômico-social brasileira, situada e determinada historicamente, na qual a questão étnico-
racial se apresenta como chave analítica imprescindível na análise da condição concreta da
classe trabalhadora nestes trópicos, o que de pronto, nos possibilita a vinculação com o método
materialista histórico-dialético para a apreensão da questão nacional que presume a mediação
do universal, singular e particular, buscando capturar suas múltiplas determinações
(BEZERRA, et al, 2019)
Em um segundo momento, (ii) buscamos elucidar alguns aspectos mais gerais da agenda
do Serviço Social brasileiro acerca da questão étnico-racial e luta antirracista, e as
determinações para a formação e trabalho profissional na cena contemporânea, partindo do
debate em torno das construções coletivas no âmbito das entidades da categoria e da análise dos
núcleos de fundamentação da ABEPSS, em específico, a fim de compreender a estrutura e
lógica curricular e os desafios frente a “renovação do conservadorismo” na atual quadra
histórica, açambarcada pela crescente crise do padrão de acumulação capitalista e o
tensionamento dos antagonismos das classes sociais fundamentais, que não isenta a profissão
(FONSECA, 2016; SOARES, 2019).
Derradeiramente, à guisa de notas conclusivas, aqui o debate não se esgota, contudo, se
insere na empreitada coletiva, repleta de possibilidades, contradições e desafios; mas certa de
que sua urgência é central e inadiável.
Notas acerca da “questão social” na particularidade da formação econômico-social
brasileira: a centralidade da questão étnico-racial
Neste terreno de análise, não buscaremos esgotar os elementos que conformam e
atravessam esse debate em sua complexidade histórica e social. Traremos algumas notas gerais
para pensar a “questão social” e sua dinâmica na formação econômica-social brasileira, onde a
questão étnico-racial lhe aporta mediações fundamentais, no conjunto das relações sociais mais
amplas.
Pois bem, cabe destacar que a “questão social”, poderíamos dizer a grosso modo, se
vincula diretamente à Lei Geral de Acumulação Capitalista, conforme esboçado por Marx,
analisando a dinâmica expansiva do sistema capitalista (1867 [2014] cap. 23). A seu turno,
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Netto (2001), em célebre artigo denominado cinco notas a propósito da “questão social”,
destaca o aspecto não unívoco desta categoria, o que denota compreensões e leituras com
sentidos bastante diversos
1
.
Partindo da tradição marxista, assim como também, registra-se a elaboração proposta
por Iamamoto (1982; 2001), compreende a “questão social” situada nas malhas históricas da
sociedade capitalista industrial-concorrencial emergente na Inglaterra, no séc. XVIII, como
expressão para nomear um fenômeno novo: o pauperismo.
Denota-se que "pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão direta
em que aumentava a capacidade social de produzir riqueza” (NETTO, 2001, p. 153). Por
derradeiro se a pobreza, a desigualdade, a fome, são fenômenos antecedentes do modo de
produção capitalista, em outras formações sociais, com a dinâmica mesma apresentada nesta
nova quadra histórica “a diferente apropriação e fruição de bens sociais, era radicalmente
nova a dinâmica da pobreza que então se generalizava” (NETTO, 2001).
O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social”
- diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da
“questão social”; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do
capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica
específica do capital tornado potência social dominante. A “questão social” é
constitutiva do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira,
conservando-se o segundo (NETTO, 2001, p. 157).
Por derradeiro, este contexto mais amplo vai condensar os elementos dos conflitos
sociais de interesses antagônicos das classes sociais fundamentais: burguesia x proletariado e
seus distintos projetos no desenrolar da história, principalmente em idos do séc. XIX. O Estado,
como veremos, no processo de desenvolvimento e consolidação do sistema capitalista
(eminentemente um sistema de crises orgânicas), terá papel central na reprodução das relações
sociais e manutenção de equilíbrios instáveis do modo de produção.
Na sua lógica perversa de expansão e agenciador da violência como potência
econômica, em diferentes contextos, ao que pese resguardada as devidas mediações, nos oferece
elementos para se pensar o processo violento de exploração que foi a colonização no continente
africano, americano e mais posteriormente o continente asiático, durante a assim chamada
acumulação primitiva
2
, tendo como um dos seus elementos sociais definidores a escravidão
1
Para um maior debate acerca da “questão social”, consultar: Revista Temporalis, nº 3/2001 e nº 21/2021; Revista
Ser Social 24/2022; GUERRA e BATISTA (2021) - A expressão “questão social” em questão: um debate
necessário ao serviço social.
2
“Acumulação primitiva (“previus accumulation”, em Adam Smith), previa acumulação capitalista, uma
acumulação que não é resultado do modo de produção capitalista, mas seu ponto de partida. Na história da
acumulação primitiva, o que faz época são todos os revolucionamentos que servem de alavanca à classe
capitalista em formação, mas, acima de tudo, os momentos em que grandes massas humanas são despojadas
súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários
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e o saque de ouro (em um primeiro momento), que embora seja um fenômeno antigo, ganha
outros contornos e lógicas com o advento do capitalismo na modernidade, posteriormente
vinculada a ideologia racial, enquanto elemento dinamizador das relações sociais, através de
inúmeras teorias, propiciando a apreensão dos fios condutores do passado-presente, que irão
inclusive, particularizar o Brasil nesta trama, se atendo às determinações gerais e específicas
deste processo (GOÉS, 2021).
É importante destacar o desenvolvimento desigual e combinado
3
na formação do
mercado mundial capitalista e a forma específica que se deu o processo de acumulação de
capital no Brasil em sua origens pretéritas, no período do escravismo pleno (1500-1850) e
escravismo tardio (1850-1888), nos termos de Clóvis Moura (2020)
4
, ainda que aqui, no
fundamental das relações sociais, não se tivesse um modo de produção capitalista que ainda se
formava e se expandia a nível mundial, contudo, o Brasil, cumpria dentro da divisão
internacional do trabalho que se consolidava e a formação deste mercado mundial em expansão,
papel central na acumulação de riqueza além-mar, em todos os períodos e ciclos produtivos na
análise histórica, que ensejará como veremos, posteriormente, na sua dinâmica de dependência
e subordinação aos centros capitalistas hegemônicos, quando da fase superior do capitalismo
Imperialismo, nos dizeres de Lênin (1917 [2021]), que dainclusive, as bases de emergência
e institucionalização do Serviço Social, no âmbito do Estado.
Analisando, o processo de acumulação primitiva do desenvolvimento e expansão do
capitalismo comercial e suas determinações, relacionadas a exportação de produtos produzidos
nas colônias do novo mundo para metrópole, Ianni (1978, p. 3-4), irá pontuar nesta conjectura
que:
Tratava-se de dois processos contemporâneos, desenvolvendo-se no âmbito
do processo mais amplo e principal de reprodução do capital comercial. O
motor desse processo mais amplo era o capital comercial, que subordinava a
produção de mercadorias na Europa e nas colônias do Novo Mundo e em
outros continentes. Em decorrência da maneira pela qual expandia-se o capital
comercial, criavam-se as condições estruturais no seio das quais iria
absolutamente livres. A expropriação da terra que antes pertencia aos produtor rural, ao camponês, constitui a base
de todo o processo. Sua história assume tonalidades distintas nos diversos países e percorre as várias fases em
sucessão diversas e em diferentes épocas históricas. Os todos da acumulação primitiva podem ser qualquer
coisa, menos idílicos” (MARX, [1867] 2013, p. 785 e 787 - grifos nossos).
3
Para aprofundamento da noção de desenvolvimento desigual e combinado, consultar sobretudo: TROTSKY,
León. A História da Revolução Russa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. NOVACK, G. O desenvolvimento
desigual e combinado na história. São Paulo: Sundermann 2008.
4
N.E: Trata-se de uma análise em torno das fases distintas da escravidão elaboradas teórica-metodologicamente
pelo autor. Na primeira fase do escravismo pleno (1500 até 1850, aproximadamente) um processo de
ascendência até a extinção do tráfico internacional de escravos; na segunda fase, denominada escravismo tardio,
decorre um processo descendente de desagregação do escravismo, a partir da Lei Euzébio de Queiroz (1850), Lei
de Terras (1850) e outras medidas de dinamização por parte do Estado, no âmbito da legislação e confrontado pelas
resistências negras, que desembocará na dinâmica de dependência com a entrada na sociedade do trabalho livre.
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desenvolver-se o capitalismo. [...] Foi o capital comercial que comandou a
consolidação e a generalização do trabalho compulsório no Novo Mundo.
Conforme ilustra, Castelo (2021, p. 99) “Os momentos históricos da acumulação
primitiva, típicos das transições entre modos de produção, se transmutam em métodos próprios
do Estado burguês na solidificação das fases posteriores do capitalismo”. Tais métodos de
solidificação do Estado burguês, mediante a racionalidade capitalista e a expansão de mercados,
conforme aponta o próprio Marx (1867), consagra a violência como elemento dinamizador do
capitalismo em sua gênese (Séc. XV) e séculos seguintes que decorrem as fases cíclicas do
sistema capitalista, encontrando no colonialismo eixo elementar de expansão mercantil,
conforme se observa:
Tais métodos, como, por exemplo, o sistema colonial, baseiam-se, em parte,
na violência mais brutal. Todos eles, porém, lançaram mão do poder do
Estado, da violência concentrada e organizada da sociedade, para impulsionar
artificialmente o processo de transformação do modo de produção feudal em
capitalista e abreviar a transição de um para o outro. A violência é a parteira
de toda sociedade velha que está prenhe de uma sociedade nova. Ela mesma
é uma potência econômica (MARX [1867] 2013, p. 821 - grifos nossos).
Por derradeiro, analisando a realidade brasileira (Bezerra, et al, 2019), um fato pouco
abordado, diga-se de passagem, ganha com Moura (1959; 2020), um olhar de denúncia de
determinadas perspectivas de análise histórica e sociológica que negavam em suas elaborações
os antagonismos fundamentais do sistema escravista, onde criava-se uma suposta “cultura de
escravidão”, endógena aos conflitos e contradições sociais fundamentais entre senhores e
escravos.
Os antagonismos sociais, econômicos e étnicos verificados nessa época, as
convergências e divergências ideológicas e de comportamento que surgiram
nesta sociedade são, fundamentalmente decorrentes das posições estruturais e
do dinamismo dessas duas classes no espaço social (MOURA, 2020, p. 32)
Em países como o Brasil, com histórico de processo de exploração colonial e
escravização dos povos originários e veementemente da população negra racializada,
sequestrada de países da costa do continente africano; por quase 400 anos culminará em uma
passagem de ordem do sistema escravista para os marcos dos ditames do capitalismo e o status
de “cidadania regulada”
5
, com inserção na dinâmica de dependência econômica
6
, tensionada
por elementos dinamizadores internos e externos do antigo regime. Tal dinâmica histórica,
5
Para o aprofundamento do debate em torno da noção de “cidadania regulada”, indicamos a obra de SANTOS
(1979).
6
A categoria dependência é trabalhada de forma sistemática pela assim, conhecida Escola da Teoria Marxista
da Dependência (TMD), tendo seus principais nomes: Theotônio dos Santos (1936-2018), Vânia Bambirra (1940-
2015) e Ruy Mauro Marini (1932-1997).
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econômico, político, cultural e social, tendo no Estado um dos elementos dinamizadores
centrais, ensejara um quadro avassalador de desigualdades que substanciam a realidade
nacional na sociedade do trabalho livre e superexploração do proletariado negro, com contornos
próprios inclusive no tempo presente
7
(MOURA, 2019, 2020; SOUZA, 2020; FAGUNDES,
2021).
Com o fim da escravidão formal, em 13 de maio de 1888, através da assinatura da Lei
Áurea (Lei 3.353), fundamentalmente no processo de transição as estruturas sociais foram
mantidas (concentração de terra, o grande latifundio, etc), conformando o padrão de reprodução
do capital, condizente com o estágio de desenvolvimento do mercado mundial e o caráter
dependente do Brasil, nesta dinâmica.
Nos caminhos de Willians (2012), concordamos que se o racismo não cria a
escravidão, é produto direto desta. Em seus temos: “A escravidão não nasceu do racismo: pelo
contrário, o racismo foi consequência da escravidão. O trabalho forçado no Novo Mundo foi
vermelho, branco, preto e amarelo; católico, protestante e pagão” (2012, p. 34).
Esta constatação, exposta, ao nosso ver, se expressa de modo fundamental, à medida
que nos oferece mediações centrais para compreensão da dinâmica do racismo na sua acepção
materialista, vinculado a reprodução das relações sociais no advento da modernidade, por
conseguinte a produção e reprodução ampliada do sistema capitalista, em determinadas
condições sócio-históricas específicas.
Almeida (2019), ao se debruçar sobre o debate da noção de “raça”
8
, observa se tratar de
um conceito histórico e relacional, relacionado a economia e política de diferentes sociedades
contemporâneas.
7
Inúmeros indicadores podem ser consultados que confirma esse quadro aterrador que atravessam a população
negra no Brasil, consultar: trabalho (DIESE, 2020), saúde (BUSS, 2016; FIOCRUZ, 2020) assistência social
(BRASIL, 2018), segurança pública (PACHECO, 2021; Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2021), dentre
outros, se fazem emergentes.
8
O Espírito positivista surgido no século XIX transformou as indagações sobre as diferenças humanas em
indagações científicas [...]. A biologia e a física serviriam como modelos explicativos da diversidade humana: a
ideia de características biológicas - determinismo biológico ou condições climáticas e/ou ambientais -
determinismo geográfico; seriam capazes de explicar as diferenças morais, psicológicas e intelectuais entre as
diferentes raças. (ALMEIDA, 2019; MACIEL, 1999).
Ainda, é importante situar conforme a acepção ontológica, expressa na análise de Lukács (1954 [2020],
p. 577), que “O biologismo, quer na filosofia, quer na sociologia, sempre foi a base de tendências ideológicas
reacionárias. Mas isso nada tem a ver com a biologia enquanto ciência; é antes o resultado das condições da luta
de classes, que deram às tendências reacionárias conceitos e métodos pseudobiológicos como instrumento
adequado de combate à concepção de progresso. Esse emprego de conceitos biológicos desfigurados e deformados
ocorre na filosofia e na sociologia no decorrer da história, seja sob uma forma ingênua, seja refinada, a depender
das circunstâncias. No entanto, podemos afirmar que a aplicação de analogias entre o mundo orgânico, de um lado,
e o Estado e a sociedade, de outro, sempre encerrou a tendência e não por acaso a apresentar a estrutura da
respectiva sociedade “conforme a natureza” [...]”.
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Sua emergência na era moderna, está organicamente vinculada ao movimento da
história e as alterações profundas que vinham ocorrendo, no modo de produção e no campo do
conhecimento “falar de como a ideia de raça ganha relevância social demanda a
compreensão de como o homem foi construído pela filosofia moderna” (ALMEIDA, 2019, p.
25).
Ainda, observa, conforme categoria aludida, que a especificidade da dinâmica estrutural do
racismo está ligada às particularidades de cada formação social, manifestando-se: a) de forma
circunstancial específica; b) em conexão com as transformações sociais.
o racismo, de acordo com essa posição, é uma manifestação das estruturas do
capitalismo, que foram forjadas pela escravidão. Isso significa dizer que a
desigualdade racial é um elemento constitutivo das relações mercantis e de
classe, de tal sorte que a modernização da economia e até seu
desenvolvimento podem representar momentos de adaptação dos parâmetros
raciais a novas etapas da acumulação capitalista (ALMEIDA, 2019, p. 184 -
grifos nossos).
Por certo, a questão étnico-racial constitui eixo central e dinamizador das relações
sociais no sistema capitalista, com desenho próprio e específico na formação social e histórica
de cada país, haja vista, as determinações concretas da exploração/dominação de classe
diferenciadas pela inserção na divisão internacional do trabalho no desenvolvimento das forças
produtivas.
O Estado brasileiro, teve papel central na mediação dos conflitos sociais postos na
ordem do dia. Tal conjuntura, era permeada pela emergência do modelo econômico
desenvolvimentista e a construção de uma noção de Estado-Nação, vinculada a projetos de
construção de uma identidade nacional, onde o sujeito negro racializado era exortado, enquanto
elemento de atraso, impedimento ao progresso. Nesta seara irão despontar tendências
ideológicas vinculadas ao branqueamento da população via miscigenação, “mito da democracia
racial” assimilacionismo, aculturação, dada diferentes tendências neste campo, vinculadas a
projetos de nação. Cita-se ainda, a presença de teses eugênicas
9
sobre as raças humanas, com
forte cariz positivista nos campos do direito, medicina, antropologia (GOES, 2018).
Por certo, em concordância com Souza (2016, p. 90):
Não se define a ideologia mediante a identificação da veracidade ou falsidade
de um conjunto de ideias. O que caracteriza a categoria da ideologia é uma
determinada função social e, por isso, só pode ser corretamente definida à luz
de critérios ontológicos.
9
No Brasil destacam-se como os principais disseminadores desta vertente, Silvio Romero, Raimundo Nina
Rodrigues, Renato Kehl e Miguel Couto (GOES, 2018).
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Neste processo, constata-se que a ideologia de reprodução do racismo no Brasil,
manifesta no “mito da democracia racial”, como destacado, congrega elementos de ocultação
das determinações sociais; naturalização de fenômenos sócio-históricos; ancorada numa
legitimação e justificativa; na noção de nação condiciona interesses particulares como interesse
geral.
Por certo, nesta linha argumentativa, ao que pese, as respostas do Estado à "questão
social” se dão no campo das políticas sociais
10
, que exercem funções sicas (Econômica,
Social e Política) e no flerte entre o consenso e a repressão, determinada pela organização e
incidência da classe trabalhadora, contudo, é atravessada por limites, possibilidades e
contradições na seara do sistema capitalista. É o que demonstra Ferreira (2020), com arguta
análise em sua Tese de Doutorado Raça e nação na origem da política social brasileira:
União e Resistências dos trabalhadores negros, evidenciando o surgimento da política social,
seus atravessamentos e incidência das/os trabalhadores/as negros/as do ponto de vista de redes
de solidariedade e proteção social, grande contingente a margem do sistema produtivo e/ou
inserido em determinados postos de trabalho mais precarizados no advendo do séc. XIX e XX
no Brasil.
Essa condição concreta da classe trabalhadora, como ilustra Ferreira (2020), nos permite
fazer a crítica e ir na contramão da perspectiva que concebem falsas polêmicas e dicotomias do
famoso: o que vem primeiro: Raça ou Classe? o que inclusive abre espaço para perspectivas
teóricas que focalizam o debate, com traços identitários e conservadores em suas distintas
tendências. Do ponto de vista da dimensão histórica-concreta no Brasil, uma quase total
identidade histórica entre o ser trabalhador e ser negro. Embora sendo categorias sociais
distintas, encontram-se organicamente fundidas na sua diversidade.
[...] a não apropriação teórica e política da dinâmica concreta da classe
trabalhadora brasileira, na sua existência própria, diversa e multifacetada,
oculta, não apenas, as lutas e as condições das/os trabalhadores/as negros/as e
dos povos originários, como inviabiliza uma análise concreta sobre as
particularidades da luta de classes como um todo e da própria história do
trabalho no país (SOUZA, 2021, p. 33).
Da mesma forma, Martins (2017, p. 275), afirma que “a luta antirracista no Brasil foi/é
a expressão de um lugar do/a negro/a determinado pelo racismo: à margem da cidadania
regulada e dos processos organizativos a que são vinculadas as respostas do Estado à “questão
10
“As políticas sociais traduzem sempre uma tensão contraditória entre os imperativos da reprodução do capital
por um lado e, por outro, as necessidades da reprodução da força de trabalho, para o que os gastos blicos são
fundamentais. Esse caráter contraditório do Estado e da política social, cujo chão é a sociedade de classes, estende-
se também à análise da profissão” (IAMAMOTO, 2019, p. 449).
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Por certo a posição aqui tomada, não entende a questão étnico-racial enquanto um
reflexo ou uma expressão da “questão social”. O método materialista histórico e dialético nos
convida a pensar as categorias de análise imbricadas no movimento da realidade, a relação
universal-singular-particular na sua totalidade e as contradições orgânicas e relacionais dos
fenômenos, o que determina as especificidades e contornos objetivos da “questão social” nestes
trópicos. Lembremos que a classe trabalhadora na sua dimensão concreta é diversa devamos
não ter medo de entender a diversidade, as identidades não como elementos de divisão de
classe, do contrário, estabelecendo as mediações, horizontes e conteúdo do debate, ou seja, seus
fundamentos. Essa posição é emergente e inadiável, inclusive sendo feita por inúmeras/os
teóricos da tradição marxista
11
, considerando que, no conjunto mais amplo das relações sociais,
a luta antirracista, a luta antipatriarcal, a luta antilgbtfóbica, imersas na dinâmica da
exploração/opressão de classe e de suas resistências e revoltas, também, é capturada por
tendências conservadoras e pós-modernas, que no limite repõem o problema dentro da ordem
que o estrutura o sistema capitalista.
Seguindo, veremos na sequência de forma mais detida, alguns elementos gerais para
pensar a centralidade da agenda antirracista no âmbito da categoria profissional e os acúmulos
históricos constitutivos, seus atravessamentos e mais específicamente nos deteremos algumas
reflexões acerca do papel da ABEPSS no escopo formativo e na análise das Diretrizes
Curriculares (1996), postulando um determinado perfil profissional almejado, naquilo que tem
de mais rico a perspectiva da totalidade expressa na indissociabilidade dos núcleos de
fundamentação, estrutura e gica curricular; o que nos permitira estabelecer as mediação em
relação a questão étnico-racial.
Diretrizes curriculares na enseada de um projeto de formação profissional
antirracista: horizontes coletivos possíveis
A pauta acerca das relações étnico-raciais, não é um debate recente no âmbito do Serviço
Social brasileiro, que se consolida enquanto profissão e área do conhecimento (NETTO, 2009;
MOTA, 2013), estando presente em toda biografia da profissão de forma direta e indireta (Silva
Filho, 2006; Pinto, 2003; Ferreira, 2010; Leon-Días 2016), haja vista, a profissão não ser
endógena
12
aos processos sociais mais amplos na trama das relações sociais que a inscrevem
11
Ver: HAIDER (2018); MANOEL; LANDI (2019); E-book de marxismo21: Racismo, etnia e lutas de classes no
debate marxista; MOURA, 1994.
12
N.E: No âmbito do Serviço Social brasileiro existe intenso debate acerca da natureza da profissão, acerca do
seu significado social. Destaca-se a perspectiva endogenista: que situa a profissão “fora da história”, como sendo
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na dinâmica capitalista na particularidade da formação econômico-social brasileira, como
demonstrado anteriormente.
Na literatura (Ferreira, 2010; Leon-Días, 2016) registra-se um possível pioneirismo na
pessoa de Sebastião Rodrigues Alves: Assistente Social, militante do movimento negro que em
1966 como fruto de seu trabalho de conclusão de curso tem publicado o livro “Ecologia do
grupo afro-brasileiro”
13
(IPEAFRO, s/d); se apresenta como um importante marco na trama
sócio-histórica, ainda, considerando o contexto da obra e do Serviço Social, naquela conjuntura,
caracterizada por fortes influências culturalista e de integração do negro na sociedade
emergente. Destacamos também, o nome imprescindível de Maria de Lourdes Vale Nascimento
(1924-1995): Assistente Social, Professora, Jornalista e Ativista do Movimento Negro
(XAVIER, 2020).
Aliado ao exposto, contudo, é na década de 1980 e 1990 que este debate começa a ser
pautado de forma mais direta e central por profissionais e estudantes, inseridas/os ao movimento
negro e de mulheres negras; seja nas produções e sistematizações teóricas e/ou nos espaços de
debate da categoria profissional e movimento estudantil, preocupados com ações de combate
às opressões de raça e etnia e na luta antirracista, tendo como importante marco histórico o VI
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais de 1989, realizado em Natal-RN cujo tema
central “Serviço Social: as respostas da categoria aos desafios conjunturais”. Neste período,
ainda eram apresentadas “teses” uma forma de comunicação, aprovada e deliberada em
assembleia.
Magali da Silva Almeida, Assistente Social, professora aposentada da UERJ, uma das
pioneiras e grande referência no debate acerca das relações étnico-raciais no Serviço Social
brasileiro, em entrevista concedida a Janoário, Rocha e Dias (2013), pontua que no pré-CBAS,
realizado na UERJ, no mesmo ano, juntamente com Fátima Cristina Rangel Sant’Anna,
defenderam a tese, intitulada “Serviço Social e os Bastidores do Racismo”; abordando
“[...] as expressões da questão social e as determinações do racismo no marco do capitalismo.
A relação raça e classe” (Almeida, 2013), contudo, não havia no CBAS um Grupo de Trabalho
uma evolução das diferentes formas de ajuda até sua institucionalização, remetendo a períodos remotos, na
Antiguidade e Idade Média, ainda que nesta perspectiva hajam diferenças teórico-metodológicas de análise.
perspectiva exógena / histórico-crítica: situa a profissão na trama das relações sociais da sociedade capitalista,
situando-a como um dos elementos que que participa das relações sociais de classe, afirmando-se como um tipo
de trabalho coletivo, ancorada numa relação de assalariamento e relativa autonomia no âmbito das instituições
contratantes, dentre outros elementos (MONTÃNO, 2007; IAMAMOTO, 2014; NETTO, 2011; GOIN, 2019).
13
O trabalho pioneiro de Rodrigues Alves, cujo propósito como escreve é se dedicar aos estudos e pesquisa acerca
das condições sociais do Negro no Brasil, é caracterizado em três partes: I - Das Teorias Raciais e Seus Efeitos
Através dos Séculos; II - O elemento afro-brasileiro, A proclamação e o Reconhecimento dos Direitos
Fundamentais da Pessoa Humana em face do Serviço Social; III - Ao Serviço Social compete solicionar o “caso”
afro-brasileiro. (RODRIGUES-ALVES, 1966, p. 5).
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(GT), específico, sendo incorporado no eixo geral “Análise de Conjuntura Econômica,
Política e Social na Realidade Brasileira e no Contexto Latino-Americano Referenciado ao
Capitalismo Internacional”; que trouxe várias frentes relacionadas à discussão da temática
étnico-racial no Serviço Social “elementos como diversidade, racismo, desigualdade,
machismo foram abordados e ressaltados como imprescindíveis à formação e trabalho
profissional” (ALMEIDA, ROCHA, BRANCO, 2019, p. 177). destacando-se o
protagonismo de mulheres negras
14
no serviço social, na defesa da pauta, acerca da centralidade
de uma agenda antirracista na profissão (LIRA, 2020).
Era um contexto marcado pelo influxos do movimento de reconceituação do Serviço em
idos dos anos 1970 e 1980, e de aproximação com a perspectiva teórico-crítica e intenção de
ruptura com o tradicionalismo e suas manifestações conservadoras até então hegemônico nas
bases históricas da profissão, que irá culminar nos anos 90, na elaboração de um conjunto de
instrumentos legais que conforma o Projeto Ético-Político do Serviço Social brasileiro (Lei de
Regulamentação da Profissão e Código de Ética Profissional - 1993, Diretrizes Curriculares -
1996), não suprimida disputas e divergências, em relação aos projetos de formação profissional;
matriz teórica, metodologia, dentre outros debates.
Ribeiro (2004, p. 151), analisando este contexto pontua que “mesmo no processo de
reconceituação do Serviço Social, onde se destaca a abordagem dialética, as relações raciais são
invisibilizadas no bojo da análise de classe”. Ao que pese esta premissa, postulamos, que este
aprofundamento, foi possível, diga-se de passagem no avanço na interlocução e
espraiamento com o referencial da teoria social de Marx, compreendendo às determinações
postas na realidade brasileira e do serviço social na história.
Concordamos com Netto (1999, p. 5) que “todo corpo profissional é um campo de
tensões e lutas. A afirmação e consolidação de um projeto profissional em seu próprio interior
não suprimem as divergências e contradições”. De tal maneira, o tensionamento educativo-
político se faz fundamental, como afirma Moreira (2019, p. 95)
[...] essa necessidade se expressa na medida em que não é hegemônico o
entendimento da profissão acerca do reconhecimento da questão étnico-racial
enquanto elemento que deve ser fundamental e estruturante da formação
profissional.
Nestas linhas, importa destacar que a ausência de centralidade do debate acerca da
questão étnico-racial na formação e no cotidiano do exercício profissional, tende em alguma
14
Recomendamos os episódios da série Femenagens "Nossos passos vêm de longe! Saudamos as mulheres
negras que enegrecem o Serviço Social", realizado pelo CRESS/SP, os episódios podem ser acessados no canal do
YouTube do conselho. Ainda, indicamos os episódios do Podcast Práxis Preta, disponível na plataforma de
streaming do Spotify e com divulgação das entrevistas no perfil do Instagram – @praxispreta.
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medida a reduzir as demandas mais imediatas a fenômenos ausentes de fundamentos
organicamente constitutivos da totalidade social; na sua dimensão histórica, política e
econômica, a medida que oculta a compreensão de um elemento sine qua non que conforma a
realidade brasileira
15
(COSTA; RAFAEL, 2021).
evidencia-se a questão racial como um dos elementos estruturantes para a
apreensão da dinâmica da sociedade capitalista, considerando como o racismo
se organiza e estrutura as relações de produção e reprodução social, se amplia
na particularidade da formação social brasileira e se manifesta na profissão
por meio da sua reprodução ampliada nas diferentes expressões da questão
social, objeto do Serviço Social (ELPÍDIO, 2021, p. 75).
Ainda, a não adoção de uma perspectiva teórico-crítica de análise dos fundamentos
centrais da questão étnico-racial enquanto determinante e dinamizadora da “questão social” na
particularidade brasileira, o que conforma o conjunto da classe trabalhadora, abre brecha para
disputas teórico-metodológicas no âmbito do próprio Serviço Social, inclusive, o que
condiciona em termos a uma “invasão conservadora” (nas suas diversas expressões e
tendências) nas interpretações e disputas em relação a questão étnico-racial e luta antirracista,
acabando reduzida a individualidades, identitarismo, culturalismo, etc (SANTOS, 2019;
SOUZA, 2020).
é necessário apreender as múltiplas determinações societárias que incidem
indiscutivelmente sobre o trabalho e a formação profissional, pois a face desse
contexto traz em si o horror da barbárie, da mercantilização de todas as coisas,
encobertas pelo fetiche do pensamento ultraconservador e pós-moderno que
se faz presente na reificação do racismo como marca estrutural dessa
sociabilidade (ELPÍDIO, 2021, p. 80).
Nesta premissa, e de maneira geral, destacamos os inúmeros acúmulos que podem ser
observados no interior da agenda da categoria profissional ao longo da história, que vem
adensando este debate Conjunto CFESS-CRESS, ABEPSS e ENESSO, posterior aos anos
1980 - 1990, com um certo avanço nos anos 2000 principalmente depois da III Conferência
Mundial de Combate ao Racismo a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, ocorrida em
Durban, África do Sul no ano de 2001(Marques-Junior, 2013) e acompanhando outros marcos
legais no âmbito das políticas de promoção da igualdade racial e indigenista nos anos 2000, ao
que pese os desafios do tempo presente.
Tais acúmulos são expressos nas deliberações dos Encontros Nacionais do Conjunto
CFESS-CRESS; nas Bandeiras de Luta da Profissão; nos documentos do CFESS Manifesta, na
15
Ver pesquisa preliminar - Gestão Ampliações: Trilhando a luta com Consciência de Classe 2017-2020. Comitê
da Campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo do CRESS/SP. Análise Preliminar dos dados da
Enquete. Tal pesquisa, ainda que preliminar, traz pistas importantes para pensar as demandas e condições concretas
da classe trabalhadora (usuários das políticas públicas), nos espaços sócio-ocupacionais em que atuam as/os
Assistentes Sociais.
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primeira campanha de combate ao racismo - “Assistentes Sociais mudando o Rumo da História”
(2002-2005); nos Cadernos Assistentes Sociais no Combate ao Preconceito, Grupos Temáticos
de Pesquisa no âmbito da ABEPSS; eixos de pesquisa em eventos da categoria como o
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) e Encontro Nacional de Pesquisadoras/es
em Serviço Social (ENPESS); encontros organizativos da ENESSO, dentre outros.
São determinações que se rebatem no âmbito da formação profissional das/os estudantes
no conjunto mais amplo das escolas de Serviço Social no país, tendo nas Diretrizes Curriculares
da ABEPSS direcionamento central.
As Diretrizes Gerais para os Cursos de Serviço Social (1996) da Associação Brasileira
de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), é um marco na trajetória sócio-histórica da
profissão no Brasil. Seu resultado é fruto de inúmeros debates coletivos e acúmulos da categoria
profissional, no esteio das reelaborações e concepções em torno da natureza do Serviço Social,
ou seja, o significado social da profissão na trama das relações sociais em idos dos anos 1980
e 1990
16
.
Consideramos como seu maior legado a concepção de formação profissional, que de
tal maneira se articula e orienta um determinado projeto profissional teórico-crítico e sua
relação com projetos societários mais amplos, assim, trazendo direcionamentos às Escolas de
Serviço Social e suas bases formativas no âmbito da graduação no país.
Esse importante documento, conforme seus pressupostos norteadores, tem na “Questão
Social”, o “fundamento básico da existência” do serviço social, de tal maneira que a profissão
numa perspectiva de totalidade, se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução
da vida social como uma profissão interventiva no âmbito da “questão social”, expressa pelas
contradições do desenvolvimento do capitalismo monopolista, que inclusive sofre
configurações históricas que a particularizam e incidem no âmbito do processo de trabalho
profissional (ABEPSS, 1996).
Na atual quadra histórica, é certo que “os novos perfis assumidos pela questão social
frente à reforma do Estado e às mudanças no âmbito da produção requerem novas demandas de
qualificação […]” (ABEPSS, 1996). Como observa Iamamoto (2014, p. 619):
Decifrar as novas mediações por meio das quais se expressa a “questão social”
hoje é de fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla
16
A “Proposta nacional de currículo mínimo para o Curso de Serviço Social” foi apreciada na II Oficina Nacional
de Formação Profissional e aprovada em assembleia geral da ABESS, entre os dias 7 e 8 de novembro de 1996 -
mesmo ano de aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A proposta de currículo mínimo foi
encaminhada para o Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2002. O Conselho Nacional de Educação
promulga as diretrizes do curso de Serviço Social, “mutilando” os principais elementos que expressavam a
radicalidade dos conteúdos construídos coletivamente pela categoria profissional (ROCHA, 2014, p. 93).
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perspectiva: para apreender as várias expressões que assumem, na atualidade,
as desigualdades sociais sua produção e reprodução ampliada e para
projetar formas de resistência e de defesa da vida e dos direitos, que apontam
para novas formas de sociabilidade.
O deciframento destas determinações, é imprescíndivel e central na atual quadra
histórica brasileira, onde “Amplia-se a criminalização das classes subalternas, especialmente
de jovens, trabalhadores, negros e dos seus movimentos e expressões coletivas” (IAMAMOTO,
2019, p. 456)
Imperando-se neste entendimento, uma formação profissional que implique necessária
articulação das bases teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas, para fins, de
“apreensão crítica do processo histórico como totalidade, tal qual, do significado da profissão
desvelando as possibilidades contidas na realidade” (ABEPSS, 1996, p. 07).
O projeto de formação profissional apresentado nas Diretrizes, articula 03 (três) cleos
de Fundamentação, que buscam dar sustentação e indissociabilidade aos componentes
curriculares e direcionamento formativo: a) Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da
vida social; b) Núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da
sociedade brasileira; c) Núcleo de fundamentos do trabalho profissional.
[...] estes três núcleos congregam os conteúdos necessários para a
compreensão do processo de trabalho do assistente social, afirmam-se como
eixos articuladores da formação profissional pretendida e desdobram-se em
áreas de conhecimento que, por sua vez, se traduzem pedagogicamente através
do conjunto dos componentes curriculares, rompendo, assim, com a visão
formalista do currículo, antes reduzida à matérias e disciplinas. [...] Esta nova
estrutura curricular deve refletir o atual momento histórico e projetar-se para
o futuro, abrindo novos caminhos para a construção de conhecimentos, como
experiência concreta no decorrer da própria formação profissional (ABEPSS,
1996, p. 8 - 9).
a) O Núcleo de Fundamentos Teórico-metodológicos da Vida Social, indica pressupostos de
compreensão da totalidade histórica-social, no processo formativo de maneira crítica e
orientada ética e politicamente que subsidia aos futuros/as assistentes sociais em seu exercício
profissional a apreender a analisar as realidades dos sujeitos sociais. “Assim, a formação deve
oferecer um caminho metodológico articulado ao projeto ético-político que assegure tal
conhecimento crítico” (CONCEIÇÃO, 2013, p. 92).
b) O Núcleo de Fundamentos da Particularidade da formação sócio-histórica da Sociedade
Brasileira, este remete ao conhecimento da formação econômica, social, política e cultural
deste contexto, considerando as particularidades do Brasil (ABEPSS, 1996), o que aponta para
centralidade dos determinantes étnicos e raciais enquanto chave analítica central e
dinamizadora da nossa formação econômico-social, presente no conjunto das relações sociais.
c) O Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional, por sua vez, evidencia a especificidade
de inserção profissional na especialização do trabalho coletivo, articulando os elementos dos
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fenômenos sociais na dinâmica dos espaços institucionais e os instrumentos, técnicas e recursos
interventivos, bem como, o direcionamento do exercício profissional ancorado em um
arcabouço teórico-metodológico, técnico-operativo e de natureza ético-política (ABEPSS,
1996).
As escolas de Serviço Social, tem nas Diretrizes Curriculares de 1996 documento
central na elaboração de suas propostas curriculares, e outros documentos que vieram ao longo
da história, enquanto construções coletivas no âmbito da categoria profissional, mas
precisamente a partir dos anos 2000 no âmbito da ABEPSS, mediante produções dos Grupos
Temáticos de Pesquisa (GTPs)
17
; e mais recente a elaboração dos documentos - Subsídios para
o debate sobre a questão étnico-racial na formação profissional em Serviço Social (2018) e As
cotas na pós-graduação: orientações da ABEPSS para o avanço do debate (2018).
Se atendo ao direcionamento do documento Subsídios para o debate sobre a questão
étnico-racial na formação profissional em Serviço Social (2018), pontua-se seu direcionamento,
tal qual:
Evidenciar a necessidade sócio-histórica do debate acerca da questão étnico-
racial na formação em Serviço Social, na perspectiva de totalidade; Subsidiar
conteúdos programáticos aos currículos de Serviço Social para
implementação de disciplinas obrigatórias, optativas, laboratórios e oficinas
na graduação e linhas de pesquisa e disciplinas na pós-graduação; Direcionar
e fomentar atividades de educação permanente aos profissionais, docentes e
discentes, articulando trabalho e formação; Estimular a criação de grupos de
pesquisa e de produção de conhecimento na formação graduada e pós-
graduada (ABEPSS, 2018, p. 12).
Os objetivos diretos deste documento, são de fundamental avanço ao menos do ponto
de vista de articulações que substanciam a presença das discussões relativas à temática étnico-
racial no processo de formação e trabalho profissional, a nível de graduação, pós-graduação e
formação permanente numa perspectiva de totalidade.
Compreende que a temática étnico-racial:
[...] se apresenta como mediação fundamental do objeto da profissão, qual
seja, as diferentes expressões da questão social e a efetiva promoção de ações
concretas para a sua superação, enfrentamento com base em uma educação e
formação profissional antirracista. [...] a inclusão nos conteúdos de disciplinas
e em atividades curriculares dos temas sobre Educação das Relações Étnico-
17
Na edição da Revista Temporalis - Crise Capitalista, Questão Social no Brasil e Diretrizes Curriculares da
ABEPSS v. 21 n. 42 (2021), tem uma seção específica que traz os acúmulos do debate da questão social nos GTPs
da ABEPSS. Sendo respectivamente os seguintes GTPs: i)Trabalho, Questão Social e Serviço Social; ii) Política
Social e Serviço Social; iii) Serviço Social: Fundamentos, Formação e Trabalho Profissional; iv) Movimentos
Sociais e Serviço Social; v) Questões Agrária, Urbana, Ambiental e Serviço Social; vi) Serviço Social, Relações
de Exploração/Opressão de nero, Feminismos, Raça/Etnia e Sexualidades; vii) Ética, Direitos Humanos e
Serviço Social; viii) Serviço Social, Geração e Classes Sociais; o que demonstra sua centralidade e
transversalidade, no conjunto das relações sociais que conforma a profissão nas suas bases formativas e do trabalho
profissional.
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Raciais e dos conhecimentos de matriz africana e/ou que dizem respeito à
população negra é premente no processo de formação em Serviço Social
(ABEPSS, 2018, p. 16 , 17 e 20 - grifos nossos).
Estes direcionamentos políticos em relação a luta antirracista e formação profissional
permanecem na agenda coletiva da ABEPSS, conforme o Plano de Lutas 2021-2022 da Gestão
“Aqui se Respira Luta”, dando prosseguimentos nos acúmulos coletivos construídos e
anteriormente evidenciados
18
.
O tempo mais recente nos brinda com outros marcos centrais que têm adensado este
debate no interior da profissão, com especial destaque a centralidade da Campanha do conjunto
CFESS-CRESS no triênio 2017-2020 Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, a recém
lançada Nota cnica sobre o trabalho de assistentes sociais e o quesito raça/cor/etnia (2022);
no lançamento em dezembro de 2020 da Frente Nacional de Assistentes Sociais no Combate
ao Racismo na ocasião do I Simpósio Serviço Social e Relações Étnico-Raciais: construindo
uma plataforma antirracista, organizado pela UNIFESP/SP, um importante marco no interior
do Serviço Social brasileiro, cujo surgimento como bem menciona, o manifesto construído e
lido durante o evento, se deu, afim de “incidir sobre os espaços da categoria, buscando
fortalecer e avançar coletivamente em ações antirracistas na formação e exercício profissional
do Serviço Social” (Manifesto Frente Nacional de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo,
2020, p. 3).
Observa-se ainda, outros acúmulos e movimentações, com destaque para o legado
histórico do GERESS Grupo de Estudos das Relações Étnico-Raciais, fundado em 2009, na
cidade de São Paulo/SP; o papel da ENESSO, destarte a campanha “Numa sociedade racista,
não basta não ser racista, é preciso ser antirracista” (2019), a realização do Seminário Nacional
de Formação Profissional e Movimento Estudantil de Serviço Social A virada agora é Preta!
40 anos do Congresso da Virada: por uma uma práxis antirracista (2020), dentre outras
movimentações históricas; ainda, citamos o papel dos coletivos de estudantes negras/os do
Serviço Social nas universidades, como o coletivo da UFSC Professora Magali Almeida e o
Coletivo Negro do Serviço Social Ivone Lara UFRJ, que sem dúvida tem tensionado
historicamente as bases da academia, ao que alude um currículo que paute o debate acerca desta
18
A exemplo, destacamos: b) Ações político acadêmicas e fortalecimento da graduação: Item 12 - Divulgar e
acompanhar o debate sobre o documento “Subsídios para o debate sobre a questão étnico-racial na formação em
Serviço Social”, nas UFA´s. c) Ações político acadêmicas para pós-graduação: Item 14 - Acompanhar e estimular
a implementação da Política de Cotas para populações camponesas, negras, indígenas, quilombolas, com
deficiência e trans (transexuais, transgêneros e travestis) nos Programas de Pós-Graduação da área de Serviço
Social; Item 15 - Incidir para uma ampla revisão programática na estrutura curricular dos programas de pós-
graduação em Serviço Social, com a inclusão de autores negros/ as/es nas disciplinas e demais atividades
programáticas contribuindo, assim, para a ruptura do apagamento da produção intelectual negra.
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matéria de forma central e transversal, bem como, incidindo na agenda das lutas pela
implementação e ampliação das políticas de ação afirmativa (graduação, pós-graduação,
ingresso de corpo docente); a articulação dos Centros e Diretórios Acadêmicos; imersão de
grupos de pesquisa e extensão, como o PROAFRO (UERJ), Grupo Aya (UFRGS),
Aquilombando a Universidade fluxos educativos entre Brasil, Angola e Moçambique (UEL)
dentre outros; a imersão dos Comitês de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo durante e
pós-campanha de gestão do Conjunto CFESS-CRESS (2017-2020), cita-se os Comitês,
vinculados aos CRESS: São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e a necessidade de
ampliações em outros Estados
19
.
Feito este resgate, ainda que de forma bastante geral e objetiva, a maneira que aqui não
se esgota; é premente a construção coletiva de debates e proposições vindouras a serem
articuladas no âmbito da formação e trabalho profissional, nas trincheiras do serviço social
brasileiro, ao que pese, a atual quadra histórica de aprofundamento da crise capitalista na sua
perversidade própria “enquanto máquina de moer gente”, atravessada pelo
conservadorismo, enquanto ideologia das crises (Souza, 2016) e suas tendências e
manifestações concretas: positivismo, pós-modernidade, utilitarismo, pragmatismo, etc
(GUERRA, 2020), o que opera disputas no âmbito da categoria e perspectivas teórico-
metodológicas na apreensão da realidade, inclusive na leitura dos fenômenos sociais,
encerrando a apreensão dos fundamentos a factualidades, aparência, imediatismos, especifismo
e isolacionismo temático ao que alude compreensões distintas acerca da “questão social”, da
questão étnico-racial, os elementos que conformam a profissão e a dinâmica dos processos
formativos e do trabalho profissional, na sua condição de agente assalariado, relação com as/os
usuários e outras profissões.
Considerações finais
No artigo em tela, buscamos apresentar algumas determinações que conformam o
debate em torno da “questão social”, bem como, apreender os nexos da dinâmica do sistema
capitalista e a particularidade do processo de produção e reprodução social na realidade
brasileira, o que nos convida a olhar nossa história fincada estruturalmente nos processos de
colonização e escravismo, que mesmo após a desagregação do sistema escravista, conflui
objetivamente para a inserção subordinada e dependente do Brasil na divisão internacional do
19
Consultar: Carta das/os Assistentes Sociais e dos Comitês de Luta Antirracista ao Conjunto CFESS/CRESS,
publicada no relatório final do 49º Encontro Nacional do Conjunto CFESS-CRESS, realizado entre os dias 08 e
11 de Setembro de 2022, em Macéio-AL.
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trabalho na sua fase imperialista a nível mundial; que tem na ideologia do racismo, um dos seus
elementos de dinamização das relações sociais, como demonstramos ao discutir as respostas do
Estado a “questão social”.
Desta feita, é possível ilustrar um quadro, ainda que bastante geral e introdutório em
torno do Serviço Social, enquanto profissão historicamente determinada, atravessada pela
dinâmica mesma em que se situa na trama da produção e reprodução das relações sociais, que
não escapam dos ditames da realidade concreta, permeada pela especificidade da dinâmica das
classes sociais fundamentais.
A apreensão em torno do racismo na sua dinâmica histórica, enquanto elemento
estrutural e estruturante da sociabilidade capitalista e os desdobramentos que particularizam a
realidade brasileira, é chave analítica que perpassa a profissão direta e indiretamente, nas suas
origens até a atual quadra histórica, com determinações distintas, mas prementes de disputas
em torno da formação (graduada e pós-graduada), nas instituições de ensino (presenciais, Ead,
públicas e privadas); no trabalho profissional, no conjunto de espaços sócio-ocupacionais, nas
relações diretas com outras profissões e parcela da classe trabalhadora (usuários/as)
demandante das políticas públicas; na própria agenda coletiva das entidades (Conjunto CFESS-
CRESS, ABEPSS e ENESSO).
Nestas linhas conclusivas, é premente que este debate e sua centralidade, não seja tarefa
individual apenas das/os estudantes e profissionais negras/os inseridos com a discussão de
forma tematizada, em espaços, eventos, organizações do movimento negro; todavia, como
defende Ribeiro (2004, p. 159), que seja tratado por toda categoria [...] como uma área
investigativa e de conhecimento”, sem perder de vista a realidade social concreta e suas
contradições, assim contribuindo de forma séria e comprometida na agenda antirracista do
serviço social brasileiro, com vistas ao fortalecimento do projeto ético-político, nas bases
formativas e do trabalho profissional, ao que pese esta premissa; exigindo um olhar atento,
ousado e necessário diante das determinações históricas e ao movimento do real que nos
particulariza, enquanto país de passado escravista e de capitalismo dependente, que subjaz
determinações no tempo presente.
Por certo, considerar uma perspectiva hegemônica no interior da profissão e sua
necessária defesa enquanto construção coletiva, na atual quadra histórica de recrudescimento
do conservadorismo no seu caráter mais reacionário (Mota; Rodrigues, 2020); também, em
outra via de análise, pressupõe olharmos no seu cerne e entender o conjunto de contradições
próprias que determinam disputas de hegemonia no seu interior, ou seja, não é possível falar
em um Serviço Social monolítico, ausente de disputas internas, onde todo mundo pensa igual,
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o que seria cair numa auto imagem desistoricizada, romântica e pseudo-política da profissão e
do seu corpo profissional; não vinculada às relações sociais mais amplas que conformam a
dinâmica de sociabilidade capitalista, atravessada por tendências do conservadorismo,
expressões do machismo, do racismo, da lgbtfobia, do capacitismo, dentre outras; bem como,
as diferentes estratégias e táticas de resistências; relações estas que as/os profissionais não se
isentam direta ou indiretamente nos mais variados espaços sócio-ocupacionais e nas dinâmicas
formativas. De tal, sorte “[...] é, somente, por meio da construção coletiva, na afirmação da
radicalidade da luta anticapitalista e antirracista, que é possível a disputa do direcionamento
real da formação profissional” (SOUZA, 2020, p. 388).
Por derradeiro, é “colocando nosso bloco na rua…” na construção conjunta, com quem
segue firme, de mão dada, no mesmo rumo, afinal eu não ando só…”, que se torna possível
dialogar e refletir os desafios do presente com direção a mudanças vindouras o que perpassa
uma perspectiva de formação e trabalho profissional fundamentalmente antirracista, ao que
pese um olhar atento a realidade concreta da formação social brasleira e as tramas do tempo
presente, fortalecendo a direção política e social da profissão, na afirmação do projeto ético-
político profissional e sua necessária vinculação a projetos societários emancipatórios, mais
amplos. Sigamos!
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