DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.36560
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.2, p. XI-XXI, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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Editorial
Educação para quem?
A que e a quem serve a educação? Neste ano, em que comemoramos o centenário do
nascimento de Paulo Freire, essa pergunta permanece desafiando educadores e educandos na
construção dialógica de saberes. A educação pode servir à manutenção da ordem, à legitimação
do autoritarismo, à reprodução do controle hierárquico sobre o trabalho. Paulo Freire insurgiu-
se vigorosamente contra o autoritarismo e a hierarquia que uma educação burocrática e
tecnocrática traz consigo. Denunciou a “educação bancária como um instrumento de
(re)produção da passividade, como inimiga do pensamento autônomo; como repetia o velho
mestre, “pensar autenticamente é perigoso” (FREIRE, 1993, p. 61), pode despertar nos homens
justamente aquela vontade de “ser mais” (FREIRE, 1993, p. 61). Sua concepção utópico-
realista de superação das condições do presente pela práxis e não simplesmente pelo mero
saber trazem para dentro da educação o sentido de ação naquilo que possui de mais
substantivo: a transformação possível, a “concretização do ‘inédito viável’, isto é, a futuridade
a ser construída” (FREIRE, 1981, p. 109). Sua utopia-realista não deixou de apontar que
como seres da práxis e só enquanto tais, ao assumir a situação concreta
em que estamos, como condição desafiante, que - EEd] somos
capazes de mudar-lhe a significação por meio de nossa ação. Por isto
mesmo é que é impossível a práxis verdadeira no vazio anti-dialético
ao qual leva toda dicotomia sujeito-objeto. Esta é a razão pela qual o
subjetivismo e o objetivismo mecanicista são sempre obstáculos ao
verdadeiro processo revolucionário, não importam os caminhos que, na
prática, tornem eles. Neste sentido, é tão pernicioso à práxis
revolucionária o subjetivismo que, esgotando-se na mera denúncia
verbal das injustiças sociais prega a transformação das consciências,
deixando porém intactas as estruturas da sociedade, quanto o
mecanicismo que, voluntarista e desprezando a rigorosa e permanente
análise científica da realidade objetiva, se faz igualmente subjetivista
ao “operar” sobre uma realidade inventada (FREIRE, 1981, p. 109).
Não é casual que, neste aspecto, Freire recorra a Marx. O educador pernambucano
reafirma sua convicção de que não práxis no vazio; não ação que se desenrola unicamente
pela vontade da consciência. As relações “não se encontram dicotomizados nem tampouco
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constituem uma identidade, mas uma unidade dialética” (FREIRE, 1981, p. 109). Os sujeitos
agem sobre condições objetivas dadas e é exatamente nelas que as possibilidades de
transformação devem ser buscadas. A transformação da prática pedagógica, portanto, deve
partir de relações objetivas; Freire era enfático em relação a isto.
Em uma sua terceira tese sobre Feuerbach, Marx afirmou que
A doutrina materialista sobre a modificação das circunstâncias e da
educação esquece que as circunstâncias são modificadas pelos homens
e que o próprio educador tem de ser educado. Ela tem, por isso, de
dividir a sociedade em duas partes – a primeira das quais está colocada
acima da sociedade. A coincidência entre a alteração das circunstâncias
e a atividade ou automodificação humanas pode ser racionalmente
entendida como prática revolucionária (MARX,2007, pp. 533-4).
Em comentário a esta tese, Mészáros (2008) irá lembrar que não se trata, a exemplo do
que acreditavam os socialistas utópicos, de tão somente “mudar a educação”, quando “uma
reformulação da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social
no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente
importantes funções de mudança” (MÉSZÁROS, 2008, p. 25). As condições objetivas da
educação estão dadas na positividade da ordem burguesa madura. Qualquer transformação
social que passe unicamente pela educação, manifesta um idealismo cujo voluntarismo utopista
e messiânico deixam os pés sem o contato com o solo da vida concreta, humus da prática
emancipatória, conforme o legado nos deixado por Freire. Como disse Marx, certa vez, “se o
homem é formado pelas circunstâncias, será necessário formar as circunstâncias humanamente”
(MARX; ENGELS, 2011, p. 150) – o que nos impõe um dos lados da dialética. Pelo outro lado,
uma prática transformadora que prescinda da educação, torna-se uma contradição nos termos.
Abdica de seu próprio propósito ao esquecer-se de que “a teoria também se torna uma força
material quando se apodera das massas” (MARX, 2010, p. 151).
Em nosso tempo, a produção teórica de fôlego tornou-se salvo por raríssimas exceções
sinônimo de produção acadêmica. E há, sem sombra de dúvida, dois grandes problemas nesse
pressuposto. Em primeiro lugar, parte mais substantiva e substanciosa do conhecimento
mais profundo sobre as relações sociais da ordem burguesa contemporânea foi produzida fora
dos campi universitários. Por outro lado, esse mesmo conhecimento foi passível de produção
graças ao fato de revolver, com enorme propriedade, todo o saber científico (formal) de amplas
áreas do conhecimento. Como se sabe, Marx jamais lecionou em universidades: trabalhou
durante toda a vida como jornalista e correspondente. Mas, nem por isso, Marx ignorou o
conhecimento “de ponta”, de sua época: sempre esgrimou com o que havia de mais avançado
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no conhecimento científico de seu tempo, valendo-se, entretanto, de uma sólida formação
intelectual.
Mas, de que “sólida formação intelectual” estamos falando? Não pode ser, certamente,
a formação de tecnocratas, denunciada por Lefebvre logo às primeiras linhas de uma de suas
obras. Os tecnocratas, satélites do poder planificador do capital, são, analogamente, aqueles que
não receberam a “formação para a liberdade”, tão reclamada pelo velho mestre pernambucano.
O mal, aqui, reside antes no fetiche de que dispõem de algum poder decisório que no fato de
lidarem com situações relativamente complexas, especializadas e com linguagens herméticas
que funcionam como, numa má analogia econômica, “barreiras de entrada” aos não detentores
do saber técnico. A imagem mística de “homens qualificados”, dotados de “importantes
competências, bem como [d]o dom da eficácia” (LEFEBVRE, 1969, p. 15) pode parecer a
muitos sedutora. Afinal, ela estabelece um lugar na hierarquia da estrutura social: nos
entremeios do edifício que se ergue sobre a subordinação do trabalho. Mas trata-se, como bem
adverte Lefebvre, de uma imagem ilusória. Os tecnocratas “não comandam, dispõem apenas de
um poder de decisão limitada (...) executam ordens, as ordens do poder político que dispõe das
‘variáveis estratégicas’” (LEFEBVRE, 1969, p. 15).
O problema da formação tecnocrática repõe, a partir das bases de um capitalismo
manipulatório, o lugar da ciência para a burguesia, de um modo geral. Em âmbito nacional,
todavia, em que temos demonstrado hodiernamente uma nostalgia incontida em relação ao
nosso passado, naquilo que apresentamos de pior na construção de nossa sociedade, parece
também renascer, vigorosamente, a ideia de que a universidade deve se prestar, exclusivamente,
à formação técnica. Na nossa história, essa compreensão chegou a se expressar sob a forma de
uma “resistência à universidade”, calcada sobre um projeto societário de forte corte utilitarista:
“uma ideia de que a sociedade que se estava construindo ia ser uma sociedade utilitária, de
serviços úteis, uma sociedade de trabalho e, como tal, não ganharia muito em receber os
ornamentos e a riqueza da velha educação universitária” (TEIXEIRA, 2009, p. 92). A
reafirmação de uma formação rigorosamente cnica ainda que dentro de padrões de
excelência – por certo reatualiza a visão de uma sociedade utilitária, cujo progresso apresenta-
se como desenvolvimento de uma coleção infindável de mercadorias, sem se problematizar a
respeito de a que e a quem se presta tal construção. A derrocada da dimensão problematizadora
humana de qualquer processo formativo impede justamente a elaboração, nos mais refinados
patamares da consciência, das questões a respeito do a que e a quem; em última instância, das
problematizações a respeito do “destino e da finalidade do homem”. Aquela universidade, “casa
onde se acolhe toda a nossa sede de saber e de melhorar”, cf. pensou Teixeira (2009, p. 34)
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parece démodé; entrou em desuso frente à premência da desobstrução da realização mercantil,
frente ao que tudo deve ser reaproveitado, reatualizado, reutilizado, submetido e imolado.
A prática pedagógica, assim, deixa de ser o contato entre educandos e educadores para
se tornar o preenchimento de relatórios, cronogramas, plataformas, protocolos, registros,
tabelas, formulários. Sistemas que não se comunicam impelem ao preenchimento de
informação idêntica, várias e várias vezes. Reuniões infindáveis, mensurações produtivas
quantitativas, ranqueamentos onde a quantidade de publicações e o número de acessos a artigos
adota a lógica do engajamento: “fale bem ou fale mal, não importa... inscreva-se no canal e
deixe seu like”. Encontrou-se, finalmente, o método de controle, de mensuração objetiva de que
prazos, cronogramas, prescrições, protocolos e afins estão sendo rigorosamente cumpridos; de
que o capital empregado nesta esfera deletéria, porém indispensável, à reprodução global do
valor a educação está funcionando de modo eficaz, com o mínimo de gasto improdutivo.
Qualquer elemento que fuja ao rígido controle burocrático deve ser banido, expurgado, como
expressão da ociosidade, da -índole, do desperdício de recursos. Neste quadro, qualquer
elemento de formação “humanista” deve ser tomado como intolerável; afinal, as universidades
não são mantidas para formação de “eruditos”, mas de cidadãos que trabalhem vigorosamente
para que ela a sociedade (e a universidade) permaneça(m) funcionando regularmente, sem
que se perguntem justamente a que e a quem essas ações favorecem.
A que e a quem serve a educação que estamos desenvolvendo? A que e a quem servem
as práticas pedagógicas que adotamos? A que e a quem servem nosso tempo e nossas forças?
Que educação, educandos e educadores, estamos construindo? Que educação de fato queremos?
Neste contexto de sucateamento à educação pública no Brasil, não poderíamos deixar
de mencionar os ataques que vêm sofrendo a ciência, expressa nos cortes de verbas (a exemplo
do vergonhoso corte sofrido no CNPq) a intervenção nas universidades, a exemplo da indicação
de reitores não escolhidos pelos pares, a renúncia de mais de 37 pesquisadores do INEP,
responsáveis pela elaboração e organização do ENEM uma semana da aplicação mais
importante para o ingresso as universidades públicas federais, assim como a intestável situação
vivenciada pela CAPES, no qual foi interrompida a avaliação Quadrienal dos Programas de
Pós-graduação em setembro de 2021 por decisão judicial, e retomada a avaliação no dia 2 de
dezembro de 2021, após a renúncia coletiva de mais de 80 pesquisadores e avaliadores e
coordenadores de áreas da CAPES. Ainda sem ter concluído a avaliação a CAPES, abriu edital
para a apresentação de novos APCN, que avalia a abertura de novos cursos de pós-graduação,
privilegiando os cursos de educação a distância, que na sua maioria ocorrem nas universidades
privadas, aprofundando o processo de mercantilização na formação pós-graduada, o que
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acontece na formação de graduação.
É neste espírito que o dossiê que hora chega às mãos do leitor: com o objetivo de
fomentar o debate sobre a e educação superior no Brasil, sobre a dimensão socioeducativa da
profissão, e nesse sentido buscou abrir espaço para artigos que tratassem da atuação profissional
de assistentes sociais no sistema educacional, na docência, na produção do conhecimento, assim
como para textos que se proponham a pensar criticamente os rumos da universidade no contexto
atual. Natural que ao provocar discussões sobre tema tão complexo e decisivo tanto para a
problematização da formação na área do Serviço Social, quanto ao sugerir a discussão de maior
amplitude da educação em geral, o papel das Universidades na formação da educação superior,
os debates que se apresentaram não puderam deixar de contemplar os dilemas da atualidade,
em particular relacionados aos agravantes provocados pela crise pandêmica e o programa
orquestrado pelos atuais mandatários do governo federal. Podemos, desse modo, dividir os
artigos que aqui se apresentam em três linhas básicas de reflexões; a primeira, debruça-se sobre
os temas mais gerais da educação, considerando mais diretamente as questões educacionais por
meio da crítica às suas funções no interior da socialidade do capital; a segunda, traz reflexões
sobre o processo de formação universitária no interior da grande área de Serviço Social; e a
terceira, analisa as consequências dos modelos emergenciais em educação, implantados diante
das dificuldades oriundas da pandemia do COVID-19.
Dentro da primeira linha aqui descrita, podemos relacionar os artigos: “Educação e
democracia, complexos sociais de alienação fundamentais para a emancipação humana
autoria de Neusa Pereira Assis, Uyara de Salles Gomide e Hormindo Pereira de Souza Junior
(3º. Artigo), no qual os autores, tributários do pensamento de Karl Marx e György Lukács
problematizam o processo educacional à luz da categoria alienação, no qual se “objetiva discutir
as particularidades e possíveis relações entre alienação e estranhamento na dinâmica da
sociedade capitalista atual”, de forma a contribuir para “a compreensão dos processos que
envolvem o campo da educação e da democracia”. Também inscrita no interior das reflexões
do marxismo o artigo “Pedagogias hegemônicas em tempos de crise estrutural do capital– de
Pedro Gomes Barbosa (4º. Artigo), apoiado nas importantes análises de István Mészáros sobre
o tema da educação na sociabilidade do capital, procurar identificar as três principais teorias
pedagógicas que surgiram entre os anos 1970 e 1990, relacionando-as às mudanças que
ocorreram no contexto de crise estrutural, que tem como marco histórico as mudanças na base
técnica da produção capitalista a partir dos anos 1970.” Adentra a mesmo terreno de discussão
a entrevista concedida pelo Prof. Roberto Leher, ao professor da UFJF Rubens Luiz Rodrigues,
cujo sugestivo título: “As atuais condições da educação superior no Brasil”, considera, por meio
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do estofo intelectual que lhe é peculiar e pela experiência que o autor possui na área, os
principais desafios do momento para as universidades brasileiras. O tema da mercantilização
da educação que caminha a passos largos no país é um dos temas centrais da conversação na
entrevista dada a Rubens Luiz Rodrigues. Vale ressaltar quanto ao entrevistador, sua relevante
participação nas lutas sindicais, o que torna o diálogo mais rico no que tange aos aspectos de
uma necessária crítica da educação no país.
A segunda linha temática por nós referida, dirige a atenção para os processos formativos
tanto dos docentes quanto dos discentes de Serviço Social. Três artigos em particular cumprem
essa função reflexiva: “Formação docente em Serviço Social: pós-graduação e a experiência do
estágio docência”, artigo no qual as autoras – Priscila Fernanda Gonçalves Cardoso, Giovanna
Canêo e Gabriela Alves dos Santos (6º. Artigo) discutem a formação dos docentes de forma
a enfatizar a potencialidade do estágio docente nesse processo formativo. A discussão adverte
para o fato de que não se pode prescindir da “retomada histórica” da institucionalização do
estágio docência no âmbito nacional, consideração necessária para abordar a experiência por
elas vivenciadas junto à UNIFESP, nos anos de 2019-20. Outro artigo que trata do tema afim
ao processo de formação, adentra em uma problematização mais do que necessária em nossos
dias, “Por uma formação antirracista!: contribuições fanonianas para o Serviço Social” (8º.
Artigo) de Giselle Moraes de Souza e Rachel Gouveia Passos. O título fala por si mesmo,
cabe retomar as importantes reflexões de Franz Fanon autor do imprescindível livro: Os
condenados da terra e por meio delas estabelecer contribuição para a discussão de uma
formação profissional antirracista no Serviço Social. de se destacar o cerne da
problematização empreendida que procura destacar o racismo “como um dos componentes
estruturantes do sistema capitalista” brasileira, e por que não dizer mundial. No artigo “Serviço
Social no Nordeste Brasileiro: particularidades regionais e formação profissional” (5º. Artigo)
de Marileia Goin, Laryssa Danielly Silva Fernandes e Ariel Paula Jesus de Oliveira, o
problema da formação em serviço social aborda a particularidade do problema na região do
nordeste brasileiro. Como advertem as autoras, “a reflexão busca sintonizar a profissão com a
diversidade de elementos que compõem a Região Nordeste e, no movimento de retorno,
apreender como a profissão incorpora tais características, uma vez que configuram as
peculiaridades de suas requisições não formativas, mas profissionais”. Vemos, pois, nessas
reflexões a importante prerrogativas que as discussões mais gerais não podem prescindir da
consideração das particularidades regionais próprias da diversidade cultural e social brasileira,
sob o risco de negligenciar elementos decisivos para a reflexão de rigor sobre o processo de
formação do assistente social. Dentro da mesma linha ora em evidência, por último e não menos
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importante, o artigo “Politica educativa y reproducición del trabalho social en Costa Rica” (11º.
artigo) de Freddy Esquivel Corella compõe a mesma necessidade de diálogo sobre as
especificidades das experiencias, sejam elas regionais, ou, como nesse caso, relativas às nações.
Um importante panorama sobre os processos próprios da Costa Rica é apresentado pelo autor,
permitindo a compreensão crítica da política educacional de sua nação elaboradas em resposta
às demandas do capitalismo local e internacional.
A terceira linha de artigos, sobre a educação mediante a crise pandêmica ainda
decorrente, é composta por cinco artigos. Mais que justificável, dadas as urgências do momento,
dominaram quantitativamente o conjunto temático do dossiê. O artigo “Cursos públicos de
Serviço Social: limites e possibilidades da formação em tempos de pandemia Covid-19de
Larissa Dahmer Pereira e Andreza Telles dos Santos Ferreira –, que abre este volume, aborda
de maneira bastante contributiva as dificuldades postas pelo presente, unindo o problema mais
geral da formação em Serviço Social aos desafios oriundos da pandemia. A análise dos dados
coletados permite às autoras fazer uma ampla série de considerações sobre o adoecimento
docente e discente, tanto físico quanto mental; e as dificuldades relacionadas ao uso das TIC’s
e às condições domésticas para a realização, com a devida qualidade, do ERE”. Decerto as
reflexões contribuem de maneira decisiva para a descrição mais preciso e rigorosa das
consequências que o momento suscita como desafio tanto para os profissionais em educação
quanto para os discentes em geral. Na sequência (2º. Artigo) o texto “Contrarreforma da
educação superior: aproximações ao balão de ensaio do período pandêmico– de Eblin Joseph
Farage dando prosseguimento ao debate das condições de dificuldades atuais, confere um
enfoque mais político ao problema, na medida em que põe a ênfase nas “transformações em
curso na educação superior pública”, em que destaca “o projeto do capital para a educação em
articulação com as contrarreformas em curso e as bases da extrema direita no Brasil”. Tributária
do método do materialismo histórico e dialético, a autora revisa uma série importantes de
documentos da área da educação hoje em vias de implementação no país, conferindo a ênfase
nas propostas de resistência e combate ao projeto conservador-liberal, elaborações pelos órgãos
sindicais. Oferece, nessa medida, relevante visão sobre a conjuntura político-educacional no
Brasil, e traça elementos reflexivos de estratégias importantes de luta para a classe trabalhadora.
Ainda sobre os rebatimentos do período pandêmico para o caso específico do Serviço Social,
temos o artigo “O estágio supervisionado na formação em Serviço Social: uma experiência
desafiadora no período pandêmico” (7º. Artigo), fruto de uma reflexão coletiva bora
Holanda Leite Menezes, Marcos Paulo de Oliveira Botelho. Fernanda Rodrigues Arrais,
Caroline Souza de Oliveira Moura e Eduarda Garcez Almeida no qual aborda os principais
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desafios para a “construção de uma política de estágio durante a pandemia”. A contribuição
feita sob a forma de um relato de experiência, em que se apresentam as dificuldades e se fazem
importantes indicações “para a reflexão e a elaboração de respostas às demandas apresentadas
neste cenário de crise sanitária, baseados nesta experiência particular.” Em uma abordagem
direta ao tema do ERE e o trabalho docente, o artigo “O trabalho docente no ensino superior
em tempos de ensino remoto emergencial (ERE)(9º. Artigo) de Lorena Ferreira Portes e
Melissa Ferreira Portes segue a linha de reflexões sobre os impactos sofridos pela categoria
dos professores frente à implementação do Ensino Remoto Emergencial”, analisando as
implicações desse modelo de ensino na atividade do docente de ensino superior brasileiro.
Problematiza “o agravamento das condições de trabalho dos/das docentes do Ensino Superior
em um contexto de ensino remoto emergencial, por meio da plataformização da educação, bem
como o adoecimento mental dos/as docentes”. o artigo “Ensino remoto emergencial e
intensificação do trabalho docente(10º. Artigo) – de Kátia Regina de Souza Lima, Adrianyce
A. Silva de Sousa e via Prestes Lima Martins completa a discussão ao trazer novos
elementos para a reflexão sobre as consequências que o Ensino Remoto Emergencial tem
trazido para o trabalho docente. Os dados coletados evidenciam de maneira clara “a
reconfiguração e intensificação do trabalho docente no período denominado ERE, nos marcos
da diluição das fronteiras entre trabalho e vida privada associada a reconfiguração dos projetos
político-pedagógicos das universidades públicas, particularmente as universidades federais,
ambas aprofundadas no contexto pandêmico”.
Os artigos de fluxo contínuo não poderiam também deixar de contemplar a temática que
se fez hegemônica na discussão dos artigos do dossiê, qual seja, a crise pandêmica que
atravessamos. É o caso do artigo “Serviço Social, Assistência Social e a pandemia da COVID-
19: desafios e apontamentos(15º. artigo) – de Renata Martins de Freitas – no qual os desafios
para o exercício profissional dos assistentes sociais são considerados mediante a pandemia da
COVID. Apontamentos relevantes são apresentados “a partir de elementos apreendidos em
debates coletivos e documentos produzidos em espaços como Fóruns de Trabalhadores(as) do
SUAS e Conselhos de Serviço Social” procurando apresentar estratégias e possibilidades para
a defesa do Projeto Ético-Político profissional”.
O artigo “Serviço Social e mundo do trabalho: tendências do debate” (artigo 12º.) de
Hiago Trindade realiza pesquisa documental de 17 artigos publicados nos anais do ENPESS
e JOINPP, nos anos de 2018 e 2019 respectivamente, buscando traçar um paranorama do
acúmulo teórico e das tendências internas ao debate do Serviço Social acerca do mundo do
trabalho. Apresenta nessa media um interessante apanhado das produções mais recentes que o
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Serviço Social desenvolveu sobre o tema. O artigo que aparece na sequência, Infância,
adolescência e juventude: produção do conhecimento na Serviço Social & Sociedade” (13º.
Artigo) autores: Gláucia Russo, Mizzaely Lacerta, Kyslane Aguiar também efetua uma
pesquisa documental junto à Revista Serviço Social & Sociedade, buscando resgatar os
principais debates e tendências relativas ao tema da infância, adolescência e juventude. Oferece
nessa medida um importante panorama sobre a produção do conhecimento na referida temática,
no período que compreende os anos de 1979 a 2017. Ambos os artigos perfazem, nessa medida,
um panorama do arcabouço da produção do Serviço Social, ao evidenciarem em fontes
importantes da área os núcleos centrais dos fundamentos que amparam as reflexões sobre temas
decisivos da atuação do assistente social.
Na sequência, dois artigos buscam expressar as análises de experiências nas práticas
interventivas do Serviço Social. No artigo “Intersetorialidade entre as políticas de saúde e
assistência social: possibilidades e limites(14º. Artigo) de autoria de Maria da Conceição
Oliveira Souza e Maristela Dalbello-Araujo encontramos a investigação sobre as
“possibilidades e limites da articulação da intersetorialidade entres as políticas de saúde e
assistência social. A partir de vivência no município de “população estimada em 11.574
habitantes (IBGE, 2019), com mais de 60% vivendo em área rural dispersa por uma área de
583, 932 Km², e dedica-se a pecuária e agricultura (Censo 2010)”. Após a apresentação e análise
de dados e experiências as autoras concluem destacando que apenas “dos avanços alcançados
na CF/88 relativos à seguridade social, com destaque para as Leis Orgânicas, ocorreram em
uma arena desfavorável em um contexto político de forças conservadoras, transformando-se
em um processo de difícil operacionalização”. O outro artigo, que segue uma linha comum de
reflexões, de título: A gestão de um Centro de Atenção Psicossocial universitário: uma
experiência(15º. Artigo) redigido por Sabrina Alves Ribeiro Barra Tavares e Ethelanny
Panteleão Leite Almeida retrata a experiência que procurou realizar a articulação e
indissociabilidade entre a assistência e a formação, cujas reflexões chegaram à conclusão da
importância da articulação com a rede de atenção psicossocial” de forma a evitar “modelos de
formação e assistência endógenos” apontando para a necessidade de “participação em
instâncias colegiadas da saúde mental e o investimento na formação por meio da educação
continuada e da articulação orgânica entre Universidade e rede de serviços”.
Outro tema de grande relevância no Serviço Social é abordado no artigo Trabalho e
população em situação de rua: um debate em contínua necessidade(16º. Artigo) de Pollyanna
de Souza Carvalho e Leda Regina de Barros Silva relata a pesquisa realização junto à
população de rua de Campos dos Goytacazes, entre 2018 e 2019, e busca “apresentar reflexões
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entre os moradores em situação de rua e o mundo do trabalho” e “ressalta que a participação
social e a organização dos moradores em situação de rua, na esfera pública, com apoios e
parcerias, é um mecanismo para visibilidade, interlocução com o poder blico e reivindicação
de direitos”.
O artigo “Representações Sociais, Percepções e Identidades da Comunidade LGBTQ+
em uma Prisão portuguesaautoras: Jacqueline Marques e Inês Van Velze contribui com
mais uma análise sobre temas caros ao Serviço Social retratando situações internacionais, neste
caso, o país de destaque é Portugal. Trata especificamente da comunidade LGBTQ+
encarcerada, e procura dar relevo e analisar as “percepções e representações sociais da
comunidade de reclusos”. As autoras concluem destacando a dificuldade “de em um ambiente
heterocêntrico como as prisões preservar uma identidade heterossexual, o que leva a uma cisão
entre orientação sexual e o comportamento correspondente”.
Na seção “tradução dos clássicos” apresentamos mais uma tradução inédita do escrito
do filósofo húngaro György Lukács, “Sobre a questão do parlamentarismo”, traduzida por
Alexandre Aranha Arbia. Texto da juventude do pensador magiar retrata aqueles momentos em
que Lukács buscava a intervenção mais direta na política, figurando como importante
documento histórica da trajetória de seu pensamento.
Por fim, retomando a seção “relato de experiência”, Charles Toniolo escreve o artigo de
sugestivo tulo: “O sigilo na legislação do Serviço Social brasileiro e os conselhos
profissionais: relato de uma experiência nos anos 2010”. Em um tom contributivo importante
para problematizar questões importantes da prática, o relato “analisa algumas situações
concretas experimentadas no cotidiano do Conselho, relacionando-as com a legislação
profissional e as prerrogativas éticas do Serviço Social brasileiro, especialmente as relações
entre as condições éticas e técnicas de trabalho e as responsabilidades éticas de assistentes
sociais.
O tema do dossiê e a diversidade dos temas tratados nos artigos de fluxo contínuo
oferecem discussões relevantes e bastante atuais para o Serviço Social. Julgamos que são
contribuições significativas, e decerto, expressam apontamentos que enriquecem os debates.
Desejamos aos leitores uma boa leitura.
Os editores
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 22ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
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LEFEBVRE, Henri. Posição: contra os tecnocratas. São Paulo: Editora documentos, 1969.
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito Introdução. In MARX, Karl. Crítica da Filosofia
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Boitempo, 2007.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A sagrada família. São Paulo: Boitempo, 2011.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008.
TEIXEIRA, Anísio. Educação e Universidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.