DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22.36753
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
212
Reunião multiprofissional na alta
complexidade: perspectiva do usuário em sua
integralidade
Multiprofessional meeting in high complexity: the user's perspective in its
entirety
Amanda Caroline da Fe Pereira*
Ana Paula Barboza Dantas**
Ilka de Lima Souza***
Resumo: O estudo é resultado de pesquisa com
lócus na Unidade de Terapia Intensiva-Adulto
do Hospital Universitário Onofre Lopes,
considerando, o período de Pandemia do
COVID-19. Teve como objetivo analisar a
reunião multiprofissional como instrumento a
ser utilizado na perspectiva de qualificar o
cuidado integral aos usuários internados.
Realizada abordagem qualitativa, desenvolveu
revisão de literatura, bem como pesquisa de
campo e análise documental. Foi realizada no
período de 2019-2021. Para a coleta de dados
foram aplicados questionários semiestruturados
a equipe multiprofissional, por meio do
aplicativo Google Forms. Os resultados
apontam para o aprimoramento da assistência
efetivada pela equipe multiprofissional aos
usuários, com vistas a favorecer a diminuição de
tempo de permanência destes na alta
complexidade a partir da execução de ações na
perspectiva de integralidade e da
interdisciplinaridade, considerando a reunião
Abstract: The study is the result of research
with the locus in the Adult Intensive Care Unit
of the Onofre Lopes University Hospital,
considering the COVID-19 pandemic period. It
aimed to analyze the multidisciplinary meeting
as an instrument to be used from the perspective
of qualifying comprehensive care for
hospitalized users. Performed a qualitative
approach, developed a literature review, as well
as field research and document analysis. It was
carried out in the period 2019-2021. For data
collection, semi-structured questionnaires were
applied to the multidisciplinary team, through
the Google Forms application. The results point
to the improvement of the assistance provided
by the multidisciplinary team to users, with a
view to favoring the reduction of the time of
permanence of these users in high complexity
from the execution of actions from the
perspective of integrality and interdisciplinarity,
considering the meeting as a strategy of
* Assistente Social. Especialista na modalidade de Residência Multiprofissional em Saúde, com ênfase no
Programa de Terapia Intensiva Adulto no Hospital Universitário Onofre Lopes/UFRN. Bacharel pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Capacitada na área de Saúde Pública e Serviço Social.
** Assistente Social. Especialista em Gestão Pública pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
(2012). Graduada em Serviço Social pela mesma Universidade (2006). Desde 2015 atua como Assistente Social
no Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL, onde também exerce a função de preceptoria e tutoria do
Programa de Residência Multiprofissional UTI Adulto em Serviço Social.
*** Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2012), Mestrado em Serviço Social
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2003) e Graduação em Serviço Social pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (1998). É Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
no departamento de Serviço Social. Tem experiência em Serviço Social, com ênfase em temas de discussão sobre:
Famílias na Contemporaneidade; Serviço Social e Famílias; Serviço Social e Educação.
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
213
A
R
T
I
G
O
como uma estratégia de efetivação para esses
elementos.
Palavras-chaves: reunião multiprofissional;
interdisciplinaridade; unidade de terapia
intensiva adulto; integralidade
effectiveness for these elements.
Keywords: multiprofessional meeting;
interdisciplinarity; adult intensive care unit;
integrality
Recebido em: 03/01/2022
Aprovado em: 01/04/2022
Introdução
O debate sobre o trabalho em equipe nos ambientes de saúde envolvendo categorias
profissionais distintas têm sido cada vez mais ressaltado na área da saúde, principalmente em
discussões que tratam sobre os processos de trabalho, gestão do cuidado e integralidade. Dessa
forma, tem-se que após a instituição da saúde pública enquanto Sistema Único de Saúde, a sua
estruturação foi desenvolvida com destaque em redes de atenção à saúde e com o uso de
diversos tipos de tecnologias entendidas enquanto um
Conjunto de equipamentos, medicamentos, insumos e procedimentos
técnicos, sistemas organizacionais, informacionais, educacionais e de suporte,
e programas e protocolos assistenciais por meio dos quais a atenção e os
cuidados com a saúde são prestados à população. (BRASIL, 2009, p. 367).
Nesse sentido, entende-se que necessidade de cuidar do usuário em sua totalidade,
considerando os aspectos biopsicossociais e a realidade social na qual está inserido, se faz
primordial para que seja garantida a integralidade do cuidado, conforme descrito na Lei
8.080, de 19 de setembro de 1990. Dentre os níveis de atenção ao cuidado, destacaremos o nível
terciário, no qual se encontra a UTI-adulto, que de acordo com o anexo da Portaria 3.432,
de 12 de agosto de 1998, compreende enquanto um espaço destinado ao cuidado de pacientes
considerados graves os quais precisam de atendimento especializado a funcionar de modo
ininterrupto para o tratamento e prolongamento da vida humana (BRASIL,1998).
Para isso, é preciso a composição de uma equipe multiprofissional qualificada,
conforme preconiza a Resolução 7, de 24 de fevereiro de 2010, a qual dispõe sobre os
requisitos mínimos para o funcionamento das Unidades de Terapia Intensiva, para que ocorra o
cuidado aos usuários de forma integrada. No sentido de atingir maior efetividade dos serviços
de saúde e, consequentemente, uma melhor assistência à sociedade para além do aspecto
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
214
biomédico, a Portaria 3.390, de 30 de dezembro de 2013, abarca a Política Nacional de
Atenção Hospitalar-PNHOSP, no âmbito do SUS, estabelecendo as diretrizes para a
organização do componente hospitalar na Rede de Atenção à Saúde-RAS, que traz conceitos
sobre a importância das equipes multiprofissionais e o trabalho interdisciplinar, da
horizontalização do cuidado e do plano terapêutico.
Diante do exposto, o estudo cujos resultados são apresentados
1
visou apreender as
percepções da equipe multiprofissional sobre a execução da reunião multiprofissional para
discussões de casos, como um meio de concretização de direito, ao cuidar do usuário em sua
integralidade, no contexto da UTI-Adulto, do HUOL, vinculado à Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), administrado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
(EBSERH). O interesse em pesquisar tal temática decorreu das vivências com a realidade social
dos usuários internados no HUOL, a partir da inserção no Programa de Residência Integrada
Multiprofissional em Saúde-PRIMS
2
, iniciado em março de 2019.
O estudo caracterizou-se pela abordagem qualitativa, entendendo-se que esta possui
interpelação teórica e “permite esclarecer processos sociais que ainda são pouco conhecidos,
proporcionando também o estabelecimento de novas abordagens, revisão, criação de novos
conceitos e categorias durante o processo de pesquisa.” (MINAYO, 2013). Delimitou-se como
objetivo geral analisar a reunião multiprofissional, com a perspectiva de atuação
interdisciplinar, como instrumento utilizado no intuito de qualificar o cuidado integral aos
usuários internados na UTI do HUOL.
Esse objetivo se desdobrou em três objetivos específicos, a saber: apreender a dinâmica
das reuniões multiprofissionais realizadas no âmbito da UTI-Adulto do HUOL; identificar a
percepção da equipe multiprofissional acerca da reunião para discussões de casos, de forma
interdisciplinar, de modo a evidenciar suas potencialidades, limitações e estratégias para o seu
fortalecimento–considerando também o período de Pandemia
3
ocasionada pelo vírus SARS-
Cov-2–e contribuir com o processo de qualificação da assistência efetivada pela equipe
multiprofissional, com vistas a favorecer a diminuição de tempo de permanência do usuário na
1
Aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes (CEP/HUOL), por meio do
Parecer Consubstanciado nº4.247.091–CAAE:29025420.8.0000.5292, emitido no dia 31 de agosto de 2020. Tal
pesquisa foi realizada em conformidade com as determinações da Resolução 510, de 07 de abril de 2016, do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), a qual trata sobre a Ética na Pesquisa na área de Ciências Humanas e Sociais.
2
Criado por meio da Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005, Portaria Interministerial nº 1.077, de 12 de novembro
de 2009, e demais Resoluções advindas da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional de Saúde
(CNRMS).
3
O vírus SARS-CoV-2 ou Novo Coronavírus, descoberto no período de dezembro de 2019, na província de Wuhan
na China, tem ocasionado diversos impactos na sociedade nos âmbitos: econômicos, biopsicossociais, culturais e
políticos. No Brasil, os primeiros casos começam a surgir em meados de fevereiro e março de 2020, com
propagações distintas em cada região do país. (MS, 2020)
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
215
A
R
T
I
G
O
UTI.
Dessa forma, para o desenvolvimento da pesquisa, o percurso metodológico se
desdobrou em três etapas. A revisão de literatura efetivou-se no decorrer de toda a pesquisa,
realizada por meio da aproximação e leitura de referenciais teóricos com discussões e análises
sobre o SUS; clínica ampliada pelo viés da política de humanização a assistência hospitalar;
cuidado assistencial na alta complexidade; reuniões multiprofissionais para as discussões de
caso e o conceito de interdisciplinaridade. Outra etapa consistiu na pesquisa documental, a
partir da coleta de dados em instrumentos normativos como leis, decretos e portarias,
direcionando a abordagem de análise dos documentos que subsidiassem o conhecimento de
normatizações, conceitos e diretrizes relacionadas à temática estudada; e por fim, a pesquisa de
campo in loco na UTI-Adulto do HUOL, na qual foi enviado aos profissionais e residentes
vinculados a UTI-Adulto um questionário online contendo questões semiestruturadas– por
meio do Aplicativo
4
Google Forms. O processo de envio e recebimento das respostas dos
sujeitos participantes ao questionário ocorreu entre setembro e outubro de 2020.
A coleta de dados da etapa de campo contemplou um universo de profissionais da UTI
Adulto, que atuam diretamente com os cuidados do usuário, dos quais se destacam as seguintes
categorias profissionais de nível superior das seguintes áreas: Enfermagem (21), Farmácia (01),
Fisioterapia (10), Medicina (25), Nutrição (01), Psicologia (01) e Serviço Social (01) e, ainda,
(01) Residente representante de cada categoria profissional que integrasse os programas de
residência multiprofissional e médica, desde que já tivesse realizado o rodízio nesse cenário de
prática ou que estivesse em rodízio no período de realização da pesquisa. Para a representação
de cada categoria profissional foi utilizado o mínimo de 10% sendo definido pelo critério da
não probabilística intencional, exceto para aqueles que têm apenas um profissional responsável
pelo serviço, cuja amostra foi de 100%.
Destarte, a amostra
5
foi composta por meio da técnica amostragem por julgamento, no
qual 17 participantes responderam o formulário. Dessa forma, as divisões foram referentes aos
profissionais da Enfermagem 02, Fisioterapia 02 e Medicina 02. Quanto aos demais
profissionais, a coleta de dados partiu de amostragem não probabilística intencional. Nesse
caso, estiveram incluídos os profissionais responsáveis
6
pela atividade na Unidade pesquisada,
4
Aplicativo utilizado para que fossem garantidas as medidas de segurança necessárias, considerando a crise
sanitária vivenciada.
5
Os participantes da pesquisa não serão identificados em virtude de questões éticas da pesquisa, aparecendo no
decorrer do estudo como E1, E2, E3 e E4. Perfil dos participantes (tempo de atuação na instituição): E1: 01 a 02
anos – equivalente a 52,94%; E2: 02 a 03 anos – equivalente a 5,8%; E3: 04 a 05 anos –equivalente a 5,8%; E4:05
anos ou mais – equivalente a 35,29%.
6
A fim de que seja garantida a ética em pesquisa, não foi possível incluir a categoria profissional de Serviço Social
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
216
sendo estes das seguintes áreas: Farmácia 01, Nutrição 01 e Psicologia 01, totalizando 09
sujeitos. Acrescentado de um representante profissional da residência multiprofissional e 02 da
residência médica
7
, que resultou em 08.
Os critérios de inclusão para participação na pesquisa foram definidos em: profissionais
de ensino superior que fizessem ou que tivessem feito parte do quadro da UTI adulto, que
tivessem participado de reunião multiprofissional para discussões de casos de usuários ao
menos uma vez dentro da instituição hospitalar, bem como residentes que estivessem em rodízio
no referido local no período da realização da coleta de dados, nos meses de setembro e outubro
de 2020. Como critério de exclusão tem-se a participação de profissionais que trabalham em
regime de plantão. Assim, compreendeu-se que poderiam ser restritas ou mesmo inexistentes a
vivência desses sujeitos com a reunião multiprofissional.
A coleta de dados decorrente da etapa de campo foi submetida à técnica de análise de
conteúdo, a qual abarca um conjunto de técnicas que tem por objetivo à obtenção de
informações pertinentes para análise das comunicações que visam à obtenção de informações
por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens e
indicadores. Possibilita a inferência de conhecimentos relacionados às condições de recepção
das mensagens (BARDIN, 2004). Foram consideradas algumas variáveis relevantes para o
estudo, como: gênero, profissão, ano de formação, tempo de trabalho na instituição, realização
de outros cursos para além da graduação, tempo de atuação na UTI, vínculo empregatício, carga
horária semanal de trabalho, quantidade de vínculos institucionais e ocupação de
chefia/coordenação de setor.
Ante o exposto, além desta introdução, o artigo encontra-se organizado em 07 seções,
as quais propõem evidenciar elementos referentes à discussão enunciada. A segunda seção traz
um recorte do processo de implementação da saúde pública após a Constituição Federal de 1988
na perspectiva de retomar conceitos e princípios aqui entendidos como fundamentais no debate
sobre a realização da reunião multiprofissional; a terceira seção objetiva retratar o contexto de
trabalho de uma UTI adulto bem como caracterizar os profissionais que nela atuam; a quarta
seção retrata sobre a percepção dos profissionais da UTI adulto do HUOL, sobre a realização
da reunião multiprofissional; a quinta seção se dispõe a debater sobre o trabalho coletivo em
saúde e sua relação com a interdisciplinaridade; a sexta seção traz um recorte do debate sobre
na coleta de dados, pois no quadro de profissionais da UTI Adulto apenas 01 Assistente Social, e esta é co-
orientadora desse estudo.
7
Ressalta-se que foram escolhidos dois representantes da categoria médica de residentes, devido a grande
quantidade desses profissionais presentes na UTI, sendo o dobro em comparação aos residentes multiprofissionais.
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
217
A
R
T
I
G
O
a integralidade e como isso se efetiva em um ambiente de UTI; e, por fim, tem-se as
considerações finais com notas conclusivas referentes à temática ressaltada no artigo.
Caracterização do cenário da unidade de terapia intensiva adulto
Os serviços de saúde estão organizados em três níveis de atenção ao cuidado, sendo
definidos de acordo com sua densidade tecnológica, quais sejam: atenção básica/primária,
definida por fornecimento de ações e serviços de saúde, na perspectiva de proporcionar
atendimento integral à saúde dos indivíduos, principalmente no âmbito da promoção e proteção
da saúde, da prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos,
cuidados paliativos e vigilância em saúde. (BRASIL, 2017). O nível secundário integra um
conjunto de ações e serviços especializados; enquanto o nível terciário/alta complexidade é
constituído pelo uso de tecnologias consideradas de alto custo, tendo a incorporação dos demais
níveis de atenção à saúde. (BRASIL, 2009).
No nível terciário está situada a UTI, com utilização de tecnologias duras, caracterizada
pelo uso de equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas e estruturas organizacionais,
que requer equipe multiprofissional especializada (MERHY, 1997). De acordo com a RDC
7/2010, o local da UTI-adulto é destinado a cuidar de usuários em estado crítico que requerem
atenção especializada de forma contínua, admitindo a internação de usuários a partir dos 18
anos de idade, podendo admitir idades inferiores de acordo com as normas institucionais.
Dessa forma, considerando a resolutividade do atendimento, o usuário internado deve
ser tratado em seus aspectos biopsicossociais, recebendo assistência contínua considerando
todas as categorias profissionais, ressaltando-se a humanização no cuidado da saúde, sobre a
qual a RDC nº7/2010 explicita, no Art. 4º, definições quanto a dimensões a serem priorizadas
e fortalecidas em uma perspectiva ampliada, no que diz respeito aos direitos da população
usuária, dentre essas a humanização.
IX - Humanização da atenção à saúde: valorização da dimensão subjetiva e
social, em todas as práticas de atenção e de gestão da saúde, fortalecendo o
compromisso com os direitos do cidadão, destacando-se o respeito às questões
de gênero, etnia, raça, religião, cultura, orientação sexual e às populações
específicas. (BRASIL, 2010)
Nesse sentido, apreende-se o cuidado como indissociável da integralidade, sendo
imprescindível prestar assistência além do viés de práticas clínicas, pois é um processo que
envolve não o usuário, mas também seus familiares e/ou visitantes. No contexto de
atendimento a usuários graves
8
, em razão da rotina intensa do processo de trabalho realizado
8
Paciente com comprometimento de um ou mais dos principais sistemas fisiológicos, com perda de sua
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
218
na UTI, por algumas vezes, o trabalho pode ser estressante. A assistência pode se tornar
mecanizada com viés apenas biológico e imediatista, devido à gravidade dos usuários
internados, o uso intensivo de altas tecnologias para aumentar a acurácia
9
nas investigações
sobre doenças e o desconforto contínuo de lidar com o próprio ambiente da UTI. (ROSA et al.
2010).
No contexto hospitalar o trabalho deve partir de uma atenção integral ao usuário ao
realizar uma abordagem completa, criando um ambiente de conforto e segurança para o usuário
e sua família, associando os 03 níveis de tecnologias em saúde (duras, leve–duras e leves). Na
perspectiva de melhorar e prolongar a vida, ressaltando a importância de incluir o indivíduo
como principal sujeito do processo do cuidado em saúde, por meio da ampliação da autonomia
e da aspiração das pessoas envolvidas, reconhecendo e incentivando sua atuação na produção
de saúde, em consonância com a Política Nacional de Humanização-PNH do SUS (BRASIL,
2013), torna-se imprescindível o processo contínuo de formação em saúde para que esses
preceitos sejam efetivados.
Nesse sentido, destaca-se o lócus da pesquisa, referência em média e alta complexidade.
Este dispõe de ambulatórios, bem como de 240 leitos de enfermaria e UTIs Pediátrica e Adulto.
Especificamente de leitos da UTI-Adulto, contam com 19 ao total, sendo 04 leitos de
Isolamento/Cirúrgico, 11 leitos de UTI Geral e 04 leitos de UTI Cardiológica. Composta por
uma equipe multiprofissional, a UTI Adulto do HUOL abarca profissionais de nível superior,
como categorias de Assistentes Sociais, Enfermeiros, Farmacêuticos, Fisioterapeutas, Médicos,
Nutricionistas e Psicólogos.
Dentre as categorias profissionais participantes da pesquisa, tem-se que 29,5% são do
gênero masculino enquanto 70,6% se identificaram do gênero feminino, sendo suas formações
acadêmicas correspondentes, em sua maioria, ao período de 2018 correspondente a 23,5%;
seguido do ano de 1999 com 11,7%, sendo todos com formação posterior à criação e
regulamentação do SUS. Em relação à continuidade da formação após a graduação
10
, 23,5%
informaram que não possuem pós-graduação, enquanto 76,5% responderam que sim.
Acerca da carga horária exercida pelos profissionais atuantes na UTI do HUOL, 100%
dos enfermeiros entrevistados trabalham 36h por semana, com turnos manhã e/ou tarde,
autorregulação, necessitando de assistência contínua. (BRASIL, 2010)
9
A acurácia é considerada uma medida de validade[...]permitem avaliar em que grau os dados medem o que eles
deveriam medir ou o quanto os resultados de uma aferição correspondem ao verdadeiro estado do fenômeno
aferido[...]em termos de sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo do método.(SILVEIRA;
ARTMANN, 2009, p.877)
10
Ressalta-se que no formulário não foi colocado a opção de caracterização dessa pós-graduação.
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
219
A
R
T
I
G
O
compondo ao menos 01 enfermeiro em cada turno de trabalho, a cada 10 leitos de UTI. Assim,
infere-se que é a categoria que está presente nas 24 horas do dia na prestação de assistência
direta nesse ambiente e que consequentemente possui maior contato com os usuários.
Em relação aos profissionais médicos, 100% dos entrevistados trabalham no regime de
24h por semana, nos turnos manhã, tarde e/ou noite. Em seguida, tem-se os fisioterapeutas e
nutricionistas em que 100% dos entrevistados possuem a carga horária de 30h por semana a ser
exercida no turno da manhã. Enquanto os farmacêuticos e psicólogos exercem 40h por semana
nos turnos manhã/tarde. Ademais, os residentes multiprofissionais e médicos que exercem
60h por semana; os médicos atuam nos turnos manhã, tarde e/ou noite e as outras categorias
nos turnos manhã/tarde. Compreende-se que o compartilhamento de diversos conhecimentos e
saberes provenientes das diversas categorias profissionais que trabalham em equipe na
prestação de assistência aos usuários internados podem contribuir para o fortalecimento de
ações na perspectiva da integralidade no cuidado em saúde.
Acerca do cenário recente da UTI do HUOL importa demarcar mudanças efetivadas
diante do contexto da Pandemia, ocasionado pelo vírus SARS-Cov-2, pois a coleta de dados da
pesquisa ocorreu no mesmo período da crise sanitária instaurada no país. No mês de junho de
2020, por meio de um ofício circular interno, a estrutura da UTI foi alterada bem como a rotina
de trabalho dos profissionais de seu quadro. Dessa forma, dos 19 leitos existentes 10 leitos para
tratamento de comorbidades de forma geral e 09 leitos destinados ao tratamento dos usuários
com suspeita ou confirmação do vírus SARS-Cov-2. Foi adaptado um andar específico para
alocação desses leitos. A equipe também foi realocada, com uma parte destinada a tratar
exclusivamente dos usuários acometidos por covid-19 e outra a auxiliar nos cuidados dos
demais usuários internados na UTI.
Nessa perspectiva e entendendo a reunião multiprofissional como um instrumento que
pode propiciar uma visão do usuário em sua totalidade, a seção subsequente traz uma introdução
a reflexões e análises que conduzam para melhor ampliação do conhecimento e debate sobre
esse instrumento. Portanto, serão enfatizadas concepções que estão relacionadas ao trabalho em
equipe, com destaque para trabalho multiprofissional, interdisciplinaridade e a própria reunião
multiprofissional. Serão evidenciadas a apreensão dos sujeitos partícipes da pesquisa realizada,
sobre tais conceitos.
A apreensão da reunião multiprofissional em saúde no ambiente de UTI
A UTI é um ambiente regido por uma rotina de trabalho intensa, efetivada por diversas
categorias profissionais. Matos (2013), analisa o trabalho coletivo realizado na saúde o qual é
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
220
perpassado por diversas tensões, incluindo questões de hierarquização entre as categorias
profissionais, o que pode gerar competitividade entre profissionais e, consequentemente, pode
fragmentar o trabalho em saúde.
Em análise sobre o trabalho em equipe e reunião multiprofissional na saúde, Cardoso e
Hennington (2011, p.86), subsidiadas por Costa, Enders e Menezes (2008 apud) ressaltam que
o desenvolvimento desse trabalho representa um ponto central na reorganização da atenção à
saúde no SUS, “sustentada por projetos assistenciais mais integrais e resolutivos que promovam
mudanças nos processos de trabalho e nas formas de atuar sobre o processos saúde-doença
através de uma maior interação entre os profissionais e suas ações”.
No ambiente hospitalar, as reuniões realizadas por equipes multiprofissionais têm o
intuito, na maior parte das vezes, de discutir sobre um caso específico de um usuário em
atendimento na instituição ou de todos que possam ser atendidos em um determinado setor. A
reunião multiprofissional que ocorre na UTI do HUOL, conforme apreendido pelos partícipes
da pesquisa, demarca aspectos que envolvem a importância da atuação das distintas áreas
profissionais no processo de apreensão de informações sobre o usuário em perspectiva
interdisciplinar, de modo a propiciar uma assistência que valorize o cuidado.
Excelente ferramenta para alinhar as informações entre as diversas
especialidades sobre o paciente envolvendo desde o quadro clínico,
tratamento ao planejamento. pode incluir familiares e pacientes caso
verbalizem o desejo. (E4) Importante para analisar as especificidades
de cada profissão permitindo uma assistência completa baseada na
interdisciplinaridade e valorizando as contribuições de cada profissão em cada
caso. Melhorando assim a qualidade do cuidado. (E1)
A reunião multiprofissional, se destaca, portanto, como um instrumento importante para
contribuir no processo de garantia do atendimento integral ao usuário, a partir de um trabalho
interdisciplinar da equipe multiprofissional. Assim, com a realização desta os profissionais
podem realizar o planejamento e discussões relacionadas às particularidades daquele sujeito
visando uma compreensão mais ampliada do processo saúde doença. As reuniões nessa
perspectiva
[...] possibilitam que profissionais conversem sobre todos os usuários dos
quais são responsáveis, suas necessidades clínicas e psicossociais e, sobretudo
das possibilidades de (re)construção da vida cotidiana buscando fortalecer o
Plano Terapêutico Singular mediante discussões atentas da equipe sobre as
estratégias que estão sendo efetivas e aquelas que precisam de ajustes.
(SANTOS, COIMBRA, KANTORSKI, et al., 2017, p.609)
A maior parte dos participantes apresentou um entendimento acerca da reunião como
sendo esta importante para a gestão do cuidado e integração da equipe multiprofissional.
Ressalta-se que 100% destes tiveram ao menos uma experiência de participação em reunião
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
221
A
R
T
I
G
O
multiprofissional realizada na UTI. As reuniões multiprofissionais passaram a serem
priorizadas após implementarem o projeto de segurança do paciente
11
instituída pelas portarias
n° 1377/2013 e 2095/2013, como um meio para atingir metas.
Ressalta-se que até o período da primeira semana de fevereiro de 2020, as reuniões
ocorreram concomitantes ao horário de visita de familiares no turno matutino, compreendido
entre 11h e 11h40min.Dentre os benefícios existentes na realização da reunião multiprofissional
para os usuários, os entrevistados destacaram a possibilidade de uma análise mais ampliada
sobre o processo saúde doença proveniente do compartilhamento de conhecimento dos diversos
profissionais envolvidos. Consequentemente, propicia-se um acompanhamento e atenção ao
paciente internado que considera um conjunto de aspectos relacionados às suas condições de
vida, os quais podem ter sido determinantes no seu processo de saúde-doença
[...] Nestas reuniões são discutidos aspectos que são relevantes a cada
profissão que atua no acompanhamento do paciente (farmacêutico,
enfermeiros, fonoaudiólogo, médico, fisioterapia, psicólogos e assistente
social) de modo que ocorre uma avaliação mais abrangente do paciente como
um todo, não esquecendo de avaliar apenas o quadro clínico, mas seus
aspectos psicossociais, econômico e melhorando a segurança terapêutica com
revisão de prescrições e demais aspectos relacionados ao acompanhamento do
paciente internado. (E4)
[...] o paciente é um ser multideterminado, quando adoece amplos setores da
sua vida estão relacionados com esse processo, para compreensão e tratamento
é importante considerar esses aspectos e não focar apenas em uma área/saber.
(E1)
Em reação ao local de realização da reunião, essa ocorria em espaço aberto, no corredor
da UTI, em horário concomitante as visitas de familiares desse setor. Por não haver estrutura
física adequada para a realização da reunião, os familiares que passavam pelo corredor
acabavam por ouvir as discussões realizadas pelos profissionais, o que dificulta a execução do
sigilo e fragmenta a humanização e o acolhimento voltados para a família, pois essa acaba por
ouvir informações para as quais podem não estar preparados para vivenciar. Situação
evidenciada pelos profissionais.
[...] quanto ao espaço físico é necessário uma sala apropriada em que todos
possam ficar sentando em uma "mesa redonda", um ambiente em que não
ocorro interferências desnecessárias, sem ruídos externos. (E4)
[...] há a necessidade de um espaço confortável e sigiloso para que aconteça a
reunião. (E1)
Os participantes da reunião multiprofissional na UTI são os próprios profissionais que
11
O projeto de segurança do paciente institui 06 protocolos a serem seguidos pelas instituições hospitalares, sendo
estas: Cirurgia Segura; Identificação do Paciente; Prática de Higiene das mãos; Prevenção de Quedas; Segurança
na Prescrição e de Uso e Administração de Medicamentos e, Úlcera por Pressão (BRASIL, 2013)
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
222
trabalham nesse espaço e que apresentem disponibilidade no horário estabelecido. A reunião
começa sendo conduzida por um médico, que explica que os casos a serem explanados são
referentes àqueles sob sua responsabilidade de cuidado. Ressalta-se que atualmente apenas 01
médico diarista, de um quadro de 25 médicos
12
, tem realizado essa discussão. Dessa forma, as
reuniões são executadas apenas quando esse médico está presente. As assertivas a seguir
ressaltam a apreensão sobre a necessidade de inserção de outros profissionais nesse processo,
de modo a também dinamizar e otimizar a realização das reuniões.
Acredito que precisa haver maior empenho dos profissionais médicos na
realização das visitas e na compreensão de sua importância [...] (E1)
[...] Poderia ser dividida duas reuniões simultaneamente, dividida por leitos.
Para assim otimizar o tempo dos profissionais que por vezes são
sobrecarregados já. E também descentralizar o profissional que a conduz,
realizando um rodízio semanal onde cada categoria profissional seria o
responsável por conduzir/intermediar a visita. (E1)
Após a exposição dos casos, é feita uma breve explanação acerca da história clínica do
paciente e pergunta-se, pontualmente, o que cada profissional tem a contribuir com o caso,
considerando a sua área de atuação. Evidencia-se que os médicos plantonistas de turno e de
final de semana, na maior parte dos casos, ressaltam que não conduzem a reunião por possuírem
dificuldades de acompanharem a rotina do setor e, assim, por não acompanharem
sistematicamente os casos dos usuários internados.
Salienta-se que não documentos ou protocolos institucionais que direcionem ou
sistematizem o modo como a reunião deve ser conduzida. Nessa perspectiva, foi perguntado
aos profissionais atuantes na UTI sobre os limites e possibilidades da realização da reunião
multiprofissional, considerando a inexistência de diretrizes para a sua efetivação.
[...] há a necessidade de um espaço confortável e sigiloso para que aconteça a
reunião, bem como a maior frequência de sua realização. A participação dos
profissionais do quadro também seria de suma relevância. (E1)
Considera-se que 88,23% dos entrevistados destacou como limites para efetivação da
reunião a dificuldade de todas as categorias profissionais participarem e a falta de regularidade
das discussões de caso, enquanto 11,76% respondeu que a reunião não apresenta nenhum limite
ou precisa de melhorias. A não disposição de todos os profissionais ocorre, pois de acordo com
a RDC n°7 de 2010, que estabelece quais categorias profissionais pertencem a equipe mínima
da UTI, não são todos os profissionais de saúde que possuem locação exclusiva na UTI, dentre
12
A informação sobre o quantitativo dos profissionais foi obtida em novembro de 2019 por meio de dados
divulgados pela EBSERH em:
http://www2.ebserh.gov.br/documents/16628/3782588/UTI+ADULTO+NOVEMBRO+2019.pdf/67cb9c279154
de8-ad59-8a90cfb50a38.
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
223
A
R
T
I
G
O
esses, destacam-se: nutricionistas, farmacêuticos, assistentes sociais e psicólogos. Desse modo,
por não estarem alocados exclusivamente na UTI precisam prestar assistência a outros setores
do hospital. Na maior parte das vezes, essas categorias profissionais se apresentam,
exclusivamente, por meio dos residentes multiprofissionais no momento de realização das
reuniões.
Diante do exposto, ressalta-se que após o agravamento do período de Pandemia
ocasionado pelo COVID-19, houve mudanças na rotina de trabalho. Levando em consideração
as medidas sanitárias em caráter mundial de distanciamento social para evitar aglomerações,
ocorreu a suspensão da realização da reunião multiprofissional do período de março de 2020
até a segunda metade do período de agosto do mesmo ano. As reuniões retornaram no período
de agosto, por meio da iniciativa dos residentes multiprofissionais que começaram a discutir os
casos dos usuários em seus aspectos biopsicossociais, ao menos uma vez por semana. No
período de setembro a dezembro de 2020, as reuniões perderam a regularidade, pois os
residentes iniciaram seu processo de aprendizagem sobre a RAS no município de Natal em suas
respectivas instituições, estando afastados do HUOL durante esse período.
Destarte, também procurou-se evidenciar entre os sujeitos participantes da pesquisa
quais os possíveis impactos gerados pela pandemia no trabalho do setor da UTI, considerando-
se a ausência das reuniões multiprofissionais. Assim, 82,35% dos participantes relataram que a
não realização das reuniões impactou no cuidado efetivo ao usuário e na articulação da equipe.
Infere-se que as respostas mais recorrentes trouxeram problemáticas, como: equipes
sobrecarregadas, perda do ritmo e das informações dos usuários, cuidado fragmentado e
comunicação fragilizada. Esse momento reforçou práticas profissionais individualizadas, sendo
priorizado os aspectos biomédicos em relação aos aspectos biopsicossociais dos usuários.
[...] a ausência ou descontinuidade da reunião multiprofissional implica em
menor eficácia do trabalho e pode provocar maior vulnerabilidade para o
paciente. Uma vez que a soma das intervenções dos vários profissionais não
tem o mesmo resultado de um trabalho alinhado onde todos compartilham as
informações. (E4)
[...] no período da pandemia passamos a trabalhar com equipes reduzidas.
Apesar da medida de distanciamento social ter sido importante no controle da
pandemia da COVID-19 e do colapso dos serviços de saúde. A equipe ficou
fragilizada diante da possibilidade da perca de um ente querido, ou até mesmo
da sua própria vida. Muitos se infectaram e adquiram a covid-19, necessitando
se afastarem dos seus serviços essenciais (E4)
A realização da reunião multiprofissional possibilita aos profissionais compreenderem
a atuação de outras categorias e, concomitante a isso, o compartilhamento de saberes e
apreensões heterogêneas da realidade de saúde do usuário, os quais podem levar a avaliações e
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
224
encaminhamentos unificados em relação às decisões e ao desenvolvimento de ações em saúde.
Além de se constituir como um espaço potencializador de construção coletiva, a reunião
incentiva uma melhor colaboração entre profissionais e uma melhor intervenção em face das
demandas e necessidades do usuário, o que possibilita auxiliar na diminuição de seu tempo de
internação na UTI. Uma vez que, oportuniza a compreensão por parte da equipe profissional
sobre o cuidado em todas as dimensões de vida, biopsicossociais. Dessa forma, observa-se a
importância de as reuniões serem realizadas subsidiadas por uma perspectiva interdisciplinar.
Interdisciplinaridade como eixo integrador do trabalho coletivo em saúde
As organizações de saúde em geral, sobretudo, no hospital, o cuidado é
“necessariamente multidisciplinar, isto é, depende da conjugação do trabalho de vários
profissionais.” Cecílio e Merhy (2002, p.02). Os autores dão ênfase à presença de mecanismos
de dominação e de relações assimétricas entre esses profissionais. Mecanismos estes que
“ocultam a imprescindível colaboração que deve existir entre os vários trabalhadores, como
operadores de tecnologias de saúde, para que o cuidado aconteça”. Para uma melhor
compreensão sobre a funcionalidade do trabalho multiprofissional e a colaboração em modo
interdisciplinar, é preciso explanar alguns conceitos, as quais sejam: I) multidisciplinaridade,
II) pluridisciplinaridade, III) transdisciplinaridade e IV) interdisciplinaridade.
A multidisciplinaridade diz respeito à realização do trabalho sem integração com outras
categorias profissionais envolvidas no processo de trabalho, ou seja, sem trocas de saberes. Ou,
ainda, como expressa, Ely (2003, p.114), “o trabalho acontece de forma isolada, geralmente
com troca e cooperação mínima entre as disciplinas”. Quanto à pluridisciplinaridade, refere-se
a uma integração entre vários campos disciplinares, interligados, como um conjunto de
“disciplinas que se agrupam de forma justaposta, com cooperação, porém cada profissão decide
isoladamente” (ELY, 2003, p.114). A transdisciplinaridade possui um nível mais avançado de
interação entre as áreas de conhecimento com atividades que se assemelham à perspectiva
multifuncional em que as especificidades profissionais deixam de ser prioritárias na execução
do cuidado, por conseguinte há o risco de diluição de especificidades profissionais, na medida
em que “a coordenação é realizada por todas as disciplinas e interdisciplinas, propondo a
criação de um campo com autonomia teórica, disciplinar e operativa” (ibid., p.114).
Para concretização do aspecto interdisciplinar, a reunião multiprofissional se destaca
como um instrumento importante para contribuir no processo de garantia do atendimento
integral ao usuário, a partir de um trabalho interdisciplinar da equipe multiprofissional, pois é
na realização desta que os profissionais podem realizar planejamento e discussões relacionadas
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
225
A
R
T
I
G
O
às particularidades daquele sujeito para uma compreensão mais ampliada do processo saúde
doença.
Por conseguinte, os sujeitos participantes da pesquisa foram questionados quanto à sua
compreensão sobre interdisciplinaridade e se em algum momento de sua formação tiveram
contato com a temática ou fizeram algum curso sobre esse assunto. Desse modo, 76,47%
respondeu não ter tido contato com a temática de forma aprofundada, enquanto 23,52% afirmou
que já tiveram. Diante do exposto, a compreensão dos participantes sobre o que é uma atuação
interdisciplinar apareceu como algo pontual e generalista, correspondente a 70,5%. As respostas
mais recorrentes inferem que uma atuação interdisciplinar corresponde à gestão do cuidado,
possibilita uma visão ampla do ser humano e auxilia no cuidado da equipe para o usuário, na
continuidade do cuidado, bem como na interação entre os profissionais.
Vários profissionais desenvolvendo, juntos, problemáticas. (E1)
A busca do melhor cuidado ao paciente e a minimização de danos. (E1)
Imprescindível para um gestão do cuidado eficiente. (E4)
É a interação multiprofissional. (E4)
Facilidade da gestão de processos (E3)
Dentre a expressão mais recorrente nas respostas, tem-se que 80% dos participantes
mencionou o cuidado a ser realizado aos usuários, como um meio de alcançar o trabalho em
uma perspectiva interdisciplinar. Acerca do cuidado em saúde, entende-se como um ato que
[...] recebido/vivido pelo paciente, é somatório de um grande número de
pequenos cuidados parciais que vão se complementando, de maneira mais ou
menos consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e
produzem a vida do hospital. Assim, uma complexa trama de atos,
procedimentos, fluxos, rotinas e saberes, num processo dialético de
complementação, mas também de disputa, compõe o que entendemos como
cuidado em saúde. (CECÍLIO E MERHY, 2002, p.2).
Nessa perspectiva, salienta-se a importância de haver um processo contínuo de
qualificação do trabalho coletivo, uma vez que todo indivíduo deve receber, no decorrer de sua
internação, assistência integral e de forma interdisciplinar, dispondo de discussão sobre sua
situação de saúde, que deve ser avaliada em equipe de modo multiprofissional, com o propósito
de planejar a forma de intervenção mais adequada. (ARAÚJO e DRADOSAVAC, 2014).
Portanto, o conceito de interdisciplinaridade é pensado a partir de um nível avançado de
troca de saberes e integrativa entre as áreas, nesse pressupõe um processo continuo de
socialização do conhecimento de forma mútua, rompendo com as relações de poder instituídas
historicamente (SILVA e MENDES,2013;ORTIZ,2014). Dessa forma, as relações profissionais
tendem à horizontalidade, estabelecendo-se uma troca recíproca entre os diversos saberes
profissionais.
A interdisciplinaridade situa-se, portanto, em um nível avançado de
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
226
cooperação e coordenação, de forma que todo conhecimento seja valorizado,
com relações de intersubjetividade e de copropriedade baseadas em uma
atitude de diálogo[...]é preciso haver respeito à autonomia e à criatividade
inerente a cada uma destas áreas, para que não sejam influenciadas ou
excluídas deste processo (ELY, 2003, p.114).
Ressalta-se que no processo do cuidado, na área da saúde, é preciso que o trabalho
multiprofissional vise à perspectiva interdisciplinar para que o cuidado se concretize conforme
preconizam os instrumentos normativos de âmbito nacional. Infere-se que a atuação sob uma
perspectiva interdisciplinar ratifica o rompimento do cuidado compartimentado e fragmentado,
cujo exercício pode ser ainda evidenciado em processos de trabalho em saúde.
Apesar de a maior parte dos profissionais não demonstrarem uma compreensão definida
sobre interdisciplinaridade, 64,70% respondeu que a reunião multiprofissional ocorre de forma
interdisciplinar.
[...] Cada profissional aborda aspectos de sua competência, estas informações
são aproveitadas por todos nas reuniões. (E4)
Sim, já que é facultado a cada área se pronunciar sobre o cuidado do paciente
em discussão. (E1)
Sim, pois todos tentam ajudar agregando com suas experiências. (E4)
Entende-se que na maior parte dos relatos demonstra-se confusão de conceitos entre o
trabalho em equipe multiprofissional – que ocorre a partir da intervenção de diversas categorias
profissionais, mas não obrigatoriedade de interação entre ela e a reunião na perspectiva
interdisciplinar. Compreende-se que a interdisciplinaridade, também pode ser definida como
uma área que “se distingue dos demais conceitos por não se limitar às metodologias de apenas
uma ciência” (JAPIASSU, 1976, p.74).
O trabalho em equipe pressupõe o entendimento das atribuições e práticas dos demais
profissionais e o reconhecimento de que o saber do outro é indispensável. Ou seja, pauta-se em
relações de legitimação, dessa forma percebem suas qualidades, potência, bem como seus
limites. De acordo com o art. da Portaria 3390/2013, entende-se que o trabalho
multiprofissional em caráter interdisciplinar deve ser executado, pois
Os hospitais são instituição complexas, com densidade tecnológica especifica,
de caráter multiprofissional e interdisciplinar, responsável pela assistência aos
usuários com condições agudas ou crônicas, que apresentem potencial de
instabilização e de complicações de seu estado de saúde[...]ações que
abrangem a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o
tratamento e a reabilitação. (BRASIL, 2013).
Dessa forma, compreende-se que a interdisciplinaridade deve ser realizada nos
processos de trabalhos hospitalares, independente do possível posicionamento do profissional
de saúde, levando em consideração o trabalho em equipe multiprofissional
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
227
A
R
T
I
G
O
Acredito que ainda tem muito a ser construído nessa perspectiva, inclusive,
com mais precisão conceitual e melhor definição do que seja
interdisciplinaridade para os profissionais de saúde, no entanto, observo como
sendo um celeiro para desenvolver um trabalho amplo que contemple a
complexidade e a articulação entre teoria e prática. (E4)
A reunião é ainda muito medicocentrica, e se baseia muitas vezes em colocar
a visão de casa profissinal para o médico. (E1)
Conforme evidenciado, a hegemonia do trabalho nas diversas instituições de saúde é
centrada no modelo biomédico, com ênfase no diagnóstico e no tratamento, em que as outras
categorias profissionais, agregam seu trabalho em torno dessa percepção sendo comandados
por ela. (LIMA E ALMEIDA, 1999; PEDUZZI, 1998).
Apesar das discussões, por vezes, ocorrerem de forma não planejada e sistematizada,
conforme exposto, não ofusca sua importância para a organização do processo de trabalho,
possibilitando uma assistência contínua e resolutiva ao usuário e que propicie a relação de
integralidade no cuidado, em seu aspecto multifacetado.
A integralidade e sua relação com o cuidado em saúde no ambiente de UTI
Com o conceito ampliado de saúde, trazido pela CF de 1988, tem-se compreensão da
integralidade dos serviços de saúde como uma ação a ser utilizada em todos os níveis de cuidado
em saúde, “[...]teria a ver com uma atitude dos médicos que seria desejável, que se caracterizaria
pela recusa em reduzir o paciente ao aparelho ou sistema biológico que supostamente produz o
sofrimento e, portanto, a queixa deste paciente” (MATOS, 2001 apud BRASIL, 2011).
Nessa perspectiva, compreende-se que o avanço da tecnologia em saúde trouxe diversos
aspectos positivos ao tratamento de sobrevida dos usuários, mas só as técnicas médicas não são
suficientes para cuidar do usuário em sua multidimensionalidade, tendo em vista as condições
de vida em que está inserido, as quais interferem em sua saúde, como o acesso à alimentação
saudável, à justiça social, à renda, à educação, ao lazer. É preciso resgatar cotidianamente, na
rotina de trabalho dos profissionais de saúde o conceito difundido pela Reforma Sanitária, que
consiste em:
a- integração das ações nos distintos níveis de complexidade no sistema de
saúde; b - forma de atuação profissional abrangendo o conjunto de fatores
determinantes e condicionantes da saúde; c - garantia da continuidade da
atenção nos distintos níveis de complexidade do sistema de saúde; e, d-
articulação das políticas públicas vinculadas aos projetos de mudanças (PAIM,
2008 apud CAMARGO; BELLINI, 2014, p.7)
Diante das perspectivas apontadas e entendendo a reunião multiprofissional como um
instrumento que pode propiciar uma apreensão do usuário em sua totalidade, buscou-se
evidenciar a percepção da equipe multiprofissional acerca da reunião para discussões de casos,
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
228
efetivando um atendimento integral com vistas a favorecer a diminuição de tempo de
permanência do usuário na alta complexidade.
Como resultado, 64,70% dos participantes expuseram uma compreensão do
atendimento integral por meio da articulação das diversas categorias profissionais, como um
meio de contemplar os aspectos biopsicossociais dos usuários.
O paciente crítico é muito complexo, o suporte intensivo engloba uma
assistência em que não somente o paciente deve ser assistido, como também
seus familiares. O paciente de UTI quando consciente necessita de apoio
psicológico, de reabilitação fisioterápico e cuidados médicos e de
enfermagem. Quando crítico em suporte ventilatória necessita de assistência
integral de todos os profissionais da UTI. O compartilhamento da evolução
deste paciente é fundamental para que todos atuem especificamente nas
necessidades diárias do paciente. (E4)
Diz respeito a cuidado levando em consideração todas as perspectivas
objetivas e subjetivas do cuidado, sejam elas físicas, biológicas, psíquicas,
sociais, etc). (E3)
A execução da integralidade do cuidado ao usuário em ambiente hospitalar pode ser
compreendida por meio de dois eixos. O primeiro consiste nas práticas multiprofissionais em
seu processo de trabalho e o segundo a partir da intersetorialidade dos serviços, pois o hospital
é apenas um ponto de uma rede de cuidado do sistema de saúde e o usuário possui necessidades
cujo atendimento é transversal aos serviços de saúde.
Nesse sentido, faz-se necessário refletir que, devido ao grau de complexidade do serviço
prestado, cada vez mais uma exigência por profissionais especialistas, os quais tenham o
conhecimento necessário para o manejo com os pacientes em estado grave. Contudo, em alguns
aspectos, o profissional se torna especialista em um órgão ou em um saber específico,
fragilizando a perspectiva do cuidado integral. Em contrapartida, na mesma proporção que
essa exigência pela alta especialização, um discurso focado na perspectiva da gestão do
cuidado
13
, que visa a não fragmentação dos processos de trabalho e, consequentemente,
assistência à saúde prestada ao usuário.
O atendimento integral pode ser compreendido de uma maneira ampliada, centrada no
indivíduo, sendo um termo multifacetado. Conforme resultado obtido, 11,76% dos participantes
compreendem a integralidade como um atendimento para além da assistência hospitalar,
contemplando o acesso a bens e serviços da rede socioassistencial.
O acesso de toda a população à saúde, por meio de ações preventivas e
curativas, numa rede estruturada de serviços e assistência garantida em todos
13
“Consiste na capacidade técnica, política e operacional que uma equipe de saúde possui para planejar a
assistência aos usuários, no plano individual ou coletivo, promovendo a saúde no âmbito biopsicossocial”.
(LACERDA; MAGAJEWSK; MACHADO, 2010, p.42)
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
229
A
R
T
I
G
O
os níveis de complexidade. (E4)
Desse modo, compreendendo que as formas de acesso não são iguais para todos os
sujeitos e que isso dificulta a efetividade da integralidade do cuidado, é preciso que os
profissionais obtenham o conhecimento da rede de saúde e de suas formas de acesso, que resulte
em um conjunto integrado de ações, articulando atenção primária, média e alta complexidade.
Assim, o compartilhamento de diversos conhecimentos e saberes provenientes das diversas
categorias profissionais que trabalham em equipe podem contribuir para o fortalecimento de
ações na perspectiva da integralidade no cuidado em saúde.
Em conformidade, apreende-se que é preciso uma integração entre a equipe
multiprofissional propiciadora de uma visibilidade do contexto biopsicossocial do usuário a ser
atendido, visando a qualificação no atendimento. Nessa esteira, a reunião multiprofissional
pode propiciar a viabilidade dessa integração da equipe.
Nosso serviço dispõe de todos os profissionais necessários para essa
assistência que ocorre diariamente independente da solicitação por um dos
profissionais, de modo automático a fisioterapia assiste a todos os que tem
necessidade, assim como a fonoaudiologia atende sempre que solicitado. Os
demais profissionais atuam em todos que estão internados independente do
quadro clínico. (E4)
Diante dos diversos entraves expostos no decorrer desse estudo, tem-se que 58,82% dos
respondentes informou que não consideram que efetivação da integralidade na assistência
prestada na UTI, conforme demonstrado nos relatos.
[...] acho que em muitos casos nem todas as áreas contribuem de forma mais
ativa [...]não há comunicação das áreas entre si e desconhece-se, muitas vezes,
que intervenções estão sendo feitas em outras áreas que muitas vezes podem
influenciar umas às outras. (E2)
Por mais que a UTI tenha certas iniciativas pontuais, a assistência ainda
continua muito individualizada e nichada por profissão. (E1)
Embora às reuniões tenham esse objetivo sinto que não tem sido efetiva (E4)
Desse modo, infere-se que apesar de as reuniões para os estudos de casos acontecerem
de forma esporádica e possuir uma equipe multiprofissional especializada, não é o suficiente
para a garantia de um atendimento de forma integral e interdisciplinar, considerando seu
contexto multifacetado, em que se precisa aperfeiçoar ainda mais as práticas de trabalho para
que essas perspectivas sejam efetivadas.
Considerações finais
Conforme exposto no decorrer do estudo apresentado sobre a reunião multiprofissional
no contexto da UTI-adulto do HUOL, com ênfase na apreensão da equipe multiprofissional
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
230
sobre esse instrumento como uma estratégia de efetivação da integralidade, e com base nos
resultados obtidos por meio da revisão de literatura, pesquisas de campo e documental, salienta-
se a importância da educação permanente em saúde e de documentos normativos que instituam
a prática da reunião multiprofissional na UTI.
Ressalta-se ainda que os participantes das categorias E2 e E3, não apresentaram
respostas, de forma aprofundada ou ampliada, às perguntas referentes à realização da reunião
multiprofissional, execução da interdisciplinaridade, bem como sobre o atendimento integral
ao usuário. Considerando os limites desse estudo, supõe-se que tal fato pode ser decorrente da
fragilidade do processo de formação continuada em saúde, numa perspectiva coletiva e crítica,
aliada às ciências sociais, com ênfase em estudos sobre determinação social em saúde. Dessa
forma, entende-se essa ocorrência como possível reflexo da hegemonia biomédica existente nas
instituições de saúde e em seu processo de formação.
Acerca da trabalho coletivo na UTI, compreende-se que o conjunto do atendimento
realizado pela equipe em caráter interdisciplinar a partir das discussões de casos, reconhecendo
o indivíduo em sua totalidade e a importância dos diversos saberes das categorias profissionais,
resultam em melhorias na prestação do cuidado em saúde, por meio do planejamento do
trabalho centrado nas necessidades do indivíduo para além da instituição hospitalar e
integrando-o na rede sócio assistencial na perspectiva de integralidade do atendimento.
Apesar dos avanços alcançados na realização das reuniões, mesmo que esta ocorra de
modo não regular, observa-se que há muito o que se percorrer, pois conforme demonstrado nos
resultados, não uma integração efetiva entre a equipe prestadora de serviço e com o
desenvolvimento da pandemia essa articulação se tornou mais fragilizada. ausência de
documentos normativos que instituam a obrigatoriedade da reunião multiprofissional, o que
dificulta sua realização de modo regular e de forma a contemplar a presença dos diversos
profissionais, considerando a carga de trabalho gerado pelo ambiente de prestação de cuidados
intensivos e contínuos.
Realizar as discussões de casos em caráter interdisciplinar permite uma maior interação
do trabalho coletivo em saúde, que descentralize o cuidado no saber médico, sendo possível
que os diversos agentes envolvidos tenham ciência das particularidades de cada indivíduo, sem
haver a diluição das especificidades de cada categoria profissional. Isso propicia uma ação com
maior qualidade, visando a redução do tempo de internação do usuário na UTI e possibilitando
a continuidade do cuidado articulado com a rede socioassistencial.
Dessa forma, conforme resultados expostos da coleta de dados, percebe-se a necessidade
de realização de aperfeiçoamento constante das práticas por todos os profissionais de saúde,
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
231
A
R
T
I
G
O
por meio de capacitações que discutam em que consiste o atendimento interdisciplinar e sua
importância, bem como acerca do local e horário definidos para a realização das reuniões como
uma estratégia que auxilia na integralidade do cuidado de forma efetiva.
Assim, entende-se que os resultados da pesquisa demonstraram relevância social,
acadêmica e profissional, pois retrataram elementos sobre a execução da reunião
multiprofissional a partir da apreensão da equipe que participa, em que permite fornecer
elementos que subsidiem o processo de qualificação do trabalho acerca da sistematização das
ações, bem como possibilita a qualificação do processo ensino-aprendizagem.
Referências bibliográficas
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Comissão Nacional de
Residência Multiprofissional. Resolução 5, de 7 de novembro de 2014. Dispõe sobre a
duração e a carga horária dos programas de Residência em Área Profissional da Saúde nas
modalidades multiprofissional e uniprofissional e sobre a avaliação e a frequência dos
profissionais da saúde residentes. Brasília: CNRMS, 2014. Disponível em:
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=34&data=10/1
1/2014. Acesso em: 03 de out. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização–folheto. edição,
reimpressão, 2013. Disponível em: https://www.google.com/search?q=politica+nacional+
de+humaniza%C3%A7%C3%A3o&rlz=1C1GCEU_ptBRBR903BR904&oq=politica+nac
ional+de+humaniza%C3%A7%C3%A3o&aqs=chrome..69i57j0l2j0i395l5.6416j1j7&sour
ceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em: 10 de nov. de 2020.
______. Ministério da Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios / Ministério
da Saúde, Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde. 3. ed. Brasília:
Editora do Ministério da Saúde, 2009.
______. Ministério da Saúde. Portaria 3390/2013. Institui a Política Nacional de Atenção
Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde,
2013.
_______. Ministério da Saúde. Oliveira, Roberta Gondim de (Org.) Qualificação de gestores
do SUS. / Organizado por Roberta Gondim de Oliveira, Victor Grabois e Walter Vieira
Mendes Júnior. Rio de Janeiro, RJ: EAD/Ensp, 2009. Disponível em:
http://biblioteca.univap.br/dados/00002d/00002dfd.pdf. Acesso em: 25 de nov. 2020.
_______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção
Básica. Portaria 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção
Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) – Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
______. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC 7, de 24 de
fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de
Terapia Intensiva e outras providências. Saúde Legis Sistema de Legislação da Saúde.
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2010/res0007_24_02_
2010.html. Acesso em: 25 de nov. 2020.
BRAVO, M. I. S. Política de saúde no Brasil. In: MOTA, A. E. et al. (Org.). Serviço Social e
saúde – formação e trabalho profissional. São Paulo: OPAS, OMS, MS, 2006. p. 88-110.
BRAVO, M. I. S; MATOS, M. C. A saúde no Brasil: reforma sanitária e ofensiva neoliberal. In:
BRAVO, M. I. S.; PEREIRA, P. A. P. (Org.). Política social e democracia. 2. ed. São Paulo:
Amanda Caroline da Fe Pereira; Ana Paula Barboza Dantas; Ilka de Lima Souza
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
232
Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2002. p. 197-215.
CAMARGO, Marisa; BELLINI, Maria Isabel Barros. The tripod guiding of attention in the
National Healthcare Service (SUS) in Brazil: integrality, interdisciplinary and
intersectoriality. O TRIPÉ ORIENTADOR DA ATENÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
(SUS) NO BRASIL: INTEGRALIDADE, INTERDISCIPLINARIDADE E
INTERSETORIALIDADE. In: Rev. Documentos de Política Social: História, Investigación
Y Desarrollo. España: Universidad de Murcia, n. 13, v. II, abr. 2014.
CECÍLIO, L. C. O.; MERHY, E. E. A integralidade do cuidado como eixo da gestão hospitalar.
Campinas, 2003. Disponível em: https://docplayer.com.br/11198473-A-integralidade-do-
cuidado-como-eixo-da-gestao-hospitalar.html. Acesso em: 25 nov. de 2019.
CUTOLO, Luiz Roberto Agea. Modelo Biomédico, reforma sanitária e a educação pediátrica.
Arquivos Catarinenses de Medicina, v. 35, n. 4, p. 16-24, 2006. Disponível em:
http://www.acm.org.br/revista/pdf/artigos/392.pdf. Acesso em: 04 de fev. de 2020.
ELY, F. R. Serviço Social e Interdisciplinaridade. Katálysis, Florianópolis: EDUFSc, v. 6, n. 1,
p.113-117, jan./jun. 2003.
JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
LIMA, Maria Alice Dias da Silva; ALMEIDA, Maria Cecília Puntel de. O trabalho de
enfermagem na produção de cuidados de saúde no modelo clínico. Revista Gaúcha de
Enfermagem, Porto Alegre, v. 20, n. esp., p. 86-101, 1999.
MATOS, Maurílio Castro de. Serviço Social, ética e saúde: reflexões para o exercício
profissional. São Paulo: Cortez, 2013, p. 39 – 50.
MERHY, E. E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde: uma discussão do
modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar assistência. [S.l.: s.n.],
2003. Disponível em: http://www.hc.ufmg.br/gids/perda.doc. Acesso em: 25 nov. de 2020.
MERHY, E. E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In:
Merhy, E. E.; Onocko, R. (Org.). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo:
Hucitec, 1997.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.
13. ed., São Paulo: Hucitec, 2013.
PORTAL EBSERH/HUOL-UFRN. Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Disponível em: http://www.ebserh.gov.br/web/huol-ufrn.
Acesso em: 31 de nov. de 2019.
PEDUZZI, Marina. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e interação.
Tese de Doutorado, Campinas: Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Campinas,
1998. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Marina_Peduzzi/publication/
47868233_Equipe_multiprofissional_de_saude_a_interface_entre_trabalho_e_interacao/lin
ks/5780461b08ae01f736e4a569/Equipe-multiprofissional-de-saude-a-interface-entre-
trabalho-e-interacao.pdf. Acesso em: 15 de jan. de 2021.
SANTOS, Elitiele Ortiz dos et al. Reunião de equipe: proposta de organização do processo de
trabalho Team meeting: proposal for the work process organization. Revista de Pesquisa:
Cuidado é Fundamental Online, [S.l.], v. 9, n. 3, p. 606-613, july 2017. ISSN 2175-5361.
Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/5564.
Acesso em: 26 jan. de 2021. doi:http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v9i3.606-613.
SILVEIRA, Daniele Pinto da; ARTMANN, Elizabeth. Acurácia em métodos de relacionamento
probabilístico de bases de dados em saúde: revisão sistemática. Revista de Saúde Pública, v.
43, p. 875-882, 2009. Disponível em:
http://www6.ensp.fiocruz.br/repositorio/resource/356596. Acesso em: 03. dez. de 2019.
_______. Resposta nacional e internacional de enfrentamento ao novo coronavírus. Disponível
em: https://coronavirus.saude.gov.br/linha-do-tempo/. Acesso em: 10 de jan. de 2021.
ROSA, Beatriz Ângelo et al. Estressores em Unidade de Terapia Intensiva: versão brasileira do
Reunião multiprofissional na alta complexidade
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 212-233, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
233
A
R
T
I
G
O
The Environmental Stressor Questionnaire. Rev. esc. enferm. USP [online]. 2010, vol.44,
n.3, pp.627-635. ISSN 0080-6234. https://doi.org/10.1590/S0080-
6234201000030001165&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 14 abr. 2021.