DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22.36934
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 82-96, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
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Serviço Social internacional e ditaduras
notas sobre o surgimento e a institucionalização do Serviço
Social no Brasil e na Espanha sob o contexto ditatorial
International social work and dictatorships
notes on the emergence and institutionalization of social work in Brazil and
Spain under the dictatorial context
André Luciano da Silva*
Resumo: A emergência e a institucionalização
do Serviço Social no Brasil e na Espanha
guardam aspectos similares como o fato das
primeiras escolas de Serviço Social nestes
países surgirem sob a influência e orientação
política e ideológica da ação católica e serem
formadas majoritariamente por mulheres das
classes dominantes. Contudo, outro elemento
presente é o de que tais instituições foram
criadas em períodos ditatoriais ou pré-
ditatoriais; fator esse que também impactou no
perfil profissional. Posto isso, e através de uma
pesquisa bibliográfica, na perspectiva da teoria
social crítica, este artigo objetiva tecer algumas
notas sobre os rumos e particularidades da
emergência e da institucionalização do Serviço
Social no Brasil e na Espanha durante os seus
respectivos períodos ditatoriais. Evidenciando
as diferenças e as similitudes entre as duas
experiências; elementos importantes para
compreender a História da profissão nestes
países.
Palavras-chaves: serviço social internacional;
ditadura; Brasil; Espanha.
Abstract: The emergence and
institutionalization of Social Work in Brazil and
Spain have similar aspects, such as the fact that
the first Social Work schools in these countries
emerged under the influence and political and
ideological orientation of Catholic action and
were formed mostly by women from the
dominant classes. However, another element
present is that such institutions were created in
dictatorial or pre-dictatorial periods; This factor
also impacted the professional profile. That
said, and through bibliographical research, this
article aims to make some notes on the
directions and particularities of the emergence
and institutionalization of Social Work in Brazil
and Spain during their respective dictatorial
periods. Evidencing the differences and
similarities between the two experiences;
important elements to understand the history of
the profession in these countries.
Keywords: international social service;
dictatorship; Brazil; Spain.
Recebido em: 02/02/2022
Aprovado em: 05/05/2022
* Graduado em Serviço Social (UFAL), aperfeiçoamento em Tecnologias Digitais na Educação (UFC); especialista
em Psicopedagogia e Educação Especial (UniBF); especialista em Assistência Social e Saúde Pública (UniBf);
mestre em Serviço Social (PPGSS-UFAL) e doutorando em Serviço Social (PPGSS-UFAL). Funcionário público
lotado na Secretaria de Educação do município de Viçosa-AL.
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Introdução
O século XX, especialmente nas suas primeiras décadas é o período sócio-histórico onde
foi criada a maioria das escolas de Serviço Social pelo globo terrestre
1
. Todavia, apesar do
século XX ‘abrir as cortinas para o novo’ também possibilitou um ambiente de incertezas e
intensas reorganizações políticas, econômicas e ideológicas que refletiram decisivamente nos
vários campos do conhecimento, nas várias práxis sociais e profissionais. E com o Serviço
Social não foi diferente.
A combinação dos interesses das classes dominantes (da emergente burguesia urbana,
que trazia o seu “cavalo de Troiaaos trabalhadores, as fábricas; e da Igreja Católica, que lutava
pela retomada de seu poder ideológico sobre a sociedade) e as revoltas da classe operária
criaram as condições objetivas e subjetivas decisivas para a implantação de instituições para
atenuar as maléficas expressões decorrentes da produção-desumanizada e desumanizante do
modo de produzir capitalista. Deste contexto, surgiram as primeiras escolas de Serviço Social
um autêntico produto da relação capital x trabalho. Porém, outro elemento importante a se
evidenciar sobre a emergência das primeiras escolas de Serviço Social é que várias delas foram
criadas em períodos e contextos ditatoriais ou pré-ditatoriais. Esse é o caso das primeiras
escolas no Brasil e na Espanha.
Enquanto no Brasil a ditadura Vargas (1937-1945) intensificava o seu poder através da
concessão/conquista para a classe trabalhadora dos direitos trabalhistas e fortalecia, ao mesmo
tempo, os desígnios do capital e de suas personificações, utilizando-se inclusive do caráter
populista e conciliador de Vargas; na Espanha, a ditadura franquista (1939-1976) se isolava dos
demais países europeus, perseguia seus opositores internos e tocava um regime coadunado de
princípios paternalistas, nacionalistas, individualistas, machistas e autoritários; utilizando-se
das influências político-ideológicas do fasci-nazismo. As primeiras escolas de Serviço Social
no Brasil (1936, 1938) e na Espanha (1932, 1939) se gestam neste contexto de efervescência
política, econômica, ideológica e ditatorial, que marcaram profundamente os contornos e os
direcionamentos do agir profissional, dos sujeitos profissionais, assim como o entendimento do
perfil dos usuários. Posto isso, a profissão nestes países tem sua gênese e seu desenvolvimento
1
Como Simões (apud BRAUNS e KRAMER, 1986) relembra: excetuando Holanda (1899), várias escolas
europeias de Serviço Social foram criadas nas primeiras quatro décadas do século XX (França (1907); Inglaterra
(1908); Alemanha (1908); Suíça (1908); Suécia (1910); Áustria (1912); Finlândia (1918); Noruega (1920); Bélgica
(1920); Espanha (1932); Israel (1934); Irlanda (1934); Portugal (1935); Dinamarca (1937); Grécia (1945); Itália
(1945)). Outras foram criadas bem tardiamente como é o caso de Iugoslávia (1953); Turquia (1961); Islândia
(1981) e Rússia (1991).na América Latina temos: Chile (1925); Argentina (1930); México (1930); Porto Rico
(1934); Brasil (1936); Colômbia (1936); Peru (1937); Uruguai (1937); Paraguai (1939); Venezuela (1940); Costa
Rica (1942); Cuba (1943); Equador (1945); Bolívia (1946); Panamá (1947); Guatemala (1949); El Salvador
(1953); Honduras (1957); Haiti (1957) e Nicarágua (1961).
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profissional sobre a égide de uma ditadura que se avizinhava no horizonte bem próximo.
Todavia, assim como Manrique Castro (2003) explica que “o Serviço Social na América
Latina não é um mero reflexo do europeu”, da mesma forma, as experiências profissionais que
se constituíram no Brasil e na Espanha, sob períodos ditatoriais, também não são idênticas, mas,
guardam particularidades e individualidades construtivas que devem ser observadas ao analisar
os seus surgimentos, desenvolvimentos e profissionalizações.
Diante de este contexto, o objetivo deste artigo é tecer algumas notas acerca dos
desdobramentos e características que as ditaduras provocaram na emergência e
institucionalização do Serviço Social nos dois países. Para isso, realizou-se uma pesquisa de
cunho bibliográfico em artigos de revistas especializadas e em livros que tratam sobre a
emergência e a institucionalização do Serviço Social no Brasil e na Espanha, destacando,
especialmente, o período ditatorial nos respectivos países e a constituição da profissão. Os
dados são analisados conforme o “método” marxiano, ou seja, evidenciando que as
particularidades profissionais são partes movidas e moventes da totalidade; a qual, numa
relação dialética, ao mesmo tempo em que possibilita identificar tais experiências profissionais
como submissas aos ditames da relação capital x trabalho, permite expor as suas especificidades
sócio-históricas. E é mediante essa dialética que nas considerações finais, buscou-se apontar as
semelhanças e as particularidades das experiências profissionais nos distintos países sob a
regência dos períodos ditatoriais, sem perder de vista a categoria da totalidade.
Ditadura Vargas (1937-1945) e Serviço Social no Brasil: emergência e institucionalização
Quando se fala no Brasil sobre Serviço Social e ditadura logo vem à mente o livro de
José Paulo Netto Ditadura e Serviço Social (1991a). Contudo, o período sócio-histórico entre
1937 a 1945 também se configura como um período ditatorial no país. Sendo o período de 1930-
1936 considerado por vários historiadores como o período de gestação da ditadura Vargas. E
foi justamente em 1936, na cidade de São Paulo, no preâmbulo da ditadura varguista, que foi
criada a primeira escola de Serviço Social no país.
A era Vargas começa com a dita ‘Revolução de 1930 no Brasil’. Mas como Antônio
Carlos Mazzeo (1995) nos evidencia, esta ‘não passou de uma nova divisão do poder entre as
classes dominantes no país’, pois, neste período, em plena crise estrutural do capital (1929-
1932) e sobre a crise da Política do Café com Leite , o político e advogado gaúcho Getúlio
Dornelles Vargas (1882-1954), representante da oligarquia no sul do país, apoiado por uma
considerada parcela de militares e das oligarquias paraibana e minera, concorre à eleição
presidencial contra Júlio Prestes, representante da oligarquia do café paulista. Porém, o gaúcho
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não vence. Inconformados, a ala vencida depõe o presidente em exercício naquele momento,
Washington Luís representante da oligarquia paulista do café e após 10 dias uma junta
militar direcionava Vargas ao comando do país. O objetivo desta usurpação do poder era criar
uma nova assembleia constituinte e realizar novas eleições em seguida, contudo, o que se teve
foi o início da era Vargas, primeiro como governo provisório (1930-1934), em seguida como
presidente (1934-1937); depois como ditador (1937-1945) e por fim como presidente (1951-
1954). (Cf. AMORIM; BILHÃO, 2021).
O período Vargas (1930-1945), apesar de ser marcado pela ampliação de benefícios
concedidos/conquistados à/pela classe trabalhadora e pelo caráter populista e conciliador entre
as classes, isso não apaga as perseguições políticas, o controle dos sindicatos, os exílios, o
combate aos ideais comunistas e socialistas, as medidas para enfraquecer o legislativo, o
fechamento do congresso e das assembleias estaduais e municipais, o banimento de todos os
partidos políticos e sua ilegalidade, à centralização do poder nas mãos do executivo, o governo
através dos decretos-leis e a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda DIP, que
servia para divulgar as qualidades do governo e censurar as opiniões contrárias. Assim como
não deixa esquecer as nítidas aspirações e inclinações de Vargas aos regimes ditatoriais na Itália
e na Alemanha. Sendo em 1937, com a criação do Estado Novo, a implantação da ditadura
Vargas no Brasil sobre o pretexto de uma eminente ameaça, uma conspiração comunista em
curso (Cf. AMORIM; BILHÃO, 2021).
Segundo a análise sócio-histórica da emergência e institucionalização do Serviço Social
no Brasil, realizada por Iamamoto e Carvalho (2009), a profissão surge do contexto de
ampliação dos interesses do capital sobre a exploração da vida do trabalhador. E esses interesses
se aglutinavam as medidas do governo de combate aos ideais comunistas e socialistas no país.
O crescente êxodo rural e a imigração de trabalhadores europeus para o Brasil, assim
como o grande número de pretos libertos e esquecidos às margens da sociedade desde 1888,
forneciam ao modo de produção capitalista, em ascensão no país, tanto os braços necessários
ao motor produtivo, quanto uma massa de potenciais trabalhadores que desempregados
recorriam aos morros para sobreviver – constituindo um exército de reserva de trabalhadores e
um dos instrumentos mais poderosos e usuais da burguesia para baixar os salários. Neste
ambiente, a miséria, a fome, a pobreza, a mortalidade infantil, as condições insalubres de
moradia etc., se expressavam com todas as suas penúrias e não poderiam ser atendidas apenas
com repressão ou com assistencialismo eventual como ocorria na Primeira República. No
regime de Vargas, o Estado policialesco e repressivo de antes dava lugar a um Estado Novo
(1937) que além de punir fisicamente, coagia, controlava e vigiava os trabalhadores através de
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suas instituições e de seus novos agentes estatais. (Cf. BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Ou
seja, não se tratava apenas de coagir fisicamente os corpos, mas também as mentes dos
trabalhadores, levando-os a crer que suas condições atuais são resultados das suas escolhas
individuais.
É neste contexto, segundo Iamamoto e Carvalho (2009), que as primeiras escolas de
Serviço Social no país serão criadas, sob o apelo da organização da ajuda frente aos rastros de
miséria e pobreza produzidas pela ampliação da exploração do modo de produzir capitalista. É
neste ambiente que a reação católica pôs em prática o seu objetivo: recuperar os privilégios e
prerrogativas perdidos com o fim do Império no Brasil. Dessa estratégia política e ideológica
da Igreja Católica surgirá o Serviço Social como um departamento especializado da Ação
Social, embasado nos preceitos e doutrinas cristãos.
Iamamoto e Carvalho (2009) pontuam ainda que uma das frentes da reação católica no
país serão as atividades desenvolvidas pelo Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo
(CEAS), criado em 1932, que promoviam a formação técnica especializada do laicado nos
estudos da doutrina social da Igreja. Essa formação objetivava fundamentar a Ação Social e
Católica ao mesmo tempo em que buscava mobilizar o seu público e ampliar a influência da
doutrina social católica sobre as famílias operarias. Dessas atividades surge, em 1936, a
primeira escola de Serviço Social no Brasil, a Escola de Serviço Social de São Paulo. Já no Rio
de Janeiro, a formação do Serviço Social terá uma variada fonte de iniciativas. E nesta cidade
surgiram muitas escolas especializadas para a formação de assistentes sociais. A Primeira
Semana de Ação Social, no Rio de Janeiro, em 1936, é o marco para a introdução do Serviço
Social na cidade, sob a iniciativa do Grupo de Ação Social (GAS), também de orientação
católica.
Ainda segundo estes autores acima, as tarefas desenvolvidas pelas primeiras assistentes
sociais demonstraram-se doutrinárias e eminentemente assistenciais como: realização de
atendimento de interessados; visitas domiciliares, distribuições de auxílios, formação moral e
doméstica através de cursos etc. E a atuação tinha como público-alvo a família do operário,
sobretudo, as mulheres e as crianças.
Todavia, diante das exigências do Estado Novo – exigências estas direcionadas para um
modelo corporativista e industrialista, com a defesa da organização do mercado de trabalho, o
que implicava na readaptação dos mecanismos de exploração econômica e de dominação
política do operariado – os profissionais de Serviço Social (constituído por leigos católicos, em
sua maioria mulheres (jovens, oriundas de famílias abastardas, com boa capacidade de
comunicação, inteligência, modéstia, bom humor, desprendimento, calma, simpatia, boa
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capacidade para convencer e de influenciar) e com maior trânsito entre as famílias e as casas
dos trabalhadores mais pobres) serão constantemente requisitados pelo Estado para reproduzir
o poder constituído. E isso porque, o perfil cristão-moralizador dos primeiros profissionais
auxiliava o projeto societário dominante uma vez que culpabilizava os sujeitos pelas suas
condições atuais e naturalizava as desigualdades da sociedade capitalista. Além disso, as
encíclicas papais Rerun Novarum (1891) e Quadragésimo Anno (1931) orientavam a postura
ideológica e moralizante dos profissionais à época. Assim, os assistentes sociais ao mesmo
tempo em que auxiliavam os trabalhadores, executavam uma função de reprodução do projeto
dominante; exercendo um papel de controle social e ideológico sobre a classe trabalhadora. (Cf.
IAMAMOTO; CARVALHO, 2009).
Essa postura ideológica e metodológica começa a sofrer mudanças significativas com a
forte institucionalização da profissão. Quer dizer, quando os profissionais assumem cargos
remunerados dentro da esfera estatal a exemplo da Legião Brasileira de Assistência Social
LBA (1942), SESC (1942), SENAI (1942), SESI (1946), Fundação Leão XIII (1946),
prefeituras e outras instituições e passam a exercer ações para além dos princípios e
requisições da Igreja Católica. A formação técnica especializada dos primeiros assistentes
sociais dividida em “científica”, técnica, moral e doutrinária, que não possuíam metodologias
específicas e nem uma teorização das técnicas, o que remetia à ação à própria prática (NETTO,
1991b) não bastava para atender as novas exigências estatais. Era preciso se aproximar de
novas técnicas e profissionalizar a ação.
É neste contexto de institucionalização e de crescente desapego dos ideais confessionais
religiosos que o assistente social passa a ser um profissional legítimo dentro da divisão social e
técnica do trabalho na sociedade capitalista, recebendo uma remuneração (salário) pelos seus
serviços para executar os benefícios junto aos operários, o que faz com que os profissionais
percam progressivamente a sua antiga ação para a caridade particular das classes dominantes,
para se constituir numa profissão remunerada que atuará para a concretude dos anseios estatais.
(Cf. IAMAMOTO; CARVALHO, 2009). Dessa forma, a implantação das grandes instituições
sociais e assistenciais no período ditatorial varguista criaram as condições para a legitimação e
a institucionalização da profissão e dos profissionais do Serviço Social.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e com a destruição do regime
nazista na Alemanha, a ditadura Vargas sofre as suas maiores críticas. Por exemplo, vários
políticos, intelectuais e empresários mineiros abertamente exigiam a redemocratização do país,
levando o ditador a renunciar antes de sofrer um golpe militar que se anunciava. Vargas foi
afastado do poder, contudo o foi exilado, não perdeu seus direitos políticos, tampouco teve
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que responder a nenhum processo judicial. Em 1945, foram realizadas eleições livres para o
parlamento e para a presidência e Vargas é eleito Senador e com o seu apoio, Eurico Gaspar
Dutra, seu ex-ministro da Guerra, é eleito Presidente da República. Em 1951, Vargas volta ao
poder agora eleito pelo voto direto como Presidente do Brasil, mandato que exerce até 1954
quando se suicida com um tiro no coração. (Cf. AMORIM; BILHÃO, 2021).
O período pós-ditadura varguista foi importante para o desenvolvimento do Serviço
Social brasileiro, pois sobre a ideologia econômica do desenvolvimentismo nacional
potencializou a formação profissional através da introdução das técnicas norte-americanas e da
ampliação da estratégia da Organização e Desenvolvimento de Comunidade DC no país. A
aproximação do Serviço Social brasileiro com o dos Estados Unidos ocorreu através dos
intercâmbios e concessão de bolsas entre os países
2
. Safira Bezerra Amman (1991) explica que
esses novos elementos permitiram com que os profissionais de Serviço Social adquiriram novos
conhecimentos, sobretudo no âmbito das técnicas, assim como na práxis profissional;
promovendo uma aproximação com novos suportes teórico-metodológicos que auxiliaram a
classe profissional, inclusive, a questionar o fazer profissional e sua função social na sociedade
capitalista, posteriormente.
Neste contexto, teremos a criação da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social
ABESS (1946); a celebração do I Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (1947) e o
primeiro Código de Ética Profissional (1948). A partir de 1954 teremos a criação do Serviço
Social Rural – SSR (1955) e a Lei que regulamenta a profissão de Assistente Social (1957).
Ditadura franquista (1939-1976) e Serviço Social na Espanha: emergência e
profissionalização
A primeira escola de Serviço Social na Espanha é criada em 1932, na cidade de
Barcelona, em decorrência dos interesses e influência da Igreja católica e sob um ambiente de
reorganização política e econômica no país. Com a emergência da burguesia urbana e uma
ditadura que se avizinhava, o país passou por um longo regime ditatorial o qual refletiu nas
diversas práxis sociais e profissionais, como a do Serviço Social.
O contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), da Revolução Russa (1917), da
crise cíclica do capital (1929-1932) e da ascensão dos regimes autoritários na Itália com
Mussolini e na Alemanha com Hitler imprimiu contornos significativos aos rumos da Espanha.
2
Segundo Aguiar (1985) as bolsas de intercâmbio para os assistentes sociais brasileiros seguiram de 1941-1957.
Algumas das assistentes sociais que usufruíram dessas bolsas foram: Nadir Kfouri (1942-1943); Balbina Ottoni
Vieira (1943-1943); Helena Iracy Junqueira (1944-1945).
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O país que passava por uma reorganização no seu quadro político com a implantação da II
República (1931-1936), com a negação da forma Monárquica (1874-1931), e com a ascensão
dos interesses da burguesia no campo econômico, trouxeram avanços e retrocessos para este
país ibérico.
A Espanha, antes da década de 1930, possuía uma economia fundamentalmente agrária
e a maioria de sua população se concentrava no campo. Marcada pela concentração de terras e
elevada desigualdades sociais, o país era regido pelos monarquistas. Este grupo, pressionado
pelos movimentos sociais e trabalhistas no início do século XX, cria o Instituto das Reformas
Sociais (IRS), em 1903, e o Instituto Nacional de Previsão, em 1908, que objetivavam a
elaboração de projetos e leis sobre a regulamentação do mercado de trabalho e a produção de
estudos sobre problemas sociais e do trabalho como: a lei de descanso dominical para os
trabalhadores, férias, construção de casas baratas, a regulamentação da jornada de trabalho para
8 horas, seguro acidente etc. (Cf. GOIN, M; RENDUELES, C; PRATES, J. C. 2016.).
No entanto, o regime sofre um golpe militar em 1923, que leva o militar Primo de Rivera
ao poder. O objetivo do golpe era buscar a “regeneração das instituições da monarquia liberal”
através de uma reforma administrativa; reprimindo as forças políticas e sindicais e os
movimentos obreiros e comunistas que pediam mudanças nas condições de trabalho e de vida.
Esta ditadura foi derrubada em 1929 em decorrência da instabilidade de seu projeto institucional
e a perda de apoio social e político, inclusive do exército espanhol. Aglutinava-se a isto, o
enfrentamento social e as constantes greves trabalhistas que assolavam o país. (Cf. MATOS-
SILVEIRA, 2013; GOIN, M; RENDUELES, C; PRATES, J. C. 2016.). Ademais, segundo
Barbeiro e Feu (2016, p. 10 apud AGUIAR, 2018, p. 35), neste ano tem-se em Barcelona, o
Primer Congreso Católico de Beneficência Nacional. “Neste congresso, foi colocado à
necessidade de criação de uma escola para a capacitação técnica e humana das pessoas que
trabalhavam com problemas sociais”. Este evento será fundamental para a criação da primeira
escola de Serviço Social na Espanha.
Com a criação da Carta Constitucional de 1931, após a derrota do golpe de 1923, têm-
se eleições no país, e mediante a vitória, pelo voto, da aliança dos republicanos com os
movimentos e partidos de esquerda, houve um período de grandes conquistas, sobretudo no
campo dos direitos trabalhistas, na legalização dos sindicatos, dos direitos políticos com o voto,
da educação com a criação de várias escolas e a diminuição do analfabetismo além de
reformas na estruturação do exército e da influência da Igreja Católica (laicização do Estado).
Todavia, a ala vencida no pleito, utilizando-se de seu poder político, ideológico e econômico
começa a propagandear uma possível relação entre o governo atual e uma eminente revolução
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ao estilo russo de 1917. Tal estratégia surte efeito, pois em 1933 a direita se elege e promove
uma política de cortes e repressão. (Cf. MATOS-SILVEIRA, 2013; GOIN, M; RENDUELES,
C; PRATES, J. C. 2016).
Em 1936, têm-se novas eleições no país e os republicanos e os partidos de esquerda
retomam o poder através do voto. Todavia, poucos meses depois do resultado, os setores
vencidos (monarquistas, burguesia, Igreja católica e exército) radicalizaram e promoveram as
bases objetivas e subjetivas para um dos eventos mais sangrentos da Europa, a Guerra Civil
Espanhola (1936-1939). Nesta, os setores republicanos e de esquerda e os conservadores se
digladiaram. Estes venceram e instalaram uma ruptura com o regime constitucional do país,
dando origem a uma nova ditadura que durou longos 37 anos, tendo a frente o general Francisco
Franco. Na ditadura franquista, o país se isolou e todos os partidos políticos de esquerda e os
republicanos foram perseguidos ou banidos, sendo permitido apenas o partido de direita
Falange, criado em 1933 por José Antônio Primo de Rivera. De inspiração fascista, este partido
integrará, como única força política, o Movimento Nacional. (Cf. MATOS-SILVEIRA, 2013;
GOIN, M; RENDUELES, C; PRATES, J. C. 2016; CHARFOLET, 2011).
É no período da II República que Charfolet (2011); Matos-Silveira (2013); Goin;
Rendueles; Prates (2016) e Aguiar (2018) localizam o surgimento da primeira escola de Serviço
Social na Espanha.
Atrelada às necessidades políticas e ideológicas da Igreja Católica e como uma filial da
Escola Católica belga, cria-se na cidade de Barcelona, em 1932, a Escuela de Assistencia Social
para la Mujer. O objetivo desta escola, segundo Charfolet (2011), era a formação de auxiliares
sociais, e conforme Barbeiro e Feu (2016 apud Aguiar, 2018, p.35) a escola aparecerá enquanto
um recurso estratégico para certas instituições (como a Igreja Católica) que desejava prosseguir
com seu protagonismo em relação a sua prática social”. Aliás, não é de se admirar que a primeira
escola de Serviço Social na Espanha tenha sido criada na cidade mais industrializada e aberta
ao exterior à época, onde havia uma emergente burguesia urbana e onde a presença das
condições precárias de trabalho e de vida dos proletariados desfilavam as várias expressões de
questão social e nutria o discurso propagandeado da Igreja Católica da necessidade da
“organização racional da assistência e da beneficência”.
Observa-se, assim como no caso da primeira escola no Brasil que a primeira escola na
Espanha não foi uma exigência direta da classe trabalhadora, mas uma imposição da Igreja
Católica e das classes dominantes perante a necessidade de controle dos trabalhadores e da
tentativa de “ocultamento das mazelas sociais” frente aos avanços do capital na cidade
espanhola.
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Ainda segundo as autoras acima, a formação das primeiras assistentes sociais
espanholas será sob as bases ideológicas do catolicismo social. De caráter assistencialista e
paternalista, a ação profissional se direcionava ao controle social dos trabalhadores. Sob os
pressupostos morais e religiosos católicos, mediante a ação de beneficência e caridade, o foco
era o trabalho individual.
Assim, a formação das primeiras assistentes sociais no país estava em sua maior parte a
cargo dos pressupostos ideológicos da Igreja Católica. Contudo, é importante mencionar que a
Sección Femenina Falangista também possuía as suas escolas de Serviço Social que se
embasava, além dos pressupostos do catolicismo social, no machismo e no fascismo italiano.
Segundo Sanchéz (1994, apud CARRARA et al, 2018, p. 9): entre 1932 e 1983 se
contabilizava 43 escolas de Serviço Social na Espanha, onde 30 delas estavam vinculadas à
Igreja Católica, 05 à orientação da seção feminina falangista, 07 eram independentes e
promovidas por sindicatos; e uma era dirigida pelo Ministério Nacional da Educação da
Espanha. Todavia, segundo Vega e Brezmes Nieto (2003, apud CARRARA et al, 2018, p.8):
entre os anos de 1932 e 1950 o Serviço Social na Espanha se viu intelectualmente paralisado;
e das 270 assistentes sociais que se formaram, apenas 149 estavam inseridas no mercado de
trabalho.
Carrara et al (2018) também explica que a preocupação com a “questão social” e suas
expressões, assim como com a superação da concepção paternalista da profissão foram
hipertardias entre as primeiras profissionais espanholas. E uma de suas causas foi devido aos
anos de isolamento espanhol que restringiram as experiências profissionais com outros países.
Segundo Aguiar (2018), a ação dos assistentes sociais, especialmente no período da Guerra
Civil, foi o de paliar as consequências do conflito bélico.
Ainda segundo Aguiar (2018) no início da ditadura franquista (1939) houve a criação
de uma nova escola de Serviço Social, a Escuela de Formación Social e Familiar, onde a mulher
era formada e moldada para servir à sociedade e à família, desempenhando o papel de boa cristã
e de mãe de família. Neste contexto, o movimento político Falange através de seus instrumentos
político-ideológicos o sindicato, a Frente de Juventude e a Seção Feminina buscavam
controlar, respectivamente, os trabalhadores, os jovens e as mulheres espanhóis. Sendo assim,
as primeiras assistentes sociais espanholas desempenharam um papel crucial e legitimador das
estruturas e da ordem social vigente que se estenderam até os finais dos anos 1960.
A partir dos anos 1950, é constituído, segundo Cabrero (2004), um “Estado Autoritário
de Bem-estar Social na Espanha” . Este Estado é marcado pelos acordos e concessões de
créditos dos EUA, pela participação dos técnicos da Opus Dei organização elitista e autoritária
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composta por economistas e advogados que aderiram aos ideais fascistas no país – nos planos
de desenvolvimento da economia espanhola e pelo apoio do regime espanhol aos interesses dos
EUA na Guerra Fria. Além da progressiva abertura do país, inclusive com emigrações de
trabalhadores espanhóis para outros países da Europa. Este contexto de desenvolvimento
econômico e de forte presença do Estado no social através dos direitos vai beneficiar o Serviço
Social espanhol, pois a responsabilização pública com os serviços sociais e a consequente
institucionalização da profissão em espaços sócio-ocupacionais públicos e privados conduziram
o reconhecimento da profissão na divisão social e técnica do trabalho e a um lugar no âmbito
dos direitos sociais. (Cf. MATOS-SILVEIRA, 2013).
Na década de 1960, ressurgem, clandestinamente, os movimentos que reivindicavam
melhores condições de vida frente à urbanização desenfreada das grandes cidades. Os sindicatos
também se reerguem e o Sistema de Seguridade Social espanhol vai se consolidando, porém
adaptado ao fordismo industrial e ao modelo de crescimento econômico do neocapitalismo.
Para a profissão, a década possibilitou grandes avanços. Em 1962 é criada a Federacion
Española de Asociaciones de Asistentes Sociales (FEAAS), que foi reconhecida em 1967,
porém promoveu papel fundamental para a consolidação da profissão organizando congressos,
seminários, cursos, reuniões e debates sobre a formação profissional. Em 1964 é reconhecido o
título de Assistente Social, com grau de técnico médio. Sob a influência do assistente social
italiano Marco Marchiori, os profissionais de Serviço Social espanhol tiveram acesso aos ideais
do desarrolho comunitário, que permitiu com que os profissionais desempenhassem papel
importante nos bairros mais pobres das cidades industrializadas espanholas. Por meio de
estudos sobre trabalhos em bairros, os assistentes sociais tinham maior dimensão dos problemas
que assolavam a comunidade, podendo contribuir na busca de “soluções conjuntas” para tais
problemas detectados e assim poderiam conscientizar a comunidade que se unia por interesses
comuns. (Cf. AGUIAR, 2018).
As décadas de 1970 e 1980 serão fundamentais para o processo do amadurecimento do
questionamento da profissão, de suas bases teórico-profissionais; seja pelo ambiente das
manifestações e greves da classe trabalhadora e oprimida (estudantes universitários,
trabalhadores, grupos religiosos, movimentos obreiros, sindicais e partidos radicais e de luta
armada etc.), seja pelo impacto do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América
Latina nos estudos do Serviço Social espanhol
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, seja pela influência do processo de
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Sobre tal impacto ver a monografia de Rafaela Souza Reis de Aguiar (2018), especialmente o capítulo 3, que sob
a orientação da professora doutora Virgínia Alves Carrara realiza uma pesquisa bibliográfica em revistas
espanholas de Serviço Social e evidencia a influência do Movimento de Reconceituação Latino-americano nos
Serviço social internacional e ditaduras
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redemocratização do país. Por exemplo, em 1976, no III Congresso Nacional realizado em
Sevilha, é proposta a mudança da nomenclatura “Servicio Social” para “Trabajo Social” e de
“asistente social” para “trabajador socialcomo representação da ruptura da profissão com o
caráter paternalista, assistencialista e beneficente do período ditatorial franquista. (Cf. GOIN,
M; RENDUELES, C; PRATES, J. C. 2016).
Com a morte de Franco em 1975, dava-se início o processo de redemocratização do
país. Em 1978 é promulgada a nova carta constitucional e um Estado Democrático de Direito
começa a ter sua formulação. A nova carta reconhece uma ampla gama de direitos sociais,
políticos e civis e põe fim ao Estado de Providência do regime ditatorial de Franco. (Cf.
MATOS-SILVEIRA, 2013)
Em 1981, no período democrático, o Trabajo Social espanhol terá espaço no ambiente
universitário com a inclusão das Escuelas Universitárias de Trabajo Social. Porém, mantém-se
o caráter técnico da profissão. O reconhecimento do estudo a nível universitário acontece em
1983, porém a graduação universitária acontece apenas em 2004 e a pós-graduação, no caso o
doutorado, só em 2008, impulsionada pela criação em 1990 da área de conhecimento Trabalho
Social e serviços sociais. (Cf. GOIN, M; RENDUELES, C; PRATES, J. C. 2016; CARRARA;
et all, 2018).
Considerações finais
Os processos de emergências e de institucionalizações do Serviço Social no Brasil e na
Espanha guardam muitas similitudes, todavia apresentam seus contornos diferenciais
principalmente em relação aos seus desenvolvimentos profissionais. E isso se evidencia quando
se observa as possibilidades nos regimes ditatoriais que os países vivenciaram.
Como produtos oriundos dos interesses da Igreja Católica e das demais camadas
dominantes em fase do capital monopolista e sob as pressões e organizações da classe
trabalhadora, a profissão se encontrará sob a regência de períodos sócio-históricos
controladores dos trabalhadores e seus familiares e repressivos e hostis aos interesses ideo-
políticos contrários. E as primeiras escolas de Serviço Social (1936, Brasil, e 1932 Espanha)
mesmo que surgindo em anos ainda não propriamente ditatoriais, se encontravam sob o parto
de tal período, o que repercutiu decisivamente nas orientações das escolas, na formação
profissional e no entendimento do perfil do usuário dos serviços. Isso implica dizer que não
apenas os interesses da instituição católica impactaram na emergência e na formação dos
escritos das assistentes sociais espanholas.
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primeiros assistentes sociais nestes países, mas o tipo de governo jogou papel fundamental para
a sua constituição. E isso fica evidente quando se relembra que o governo ditatorial no Brasil e
na Espanha representava os interesses das demais camadas da classe dominante, além do que
as primeiras profissionais de Serviço Social são oriundas desta classe.
Mesmo apresentando inúmeras similitudes, os contornos diferenciais mais marcantes
entre a emergência e a profissionalização do Serviço Social no Brasil e na Espanha, captados
em nossa análise, encontram-se justamente nas possibilidades que os regimes ditatoriais em
questão permitiram/cederam aos/para os profissionais.
Enquanto na ditadura varguista (1937-1945) os primeiros profissionais têm seu serviço
reconhecido pelo governo, o que gerou maiores oportunidades de trabalho, principalmente junto
ao Estado, e maiores intercâmbios com novas experiências e técnicas como as dos EUA; na
Espanha (1939-1950) o isolamento do país e a tardia implantação de um Estado interventivo
através de direitos impediram com que houvesse grandes avanços em relação ao campo de
trabalho e no campo das experiências profissionais, restringindo o fazer dos primeiros
assistentes sociais espanhóis a paliar os resultados, os rastos de miséria e pobreza decorrentes
dos interesses da sanha de lucro dos capitalistas apoiadores da ditadura no país.
Se na ditadura varguista os profissionais são constantemente requisitados pelo Estado
Novo para desempenharem funções que vão para além dos princípios e exigências da Igreja
Católica e passam a recebem um salário para exercer os seus serviços nas grandes instituições
assistenciais – inserindo a profissão na divisão social e técnica do trabalho, colocando-se como
um trabalhador assalariado, vendedor de sua força de trabalho; na ditadura franquista as ações
e a formação profissional de caráter cnico dos primeiros assistentes sociais serão
encouraçadas de paternalismo e assistencialismo sob as orientações políticas e ideológicas da
Igreja Católica, ou sob a orientação da seção feminina do partido fascista falange – instituições
legitimadoras da ditadura na Espanha. É com a abertura do país aos demais países, com a
implantação do seu tardio Estado de Bem-estar social e com um acentuado desenvolvimento
econômico a partir da década de 1950 que os assistentes sociais espanhóis terão maiores
possibilidades de conhecer novas experiências de atuação e de técnicas, que os auxiliarão a
questionar o seu fazer profissional e a criticar o caráter paternalista e assistencialista da
profissão nas décadas posteriores.
Assim, enquanto na ditadura Vargas, que defendia uma ideologia desenvolvimentista e
industrialista, os assistentes sociais tiveram melhores condições para a sua profissionalização e
institucionalização, sendo requisitados a realizar seus serviços junto as grandes instituições
assistenciais e tendo o Estado como o seu principal empregador; na Espanha a maior parte da
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ditadura franquista vai podar o desenvolvimento profissional dos primeiros assistentes sociais
restringindo o seu fazer a um assistencialismo paternalista e condizente com os interesses do
projeto dominante e ditatorial. Mesmo assim é necessário pontuar que ambas as experiências
reproduziram os interesses de seus períodos ditatoriais, pois elas auxiliavam o processo de
controle, de vigilância sobre os trabalhadores e seus familiares, assim como naturalizavam a
estrutura desigual da sociedade e, utilizando-se dos preceitos moralizador-católicos,
culpabilizavam os trabalhadores e seus familiares pelas suas atuais condições. Tal prática
afirmava os interesses das classes dominantes e negava as ideologias contrárias à ‘harmônica
sociedade capitalista’.
Essas poucas notas não esgotam as particularidades e singularidades que compreendem
a constituição da emergência e da institucionalização do Serviço Social no período ditatorial
nos países em questão; e certamente um estudo mais aprofundado sobre a história da profissão
na Espanha e na sua língua materna pode evidenciar maiores particularidades do Serviço Social
espanhol. O que se coloca aqui é um tema viçoso e instigante para a pesquisa e o conhecimento
das demais experiências do Serviço Social em âmbito internacional.
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