Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 736-745, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.36544
Sobre a questão do parlamentarismo
1
György Lukács
Tradução
2
: Alexandre Aranha Arbia
1
Afirma-se agora, universalmente, que a questão do parlamentarismo não é uma questão
de princípio, mas simplesmente tática. Apesar de sua indubitável veracidade, esta tese parece,
porém, obscura em rios aspectos. Deixando de lado que dita tese é sustentada quase
exclusivamente por aqueles que – praticamente – apoiam o parlamentarismo, e que, portanto, a
formulação significa quase sempre uma tomada de posição a favor do parlamentarismo, com a
simples constatação de que uma questão o é de princípio, senão de natureza tática, diz-se
certamente muito pouco. Em especial porque – como consequência da falta de uma verdadeira
epistemologia socialista a relação entre uma tática e os princípios não foi ainda absolutamente
esclarecida.
Sem abordar esse problema nem sequer de modo alusivo, é preciso sublinhar, no
entanto, o seguinte. A tática significa a aplicação prática dos princípios determinados em forma
teórica. A tática é, em consequência, o nexo de união entre a postulação de um fim e a realidade
imediatamente dada. Encontra-se determinada, pois, a partir de duas perspectivas. Por um lado,
1
Publicado em Kommunismus 1/6, em 1920, este artigo, marca a posição de Lukács na discussão a respeito da
atuação parlamentar, pelos comunistas, tema recorrente nos debates entre os integrantes da Terceira Internacional.
Trata-se do famoso artigo atacado por Lênin, que terminou por acusar o marxismo de Lukács, na ocasião, de
“esquerdista”, “artificial” e “puramente verbal”, sobretudo no que dizia respeito às distinções entre táticas
“ofensivas” e “defensivas”. Como se sabe, o ataque de Lênin impôs ao filósofo magiar a primeira autocrítica de
sua fase marxista e marcou sua aproximação definitiva(s) às ideias de Lênin.
2
O texto foi traduzido a partir da edição castelhana, cuja organização, tradução e introdução couberam a Miguel
Vedda e Antonino Infranca, e compõe o volume Táctica y ética. Escritos tempranos (1919-1929). Buenos Aires:
Herramienta, 2014. p. 85-95. A tradução foi realizada por Alexandre Aranha Arbia e a revisão da tradução e o
cotejamento com a edição alemã coube a Ronaldo Vielmi Fortes. Os editores da revista LiberTas agradecem aos
organizadores da edição castelhana, que gentilmente permitiram que a versão fosse traduzida ao português e
publicada neste número.
---------- Tradução dos Clássicos ----------
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pelos princípios e postulações de fim determinados inapelavelmente pelo comunismo. Por
outro, pela realidade histórica em constante mudança. Ainda que se tenha falado repetidas vezes
sobre a grande ductilidade da tática comunista (ao menos no que diz respeito a como tal tática
deveria ser), não se pode esquecer, para uma compreensão adequada desta tese, que a falta de
rigidez da tática comunista é a consequência direta da rigidez dos princípios do comunismo.
Somente pelo fato de que os princípios imutáveis do comunismo são chamados a transformar a
realidade histórica em constante mudança de um modo vivo e proveitoso, podem esses
princípios conservar essa maleabilidade. Toda Realpolitik”, toda ação desprovida de
princípios, torna-se rígida e esquemática; tanto mais rígida e esquemática quanto mais
obstinadamente é sublinhado seu caráter livre de princípios (por exemplo, a política imperialista
alemã). Pois, o permanente na mudança, o decisivo dentro da abundância, não pode ser
eliminado por nenhuma Realpolitik”. Se essa função não é assumida por uma teoria que está
em condições de influir proveitosamente nos fatos, e tornar-se proveitosa graças a eles, devem
aparecer, no lugar dessa teoria, o costume, o esquema, a rotina, e a teoria é, então, incapaz de
adaptar-se às exigências do instante. Precisamente por essa ancoragem na teoria, nos princípios,
diferencia-se a tática comunista de toda tática baseada na Realpolitik”, seja ela de orientação
burguesa ou socialdemocrata-pequeno-burguesa. Se, então, para o Partido Comunista, uma
questão se encontra determinada como questão tática, cabe perguntar: primeiro, de que
princípios teóricos depende a questão correspondente?; segundo, a que situação histórica pode-
se aplicar essa tática, de acordo com esta dependência?; terceiro, de que natureza deve ser a
tática, também de acordo com esta dependência?; quarto, como deve ser concebido o vínculo
da questão tática individual com as outras questões táticas individuais – novamente, de acordo
com a vinculação de tais questões táticas com as questões de princípio –?
2
A fim de determinar, com maior precisão, o parlamentarismo como questão tática do
comunismo, sempre há que se partir, por um lado, do princípio da luta de classes; por outro, da
análise concreta da situação atual, das relações materiais e ideológicas entre as classes em
confronto. Do que derivam duas perguntas decisivas. Primeiro, quando entra em consideração
o parlamentarismo como arma, enquanto meio tático do proletariado? Segundo, como esta arma
pode ser empregada em benefício da luta de classes do proletariado?
A luta de classes do proletariado nega, de acordo com sua essência, a sociedade
burguesa. Isso não significa, de nenhum modo, indiferentismo frente ao Estado, tão
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justificadamente ridicularizado por Marx, mas, pelo contrário, um tipo de luta em que o
proletariado não se deixa limitar, em absoluto, pelas formas e meios que sociedade burguesa
construiu para seus próprios fins – um tipo de luta em que a inciativa não se encontra de modo
algum ao lado do proletariado –. Agora, não se deve esquecer que esta forma totalmente pura
da luta de classes proletária raramente pode desenvolver-se com tal pureza. Antes de tudo
porque o proletariado, apesar de estar, de acordo com sua missão histórico-filosófica, em luta
contínua com o ser da sociedade burguesa, nas situações históricas dadas encontra-se, muito
frequentemente, na defensiva frente a burguesia. A ideia da luta de classes proletária é uma
grande ofensiva contra o capitalismo; a história faz essa ofensiva aparecer como se houvesse
sido imposta ao proletariado. A situação tática em que o proletariado se encontra em cada caso
pode ser descrita da maneira mais simples, consequentemente, de acordo com seu caráter
ofensivo ou defensivo. Do que foi dito, deduz-se, espontaneamente, que, em situações
defensivas, devem ser empregados meios táticos que contradizem, em sua mais profunda
essência, a ideia da luta de classes proletária. A aplicação certamente necessária de tais meios
está sempre ligada, por isso, ao perigo de que eles possam pôr em risco o fim em função do
qual são empregados – isto é, a luta de classes do proletariado –.
O parlamento, o instrumento mais característico da burguesia, pode ser, pois, uma
arma defensiva do proletariado: uma fase da luta de classes em que não é possível ao
proletariado seja como consequência das relações de forças externas, seja por causa da
imaturidade ideológica combater a burguesia empregando seus próprios meios de ataque. A
participação na atividade parlamentar significa, pois, para todo partido comunista, a
consciência e o reconhecimento de que a revolução é impensável em um curto prazo. O
proletariado, deslocado na defensiva, pode então aproveitar a tribuna parlamentar com fins de
agitação e propaganda; pode aplicar as possibilidades que assegura a “liberdade” da burguesia
aos membros do parlamento, como um substituto das formas de expressão que de outra maneira
lhes estão vedadas. Pode usar as lutas parlamentares contra a burguesia para concentrar suas
forças, a fim de preparar a luta real, autêntica, contra a burguesia.
3
Ainda mais difícil que determinar o momento em que se pode aplicar a tática
parlamentar, é indicar como uma fração comunista deve se conduzir no parlamento. (As duas
questões se relacionam, ademais, de modo estreito). Alude-se quase sempre ao exemplo de Karl
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e ao da fração bolchevique na Duma. Ambos mostram, não obstante, o quão difícil
é, aos comunistas, encontrar a conduta parlamentar correta; que capacidades extraordinárias são
demandadas dos legisladores comunistas. A dificuldade pode ser sintetizada, brevemente, desse
modo: o legislador comunista deve lutar contra o parlamento no interior do parlamento e, por
certo, através de uma tática que nem por um instante se coloca no terreno da burguesia, do
parlamentarismo. Não nos referimos aqui nem ao “protesto” contra o parlamentarismo nem a
“luta” contra ele nos “debates” (tudo isto é parlamentar e legalista, é um vazio palavrório
revolucionário), mas sim combater o parlamentarismo, a hegemonia burguesa no próprio
parlamento através da ação.
Essa ação revolucionária não pode fazer outra coisa senão preparar ideologicamente a
passagem do proletariado da defensiva para a ofensiva; quer dizer, por meio dessa ação, a
burguesia e, junto com ela, seus cúmplices socialdemocratas veem-se obrigados a revelar sua
ditadura de classe de um modo que pode tornar-se perigoso para a persistência dessa ditadura.
Na tática comunista orientada a desmascarar a burguesia no parlamento, não se trata de uma
crítica por meio de palavras (isso pode ser, em muitos casos, simples palavreado revolucionário
tolerado pela burguesia), mas de provocar a burguesia para que se desmascare através de ações
que, em um dado instante, podem-lhes resultar desfavoráveis. Como o parlamentarismo é uma
tática defensiva do proletariado, é preciso organizar a defesa de modo que a iniciativa tática
permaneça nas mãos do proletariado e que os ataques da burguesia sejam fatais para ela
mesma
4
.
Esperamos que esta exposição desenvolvida de modo muito breve e aproximado mostre
com clareza suficiente as grandes dificuldades dessa tática. A primeira dificuldade a que estão
expostos os grupos parlamentares, quase sem exceção, é a de transcender verdadeiramente o
parlamentarismo dentro do próprio parlamento. Pois mesmo a crítica mais aguda de uma ação
da classe dominante permanece sendo simples palavra, simples palavrório revolucionário se
não supera o marco do parlamento; se não tem como como consequência que a luta de classes
se acenda precisamente nesse momento; que os antagonismos de classe se manifestem de modo
mais evidente e que, portanto, a ideologia do proletariado se mostre acelerada. O oportunismo
o grande perigo da tática parlamentar tem seus fundamentos últimos precisamente aqui:
3
Muito recentemente, por Karl Radek em Die Entwicklung der Weltrevolution und die Taktik der kommunistischen
Parteien im Kampfe um die Diktatur des Proletariats [A evolução da revolução mundial e a tática dos partidos
comunistas na luta pela ditadura do proletariado]. Berlim, 1920, p. 29.
4
Essas táticas são, seguramente, as que Engels tem em mentem em seu prefácio, com frequência mal entendido
em boa medida, intencionalmente –, a As Luta de Classes na França, quando diz que os partidos da ordem foram
destruídos pelo estado de “legalidade” que eles mesmos haviam criado. Não pode haver dúvida de que Engels está
descrevendo uma situação defensiva.
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toda atividade parlamentar que, em sua essência e em seus efeitos, não vai além do parlamento,
não tem sequer a tendência de ultrapassar o quadro parlamentar; é oportunista. Ao mesmo
tempo, a mais aguda crítica que se desenvolve dentro desse marco não pode produzir a menor
mudança. Pelo contrário. Precisamente pelo fato de que uma aguda crítica da sociedade
burguesa parece possível dentro do marco parlamentar, ela contribuirá para a perturbação da
consciência de classe proletária, desejada pela burguesia. A ficção da democracia parlamentar
burguesa consiste precisamente em que o parlamento não apareça como um instrumento de
opressão de classe, mas como instrumento de “todo o povo”. Na medida em que todo
radicalismo verbal – pelo fato de ser possível dentro parlamento – reforça a ilusão das camadas
ainda não despertas, é oportunista e desprezível.
O parlamento deve, portanto, ser sabotado enquanto parlamento; a atividade
parlamentar deve ser levada além do parlamentarismo. Mas, tão logo a representação
parlamentar dos comunistas se propõe tarefa semelhante, revela-se outra dificuldade tática
capaz de pôr em grande perigo esse trabalho, inclusive quando parece já haver sido superado o
risco do oportunismo. O perigo é que, apesar de todos os esforços da fração parlamentar
comunista, a iniciativa e, portanto, a preponderância tática permaneça nas mãos da burguesia.
Pois o que determina a preponderância tática é qual dos rivais em conflito consegue impor ao
outro as condições de luta que lhe são mais favoráveis. Agora, se destacou que toda limitação
ao parlamentarismo representa um triunfo tático da burguesia; o proletariado se encontra, em
muitos casos, frente a seguinte opção: ou se afasta da luta decisiva (limita-se ao
parlamentarismo: perigo de oportunismo), ou vai além do parlamentarismo, apelando às
massas, em um momento em que tal manobra é favorável à burguesia. O exemplo mais claro
do caráter insolúvel desta questão é oferecido pela atual situação do proletariado italiano.
5
As
eleições – que foram abertamente conduzidas sob a bandeira comunista, como uma “agitação”
generosa proporcionaram ao Partido um grande número de mandatos. E agora? Ou bem
participar no “trabalho positivo” do parlamento, tal como desejam Turati e seus iguais, o que
traz como consequência o triunfo do oportunismo, a debilitação do movimento revolucionário.
Ou sabotar abertamente o parlamento, o que levará, cedo ou tarde, a um confronto direto com
a burguesia, sem que o proletariado esteja em condições de escolher o momento em que este
confronto ocorrerá. Para que não haja má interpretação: não partimos da ridícula pressuposição
5
A exceção da pequena fração “abstencionista” de Bordiga, os Socialistas Italianos (PSI) participaram na eleição
de novembro de 1919 e obtiveram 150 cadeiras, convertendo-se no maior partido parlamentar. Filippo Turati era
o líder da ala direita do Partido. O Segundo Congresso da Terceira internacional exigiu sua expulsão (junto com a
dos demais líderes de direita) no verão de 1920. [Nota do tradutor da edição castelhana]
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de que é possível “escolher o momento” em que ocorrerá a revolução; pelo contrário,
acreditamos que as explosões revolucionárias são ações espontâneas das massas, nas quais o
Partido tem a função de despertar a consciência do fim e indicar a direção. Todavia, como o
ponto de partida do enfrentamento está no parlamento, essa espontaneidade está posta em
perigo. A ação parlamentar converte-se em manifestação vazia (por consequência, no longo
prazo, exaure e adormece as massas) ou suscita provocações exitosas por parte da burguesia. A
fração italiana por temor diante dessa última possibilidade oscila, instável, entre as
manifestações vazias e o ligeiro oportunismo da fraseologia revolucionária. (A propósito, junto
com esses erros táticos de método, foram cometidos também, por assim dizer, erros táticos de
conteúdo; por exemplo, a manifestação pequeno-burguesa a favor da república).
4
Este exemplo manifesta claramente como uma “vitória eleitoral” pode ser perigosa para
o proletariado. Pois o maior perigo reside, para o partido italiano, no fato de que sua atividade
antiparlamentar pode conduzir muito facilmente à destruição do parlamento..., embora o
proletariado italiano ainda não possua, em termos de ideologia e organização, a maturidade
necessária para a luta decisiva. A contradição entre a vitória eleitoral e a falta de preparação
ilumina claramente a nulidade daquele argumento a favor do parlamentarismo, que nele uma
espécie de “desfile militar” do proletariado. Se os “votos” obtidos significassem verdadeiros
comunistas, esses escrúpulos seriam inválidos e a maturidade ideológica já existiria.
Através disso, revela-se também que a própria agitação eleitoral não se encontra isenta
de riscos, mesmo como mero meio propagandístico. A propaganda do Partido Comunista deve
servir para despertar a consciência de classe das massas proletárias, para incitá-las à luta de
classes. Consequentemente, deve orientar-se no sentido de acelerar, na medida do possível, o
processo de diferenciação dentro do proletariado. Somente desse modo pode-se conseguir que,
por um lado, o núcleo consciente e firme do proletariado revolucionário (o Partido Comunista)
se desenvolva quantitativa e qualitativamente; por outro, que o partido arraste as camadas
semiconscientes pelo exemplo da ação revolucionária e as leve a tomar consciência
revolucionária de sua situação. Pois a captura de votos não somente não é nenhuma ação, mas
algo pior: uma ação aparente, a ilusão de uma ação; donde não atue despertando a consciência,
mas, pelo contrário, turva-a. Constitui-se um exército aparentemente grande que, no instante
em que é necessário resistir seriamente, falha por completo (Socialdemocracia alemã, em agosto
de 1914).
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A situação ocorre necessariamente da forma tipicamente burguesa dos partidos
parlamentares. Como ocorre em toda a organização da sociedade burguesa, o fim último, ainda
que raramente consciente, dos partidos parlamentares burgueses é obscurecer a consciência de
classe. Enquanto minoria da população condenada ao desaparecimento, a burguesia pode
assegurar seu domínio alinhando em suas fileiras todos os setores ideologicamente vacilantes e
confusos. O partido parlamentar burguês é, por conseguinte, resultante dos mais diversos
interesses de classe (a propósito, do ponto de vista do capitalismo, o compromisso é sempre
maior que o real). Mas, ao proletariado, esta estrutura partidária é imposta quase sempre que
ele participa na luta eleitoral. A vida autônoma de todo mecanismo eleitoral, que
necessariamente trabalha para obter a maior “vitória” possível, faz com que os slogans se
orientem no sentido de atrair “simpatizantes”. E mesmo quando isso não aconteceu ou, pelo
menos, não ocorreu de forma consciente, toda a técnica da eleição implica a captação de
“aficionados”; isso encerra o perigo fatal de estabelecer uma separação entre convicção e ação
e de produzir, desse modo, uma tendência ao aburguesamento, ao oportunismo. A tarefa
educativa dos partidos comunistas, o efeito sobre os grupos do proletariado que se mostram
confusos e hesitantes, pode tornar-se verdadeiramente frutífera quando neles fixa a persuasão
revolucionária através do exemplo da ação revolucionária. Toda campanha eleitoral mostra
em concordância com sua natureza burguesa – uma direção totalmente oposta, que só pode ser
realmente superada nos casos mais raros. O partido italiano também caiu nesse perigo. A ala
direita considerou a filiação à Terceira internacional, a reivindicação de uma república dos
conselhos, como simples slogan eleitoral. O processo de diferenciação, a autêntica conquista
das massas para a ação comunista, pode começar, pois, mais tarde (provavelmente em
circunstâncias mais propícias). Pelo fato de não terem nenhuma relação imediata com a ação,
os slogans eleitorais mostram uma prodigiosa tendência de apagar as contradições, de negar
orientações divergentes, atributos mais do que arriscados, justamente no estado atual da luta de
classes, quando o que se busca é a união real, ativa, do proletariado, não a unidade aparente
entre os velhos partidos.
5
Entre as dificuldades quase insuperáveis para uma ão comunista no parlamento
encontra-se a enorme independência e, inclusive, a lógica autônoma que o grupo parlamentar
costuma possuir dentro da vida partidária. É notório ainda que não se possa analisar aqui
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detalhadamente – que isso representa uma vantagem para os partidos burgueses
6
. Mas o que é
lucrativo para a burguesia é, quase sem exceção, arriscado para o proletariado. Assim também
neste caso, em que, como consequência dos perigos da tática parlamentar expostos
anteriormente, estes podem ser evitados com alguma perspectiva de êxito quando a atividade
parlamentar encontra-se submetida, em toda a sua dimensão e incondicionalmente, à direção
central extraparlamentar. Isso parece evidente no plano teórico, mas a experiência nos mostra
que a relação entre partido e fração parlamentar inverte-se, quase sem exceções, e o partido é
arrastado pela fração parlamentar. Assim, por exemplo, no caso Liebknecht, durante a guerra,
quando aquele aludiu (naturalmente em vão) ao caráter vinculante do programa partidário frente
a fração do Reichstag.
7
Ainda mais difícil que a relação entre a fração parlamentar e o partido é a que existe
entre a primeira e o conselho operário. A dificuldade de formular a pergunta de um modo
teoricamente correto, novamente lança uma luz clara sobre a índole problemática do
parlamentarismo na luta de classes do proletariado. Os conselhos operários, enquanto
organizações de todo o proletariado (tanto do consciente como do inconsciente) apontam, por
sua simples existência, mais além da sociedade burguesa. São, em sua essência, organizações
revolucionárias da expansão, a capacidade de ão e o poder do proletariado; como tais, são
verdadeiros termômetros do progresso da revolução. Pois tudo que se desenvolve e alcança nos
conselhos operários é algo arrebatado à resistência da burguesia e, portanto, não tem valor
apenas enquanto resultado, mas sobretudo como instrumento educativo para a ação dotada de
consciência de classe. Tentativas (como a do USPD
8
) para “ancorar” os conselhos operários “na
constituição”, para assegurar-lhes legalmente um campo de ação determinado, revelam, pois,
um ponto culminante do “cretinismo parlamentar”. A legalidade mata o conselho operário.
Como organização ofensiva do proletariado, revolucionário, o conselho operário existe na
medida em que põe em risco a existência da sociedade burguesa, na medida em que luta e
prepara, passo a passo, a destruição desta sociedade e, com isso, a construção da sociedade
proletária. Toda legalidade isto é, a adaptação à sociedade burguesa com determinados limites
de competência transforma a existência dos conselhos em uma existência aparente: o conselho
operário se converte em uma combinação de clube de debates, comi e caricatura do
parlamento.
6
Isso está vinculado às vantagens obtidas pela burguesia graças a, assim chamada, separação dos poderes de
governo.
7
Karl Liebknecht, Klassenkampf gegen den Krieg [Luta de classes contra a guerra]. Berlim, 1915, p. 53.
8
Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands [Partido Socialdemocrata Independente da Alemanha],
fundado por K. Kautsky em 1917, em Gotha, e extinto em 1931. [Nota do Tradutor desta edição]
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Podem, então, coexistir o conselho operário e a fração parlamentar como armas táticas
do proletariado? Seria fácil deduzir, a partir do caráter ofensivo do primeiro e defensivo da
segunda, uma relação de complementaridade.
9
Tais tentativas conciliatórias esquecem, porém,
que ofensiva e defensiva são, na luta de classes, conceitos dialéticos, cada um dos quais
compreende todo um mundo de ação (isto é, em ambos os casos: manobras individuais
ofensivas e defensivas), e podem ser aplicados, alternadamente, em cada fase determinada
da luta de classes. A diferença entre ambas as fases pode ser determinada de modo mais breve
e, ao mesmo tempo, mais claro, em relação com a questão que tratamos, da seguinte forma: o
proletariado encontra-se na defensiva enquanto o processo de dissolução do capitalismo não
tiver começado. Uma vez iniciada esta fase da evolução econômica independentemente de
que esta transformação tenha se tornado consciente ou não; e de que pareça ou não possível
constatá-la e demonstrá-la cientificamente o proletariado se forçado a passar a ofensiva.
Mas, como o processo evolutivo da ideologia não coincide simplesmente com o da economia,
e nem sequer corre de forma totalmente paralela, a possibilidade objetiva, como também a
necessidade da fase ofensiva da luta de classes, raramente encontram o proletariado preparado
no plano ideológico. Como consequência da situação econômica, a ação espontânea das massas
assume uma orientação revolucionária; mas é conduzida continuamente por caminhos errados,
ou é completamente sabotada, pela condução oportunista, que não quer nem pode desprender-
se dos hábitos correspondentes ao estágio defensivo. Na fase ofensiva da luta de classes,
portanto, já não se enfrentam hostilmente com o proletariado somente a burguesia e os setores
por ela conduzidos, mas também a própria condução precedente do proletariado. O objeto a
que a crítica tem que se dirigir não é mais, pois, na primeira linha, a burguesia (que fora
sentenciada pela história), mas a ala direita e o centro do movimento operário, sem cuja ajuda
o capitalismo não haveria tido, em nenhum país, a menor possibilidade de superar, mesmo que
temporariamente, sua crise atual.
Mas a crítica do proletariado é, igualmente, uma crítica da ação, um trabalho educativo
por meio da ação revolucionária, um ensino por meio do exemplo. Os conselhos operários são
o instrumento mais propício que se possa imaginar para alcançar este fim. Pois sua função
educativa é mais importante que todos as conquistas que os conselhos podem trazer ao
proletariado. O conselho operário é a morte da socialdemocracia. Enquanto, no parlamento, é
possível encobrir o oportunismo concreto através da fraseologia revolucionária, o conselho
operário é forçado a agir... ou deixa de existir. Essa ação, cujo líder consciente tem de ser o
9
Proposta, realizada por Max Adler, do conselho de trabalhadores como segunda câmara.
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Partido Comunista, provoca a dissolução do oportunismo, gera a crítica que é necessária
atualmente. Não é de estranhar que que a socialdemocracia tema a autocrítica que aqui se lhe
impõe. A evolução dos conselhos operários na Rússia, da primeira revolução à segunda, mostra
claramente aonde essa revolução deve levar.
Com isso, restaria teórica e taticamente definida a posição do conselho operário e do
parlamento: quando é possível um conselho operário (ainda que dentro do marco mais
modesto), o parlamento resulta supérfluo. Este é, inclusive, perigoso, que a crítica factível
dentro de seu âmbito é apenas a crítica da burguesia, não a autocrítica do proletariado. Este,
porém, antes de pisar a terra santa da libertação, deve passar pelo purgatório dessa autocrítica.
Por meio dessa autocrítica, o proletariado dissolve, descarta e assim purifica sua própria
aparência na era capitalista; aparência que se manifesta do modo mais preciso na
socialdemocracia.