DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22.37095
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 60-81, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
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Elementos do passado-presente na relação entre
o Serviço Social estadunidense e o Serviço
Social brasileiro
Elements of the past-present in the relationship between the American
Social Work and the Brazilian Social Work
Franqueline Terto dos Santos*
Valéria Coelho de Omena**
Resumo: O presente artigo aborda, a partir de
pesquisa bibliográfica e documental, o Serviço
Social nos Estados Unidos da América (EUA),
com destaque para os fatores centrais da sua
gênese e sua profissionalização e os principais
fundamentos teórico-metodológicos e
filosóficos que marcaram o seu
desenvolvimento. Apresentamos também uma
breve caracterização da formação acadêmica
nos níveis de graduação e de pós-graduação,
bem como dos espaços sócio-ocupacionais dos
assistentes sociais estadunidenses na atualidade.
Por fim, introduzimos uma reflexão sobre os
principais nexos que estabelecem a relação
entre o Serviço Social estadunidense e o Serviço
Social brasileiro, tensionada pela oposição entre
a perspectiva conservadora e a perspectiva
crítica, elemento importante para a análise do
passado-presente dessa relação.
Palavras-chaves: Serviço Social
estadunidense; Serviço Social brasileiro;
Fundamentos históricos e teórico-
metodológicos.
Abstract: This article addresses, based on
bibliographic as well as on documental, Social
Work in the United States of America (USA),
research with emphasis on the central factors of
its genesis and professionalization, the main
theoretical-methodological and philosophical
foundations which marked its development. We
also present a brief characterization of academic
education at undergraduate and graduate levels,
and addition the social-occupational spaces of
American social workers today. Finally, we
introduce a reflection on the main links that
establish the relationship between American
Social Work and Brazilian Social Service,
tensioned by the opposition between the
conservative and the critical perspectives, an
important element for the analysis of the past-
present of this relationship.
Keywords: American Social Work; Brazilian
Social Service; Historical and theoretical-
methodological foundations.
Recebido em: 21/02/2022
Aprovado em: 26/04/2022
* Assistente Social, mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e
doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
** Assistente Social, mestra em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e doutoranda em
Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
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Introdução
O Serviço Social é uma profissão que tem suas origens no mundo no contexto da
emergência do capitalismo monopolista (NETTO, 2006), assumindo especificidades em cada
país em que se institucionalizou, conforme determinados processos históricos, econômicos e
socioculturais que particularizaram as diferentes formações sociais. Importante ainda
considerarmos as distintas matrizes de interpretação teórico-metodológica do exercício
profissional de assistentes sociais, quanto à sua natureza, sua função, seu objeto e sua
metodologia de atuação na sociedade capitalista, formuladas e desenvolvidas ao longo da
trajetória histórica da profissionalização da área e que pautam os debates da categoria
profissional até o tempo presente, tanto no Brasil quanto em outros países (MARTINELLI,
2009; MONTAÑO, 2011).
Como parte desse processo, identifica-se ainda a busca por construir uma articulação
político-corporativa e formativa entre os assistentes sociais de diferentes contextos, que passa
por estabelecer uma concepção teórica, metodológica e filosófica comum à categoria
profissional, como requisito para a definição da especificidade do Serviço Social frente às
demais profissões. Nesse sentido, surgiram historicamente diferentes entidades
1
em âmbito
nacional, continental e mundial, que assumiram – cada uma a seu modo – os desafios de
aglutinar a diversidade dos debates e das proposições concernentes à natureza e aos rumos da
profissão
2
. Como parte desse movimento, as principais entidades representativas do Serviço
Social brasileiro, como o Conselho Federal de Serviço Social (Cfess) e a Associação Brasileira
de Serviço Social (Abepss), têm empreendido importantes esforços no sentido de consolidar
uma relação com o trabalho profissional em outros países, por meio da participação em
organizações profissionais internacionais de Serviço Social (DINIZ, 2019).
A profusão de debates e de polêmicas, com divergências e convergências, caracteriza
esse processo, como bem evidenciam Netto (1991; 2009), Martinelli (2009), Iamamoto (2004),
dentre outros autores de referência para o Serviço Social brasileiro e latino-americano. Contudo,
1
Lembremo-nos do Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviço Sociais (CBCISS), do Centro
Latino Americano de Trabalho Social (CELATS), a Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS)
–atual Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) –, Associação Latino-Americana
de Ensino e Pesquisa em Trabalho Social (ALAEITS), Associação Internacional de Escolas de Trabalho social
(AIESTS-IASSW), o Secretariado Internacional Permanente de Assistentes Sociais (International Permanent
Secretariat of Social Workers) – atual Federação Internacional de Assistentes/Trabalhadores Sociais), dentre
outras.
2
Por exemplo, o manifesto público “Declaración de Santiago” (2014), produzido pelo Comité Latinoamericano y
Caribeño de Organizaciones Profesionales de Trabajo Social/Servicio Social (COLACATS) em 2014, no contexto
da crítica aos efeitos das políticas neoliberais na região. Documento disponível em:
https://www.abepss.org.br/arquivos/textos/documento_201604041645348017400.pdf Acesso em: 18 de Fevereiro
de 2022.
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em razão das contradições próprias da dinâmica social capitalista em que emerge o Serviço
Social e dos específicos processos históricos das formações sociais e suas implicações nas
configurações particulares da profissão, a construção de uma unidade política do Serviço
Social, em nível mundial, é uma tarefa histórica que enfrenta inúmeros desafios no sentido de
superar as diversas – e, por vezes, inconciliáveis – concepções filosóficas e teórico-
metodológicas que embasam a formação acadêmica e a ação profissional de assistentes sociais
nos distintos continentes. Esse movimento contraditório, em busca de construir e de consolidar
uma articulação internacional do Serviço Social, pode ser observado, por exemplo, no contínuo
processo de (re)formulação coletiva da definição mundial de Serviço Social, protagonizado pela
International Federation of Social Work (IFSW)
3
.
Na assembleia geral da IFSW, validada também pela International Association of
Schools of Social Work (IASSW), em julho de 2014, o Serviço Social foi definido globalmente
como “uma profissão baseada na prática [...] que promove a mudança e o desenvolvimento
social, a coesão social e o empoderamento e a libertação das pessoas [...]”, tendo como
princípios centrais: a justiça social, os direitos humanos, a responsabilidade coletiva e o respeito
pelas diversidades. Nesse empreendimento, enfrenta-se o desafio de estabelecer uma unidade
na diversidade em razão das distintas realidades sociais e concepções sobre a profissão no
mundo. Por isso, aceita-se que “esta definição de Serviço Social pode ser ampliada ao nível
nacional e/ou ao nível regional”
4
.
Inevitavelmente, as condicionalidades materiais, os contextos históricos, o universo
cultural predominante em cada sociedade, o cenário da luta de classes em suas expressões
político-ideológicas, dentre outros fatores estruturais, superestruturais e conjunturais, incidem
direta e dialeticamente no “pensar” e nos rumos da profissão, mundialmente. Considerando esse
contraditório desafio, entidades e pesquisadores do Serviço Social brasileiro cada vez mais
reconhecem a necessidade de não só dar continuidade ao aprofundamento teórico-reflexivo
sobre os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos da profissão no país, mas também
apreender e analisar a realidade do Serviço Social em outros contextos internacionais.
3
A International Federation of Social Work (IFSW) foi criada em Paris em 1928 com a designação de "Secretariado
Internacional Permanente de Assistentes Sociais (International Permanent Secretariat of Social Workers). Porém,
teve seu funcionamento suspenso durante a Segunda Guerra Mundial até 1950 quando foi reativada. Atualmente
tem sede na Suíça, congregando organizações de Serviço Social de 128 países dos cinco continentes. Para mais
informações consultar: <http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/cfess-na-fits> Acesso em 01 de dezembro
de 2021; E, https://www.ifsw.org/ Acesso em 18 de Fevereiro de 2022. Em português a IFSW é conhecida por
FITS - Federação Internacional de Trabalho Social e a IASSW é a Associação Internacional de Escolas de Trabalho
Social (AIETS).
4
A íntegra da Definição Global da Profissão de Serviço Social pode ser consultada na página eletrônica da IFSW.
Disponível em:<http://ifsw.org/get-involved/global-definition-of-social-work/> Acesso em: 1º dez. 2021.
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É nesse sentido que este artigo pretende contribuir com o conhecimento sobre o Serviço
Social nos Estados Unidos da América (EUA) – os fatores centrais de sua gênese e de sua
profissionalização, seus principais fundamentos teórico-metodológicos e filosóficos, a
caracterização geral da formação acadêmica e dos espaços sócio-ocupacionais dos assistentes
sociais estadunidenses na atualidade e, por fim, o passado-presente dessa relação com o Serviço
Social brasileiro.
As análises desenvolvidas neste artigo têm como pressuposto teórico basilar que o
Serviço Social é produto da sociabilidade capitalista. Concebe-se que as contradições próprias
do capitalismo e suas implicações para o conjunto da sociedade – e, principalmente, as danosas
consequências para a classe trabalhadora –, derivadas fundamentalmente da “lei geral da
acumulação capitalista” (MARX, 2013), fez emergir, no transcorrer de décadas, novas
profissões funcionais ao sistema do capital, dentre as quais, o Serviço Social
5
(MARTINELLI,
2009).
Assim, compreende-se que o Serviço Social, tanto em sua emergência como prática
interventiva quanto em sua institucionalização e profissionalização, tem como determinação
sócio-histórica fundamental a sua vinculação às novas estratégias de dominação das classes
burguesas em ascensão frente ao agravamento das manifestações da “questão social”
6
na
segunda metade do século 19, tendo como terreno histórico a Europa ocidental.
As profissões são produto histórico e, como tal, expressam determinadas relações
sociais de produção/reprodução que lhe imprimem uma função particular na divisão social do
trabalho. A profissão, portanto, está situada na sociedade capitalista como um elemento que
participa da reprodução das relações de classe e das contradições nelas existentes. Concordamos
ainda com Netto (2006), ao afirmar que a profissionalização do Serviço Social “é, em termos
histórico-universais, uma variável da idade do monopólio” (NETTO, 2006, p. 74). Ou seja,
vincula-se ao novo padrão de acumulação do capital, que exige uma diferenciada intervenção
do Estado nas expressões da “questão social” – tendo em vista seu agravamento e sua ameaça
à ordem social – sob a forma de políticas sociais.
5
Há importantes diferenciações entre os principais autores que deram contribuições teóricas originais e se tornaram
referências norteadoras quanto ao significado do Serviço Social - sua natureza e processualidade histórica (cf.
NETTO, 2006; IAMAMOTO E CARVALHO, 1988; MARTINELLI, 2009; SILVA E SILVA, 1995; MONTAÑO,
2011, dentre outros). Esta apreensão teórica da realidade social e da processualidade histórica da profissão compõe
a concepção hegemônica que orienta a formação acadêmica em Serviço Social no Brasil, bem como as principais
entidades nacionais da categoria profissional no país: Conselhos Regionais (CRESS), Conselho Federal (CFESS)
e Associação de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). A esse respeito, conferir também as “Diretrizes
curriculares para os cursos de Serviço Social” (ABEPSS, 1997).
6
Conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que são reclamados pelos trabalhadores no curso da
consolidação do capitalismo, expressão do antagonismo capital-trabalho.
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Na produção deste artigo, que resulta de pesquisas bibliográfica e documental,
identificamos uma escassez de produção científica atualizada e traduzida para o português sobre
o Serviço Social estadunidense. Contudo, foram fundamentais os recentes artigos em periódicos
científicos do Brasil, dentre os quais destacamos o livro A história pelo avesso: a
reconceituação do Serviço Social na América Latina e interlocuções internacionais, organizado
por Iamamoto e Santos (2021)
7
, que muito contribuiu na compilação das informações e nas
análises apresentadas neste artigo, além de produções em inglês de artigos em jornais e em
periódicos científicos estadunidenses, a exemplo do Journal of Sociology and Social Work
8
, do
Journal of Social Work Education (JSWE)
9
e do Journal of Social Work Education and
Practice
10
.
Na pesquisa documental, as principais fontes e referências utilizadas foram sites de
órgãos públicos e privados estadunidenses, nos quais constam publicações oficiais, dados,
relatórios e documentos produzidos por entidades de Serviço Social dos EUA e do Brasil,
especialmente das seguintes: Council on Social Work Education (CSWE), International
Federation of Social Work (IFSW), Conselho Federal de Serviço Social (Cfess), Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), Associação Internacional de
Escolas de Trabalho Social (AIESTS), entre outras.
O Serviço Social estadunidense e as principais bases históricas e teórico-metodológicas da
sua profissionalização
Importante destacar o cenário sócio-histórico e econômico pelo qual passava o mundo
e, em especial, os Estados Unidos da América (EUA) quando do processo de profissionalização
do Serviço Social naquele país. O país saíra vencedor da I Guerra Mundial, reconhecidamente
no centro de referência do mundo capitalista, com uma próspera classe dominante que “entendia
que podia controlar o processo social, assim como controlava o processo econômico”
(MARTINELLI, 2009, p. 114).
Conforme Costa (2017), o Serviço Social estadunidense atingiu seu status de profissão
7
Este livro, publicado pela editora Cortez, é talvez a mais importante reflexão atualizada sobre o tema,
preenchendo uma lacuna na produção científica brasileira sobre a história da profissão no Brasil e sua relação com
o mundo.
8
Journal of Sociology and Social Work, é uma revista acadêmica internacional. Disponível em
<http://jsswnet.com/>. Acesso em 18 de Fevereiro de 2022.
9
O Journal of Social Work Education (JSWE) é uma revista profissional especializada em educação em serviço
social e bem-estar social. Disponível em <https://www.cswe.org/Publications/Journal-of-Social-Work-
Education.aspx>. Acesso em 18 de janeiro de 2022.
10
Journal of Social Work Education and Practice. Periódico internacional de trabalho social e prática. Disponível
em <https://www.jswep.in/>. Acesso em 18 de Fevereiro de 2022.
Elementos do passado-presente na relação entre o Serv, Social estadunidense e o Serv. Social brasileiro
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assalariada entre os anos de 1890 e 1940, período permeado por guerras, crises econômicas
(“quebra” da bolsa de Nova Iorque, em 1929) e suas repercussões no mundo do trabalho. Tal
cenário requereu a redefinição do papel do Estado com intervenções sociais e econômicas para
recuperação da economia após o longo período de recessão, culminando, por exemplo, com a
conformação do Welfare State, na Europa, e o New Deal (1933 e 1937), nos EUA. De acordo
com Pereira,
[...] com o advento do Estado Social (Welfare State) – gestado desde finais do
século XIX, no contexto europeu, e institucionalizado no segundo pós-guerra,
em meio ao avanço tecnológico e à intensificação da exploração do trabalho
assalariado pelo capital –, os Estados nacionais requisitaram pessoal técnico
para intermediar conflitos de classe e desigualdades sociais. Para vários
analistas, o Welfare State, que investiu maciçamente em ciência e tecnologia,
bem como induziu o surgimento de várias profissões de conteúdo social,
desejava salvar o capitalismo de suas crises endógenas (flutuações cíclicas,
depressões, recessões) e de ameaças externas, como o avanço do nazismo e
do socialismo (PEREIRA, 2016:416).
Conforme Ahearn Jr. (2014), os elementos que contribuíram para a profissionalização
do Serviço Social estadunidense foram: Estado, Igreja Protestante e organizações sociais
assistenciais sob influência da ética protestante e do darwinismo social. O autor afirma que as
contradições da relação capital/trabalho, o êxodo rural, a ocupação desordenada dos centros
urbanos, a pauperização extrema, o aumento de adoecimentos (novas e velhas doenças), a
imigração e a discriminação racial impulsionaram as organizações sociais de “trabalho prático
filantrópico” – inspiradas pelo espírito social e moral que impregnava a época – a atuarem junto
às famílias pobres, por meio da ação de visitadores, denominados de friendly visitors.
Esse processo de complexificação das ações filantrópicas, sob a influência do
conservadorismo cristão protestante, desempenhou um importante papel na conformação das
protoformas do Serviço Social estadunidense. Contudo, é indispensável reafirmar que foram as
demandas do capital para a sua contínua reprodução ampliada, no estágio do capitalismo
monopolista, e a consequente redefinição do papel do Estado, para garantir o novo padrão de
acumulação, que deram o caráter de profissionalização ao Serviço Social, com a constituição
dos assistentes sociais como trabalhadores assalariados.
Os fundamentos teórico-filosóficos que sustentaram essas práticas e, por conseguinte, o
Serviço Social em processo de profissionalização se concretizavam em atividades reformadoras
de caráter, de controle das manifestações dos “problemas individuais” que atingiam a classe
trabalhadora pauperizada. Para isso, buscou-se embasamentos científicos nas áreas da
Psicologia, da Psicanálise, da Medicina e do Direito.
As pioneiras do Serviço Social na elaboração das bases teórico-metodológicas da
Franqueline Terto dos Santos; Valéria Coelho de Omena
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profissão nos Estados Unidos foram: Mary Ellen Richmond, considerada uma das principais
representantes do movimento das Charity Organizations Societies (COS) e pioneira na
teorização do fazer profissional, e Jane Addams, uma das fundadoras do movimento dos
Settlements Houses.
Mary Richmond
11
, com as obras Social Diagnosis (1917) e What is Social Casework?
(1922), tornou-se referência para a formação de assistentes sociais nos EUA e em outras partes
do mundo. Dentre as muitas contribuições para a profissão, conforme Pereira (2019), as
principais foram: a construção da “terminologia de definição da profissão, diferenciando ‘social
service’ (Serviço Social) enquanto ações à sociedade de ‘social work’ (trabalho social), a
profissão, e a ‘inauguração de um método para o Serviço Social, o estudo de caso’” (PEREIRA,
2019, p. 100-101).
Os pressupostos e as diretrizes metodológicas desenvolvidas por Richmond, o chamado
Serviço Social de Casos, constituíam três fases: estudo, diagnóstico e tratamento. Esse método
se desenvolve, fundamentalmente, embasado nas teorias sociais positivistas, em correntes da
Psicologia e da Psicanálise, na perspectiva da ajuda psicossocial individualizada. A Abordagem
de Caso visa ao desenvolvimento da personalidade (ajustamento), com uma proposta de
trabalho que pretende tratar as anormalidades dos indivíduos e do ambiente. Conforme
Trindade, o método tanto molda as personalidades individuais como define “os papéis sociais
dos indivíduos, de acordo com os conteúdos econômicos, sociais, políticos e ideológicos
compatíveis com a ordem monopólica” (TRINDADE, 2001, p. 30).
Seguiram-se a abordagem do Serviço Social de Grupo – cuja principal formulação
teórica deve-se a Gisela Konopka
12
sob influência da Psicologia e da Psicanálise, que tinha a
finalidade de “solucionar problemas pessoais de relacionamento e socialização”, conforme as
normas e os valores sociais vigentes (TRINDADE, 2001) – e do Desenvolvimento de
Comunidade, perspectiva orientada à promoção do controle social, sob o discurso de
11
Obras de Richmond: RICHMOND, Mary Ellen (1899), Friendly Visiting among the Poor. A Handbook for
Charity Workers, New York/London: MacMillan. Disponível em
<https://books.google.com.br/books?id=0JUZc8zIIvEC&printsec=frontcover&source=gbs_navlinks_s&redir_es
c=y&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>; RICHMOND, Mary Ellen(1908), The good neighbor in the modern city,
Philadelphia: J.B. Lippincott. Disponível em <https://www.gutenberg.org/files/24841/24841-8.txt>;
RICHMOND, Mary Ellen(1913), A study of nine hundred and eighty-five widows known to certain charity
organization societies in 1910, New York City: Charity Organization, Russell Sage Foundation. Disponível em
<https://www.historyofsocialwork.org/1917_Mary_Richmond/1908%20Richmond%20Good%20neighbour.pdf>
RICHMOND, Mary Ellen(1917), Social diagnosis, New York: Russell Sage Foundation; RICHMOND, Mary
Ellen(1922), What is social case work? An introductory description, New York: Russell Sage Foundation.
Disponível em <https://www.historyofsocialwork.org/1917_Mary_Richmond/1922%20Richmond%20what%20
is%20social%20casework.pdf >
12
De origem alemã, judia, radicou-se nos EUA em razão da perseguição nazista em seu país.
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“promoção da harmonia social na relação Estado/Sociedade, através de uma abordagem mais
coletiva” (TRINDADE, 2001, p. 31).
Jane Addams, assistente social, socióloga, filósofa, feminista, ativista, pacifista e
reformadora estadunidense, foi a primeira mulher estadunidense a ganhar o Prêmio Nobel da
Paz, em 1931. Addams foi cofundadora do “movimento dos Settlements Houses”, ao criar, em
1889, uma Hull House num bairro pobre do distrito industrial de Chicago – a primeira dos EUA.
A Hull House consistiu, conforme Branco (2010), num centro de acolhimento e de apoio aos
trabalhadores urbanos e imigrantes pobres, de caráter experimental e filantrópico, com
“serviços e respostas sociais” voltadas à “integração” dessas populações e à “coesão social”,
por meio da promoção de ações educativas, culturais e políticas. Além de servir como um
espaço de pesquisa social a respeito dos problemas sociais, sanitários e das legislações sociais
vigentes.
A actividade de investigação então desenvolvida no âmbito da Hull-House
apresentava um conjunto de características muito peculiares e relevantes: era
realizada por residentes ou colaboradores ligados à Universidade de Chicago,
envolvia os próprios moradores em várias dimensões, procurava estabelecer
cooperação com departamentos públicos de diferentes domínios e era
entendida como um suporte essencial às reformas sociais de médio e longo
alcance [...] (BRANCO, 2010:74).
Conforme Pozo (2021), a importância de Addams se dá não apenas no cotidiano dos
bairros pobres, mas também em promover reformas sociais, a exemplo das ações “contra o
trabalho infantil ou a precarização do emprego e políticas (sufrágio feminino), nas esferas
urbana, estadual, federal ou universal (pacifismo).” Seu legado no Serviço Social está
relacionado à ética e aos valores que se tornaram a base da profissão nos Estados Unidos.
Se por um lado, a construção histórica do Serviço Social estadunidense teve e tem seus
fundamentos ancorados na ideologia dominante, com práticas conservadoras da ordem social,
limitadas às abordagens clínicas individualistas e privadas; por outro, esse pensamento não
representa toda a categoria. Há movimentos de resistência no Serviço Social estadunidense,
principalmente expressos no chamado “Serviço Social Radical” (FERGUSON, 2009;
FERGUSON; IOAKIMIDIS; LAVALETTE, 2018; M. BAILEY; BRAKE, 1975, 1980). Esse
movimento de resistência tem suas raízes no engajamento profissional (especialmente de
servidores públicos) em ações comunitárias e em abordagens voltadas à defesa dos direitos
humanos e do bem-estar, em paralelo ao questionamento das práticas individualizadas,
patologizadas e que ignoram os fatores estruturais, que produzem, objetivamente, as refrações
da “questão social”.
Jane Addams é apontada por Ferguson (2009) como uma das inspirações para o Serviço
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Social Radical, em especial, dada a experiência com a Hull House em Chicago:
[...] um progressivo sistema educacional, preocupado não apenas em ajudar os
imigrantes a se integrarem mais facilmente na sociedade americana, mas
também em ajudá-los a desafiar os sistemas de trabalho escravo e infantil
(FERGUSON, 2009:85).
O Serviço Social Radical teve seu declínio nos anos de 1980, em consequência do
avanço do neoliberalismo e dos desmontes das políticas sociais em todo mundo. Segundo
Steyaert (2019), “a prática política é um segmento do trabalho social radical”, e a luta e a
resistência por um Serviço Social crítico têm ressurgido por meio de reflexões publicadas pela
Social Work Action Network
13
e pela Critica and Radical Social Work
14
.
A formação acadêmica e o perfil profissional em Serviço Social nos EUA: breve trajetória
histórica e cenário atual
O surgimento do Serviço Social no mundo situa-se no contexto da Revolução Industrial
na Europa ocidental. Concomitante à expansão e à generalização das relações tipicamente
capitalistas, em que se estabelece a subsunção real do trabalho ao capital, aprofundam-se as
contradições imanentes à relação capital-trabalho. Os problemas relativos às condições de
trabalho e de vida da classe operária, bem como o seu crescente fortalecimento político-
organizativo, principais aspectos da chamada "questão social”, tornaram-se um fenômeno
ameaçador para a reprodução da sociabilidade burguesa, exigindo novas estratégias de
contenção, distintas dos mecanismos de controle e de coerção tradicionais das classes
dominantes.
Deriva dessa conjuntura o processo inglês de “racionalização da assistência”,
principalmente do final do século 19 ao início do século 20, fomentado pelo Estado
monopolista, em articulação com as experiências filantrópicas já existentes e vinculadas à
Igreja.
A Inglaterra, em função de suas circunstâncias históricas e da longa
convivência com a miséria generalizada, fora o primeiro país da Europa a criar
não só uma legislação específica para atendimento da ‘questão social’, mas
um organismo encarregado de racionalizar e normatizar a prática da
assistência. Já em 1869, momento de agravamento das crises sócio-
econômicas que precederam a Grande Depressão, membros da alta burguesia
haviam criado a Sociedade de Organização da Caridade, unindo esforços da
13
A Social Work Action Network (SWAN) é uma organização de luta, publicações e campanhas do serviço social
radical, que reune profissionais, estudantes e professores contrários à prática do serviço social voltado ao
gerencialismo, à mercantilização, à estigmatização dos usuários do serviço e por cortes e restrições previdenciárias.
Disponível em <https://socialworkfuture.org/>. Acesso em 10 de janeiro de 2022.
14
Revista eletrônica Critica and radical social work. Disponível em <https://socialworkfuture.org/>. Cf. Critical
and Radical Social Work. An International Journal. Disponível em<https://policy.bristoluniversitypress.co.uk/
journals/critical-and-radical-social-work>.Acesso em 15 de Janeiro de 2022.
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Igreja Evangélica e da classe dominante (MARTINELLI, 2009:83).
Essa experiência colaborativa entre burguesia, Igreja e Estado para o “enfrentamento”
das manifestações da “questão social” na Inglaterra tornou-se referência para os países
capitalistas industrializados, tanto na Europa quanto na América do Norte, como é o caso dos
EUA. E, conforme contextualiza Martinelli (2009),
A expansão do número de agentes foi notável no último terço do século XIX,
tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, é verdade que alimentando-se da
acumulação da pobreza, da generalização da miséria. Ao iniciar-se o século
XX, o Serviço Social estava presente na maior parte dos países europeus e
também nos Estados Unidos, contando já com inúmeras sedes da Sociedade
de Organização da Caridade (MARTINELLI, 2009:91).
Além do exemplo prático, a Sociedade de Organização da Caridade constituiu-se como
instituição promotora de novos agentes sociais voluntários – porém, devidamente capacitados
técnica e teoricamente – para atuar na assistência social, tendo em vista o agravamento das
expressões da “questão social” e a necessidade de desenvolver formas cada vez mais
aperfeiçoadas e efetivas de seu “enfrentamento”. Conforme explica Martinelli:
Nessa fase final do século XIX, a preocupação com a qualificação dos agentes
profissionais era geral nas Sociedades de Organização da Caridade, tanto da
europeia quanto da americana, uma vez que seu número crescera muito e
tornava imperioso capacitá-los para o enfrentamento da ‘questão social’ [...]
(MARTINELLI, 2009:106).
Nesse sentido, as Sociedades de Organização da Caridade romperam as fronteiras
inglesas para expandir suas práticas na sociedade estadunidense, sendo requeridas pela
burguesia para reproduzir cursos no âmbito da “formação de visitadores sociais voluntários”,
surgindo e rapidamente se expandindo, tanto na Europa quanto nos EUA, a criação de escolas
de Serviço Social (MARTINELLI, 2009, p. 104).
No nível de graduação, a primeira escola de Serviço Social foi criada em 1897, em Nova
Iorque. Porém, conforme Pereira (2019), só em 1940 foi incorporada à Universidade de
Columbia como curso de graduação. Conforme Ahearn Jr., “os estudantes tinham aulas no
próprio terreno de intervenção com especialistas, visitavam hospitais, prisões, lares e outras
instituições públicas a fim de contactar diretamente com a prática” (AHEARN JR, 2014, p.
117). Esses primeiros pilares da formação em Serviço Social estadunidense permanecem
vigentes até os dias atuais, como expressão da articulação entre experiência prática e teoria.
Em 1952, foi criado nos Estados Unidos o Council on Social Work Education (CSWE),
que consiste numa associação nacional de mais de 750 programas de bacharelado e de mestrado
credenciados em Serviço Social e avaliados pela Comissão de Acreditação (COA) da CSWE.
Essa é a única agência de credenciamento para a educação em Serviço Social nos Estados
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Unidos e em seus territórios. Segundo a CSWE, até fevereiro de 2022, existiam 542 programas
de bacharelado e 309 programas de mestrado credenciados em Serviço Social nos EUA
15
.
Dados apresentados pelo Relatório sobre o Panorama da Educação Doutoral em Serviço
Social (2021), produzido pelo CSWE
16
e pelo Group for the Advancement of Doctoral
Education in Social Work (GADE)
17
, mostram que em 2019 havia 469 programas de graduação
em Serviço Social ofertados nos formatos de ensino presencial, híbrido e on-line. Dos 56.530
alunos matriculados, 64,4% eram jovens com menos de 24 anos, mais de 85% eram mulheres,
e mais de 70% estudavam em instituições públicas.
A graduação ou o Bachelor's Social Workers (BSW) é o requisito mais comum para
cargos administrativos de nível iniciante, podendo se qualificar para outros empregos que
requerem apenas o bacharelado em áreas correlacionadas, como políticas públicas e serviços
sociais, Psicologia ou Ciências Sociais. Assim como no Brasil, o licenciamento é obrigatório
para todos que desejam exercer a profissão. Contudo, segundo as informações da Association
of Social Work Boards (ASWB)
18
, nos EUA, há diversas categorias de licenciamento,
considerando os diferentes escopos de prática, que variam conforme a autonomia legislativa
dos estados ou das províncias. A ASWB é a instituição que rege os requisitos de licenciamento
operacionalizados pelos estados e subsidia os assistentes sociais nas questões referentes aos
regulamentos para o exercício profissional. Vale ressaltar ainda que a licença profissional deve
ser renovada regularmente, a cada um ou dois anos.
Para exemplificar os requisitos de licenciamento exigidos para uma determinada prática,
quem deseja atuar como assistente social clínico licenciado (LCSW) deve atender aos seguintes
critérios: ter idade mínima de 21 anos; apresentar bom caráter moral; ter título de mestre em
Serviço Social (MSW) com pelo menos 12 horas semestrais de cursos clínicos; comprovar
mínimo de três anos de experiência clínica supervisionada pós-mestrado (MSW) em
diagnóstico, psicoterapia e planejamento de tratamento baseado em avaliação aceitável; atender
15
Dados disponíveis em: https://www.cswe.org/accreditation/. Acesso em: 18 fev. 2022.
16
Desde 1952, o Conselho de Educação em Serviço Social (CSWE) realiza um censo anual, por meio de fonte
primária de informação, sobre estudantes e Programas de Serviço Social. Relatório de 2019:“Statistics on Social
Work Education in the United States: Summary of the CSWE Annual Survey of Social Work Programs”. Disponível
em: https://www.cswe.org/research-statistics/annual-survey-of-social-work-programs/. Acesso em: 15 jan. 2022.
17
Group for the Advancement of Doctoral Education in Social Work (GADE) é uma organização de promoção e
formação de investigação de doutoramento no domínio do serviço social, criada em 1982.
18
A Association of Social Work Boards (ASWB) é o órgão responsável por fornecer suporte e serviços aos
conselhos profissionais reguladores da prática profissional em Serviço Social, com vistas a “promover práticas
seguras, competentes e éticas para fortalecer a proteção pública”. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos
responsável por sugerir requisitos reguladores do exercício profissional aos conselhos profissionais das diferentes
jurisdições estadunidenses, bem como elaborar e aplicar os testes de licenciamento em Serviço Social. Mais
informações em: https://www.aswb.org/. Acesso em: 21 nov. 2021.
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aos requisitos de exames clínicos; e completar o curso ou o treinamento na identificação e na
denúncia de abuso infantil oferecido por um provedor aprovado pelo estado de Nova Iorque.
Dentre as diferentes atribuições da ASWB, destaca-se o papel do Comitê de
Regulamentação e Padrões da ASWB
19
, que é responsável por revisar e recomendar políticas e
ações focadas nas “melhores práticas” de regulamentação do Serviço Social, por meio da Lei
Modelo de Prática de Serviço Social. Essa lei “estabelece padrões de competência mínima em
Serviço Social, métodos de tratamento justo e objetivo de reclamações de consumidores e meios
de remover profissionais incompetentes e/ou antiéticos da prática”, tendo em vista, segundo a
ASWB, a prioridade em proteger o público atendido pelos assistentes sociais.
No nível da pós-graduação, encontram-se os cursos de mestrado e doutorado em Serviço
Social. O Mestrado em Serviço Social (MSW) é ofertado nas modalidades presencial, on-line
e híbrido. No relatório 2019
20
da Council on Social Work Education (CSWE), entidade citada
anteriormente, dos 68.793 alunos matriculados em programas de mestrado, mais de 53% tinham
menos de 30 anos e 85,6% eram do sexo feminino.
Os cursos de doutoramento em Serviço Social surgem nos EUA a partir de 1947. Dados
recentes apresentados no Relatório do Panorama Atual da Educação Doutoral em Trabalho
Social (2021)
21
, produzido pela CSWE em parceria com o Gade, refletem o cenário atual da
educação em nível de doutorado em Serviço Social nos EUA, considerando as tendências em
matrículas nos cursos de doutorado acadêmico e profissional, as ofertas dos programas, o perfil
de gênero e étnico-racial dos estudantes, dentre outros aspectos. Segundo esse mesmo relatório,
houve um crescimento de 39% de alunos matriculados nos cursos de doutorado – passando de
2.545 em 2014 para 3.421 em 2019.
Quanto ao tipo de doutorado, há duas possibilidades, o practice e o research, os quais
equivalem no Brasil, respectivamente, aos chamados “profissional” e “acadêmico”. Conforme
o Relatório CSWE/Gade, em 2019 existiam 80 programas de doutorados acadêmicos e 18
programas de doutorado profissional. Contudo, os programas de doutorado profissional
apresentaram um crescimento expressivo de 260% entre 2014 e 2019, enquanto o doutorado
acadêmico cresceu apenas 6,7% no mesmo período.
19
O ASWB Model Social Work Practice Act é o instrumento utilizado para fiscalizar as práticas do exercício
profissional e sua regulamentação. Disponível em< https://www.aswb.org/regulation/spotlight-on-regulation/>
20
Tomamos como referência os dados de 2019, pois em 2021 a pesquisa sofreu impactos da pandemia do COVID-
19 e apenas 130 programas de mestrado responderam ao questionário, o que representa apenas 39,9% do total de
programas. Ainda assim vale a pena conferir os dados disponíveis em <https://www.cswe.org/Research-Statistics>
Acesso em 15 de Janeiro de 2022.
21
CSWE/Gade. Report on the Current Landscape of Doctoral Education in Social Work 2021. Disponível em:
https://www.cswe.org/getattachment/Research-Statistics/CSWE-GADE-Report-on-the-Current-Landscape-of-
Doctoral-Education-in-Social-Work2- (1).pdf> Acesso em: 25 nov. 2021.
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Quanto ao gênero, há uma maioria expressiva de mulheres em ambas modalidades de
doutorado: nos acadêmicos, 73% são de estudantes mulheres, e no profissional elas totalizam
82,8%. Quanto ao perfil étnico-racial, há uma proporção maior de estudantes afro-
americanos/negros (35,8%) nos programas de doutorado profissional, enquanto 46% dos
estudantes brancos estão nos programas de doutorado acadêmico; já os estudantes asiáticos têm
três vezes mais probabilidade de se inscrever em programas de doutorado acadêmico.
Os dados do relatório de estatísticas sobre a educação em Serviço Social nos EUA em
2020 revelam que o processo de endividamento dos estudantes, tanto na graduação quanto na
pós-graduação, é crescente. As dívidas de empréstimos representam US$ 47.965 no mestrado e
US$ 27.264 na graduação. De acordo com a reportagem da BBC News Mundo
22
, em 2020, a
média da dívida federal dos estudantes era de US$ 34 mil
23
, configurando a segunda principal
causa de endividamento das famílias estadunidenses, atrás apenas das hipotecas de imóveis.
Em 2019, a dívida de financiamento estudantil representava 7,5% do PIB americano
24
.
Conforme Nascimento e Resende (2018), o sistema de financiamento estudantil estadunidense
consiste em uma complexa teia de empréstimos e bolsas, com gratuidade em poucas instituições
de ensino públicas e somente para alunos elegíveis. A dívida estudantil, em muitos casos, pode
durar até 20 anos após a formação do estudante, sendo substituída por uma dívida tributária.
Quando discriminados por tipo de instituição, o Relatório CSWE/Gade destaca que a
maioria dos estudantes dos programas de doutorado profissional está nas instituições privadas,
totalizando 82,3% – sendo 43,3% em instituições com fins lucrativos e 39% em instituições
privadas não religiosas. Enquanto a maioria dos alunos matriculados nos programas de
doutorado acadêmico está nas instituições públicas, totalizando 58,1%.
Quanto ao perfil atual da categoria profissional e ao cenário sócio-ocupacional do
Serviço Social estadunidense, apresentaremos a seguir alguns de muitos dados relevantes.
Atualmente, os EUA concentram o maior contingente profissional de assistentes sociais do
22
GIL, Tamara. ‘É uma bomba-relógio’: por que cada vez mais universitários têm de pagar dívidas cada vez
maiores após se formar nos EUA. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-
noticias/bbc/2020/06/28/e-uma-bomba-relogio-por-que-cada-vez-mais-universitarios-tem-de-pagar-dividas-cada-
vez-maiores-apos-se-formar-nos-eua.htm?cmpid=copiaecol&cmpid=copiaecolaeja. Acesso em: 1º nov. 2021.
23
A situação é, de fato, uma preocupação social para o governo atual, pois, “embora a média da dívida federal dos
estudantes seja de US$ 34 mil, o número de pessoas com uma dívida de pelo menos US$ 100 mil atingiu 3,2
milhões no segundo trimestre de 2020, 33,3% a mais do que em 2017, segundo dados do governo americano. Além
disso, no início deste ano, mais de 270 cidadãos deviam pelo menos US$ 1 milhão. Esse número era de ‘mais de
100’ em 2018 e apenas 14 há cinco anos […]”. Conferir mais dados na reportagem indicada na nota anterior.
24
CUNHA, Gabriela da. Crédito estudantil desafia Estados Unidos: haverá perdão da dívida? Disponível em
https://valorinveste.globo.com/educacao-financeira/noticia/2022/03/07/credito-estudantil-desafia-estados-
unidos-havera-perdao-da-divida-entenda.ghtml. Acesso em: 03 de fevereiro de 2022.
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25
: são cerca de 700.000 “trabalhadores sociais” – o professional social workers –,
conforme dados apresentados no documento 2021 Blueprint of Federal Social Policy
Priorities
26
, publicado pela entidade de representação da categoria de assistentes sociais, a
National Association of Social Workers (NASW), logo após a eleição do presidente Joseph
Robinette Biden Jr., em 2020.
O Occupational Employment and Wage Statistics (OEWS), empresa que anualmente
apresenta as estimativas de empregos e salários para cerca de 800 ocupações profissionais por
meio do Bureau of Labor Statistics (2020)
27
, aponta que, em 2020, havia 715.600 postos de
trabalho para assistentes sociais, com perspectiva de crescimento de 12% de novas vagas de
emprego entre 2020 e 2030, o que equivale a 78,3 mil novas vagas para assistentes sociais na
década. Há uma previsão de 16% no crescimento de ofertas de emprego para assistentes sociais
até 2026, mais do que o dobro da média nacional para todos os empregos. Ainda segundo essas
estatísticas, em 2020, o salário médio anual para assistentes sociais era de $51.76. As principais
áreas de atuação dos assistentes sociais previstas para esse período são: Infância e Educação,
Saúde, Saúde Mental e demais áreas.
Dentre outras informações importantes trazidas pelo Bureau of Labor Statistics, chama-
nos a atenção o fator da sobrecarga de trabalho e o processo de adoecimento dos/as assistentes
sociais. Nas razões para tal situação, leva-se em consideração a grande demanda de trabalho,
como, por exemplo, nas seguintes situações: os assistentes sociais da educação não são lotados
em uma única escola, sendo distribuídos em várias instituições de um distrito; o atendimento
pode ser on-line, tanto individual como coletivo, por meio de videoconferência ou por chamada
de celular, mesmo antes da pandemia de Covid-19. Sobre o horário de trabalho, observa-se que
a maioria trabalha integralmente, inclusive à noite, nos fins de semana e feriados (forma de
plantão); quanto ao processo de adoecimento, os/as assistentes sociais têm uma das taxas mais
altas de lesões e de doenças entre todas as demais ocupações.
25
Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em quantitativo de assistentes sociais, de acordo com os
dados do Conselho Federal de Serviço Social (Cfess). Até janeiro de 2021, havia 202.744 mil profissionais com
inscrições ativas nos conselhos regionais de Serviço Social. Fonte: Implanta/ Cadastro dos CRESS, janeiro de
2021.
26
O referido Plano de Prioridades propõe ações significativas que o governo Biden-Harris e o Congresso devem
tomar para enfrentar a crise causada pela Covid-19. Conferir em: https://www.socialworkers.org/News/News-
Releases/ID/2276/NASW-releases-its-2021-Blueprint-of-Federal-Social-Policy-Priorities. Acesso em: 25 nov.
2021.
27
Bureau of Labor Statistics, US Department of Labor, Occupational Outlook Handbook, Social Workers. 2020.
Disponível em: https://www.bls.gov/ooh/community-and-social-service/social-workers.htm. Acesso em: 21 nov.
2021.
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A relação entre o Serviço Social estadunidense e o Serviço Social brasileiro: da influência
conservadora à “intenção de ruptura”
A influência do Serviço Social estadunidense no Serviço Social brasileiro perpassa,
conforme Martinelli (2009), pela política de dominação e pela consolidação da hegemonia
americana sobre o continente, no contexto da Guerra Fria.
Com o fim da 2ª Guerra Mundial, o mundo é dividido em dois blocos: de um lado, os
EUA (capitalista); do outro, a União da República Socialista Soviética – URSS (comunista).
Esse período, conhecido como Guerra Fria (1947-1991), representou a tensão geopolítica entre
esses dois países e seus respectivos aliados. Os EUA, em nome da contenção do comunismo,
ampliam sua dominação e sua hegemonia ideológica, cultural e política em diversas partes do
mundo, inclusive na América Latina, por meio de acordos bilaterais. É nesse contexto que se
estreitam os laços entre Brasil e EUA, mediante a internacionalização da economia por meio
da política desenvolvimentista, franqueada ao capital estrangeiro sob dupla modalidade: de
empréstimos e de investimentos diretos. O imperialismo estadunidense passa a ter maior
influência política, ideológica e cultural na sociedade brasileira.
Um dos reflexos dessa política de dominação estadunidense no Brasil foi a aproximação
do Serviço Social brasileiro das intelectuais e da perspectiva teórica e metodológica do Serviço
Social estadunidense, por meio de um programa de intercâmbio cultural dos EUA com o Brasil.
Conforme Martinelli, “através de tal intercâmbio instalava-se um canal que lhe permitia
repassar a ideologia subjacente na metodologia de seus programas, além de facilitar o tráfico
de influência em relação à profissão, que contava com pouco mais de um decênio de existência
no Brasil” (MARTINELLI, 2009, p. 133).
Segundo Martinelli (2009), após a 2ª Guerra Mundial, frente à "voracidade
expansionista americana", houve um imperativo ao Serviço Social estadunidense por
“estratégias mais ágeis e capazes de gerar resultados mais rápidos”, sendo necessária a
ampliação do método de abordagem profissional para a perspectiva do “desenvolvimento de
comunidade”.
A herança estadunidense acadêmica, tradicional e de produção de conhecimentos, que
priorizava a dimensão técnica-operativa com base no positivismo e no funcionalismo, perdurou
de 1965 a 1975, quando passou a ser questionada pelo protagonismo do Movimento de
Reconceituação do Serviço Social no cenário latino-americano
28
(ABEPSS, 2017). Esse
28
O Movimento de Reconceituação foi um movimento latino-americano deflagrado no interior da profissão a
partir dos anos 1960, com o protagonismo de assistentes sociais principalmente do Chile, da Argentina, do Peru e
do Uruguai, mas com incidência também no Brasil (FALEIROS, 1981). Expressou um rico processo de autocrítica
quanto ao papel e às finalidades da intervenção de assistentes sociais, associado ao questionamento crítico da
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movimento possibilitou a reflexão político-ideológica quanto à existência de lados antagônicos
– duas classes sociais em oposição: dominantes e dominadas. Essa apreensão teórico-política
abriu a possibilidade de articulação e de compromisso profissional com o projeto societário de
uma das classes, dando início ao debate coletivo sobre a dimensão política da profissão. Tal
direção constituiu-se na perspectiva de “intenção de ruptura” com o Serviço Social tradicional
e conservador, bem como na possibilidade de construção de uma nova identidade profissional
voltada aos interesses e às demandas da classe trabalhadora (NETTO, 2009).
O Movimento de Reconceituação do Serviço Social Latino-Americano – ainda que
gerando distintos desdobramentos e assumindo as contradições e as particularidades sociais de
cada país – consistiu num significativo processo de renovação profissional, a partir dos anos
1960. A Reconceituação deflagrou um importante e amplo movimento de crítica ao “Serviço
Social Tradicional” no cenário sócio-histórico mais amplo da dominação imperialista
estadunidense na região, pela via da instauração de regimes ditatoriais em diferentes países da
América Latina (SILVA E SILVA, 1995).
Os rebatimentos da Reconceituação no Serviço Social brasileiro – do qual resultaram
diferentes tendências teórico-metodológicas (NETTO, 2009) – foram decisivos no processo de
questionamento e de consolidação da crítica ao tradicionalismo profissional, pois “inaugurou,
com suas referências críticas, o debate teórico e o incentivo à qualificação acadêmica e à
pesquisa, expressando a primeira articulação em torno de um projeto de formação profissional
crítico” (ABEPSS, 2017, p. 2).
Esse projeto profissional, afirmador de um sentido político baseado na crítica ao
capitalismo, tem suas raízes históricas nos intensos e nos fecundos debates que marcaram o
“processo de renovação”
29
do Serviço Social brasileiro entre os anos 1960 e 1980. Essas
discussões propiciaram um rico e diverso campo de formulações teóricas sobre o significado
histórico, a concepção teórico-metodológica e as implicações prático-interventivas do Serviço
Social, tendo em vista seus objetivos profissionais (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988;
MARTINELLI, 2009; NETTO, 2009).
Esse processo resultou de uma conjuntura histórica que “entrecruzou” dialeticamente
fatores externos à profissão – estágio global de desenvolvimento do capitalismo e a dinâmica
realidade social derivada das relações capitalistas, no contexto sócio-histórico de regimes ditatoriais instaurados
em vários países da América Latina, incluindo o Brasil. A Reconceituação promoveu e sistematizou importantes
debates, emergindo de tal processo análises e teorizações de crítica ao positivismo e ao funcionalismo, ainda que
sob matizes distintas, destacando-se as fundamentações de base marxista e as de base desenvolvimentista.
29
O processo chamado “Renovação do Serviço Social brasileiro” é, pois, “uma resposta construída pelos
assistentes sociais na rede de relações que se entretecem na interação profissionalidade-sociedade” (NETTO, 2009,
p. 8, grifo do autor).
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totalizante do capital na particularidade da formação social brasileira e da configuração de um
“novo padrão de acumulação”, no contexto político-institucional da “autocracia burguesa” –
que implicaram fatores internos, concernentes às especificidades da “realidade profissional”,
considerando também o acúmulo histórico em termos da práxis profissional do Serviço Social
(NETTO, 2009)
Um longo caminho foi percorrido (não linear e tampouco homogêneo)
30
até a construção
do projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro, de viés crítico, nos anos 1990,
que só foi possível a partir do movimento de “ruptura” com o conservadorismo, com a
introdução de novas bases teórico-filosóficas, principalmente a concepção crítico-marxista do
materialismo histórico e dialético, além do avanço teórico-metodológico da profissão e da
aproximação aos movimentos sociais organizados. A introdução do pensamento crítico
possibilitou compreender o significado social da profissão e contribuir para a reflexão do
sentido da intervenção socioprofissional e, sobretudo, para fundamentar teoricamente a práxis
profissional.
Nessa perspectiva, deu-se a reformulação do Código de Ética do Serviço Social
Brasileiro (1993)
31
, que buscou expressar a intencionalidade coletiva e o compromisso ético-
político, teórico-metodológico e técnico-operativo voltados aos interesses da classe
trabalhadora como parte do processo de construção de uma contra-hegemonia, vinculada a um
projeto de transformação da sociedade – a qual propõe uma nova ordem social, com vistas à
equidade e à justiça social, numa perspectiva de universalização dos acessos aos bens e aos
serviços relativos às políticas sociais. Conforme Netto,
[...] o projeto ético-político do Serviço Social tem em seu núcleo o
reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade concebida
historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas;
daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos
indivíduos sociais (NETTO, 1999:104).
Considerando essa processualidade da renovação profissional, podemos afirmar que o
30
Importante destacar que, embora o atual projeto ético-político profissional seja hegemônico, em especial a partir
das entidades representativas que "dão" a direção político-organizativa e formativa para o Serviço Social brasileiro,
ele, de um lado, incorpora a pluralidade de reflexões consubstanciadas na perspectiva teórico-
-metodológica de crítica ao capitalismo e ao conservadorismo na profissão; de outro, não implicou a extinção das
perspectivas “modernizantes” ou conservadoras no seio da categoria profissional. Assim como há projetos
societários em disputa na totalidade social, também há disputas no interior da profissão.
31
O Código de Ética Profissional, de 1993, foi instituído pela Resolução n° 273/93 do Conselho Federal de Serviço
Social (Cfess). “Ele é expressão da renovação e do amadurecimento teórico-político do Serviço Social e evidencia,
em seus princípios fundamentais, o compromisso ético-político com todos os trabalhadores e trabalhadoras”.
Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf. Acesso em: 21 nov. 2021. Em 2012, o
Cfess lançou o Código de Ética Comentado, elaborado por Maria Lucia Silva Barroco e Sylvia Helena Terra e
publicado pela editora Cortez. O livro traz uma reflexão teórica e política e aponta os fundamentos sócio-históricos
e ontológicos da sua materialização numa perspectiva de ética libertária e anticapitalista.
Elementos do passado-presente na relação entre o Serv, Social estadunidense e o Serv. Social brasileiro
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Serviço Social brasileiro questionou, significativamente, os fundamentos filosóficos e teórico-
metodológicos de viés tradicionalista-conservador, que orientaram a atuação profissional desde
as origens até os anos 1970, tanto em relação à matriz europeia quanto à matriz estadunidense,
as quais, articuladamente configuraram uma categoria prático-interventiva alheia às
contradições geradas pela relação antagônica capital-trabalho e, portanto, funcional aos
interesses das classes dominantes. A “superação dialética” do conservadorismo alcançada pela
vertente crítico-marxista representou a consolidação da renovação crítica, tanto na produção de
conhecimento em Serviço Social quanto na institucionalização da categoria profissional.
No entanto, não devem ser desconsiderados os desafios contínuos – como se vê na atual
conjuntura sociopolítica brasileira – para garantir a direção crítica da profissão no país. Isso
porque o conservadorismo na profissão não é um elemento oriundo apenas de fatores externos,
passíveis de serem confrontados – como as influências ideoteóricas da diversidade das correntes
teóricas (funcionalistas, positivistas, pós-modernistas etc), mas, fundamentalmente, é um
elemento inerente à constituição ontológica do Serviço Social como profissão, dado seu papel
na divisão sociotécnica do trabalho no sistema do capital (SANTOS, 2007).
Logo, o “fantasma” do conservadorismo não sumiu. Pelo contrário, há um leque de
determinações que têm configurado a reaproximação com o Serviço Social estadunidense, a
exemplo das reivindicações de assistentes sociais dirigidas às entidades regulamentadoras do
Serviço Social brasileiro para a validação do Serviço Social clínico ou das práticas terapêuticas.
Desde 1996 são realizados debates, análises e reflexões sobre o tema, e, em 2010, o Cfess
apresentou a Resolução 569, de 25 de março de 2010, que dispõe sobre “a vedação da realização
de terapias associadas ao título e/ou ao exercício profissional do assistente social”. Essa
resolução reconhece que há o pluralismo do pensamento no seio da profissão, entretanto,
reafirma a construção histórica de ruptura com o conservadorismo e “suas vertentes iniciais
psicologizantes e estrutural-funcionalistas, cujos princípios norteadores segmentavam
metodologicamente a profissão em Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade” (CFESS,
2010, p. 4).
Outro aspecto presente no Serviço Social estadunidense e que tem se propagado
atualmente no Brasil é o retorno da tecnificação do fazer profissional. A dinâmica cultural da
pós-modernidade, inserida, inclusive, na academia, somada à intensificação das contradições
do capitalismo, com a retração das políticas públicas e a reconfiguração do seu alcance social
no âmbito da “reforma” do Estado – adequando-se aos ditames neoliberais –, tem exigido
“novas habilidades profissionais e [no sentido de] dificultar a difusão de alternativas críticas no
interior do Serviço Social contemporâneo” (MARANHÃO, 2016, p 193).
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Maranhão (2016) aponta ainda que há uma crescente tendência da supervalorização do
conhecimento prático imediato para atuação profissional, com a busca de respostas imediatas
para as questões imediatas, intervindo apenas na superficialidade cotidiana dos fenômenos
sociais, em detrimento dos aspectos estruturais e da totalidade social. Essa onda de
sobrevalorização da tecnicidade vai na contramão da perspectiva crítico-dialética orientadora
da formação profissional.
Conforme os pressupostos apresentados anteriormente, convém reafirmar que o
significado sócio-histórico da profissão não é produto da mera vontade dos agentes
profissionais, ainda que estes busquem meios para incidir conscientemente na direção política
de sua ação profissional, nos limites de sua “autonomia relativa” (IAMAMOTO, 2009, 2011).
Dessa forma, busca-se superar, ainda que parcialmente, a alienação da identidade profissional
tradicionalmente atribuída por diferentes atores sociais, vinculada à “ilusão do servir”
(MARTINELLI, 2009), no sentido do reconhecimento de uma práxis profissional situada nas
disputas de classe e politicamente orientada aos interesses da classe trabalhadora.
Considerações finais
Analisar a configuração histórica do Serviço Social, em qualquer formação social,
pressupõe apreender e analisar a dinâmica do modo de produção capitalista – tanto em suas leis
gerais quanto em suas particularidades históricas e específicas configurações sociais em cada
país. Logo, requer apreender as múltiplas determinações que fizeram emergir uma prática social
diferenciada, que se desenvolve processualmente até constituir-se como uma profissão, com
significado próprio no conjunto das práticas sociais criadas ou reconfiguradas no capitalismo
e, mais especificamente, que se vinculam ao fenômeno da “questão social”.
Com base na relação dialética entre o universal e o particular, compreender, de um lado,
as determinações gerais do Serviço Social e, de outro, as caracterizações específicas do Serviço
Social nos EUA na atualidade – uma vez que se trata da maior potência imperialista, com
atualizados projetos de dominação sobre as economias dependentes da América Latina e de
outros continentes – pode lançar luz para o entendimento dos elos do passado-presente entre o
Serviço Social brasileiro e as influências teórico-metodológicas estadunidenses em curso.
Assim, a influência do Serviço Social estadunidense sobre o Serviço Social brasileiro –
que, a nosso ver, não ficou apenas no passado – pode ser melhor compreendida a partir da base
material da sociedade, ou seja, da estrutura econômica e das circunstâncias históricas que
caracterizam a relação entre os dois países e sustentam, ainda na contemporaneidade, a
hegemonização das perspectivas profissionais de caráter conservador no Serviço Social
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estadunidense, frente às perspectivas críticas coexistentes.
Os Estados Unidos da América têm construído sua autoimagem mundialmente de
superpotência imperialista com seus projetos de dominação política e ideológica, a partir dos
quais garante a exploração econômica dos países da periferia do capital, impondo aos governos
a implementação de políticas neoliberais, bem como contribuindo com a perseguição aos
projetos nacionais de governos progressistas ou de esquerda.
No Brasil, a hegemonia do imperialismo americano se expressa pela subordinação
ideológica, política e econômica do governo brasileiro aos interesses do grande capital
financeirizado, adotando projetos políticos funcionais à ordem capitalista e imperialista dos
EUA.
Consideramos que esses projetos têm incidência direta ou indireta na formação e no
fazer profissional, uma vez que as mudanças no padrão de acumulação de capital exigem,
inevitavelmente, a reconfiguração do Estado e, por conseguinte, das políticas sociais – base de
sustentação funcional-ocupacional do Serviço Social (MONTAÑO, 1997) –, como tem sido
explícito nas políticas governamentais de viés neoliberal. Portanto, é imperativo estarmos
atentos e atentas às influências das correntes educacionais e profissionais estadunidenses sobre
as políticas públicas brasileiras na contemporaneidade, a exemplo da expansão acelerada nos
últimos anos das modalidades de Educação a Distância (EAD), o crescente processo de
financeirização da educação, os programas de pós-graduação aligeirados para atender aos
ditames do chamado “mercado de trabalho” e as “metodologias” tecnicistas, focalistas e
individualizantes como resposta às refrações da “questão social”, colidindo diretamente com o
projeto ético-político do Serviço Social brasileiro.
Temos a convicção de que há uma pluralidade ideológica e teórica, própria da
diversidade da qual é formado o Serviço Social no mundo, e correspondente à dinâmica viva e
contraditória das relações de classes antagônicas. Bem como se reconhecem as preocupações
profissionais com o aprimoramento intelectual, baseado na qualificação acadêmica. Contudo,
o real compromisso com os interesses da classe trabalhadora exigem uma ação profissional
alicerçada em concepções teórico-metodológicas de crítica à sociabilidade capitalista, tendo em
vista a concretização de um projeto ético-político, e vinculada ao processo de construção de
uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero, em que a
categoria profissional de assistentes sociais representa “apenas” um dos sujeitos políticos no
conjunto da classe trabalhadora.
Portanto, conhecer a realidade contemporânea do Serviço Social estadunidense é
fundamental para refletirmos sobre as ameaças e sobre os desafios postos ao projeto ético-
Franqueline Terto dos Santos; Valéria Coelho de Omena
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político profissional do Serviço Social brasileiro. Esses desafios não são novidades nos debates
e nas formulações teóricas da profissão na realidade brasileira. Contudo, a questão é: quais as
possibilidades e as estratégias profissionais de resistência que podem fazer frente aos novos
avanços das ideologias e das correntes teóricas neoconservadoras e reacionárias que têm
marcado gravemente a sociedade brasileira na atualidade?
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