DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22.38033
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 01-15, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
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A História pelo Avesso: uma pesquisa
internacional “em rede” de pesquisadores/as
History in Reverse: an international research “in a network” of researchers
Cláudia Mônica dos Santos*
Marilda Villela Iamamoto**
Resumo: Esse artigo tem por finalidade
apresentar a pesquisa intitulada “O Movimento
de Reconceituação do Serviço Social na
América Latina: determinantes históricos,
interlocuções internacionais e memória (1960-
1980)” , que traz grande inovação no
desenvolvimento de uma pesquisa “em rede”,
em âmbito nacional e internacional. A pesquisa
em rede possibilita e fortalece as relações de
cooperação e intercâmbio entre as universidades
e países envolvidos. Igualmente, ela é crucial
para o processo de internacionalização dos
Programas de Pós-Graduações e para
aperfeiçoamento do projeto de profissão de
Serviço Social no Brasil tanto na formação
acadêmico - profissional quanto no trabalho dos
Assistentes Sociais. Vem assim contribuir à
integração entre ensino de graduação e pós-
graduação, ao envolver pesquisadoras/es
docentes e discentes de ambos os níveis de
ensino. Esse artigo consta de (1) apresentação
da proposta de pesquisa; (2) explicitação da
trajetória da pesquisa e (3) considerações finais
e prospectivas.
Palavras-chaves: Pesquisa em Rede; Serviço
Social; Internacionalização.
Abstract: This article aims to present the
research entitled “The Movement for
Reconceptualization of Social Work in Latin
America: historical determinants, international
dialogues and memory (1960-1980)”, which
brings great innovation in the development of a
“network” research, at a national and
international level. Network research enables
and strengthens cooperation and exchange
relations between universities and countries
involved. Equally, it is crucial for the process of
internationalization of Postgraduate Programs
and for the improvement of the Social Work
profession project in Brazil, both in academic-
professional training and in the work of Social
Workers. It thus contributes to the integration
between undergraduate and graduate education,
by involving researchers/teachers and students
from both levels of education. This article
consists of (1) presentation of the research
proposal; (2) explanation of the research
trajectory and (3) final and prospective
considerations.
Keywords: Network Research; Social Work;
Internationalization
Recebido em: 25/04/2022
Aprovado em: 03/06/2022
* Assistente Social; doutora em Serviço Social pela ESS/UFRJ; Professora convidada do PPGSS/UFJF.
** Assistente Social; doutora em Ciências Sociais pela PUC/SP; mestre em Sociologia Rural pela USP/USP;
Professora do PPGSS/UERJ.
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Introdução
O presente artigo tem por finalidade apresentar a pesquisa intitulada “O Movimento de
Reconceituação do Serviço Social na América Latina: determinantes históricos, interlocuções
internacionais e memória (1960-1980)”
1
, que traz grande inovação no desenvolvimento de uma
pesquisa “em rede”, em âmbito nacional e internacional. A pesquisa “em rede” é mais do que
um agregado sistemático de pesquisadores/as em torno de uma temática comum e
geograficamente delimitada. São pesquisadores/as reunidos/as num mesmo projeto de pesquisa
central, - que partilham de seu objeto de estudo, delimitação temporal, orientação teórico-
metodológica e de procedimentos de coleta de dados de pesquisa. Esse projeto central desdobra-
se em subprojetos temáticos que abrangem dimensões das temáticas em suas particularidades
internacionais, nacionais e ou regionais. A pesquisa em rede assim compreendida possibilita e
fortalece as relações de cooperação e intercâmbio entre as universidades e países envolvidos.
Igualmente, ela é crucial para o processo de internacionalização dos Programas de Pós-
Graduações e para aperfeiçoamento do projeto de profissão de Serviço Social no Brasil tanto
na formação acadêmico - profissional quanto no trabalho dos Assistentes Sociais. Vem assim
contribuir à integração entre ensino de graduação e pós-graduação, ao envolver
pesquisadoras/es docentes e discentes de ambos os níveis de ensino.
O objeto dessa pesquisa destaca o intercâmbio com pesquisadores de alguns países da
América Latina e de países europeus. Um de seus diferenciais é o fato de que, desde a
formulação de seu projeto fundador, tem como propósito o trabalho em rede, com participação
internacional, congregando: Brasil Chile/ Colômbia e Portugal. A importância de constituição
de um grupo de pesquisadores internacional, desde a elaboração do projeto, foi registrada no
projeto submetido ao Conselho Nacional de desenvolvimento científico e tecnológico (CNPq),
como uma das metas da pesquisa: “Criação de uma Rede Internacional de Pesquisa em
Fundamentos do Serviço Social com a participação de 15 instituições universitárias de quatro
países latino-americanos (12 instituições) e dois europeus (03 instituições)” (IAMAMOTO et
al., 2016), conforme detalhado no corpo desse artigo.
Entretanto a ideia de “rede de pesquisa foi sendo amadurecida e superada para a
concepção de “pesquisa em rede”, tal como vem ocorrendo: uma pesquisa de interesse comum,
desenvolvida por pesquisadores/as de várias regiões do Brasil, demais países da América Latina
1
Pesquisa apoiada pelo CNPq, edital Processo: 421744/2016-2 Chamada Pública: Universal 01/2016 e pela
CAPES, através dos Programas de Pós-Graduações integrantes da pesquisa e de verba do PAEP, processo:
88881.289531/201801, para organização do IV Simpósio Internacional de pesquisadores/as, ocorrido, em 2019,
na UFJF.
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e do continente europeu, contudo garantindo seus diferentes interesses em torno dessa temática
comum e, portanto, reconhecendo a especificidade de cada subprojeto que a constitui,
identificados ao final deste artigo.
Sem dúvida alguma sabemos que uma “pesquisa em rede” possibilita a criação de uma
“rede de pesquisadores”: que desenvolver uma pesquisa com diferentes instituições, países e
continentes´ enriquece e aprofunda estudos sobre o Serviço Social na histórica como ângulo de
leitura dos fundamentos do Serviço Social, inaugurando um caminho para a criação de uma
“rede de pesquisadores sobre os fundamentos do Serviço Social”.
Desde a década de 1960, o Serviço Social vem salientando a importância da
investigação sobre a realidade vivida pela população que necessita de seus serviços. Na década
de 1990 essa recomendação se expressa nas diretrizes de nosso projeto de formação acadêmico-
profissional em Serviço Social reconhecendo sua transversalidade a todo o currículo. Na atual
conjuntura brasileira, afirmamos a centralidade da investigação na formação e no exercício
profissionais, visto que, além de possibilitar uma fecunda integração entre o ensino de
graduação e pós-graduação, contribui para a afirmação do Serviço Social enquanto profissão
socialmente reconhecida e legitimada e enquanto área de conhecimento ou disciplina ante a
comunidade científica. A integração entre investigação, ensino e exercício é decisiva para
imprimir padrões de excelência à formação universitária, indo mais além da mera transmissão
de conhecimentos e da formação de mão-de-obra especializada voltada exclusivamente para
atender as demandas do mercado de trabalho.
Nosso pressuposto é de que a investigação é fecunda na criação de canais de comunicação
entre graduação e pós-graduação e, também, um instrumento que possibilita a
internacionalização dos programas, mediante estudos e trabalhos coletivos, na direção de um
projeto profissional crítico. E a “pesquisa em rede” é uma grande aliada do fortalecimento
político do Serviço Social no âmbito internacional.
É preciso destacar que vivemos tempos de expansão de ideias ultraconservadoras,
expressão do fortalecimento dos interesses da grande burguesia, sob a hegemonia das finanças,
em escala mundial num contexto de crise estrutural do capital e de pandemia do Covid 19. Nos
E.U.A., o governo de Donald Trump alinhou-se a posturas radicais de ultradireita e xenofóbicas
contra imigrantes latino-americanos, perdendo as eleições em 2020. Na Europa, o avanço de
partidos neonazistas cumpre perspectiva semelhante. No Brasil, a vitória do presidente Jair
Bolsonaro, apoiada por grandes grupos econômicos na defesa de seus interesses, assenta-se no
fundamentalismo religioso e obscurantista, no anticientificismo, no irracionalismo, fazendo
apologia ao retorno da ditadura empresarial-militar no país. Tais posições colidem com o
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pensamento crítico, afetando diretamente a liberdade de pensamento e da pesquisa.
Esses tempos áridos e difíceis confirmam a importância de pesquisas que reconstruam
criticamente o passado, contribuindo com a compreensão do presente e com estratégias de
resistência política. Nessa resistência o trabalho coletivo é fundamental para unir forças
progressistas e evidenciar afinidades e divergências entre pesquisadores/as de distintos países
envolvidos na pesquisa.
No sentido de apresentar essa fecunda experiência, esse artigo consta de (1)
apresentação da proposta de pesquisa; (2) explicitação da trajetória da pesquisa e (3)
considerações finais e prospectivas.
Compartilhando a trajetória da pesquisa
As bases desse projeto de pesquisa foram lançadas no seminário comemorativo dos
cinquenta anos do Movimento de Reconceituação Latino-americano (MRLA), ocorrido na
Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no ano de
2015. Esse seminário foi organizado pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social
(PPGSS) e pelo Centro de Estudos Otávio Ianni (CEOI), sob a coordenação da professora
Marilda Vilella Iamamoto. O seminário contou com renomados/as conferencistas brasileiros/as
e de outros países da América Latina. Nos debates, ficou explícita a necessidade de retomar os
estudos sobre o MRLA, criando-se um grupo formado por pesquisadores/as docente e discentes
oriundos do Brasil, da Colômbia e do Chile para elaboração de uma proposta. A escolha inicial
dos três países citados deveu-se às articulações internacionais existentes por meio de
intercâmbios de docentes e discentes do PPGSS-UERJ e PPGSS-UFJF. No decorrer da
pesquisa, os interesses e os contatos com outros países latino–americanos foram se ampliando.
Criar e fortalecer articulação em rede internacional de pesquisadores/as, em torno do Serviço
Social na História como ótica de abordagem dos fundamentos históricos e teórico-
metodológicos do Serviço Social, envolvendo docentes e discentes de ensino pós-graduados e
de iniciação científica, além de constituir o processo metodológico de todo o desenvolvimento
da pesquisa, foi, uma das principais metas da pesquisa. Pretendia-se potencializar e socializar
os avanços científicos acumulados, além de fomentar a interlocução entre o Serviço Social
brasileiro e o dos demais países participantes.
consenso na historiografia do Serviço Social, em afirmar, que o MRLA é
geograficamente bem definido e historicamente datado: 1965-1975. Entretanto, como a
intenção era abranger particularidades, antecedentes, expressões e desdobramentos do
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Movimento de Reconceituação, assumidos em cada país latino-americano, além de
interlocuções com países europeus e do norte da América, o período a ser estudado foi alargado
para 1960-1980.
É importante recuperar que a necessidade de retomar estudos sobre o MRLA,
destacando as particularidades dos diferentes países e a heterogeneidade desse movimento, bem
como a interlocução com países da Europa e da América do Norte, já se fazia sentir no Centro
Latinoamericano de Trabajo Social (CELATS) desde a década de 1980, quando alertava que:
A história surge como temática específica de estudo quando se constata a
insuficiência de teorizar a América Latina como um todo homogêneo,
generalizável, sem levar em conta os contextos específicos de cada formação
econômico social (CELATS, 1986, p. 17).
O CELATS também destacava ser
igualmente importante sublinhar a necessidade de retomar as relações com os
materiais e as experiências que se fazem nos países capitalistas desenvolvidos
(europeus, EUA, Canadá) existe muito o que assimilar, não quanto a
desenvolvimentos alternativos das ciências sociais, mas também no que se
refere ao Serviço Social mesmo e a novas profissões vinculadas à
problemática do social” (CELATS, 1986, p. 30).
Nesse sentido, a pesquisa constituiu-se em dois grandes eixos: (i) estudos sobre o
MRLA, considerando seus determinantes históricos, memória e particularidades nacionais; (ii)
estudos sobre as interlocuções internacionais que esse movimento estabeleceu com demais
movimentos contestatórios do Serviço Social, ocorridos nesse mesmo período histórico, em
outras partes do mundo. Aqui foram priorizados, em um primeiro momento, E.U.A. e Canadá,
na América do Norte, além de Portugal, Espanha e Inglaterra, na Europa.
Alguns critérios orientaram a escolha desse conjunto de países. E.U.A. e Inglaterra
foram os expoentes do denominado Serviço Social Radical (SSR). Entretanto, no desenvolver
da pesquisa, optou-se por estudar o SSR em todo o Reino Unido (Inglaterra, Irlanda do Norte,
Escócia e País de Gales), tendo em vista os estudos indicarem que esse movimento não se
centrou apenas na Inglaterra. A inclusão do Canadá foi impulsionada pela proeminência do
assistente social brasileiro Vicente de Paula Faleiros, que, durante a ditadura empresarial-militar
exilou-se inicialmente no Chile, de onde foi obrigado a sair e migrou para o Canadá, a convite
de um grupo de Assistentes Sociais críticos. Devido à grande complexidade desse estudo ele
foi adiado para outro momento da pesquisa. Portugal e Espanha foram incluídos não na
condição de colonizadores da América Latina, com afinidades linguísticas e culturais, mas
também pelo apoio e solidariedade ao acolher profissionais perseguidos e exilados durante os
regimes autocráticos latino-americanos, o que aproximou o Serviço Social desses países. Deve-
se lembrar que Portugal e Espanha também viveram longos períodos de ditaturas, que se
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encerraram em 1974 – pela Revolução dos Cravos – e em 1978, respectivamente.
A divisão da pesquisa em dois eixos é meramente operacional, visto que se encontram
intimamente imbricados, com nuanças distintas e similitudes em um momento histórico de
efervescência mundial de grandes manifestações e lutas sociais, promovendo mudanças
societárias e conjunturais, que incidiram de forma diferenciada no Serviço Social dos diferentes
países e continentes.
Conforme consta no projeto da pesquisa (IAMAMOTO et al., 2016), em vel mundial,
no âmbito do Serviço Social, desconhece-se um movimento de amplitude e organicidade
similares às do MRLA. Ele é conhecido por sua abrangência estritamente latino-americana e
por sua efetivação diversa em cada país que compõe essa região geopolítica.
Produções e elaborações teóricas de autores/as estadunidenses e europeus
contemporâneos ao MRLA
2
entretanto fazem referência a outros movimentos críticos ao
capitalismo e ao Serviço Social Tradicional. Essa constatação foi fundamental para que esse
projeto também investigar se houve ou não uma efetiva relação desses outros movimentos
contestatórios do Serviço Social europeu e norte-americano com o MRLA e em que bases essa
relação poderia ser descrita.
O período de 1960-1980 foi de grande importância mundial. Ele é marcado não só pelo
domínio e hegemonia do imperialismo norte-americano nas três “décadas de ouro do capital”
(1945-1973), como também pelas contradições que surgem no seio desse processo, culminando
com a crise estrutural do capital e medidas de ajuste e restauração das taxas de lucro nas décadas
de 1970-1980 na América Latina.
Nos Estados Unidos, grandes impactos decorrentes do fortalecimento de movimentos
sociais que lutam por melhores condições de vida e reivindicam uma sociedade mais igualitária.
O assassinato do líder negro Martin Luther King, em 1968, marca uma onda de protestos
organizados pelo movimento racial estadunidense. Também ganham força o feminismo, os
movimentos pacifistas (contra a guerra do Vietnã), os movimentos culturais (psicodélico e
hippie). São marcos de questionamento ao poder tradicional e ao modo de vida sob o capital.
A Europa, por sua vez, assiste a um grande movimento dos/as estudantes e dos/as
trabalhadores/as, no conhecido “Maio de 1968”, que vai igualmente de encontro à ordem do
capital. Iniciou-se em Paris e foi se espraiando para outros países da Europa, extrapolando
fronteiras. Perry Anderson (2004, p. 115) registra a força e extensão desse momento:
Ademais, a revolta na França não foi uma experiência isolada. Os anos que se
seguiram assistiram a uma ampla onda internacional de insurreições operárias
2
Dentre eles, podemos citar dois autores traduzidos no Brasil: o norte-americano Galper e o inglês Peter Leonard.
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no mundo imperialista, diferente de tudo o que ocorrera desde o início da
década de 1920. Em 1969, o proletariado italiano desencadeou a maior onda
de greves que o país conheceu; em 1972, a classe operária inglesa lançou a
mais bem-sucedida ofensiva industrial em sua história, paralisando a
economia nacional; em 1973, o movimento trabalhista japonês realizou o seu
maior ataque contra o capital até hoje. Em 1974, a economia capitalista
mundial entrou em sua primeira recessão generalizada desde a guerra.
Como se destaca no projeto (Iamamoto et al., 2016), nesse mesmo período, o Estado é
forte, a democracia episódica, as ditaduras recorrentes e as lutas permanentes. Os/as
trabalhadores/as também se organizam em movimentos de luta a favor dos “oprimidos” (na
esteira do educador brasileiro Paulo Freire), contra o imperialismo e a dependência dos países
capitalistas centrais.
Marcados pela crise do padrão de acumulação produtiva, América Latina, Portugal,
Espanha, Inglaterra e E.U.A. possuem diferentes inserções econômicas no capitalismo
internacional. América Latina, Portugal e Espanha, mesmo que de forma diferenciada, colocam-
se na condição de países dependentes, pertencentes ao denominado “capitalismo periférico”.
E.U.A. e Inglaterra, na condição de países do primeiro mundo, de caráter imperialista,
pertencentes ao polo do “capitalismo central”. Como descreve Anderson (2004, p.122), “os
universos da mais rica classe imperialista e a mais antiga classe operária do mundo”. Para Eiras
et al (2022, s/p):
Na perspectiva dessa análise relacional, E.U.A. e Reino Unido, no início dos
anos 1960, estão na ponta do desenvolvimento capitalista, configurando-se
como regiões que concentram capital e alto índice de produtividade (trabalho
e tecnologia), combinando riqueza e desenvolvimento econômico
(agricultura, indústria e serviços). Em ambos, havia baixos índices de
desemprego e pobreza, acesso a direitos trabalhistas e a serviços estatais de
qualidade, no âmbito da educação, saúde e previdência, além de estruturas de
serviços para a assistência social. E.U.A. e Reino Unido constituem o grupo
que detém as prerrogativas de deliberação acerca da ordem econômica
mundial e, obviamente, o poderio militar capaz de garantir tais deliberações,
subordinando países e regiões aos interesses de reprodução do capital.
A América Latina encontra-se no outro polo, subordinada aos interesses
constituídos na ordem econômica mundial, dependente dos investimentos de
capital e da importação de equipamentos e tecnologia de ponta, tornando
difícil a competição dos países dessa região no mercado internacional.
Diante desse cenário, configura-se como fundamento para análise do objeto deste estudo
a compreensão da profissão do Serviço Social inscrita na sociabilidade capitalista. Isso significa
dizer que uma profissão é compreendida como um produto histórico, adquirindo sentido e
inteligibilidade na história da sociedade da qual é parte e expressão. De outro modo, ainda, uma
profissão se explica no movimento histórico, em um processo mais amplo e global. Assim, o
ponto de partida para a análise histórica que a pesquisa se propõe é a expansão capitalista e seus
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determinantes estruturais. Como registrado no projeto (Iamamoto et al., 2016, s/p), uma
profissão somente existe “em condições e relações sociais historicamente determinadas”, e
essas condições “são a concretização da dinâmica das relações sociais vigentes na sociedade
em determinadas conjunturas históricas”.
Nessa direção, a conjuntura econômico-política e social, em franca ebulição no mundo
entre 1960-1980, não permitiu ao Serviço Social passar imune a ela. Na América Latina, isso
se expressa no Movimento de Reconceituação, questionando a ordem do capital, bem como a
influência do Serviço Social estadunidense nessa parte do continente americano, considerando
as particularidades históricas dessas regiões. Ou seja, o MRLA vai pôr em xeque as teorias
exógenas à realidade latino-americana, seus fundamentos teórico-metodológicos, ético-
políticos e técnico-operativos, além da própria direção socio-política impressa ao Serviço
Social.
Considerando as interlocuções que a pesquisa vai estabelecer entre o movimento de
reconceituação e outros movimentos contestatórios, deve-se lembrar, ainda, outras dimensões
do cenário mundial. Segundo Silveira et al. (2020, s/p), Portugal e Espanha:
Durante o período de transição democrática e do processo de consolidação do
Estado de Direito, no Serviço Social espanhol se manifesta uma tensão entre
posições profissionais conservadoras e outra marcada por uma militância
política de cunho progressista. A participação destas assistentes sociais em
distintos foros e movimentos de resistência franquista era evidente e segundo
Domènech (2013) nas Conferências profissionais desenvolvidas nos anos de
1970 era obrigatório para superar o desamparo teórico e ideológico na
profissão, ler os documentos que faziam referência ao processo
reconceptualizador da profissão na América Latina, bem como os textos da
pedagogia conscientizadora de Paulo Freire. Com a instauração em 1978 da
Constituição Espanhola inicia-se um processo de garantia de direitos de
cidadania, ao mesmo tempo que possibilita a implantação do Sistema Público
de Servicios Sociales, com destacado protagonismo dos assistentes sociais na
sua implementação. Este fato causou um profundo impacto na reestruturação
do trabalho profissional, com forte tendência na dimensão técnico-
instrumental da profissão, num contexto de políticas sociais de cunho
neoliberal. Em Portugal, particularmente a partir do final da década de 1960,
o envolvimento de assistentes sociais em movimentos de contestação e
resistência à ditadura também se fez notar. Esse envolvimento fez-se por via
da participação cívica em movimentos e organizações declaradamente
oposicionistas do Estado Novo, e, ainda antes da Revolução de 1974, através
do próprio sindicato representativo da profissão.
em relação aos E.U.A.
3
e ao Reino Unido, Fergunson (2011) lembra que o Serviço
Social Radical irrompe, nos anos 1970, como uma abordagem distinta e articulada dentro do
3
Reisch e Andrews (2002) afirmam que o Serviço Social Radical nos E.U.A. surgiu já em inícios do século XX,
avançando até finais da segunda Guerra Mundial. Destacam algumas assistentes sociais que marcam o movimento
nesse período Jane Addams, Florence Kelley e Bertha Capen Reynolds , em vertentes diferenciadas de
radicalismos.
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Serviço Social, principalmente, na Inglaterra, Canadá, E.U.A. e Austrália: uma alternativa aos
parâmetros dominantes de teoria e prática de cunho conservador. Para o autor, os fatores que
contribuíram para o surgimento desse movimento no Reino Unido referem-se, dentre outros, ao
fim do período sustentado pelo crescimento econômico após Segunda Guerra Mundial o
chamado “longo boomlevando ao reaparecimento da crise econômica em várias partes do
mundo; o crescente movimento global de resistência à guerra americana no Vietnã; o
movimento dos direitos civis dos negros nos EUA; movimento de liberação das mulheres; a
frente de liberação dos homossexuais. Estes movimentos ligavam-se e eram abastecidos pelo
movimento mundial estudantil, que teve papel fundamental na “Primavera de Praga”, em 1968
e no reinicio do movimento dos trabalhadores franceses, o qual desembocou na maior greve
geral da história. Para o autor, esses acontecimentos fizeram dessa década a mais radical da
história mundial, com amplas incidências no Serviço Social.
Essa conjuntura de efervescência mundial, que caracteriza o período de 1960-1980, é
uma das motivações que instigaram o conjunto de autoras a propor uma pesquisa com o
objetivo, de
Realizar, por meio da articulação de uma rede de pesquisadores, uma
aproximação aos processos de nese, conformação e desdobramentos do
Movimento de Reconceituação na Argentina, Brasil, Chile e Colômbia nas
décadas de 1960-1980 e sua relação com os movimentos do Serviço Social
crítico e radical presentes no universo profissional europeu e norte-americano,
salientando o vínculo político e profissional entre o Serviço Social e as lutas
sociais desenvolvidas pelas classes subalternas, expressos tanto na literatura
quanto na memória dos sujeitos (IAMAMOTO et al., 2016, s/p).
Nessa direção, lançou-se mão de uma série de procedimentos metodológicos,
entrelaçados com as metas do estudo, quais sejam: trabalho de campo com entrevistas gravadas
e filmadas, pautadas na técnica de história oral, resgatando a memória coletiva do período
(1960-1980); pesquisa documental em arquivos universitários, centros de pesquisa e instâncias
organizativas no Serviço Social; pesquisa bibliográfica em articulação com as instituições
colaboradoras; revisão de depoimentos dos sujeitos profissionais produzidos por
pesquisadores/as e acervos pessoais e institucionais; organização de eventos internacionais, no
formato de simpósios e seminários, previstos como fonte de dados, propiciando a coleta de
informações junto a participantes do movimento de Reconceituação e/ou do Serviço Social
Crítico e Radical, eventualmente presentes; encontros periódicos entre pesquisadores/as
nacionais e/ou internacionais, utilizando-se tanto de reuniões presenciais, com visitas aos
diferentes locais, quanto de videoconferências ou reuniões on-line.
Fortalecer uma articulação internacional de pesquisadores/as, em torno dos
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fundamentos histórico e teórico-metodológicos do Serviço Social, envolvendo docentes e
discentes de ensino pós-graduados e de iniciação científica, além de constituir o modus
operandi” de todo o desenvolvimento da pesquisa, foi uma de suas principais metas, conforme
consta no projeto: Criação de 01 Rede Internacional de Pesquisa em Fundamentos do Serviço
Social com a participação de 15 instituições universitárias de quatro países latino-americanos
(12 instituições) e dois europeus (03 instituições); Criação de 01 acervo digital reunido no
Centro de Estudos Octavio sobre a documentação coligida na pesquisa (imagens, depoimentos,
entrevistas, bibliografias) para uso dos pesquisadores envolvidos; Produção de 01 documentário
sobre a gênese, conformação e desdobramentos do Movimento de Reconceituação na
Argentina, Brasil, Chile e Colômbia, com a participação dos profissionais entrevistados e
utilização de fontes coligidas; Produção de 02 coletâneas; Realização de 01 seminário
internacional; Realização de 01 simpósio internacional sobre Serviço Social Crítico e Serviço
Social Radical; Realização de 01 fórum de pesquisadores dos países envolvidos; Elaboração de
03 teses de doutorado; Realização de 01 estágio pós-doutoral.
Todas essas metas tiveram êxito para além das expectativas, contribuindo para potenciar
e socializar os avanços científicos acumulados e fomentar a interlocução entre o Serviço Social
brasileiro e pesquisadores/as dos países envolvidos neste projeto, tanto da América Latina
quanto da Europa. Na direção de fortalecer o diálogo entre os diferentes pesquisadores/as e
socializar os subprojetos em desenvolvimento, com o objetivo do fortalecimento de uma análise
que preze pela unidade entre os mesmos, foram realizados quatro simpósios internacionais
envolvendo todos e todas as pesquisadoras (três no Brasil e um na Colômbia), três seminários
internacionais dos subprojetos (um no Chile e dois em Portugal), quatro encontros do conjunto
de pesquisadores/as (todos no Brasil), além de um curso de extensão (na UFRGS, em Porto
Alegre), e de reuniões específicas dos membros dos subprojetos.
Essa dinâmica propiciou o intercâmbio de avanços científicos sobre o tema, acumulados
pela pesquisa nos rios países, com a publicação de dois livros, um pela Editora Cortez e outro
pela editora UFJF, e de vários artigos, em periódicos nacionais e internacionais, dentre eles, a
Revista Em Pauta (UERJ), a Revista Libertas (UFJF) e um número especial da Critical and
Radical Social Work (ESSEX/Reino Unido), além da publicação de vários capítulos de livros.
Houve apresentações de trabalhos, com as respectivas publicações em anais de eventos
nacionais e internacionais (tais como o ENPESS/CBAS, no Brasil; o XXII Seminario
Latinoamericano y del Caribe de Escuelas de Trabajo SociaL, na Colômbia; o XIII Congreso
Estatal y Iberoamericano de Trabajo Social, na Espanha; o V Congresso Nacional de Serviço
Social, em Portugal). Destaque-se, também, no âmbito da pesquisa, a realização de um estágio
A História pelo Avesso: uma pesquisa internacional “em rede” de pesquisadores/as
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pós-doutoral, de três defesas de teses de doutorado, de duas dissertações de mestrado e de um
trabalho de conclusão de curso de graduação.
Por fim, cabe fazer referência à constituição de uma página na internet que possibilita o
acesso à produção dessa rede internacional de pesquisa (https://www.
pesquisassreconceituacao.com). Nela, encontram-se quadro institucional e listagem de
pesquisadores/as, registros visuais e audiovisuais de eventos e reuniões promovidas; textos das
publicações em periódicos e em anais de congresso; atas de reuniões; acervo audiovisual sobre
o processo da pesquisa, contendo fotos, filmagens e videoclipes
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; documentos e arquivos
variados, adquiridos e produzidos no decorrer da pesquisa.
Foram aproximadamente quarenta pesquisadores/as que participaram desse trabalho,
dentre docentes e discentes de iniciação científica e pós-graduandos, integrantes das
universidades: Brasil: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF); Universidade Federal Fluminense (UFF/PURO); Universidade Federal
de Ouro Preto (UFOP); Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/Baixada Santista);
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS); Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE/Toledo); Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em Portugal: Instituto Superior Miguel Torga
(ISMT/Coimbra); Universidade Lusófona do Porto (ULP); Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro (UTAD/Vila Real). Na Espanha: Universidad de Granada (UG); Universidad de las
Islas Baleares (UIB). No Chile: Universidad Católica de Valparaíso (UCV); Universidad de
Chile (UC). Na Argentina: Universidad Nacional de La Plata (UNLP); Universidad Nacional
de Rosário (UNR). Na Colômbia: Universidad Externado de Colombia / Bogotá; Corporación
Universitária Minuto de Dios (UNIMINUTO / Bogotá).
Esses/as pesquisadores/as são responsáveis pelos subprojetos temáticos em
desenvolvimento, nomeadamente: (1) A pesquisa acadêmica no Centro Latinoamericano de
Trabajo Social - CELATS. Coord.: Dra. Raquel Raichelis (PUC-SP) e Maria Inês Souza Bravo
(UERJ);(2) Antecedentes e expressões da reconceituação latino-americana na “Escola de
Porto Alegre”, Brasil. Coord: Dra. Graziela Scheffer Machado (UERJ); (3) O significado
histórico e contribuição teórica do Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
Sociais (CBCISS) no Brasil. Coord.: Dra. Isaura Aquino (UFJF); (4) O projeto profissional da
4
Filmes: Longa-metragem: “Tempos da memória: Serviço Social na América Latina, história e interlocuções
internacionais” em https://www.youtube.com/watch?v=nlE5QwGNsPY&t=2s. Curtas: Seminário Internacional
UERJ https://www.youtube.com/watch?v=6ScaC3Fu2C8&t=6s. Seminário Internacional UFJF
https://www.youtube.com/watch?v=lThl03ytDPM&t=21s.
Cláudia Mônica dos Santos; Marilda Vilella Iamamoto
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Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais (1964-1980), Brasil.
Coord: Dra. Maria Rosangela Batistoni (UNIFESP/UERJ); (5) Trabalho social e movimentos
sociais no Chile e na América Latina. Análise histórica e desafios contemporâneos. Coord:
Dra. Maria Lucia Duriguetto (UFJF); (6) La reconceptualizacióndelTrabajo Social em
laUniversidad Católica de Valparaiso, Chile. Coord. Dra. Leticia Arancíbia (UCV); (7) O
marxismo na reconceituação da Colômbia (As experiências de Cali, Medelin, Bogotá e
Manizales). Coord.: Dr Sérgio Andrés Quintero Londoño (UERJ/ Universidad de Caldas); (8)
O movimento de reconceituação naArgentinaCoord: Dra. Carina Berta Moljo (UFJF); (9) Os
movimentos contestatórios do Serviço Social europeu e estadunidense no período de 1960-
1980. Espanha, Portugal, Reino Unido e EUA. Coord: Dra. Claudia Mônica dos Santos (UFJF).
Considerações Finais: a história continua....
Essa investigação vem na direção de esforços coletivos voltados à internacionalização
dos programas de graduação e pós-graduação em Serviço Social das universidades envolvidas
nesse projeto, abrindo portas para convênios e intercâmbios interinstitucionais. Essa iniciativa
também tem contribuído para a formação de novos quadros de pesquisadores/as, de distintos
níveis acadêmicos, ao propiciar uma ambientação fértil à aprendizagem, acompanhada de um
diálogo que se expande para além de fronteiras nacionais, complementando a formação
universitária e capturando novos talentos à pesquisa na área de fundamentos do Serviço Social.
Em síntese, esta pesquisa estudou o Movimento de Reconceituação do Serviço Social
de modo a contribuir na preservação da memória da categoria em nosso continente e investigar
sua relação com os movimentos europeus e norte-americanos. Trabalhar a memória dos sujeitos
protagonistas do processo de Reconceituação latino-americana significa reconstruir
simultaneamente uma história da resistência e luta latino-americana contra dominação e
violência. Conforme coloca Faleiros:
Um dia, talvez, essas experiências – pelas quais alguns pagaram com própria
vida, outros com exílio, outros com prisão e desemprego- devam ser contadas.
Mas a perspectiva aberta não se fechou. Mais lentamente e talvez de outras
formas, certamente, a busca continua. (FALEIROS, 1981, p.11).
A pesquisa apoiou-se tanto em acervo documental e bibliográfico quanto no regaste da
memória de seus protagonistas:
Desvendar a profissão é também elucidar a herança cultural a partir da qual se
constrói a explicação sobre seu fazer, expressa no discurso profissional. (...)
O Serviço Social afirma-se como uma profissão, que vem respaldando seu
exercício, sistematização, saberes e produção cientifica acumulada por seus
pesquisadores no acervo intelectual e cultural herdado do fundamentalmente
do pensamento social na modernidade. (IAMAMOTO, 2008, p.27).
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Os estudos e achados da pesquisa, a partir das orientações analíticas assinaladas,
apontaram para a necessidade do aprofundamento dos seguintes temas:
- a crise do capital na América Latina e as relações de dependência perante os centros
do poder mundial;
- as ditaduras nos países latino-americanos e em Portugal e Espanha, assim como as
lutas e movimentos sociais que impulsionaram a crise;
- a transversalidade da influência do pensamento do Paulo Freire a forte repercussão da
teologia da libertação nos vários países;
- as vertentes da interpretação da tradição marxista que inspiram o referido movimento;
- a necessidade qualificar as fronteiras dos movimentos contestatórios às bases
conservadoras do Serviço Social latino-americano, ibero-europeu e/ou norte-americano;
- a identificação e crítica da diversidade de influências políticas e teóricas nesse
movimento. Soldar uma necessária unidade política historicamente mostrou-se mais viável que
estabelecer uma direção teórica comum na contestação às bases conservadoras do Serviço
Social e;
- a necessidade de expandir e aprofundar estudos sobre o Serviço Social na
contemporaneidade, mesmo reconhecendo que os particulares percursos da Reconceituação nos
vários países latino-americanos e os movimentos contestatórios coetâneos emergentes em
outros territórios ainda reclamam investigação sistemática, necessária para resguardar a
memória do Serviço Social.
Nesta direção, após o encerramento desse primeiro momento da pesquisa foi constituída
uma comissão para pensar a sua continuidade. Essa comissão se reuniu durante o primeiro
semestre de 2021
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e verificou a necessidade de atribuir visibilidade ao conjunto da produção da
pesquisa e de propiciar a todos os/as pesquisadores/as, que, coletivamente, possam ser
precisadas as novidades ou os ganhos da primeira fase da pesquisa: construir um balanço do
conjunto da produção e projetar a nova etapa da pesquisa.
Nesta direção, foram organizados 03 workshops com a finalidade de socializar a
produção da primeira etapa da pesquisa com todas/os as/os pesquisadora/es e de identificar na
análise do objeto de investigação os achados e avanços, impasses, vazios, angulações teóricas
da análise, tendências gerais comuns, particularidades nacionais e desta forma elaborar o
projeto de continuidade dessa pesquisa em rede, continuidade com avanços. Estas são algumas
das condições para que a próxima etapa possa expressar a superação dialética da trajetória já
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Agora no formato à distância, tendo em vista o cenário Pandêmico de Covid 19 que assolou o mundo em 2020.
Cláudia Mônica dos Santos; Marilda Vilella Iamamoto
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percorrida: um salto qualitativo na sua continuidade, ou seja, a sua superação.
Esses workshops foram realizados no período de junho a outubro de 2021, no formato
on line, com a leitura privilegiada de duas produções que trazem o resultado da pesquisa,
nomeadamente, o livro “A História pelo avesso. A reconceituação do Serviço Social na América
Latina e interlocuções internacionais”. São Paulo: Cortez, 2021 e a Revista Critical and Radical
Social Work, vol. XX, n. XXI-10 “Social Work in Latin América: historical factors, memory
and internacional conecctions”. Policy Press. Bristol University - Reino Unido, 2020.
A leitura dessas produções foi orientada com o seguinte roteiro: tendências gerais dos
resultados na Europa e particularidades nacionais; tendências gerais dos resultados na América
Latina e particularidades nacionais; identificar nos subprojetos os pontos que os aproximam e
divergentes; novos achados e avanços; impasses e vazios identificados; diferentes angulações
teóricas na análise do objeto. Os mesmos tiveram a duração de 2 h e foram gravados e
posteriormente sintetizados em relatórios.
Na síntese dessas atividades foram destacadas as principais diretrizes teóricas para a
continuidade da pesquisa, sumarizada no tema “O Serviço Social na História e seus
Fundamentos: América Latina e Europa”. Documento esse que vem sendo referência para a
coordenação e subgrupos para pensarem seus subprojetos. Ele aponta, ainda, para a necessidade
de “atribuir explícita visibilidade às desigualdades e opressões de classe, raça, e etnias, de
gênero e sexualidades nos distintos segmentos das classes trabalhadoras. Assumir o debate
sobre a questão social e racismo estrutural na formação histórica da sociedade brasileira e
refrações com o Serviço Social -, o que requer estudo e pesquisa” (Reunião do grupo de
coordenação em 16/12/2020).
Igualmente, foi constituída uma nova coordenação colegiada composta por docentes
da América Latina e Europa que vem trabalhando, na construção de novo projeto, a partir das
indicações extraídas dos workshops.
Importante destacar que vem sendo realizada, como atividade da pesquisa, a Roda
de Conversa sobre o Capital”, coordenada pela professora Marilda Vilella Iamamoto. Essa
atividade “visa a realizar, em etapas, uma releitura do conjunto da obra principal de Karl Marx:
O Capital. Crítica da Economia Política”, incluindo seus rascunhos, no sentido de contribuir
com o aprofundamento teórico/metodológico das/dos pesquisadoras/es interessadas/os.
Referências
ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental: nas trilhas do materialismo
histórico. São Paulo: Boitempo, 2004.
A História pelo Avesso: uma pesquisa internacional “em rede” de pesquisadores/as
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SILVEIRA, R. et al. Serviço Social, movimentos contestatórios e lutas socioprofissionais na
Península Ibérica na década de 1970. Critical and Radical Social Work, edição especial sobre
a América Latina. Reino Unido, Policy Press and Bristol University Press, 2020
CELATS. Serviço Social Crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Editora Cortez, 1986.
EIRAS, A. S. et al. Movimento de Reconceituação Latino-americano e Serviço Social Radical
(1960-1980): aproximações possíveis. Critical and Radical Social Work, edição especial
sobre a América Latina, Reino Unido, Policy Press and Bristol University Press, 2020.
FERGUSON, I. Um outro Serviço Social é possível: reivindicando a tradição Radical. Revista
Em Pauta, Rio de Janeiro, UERJ, v. 9, n. 27, jul., 2011.
IAMAMOTO, M. V. (coord.) et al. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na
América Latina: determinantes históricos, interlocuções internacionais e memória (1960-
1980), 2016. Projeto de pesquisa submetido ao Edital Universal CNPq 01/2016 (mimeo).
IAMAMOTO, M.V; SANTOS, C.M. A História pelo avesso. A reconceituação do Serviço
Social na América Latina e interlocuções internacionais”. São Paulo: Cortez, 2021.
REISCH, M; ANDREWS, J. A. The Road NotTaken: a history of Radical Social Work in the
United States. New York /London: Brunner–Routledge.
REVISTA CRITICAL AND RADICAL SOCIAL WORK, vol. XX, n. XXI-10 “Social Work in
Latin América: historical factors, memory and internacional conecctions”. Policy Press.
Bristol University - Reino Unido, 2020.