no conhecimento científico de seu tempo, valendo-se, entretanto, de uma sólida formação
intelectual.
Mas, de que “sólida formação intelectual” estamos falando? Não pode ser, certamente,
a formação de tecnocratas, denunciada por Lefebvre logo às primeiras linhas de uma de suas
obras. Os tecnocratas, satélites do poder planificador do capital, são, analogamente, aqueles que
não receberam a “formação para a liberdade”, tão reclamada pelo velho mestre pernambucano.
O mal, aqui, reside antes no fetiche de que dispõem de algum poder decisório que no fato de
lidarem com situações relativamente complexas, especializadas e com linguagens herméticas
que funcionam como, numa má analogia econômica, “barreiras de entrada” aos não detentores
do saber técnico. A imagem mística de “homens qualificados”, dotados de “importantes
competências, bem como [d]o dom da eficácia” (LEFEBVRE, 1969, p. 15) pode parecer a
muitos sedutora. Afinal, ela estabelece um lugar na hierarquia da estrutura social: nos
entremeios do edifício que se ergue sobre a subordinação do trabalho. Mas trata-se, como bem
adverte Lefebvre, de uma imagem ilusória. Os tecnocratas “não comandam, dispõem apenas de
um poder de decisão limitada (...) executam ordens, as ordens do poder político que dispõe das
‘variáveis estratégicas’” (LEFEBVRE, 1969, p. 15).
O problema da formação tecnocrática repõe, a partir das bases de um capitalismo
manipulatório, o lugar da ciência para a burguesia, de um modo geral. Em âmbito nacional,
todavia, em que temos demonstrado hodiernamente uma nostalgia incontida em relação ao
nosso passado, naquilo que apresentamos de pior na construção de nossa sociedade, parece
também renascer, vigorosamente, a ideia de que a universidade deve se prestar, exclusivamente,
à formação técnica. Na nossa história, essa compreensão chegou a se expressar sob a forma de
uma “resistência à universidade”, calcada sobre um projeto societário de forte corte utilitarista:
“uma ideia de que a sociedade que se estava construindo ia ser uma sociedade utilitária, de
serviços úteis, uma sociedade de trabalho e, como tal, não ganharia muito em receber os
ornamentos e a riqueza da velha educação universitária” (TEIXEIRA, 2009, p. 92). A
reafirmação de uma formação rigorosamente técnica – ainda que dentro de padrões de
excelência – por certo reatualiza a visão de uma sociedade utilitária, cujo progresso apresenta-
se como desenvolvimento de uma coleção infindável de mercadorias, sem se problematizar a
respeito de a que e a quem se presta tal construção. A derrocada da dimensão problematizadora
– humana – de qualquer processo formativo impede justamente a elaboração, nos mais refinados
patamares da consciência, das questões a respeito do a que e a quem; em última instância, das
problematizações a respeito do “destino e da finalidade do homem”. Aquela universidade, “casa
onde se acolhe toda a nossa sede de saber e de melhorar”, cf. pensou Teixeira (2009, p. 34)