DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.36339
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.2, p. 408-428, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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Educação e democracia: complexos sociais de
alienação fundamentais para a emancipação
humana
Education and democracy: social complexes of alienation
fundamental for human emancipation
Neusa Pereira Assis*
Uyara de Salles Gomide**
Hormindo Pereira de Souza Junior***
Resumo: Este artigo objetiva discutir as
particularidades e possíveis relações entre alienação
e estranhamento na dinâmica da sociedade capitalista
atual, enquanto complexos construídos
historicamente e fundamentais para a compreensão
dos processos que envolvem o campo da educação e
da democracia. Tais questões inserem-se no caro
debate sobre as limitações da democracia enquanto
conteúdo e forma de governo, assim como sobre o
processo de emancipação humana e da conquista da
liberdade. Acredita-se que esse debate não pode
prescindir da discussão sobre as condições materiais
de formação do ser social e de seus mecanismos de
produção e reprodução, o que implica, entre outros
complexos, o da educação, escolhido por nós em
virtude da sua potencialidade emancipadora do
gênero humano. Neste sentido, tendo como
referencial teórico centrais György Lukács e Karl
Marx, partimos do tripé categorial analítico:
alienação, estranhamento e educação, para se pensar
questões relativas à democracia e a emancipação
humana diante da sociedade capitalista na
atualidade.
Palavras-chave: educação; alienação; estranha-
mento; emancipação humana.
Abstract: This article aims to discuss the
particularities and possible relations between
alienation and estrangement in the dynamics of
current capitalist society, as a complexes constructed
historically and fundamental for the comprehension
of the process that involves the field of education and
democracy. These questions are part of the important
debate on the limitations of democracy as content
and form of government, as well on the process of
human emancipation and the conquest of freedom. It
is believed that this debate cannot be done without
discussing the formative material conditions of the
social being and their mechanisms of production and
reproduction, implying, among other complexes,
that of education, chosen by us due to its
emancipatory potential for the human gender. In this
sense, having György Lukács and Karl Marx as
central theoretical references, we start from the
three-part analytical categories: alienation,
estrangement and education, to think about issues
related to democracy and human emancipation from
the capitalist society of today.
Keywords: education; alienation; estrangement;
human emancipation.
* Doutoranda em Educação: Conhecimento e Inclusão Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Mestra em Educação pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Graduada em
História pelo Centro Universitário de Sete Lagoas-UNIFEM. E-mail: neusapassis@gmail.com.
** Doutoranda em Educação: Conhecimento e Inclusão Social pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), Mestra em Economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Graduada em Ciências Econômicas
pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). E-mail: uyara.salles@gmail.com.
*** Professor Titular de Política e Gestão da Educação Faculdade de Educação da UFMG. Bacharel e licenciado
em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991). Mestre em Educação pela UFMG (1996).
Doutor em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC.SP (2001).
Pós-doutorado em Filosofia Política e Educação pela Universidade Federal Fluminense UFF (2014). E-mail:
hormindo33@hotmail.com.
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Recebido em: 27/09/2021
Aprovado em: 23/11/2021
Introdução
(...) tornou-se claro que, entre uma forma mais simples de ser (por mais numerosas
que sejam as categorias de transição que essa forma produz) e o nascimento real de
uma forma, mais complexa, verifica-se sempre um salto; essa forma mais complexa é
algo qualitativamente novo, cuja gênese não pode jamais ser simplesmente "deduzida"
da forma mais simples (LUKÁCS em “As bases ontológicas do pensamento e da
atividade do homem”).
(...) A democracia é, no fundo, como considero todas as formas de governo, uma
contradição em si mesma, uma inverdade nada além de hipocrisia (teologia, como
nós, alemães, a chamamos). Liberdade política é liberdade simulada, a pior escravidão
possível, a aparência da liberdade e, portanto, a realidade da servidão. (FRIEDRICH
ENGELS em “Esboço para uma crítica da economia política e outros textos da
juventude”).
As epígrafes que abrem este artigo nos dão um panorama da historicidade da formação
do ser social, cujo salto ontológico, que se dá via trabalho, jamais pode ser entendido como um
fato ocorrido da noite para o dia. Por salto, entende-se não uma ruptura brusca no tempo
histórico, mas a própria dinâmica deste tempo. É pelo primado ontológico do trabalho e pelo
movimento da história que se dá a formação do ser social.
Pretendemos com este artigo tratar de categorias-chaves relativas ao gênero humano e
fundamentais para a compreensão da dinâmica sócio-histórica envolvida nos processos de
formação humana, portanto, inclui a educação. Como aponta Marx (2017), o trabalho humano
é a mediação essencial, pela qual o ser se torna social. O trabalho é a mediação entre o ser social
e suas dimensões que, através da atividade, constitui a gênese de todas as categorias
fundamentais aos processos de formação humana. O trabalho constitui “o vínculo mais geral
desse início genético da sociedade e da história com seu próprio desenvolvimento” (LUKÁCS,
1978: 13).
Contudo, não se pode precisar em que momento o salto qualitativo (do ser orgânico ao
ser social) ocorreu, apesar de termos conhecimento que este constitui um longo processo
histórico que pode se dar como resultado do desenvolvimento de suas bases orgânicas e
inorgânicas. É por meio e através do trabalho que se objetiva através da atividade que o gênero
humano pôde garantir sua sobrevivência e reprodução.
Essa concepção, não descarta o papel da consciência. Muito pelo contrário, a considera
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como a capacidade exclusivamente humana, de adiantar na mente o resultado que se quer
imprimir na realidade, ou seja, a elaboração de um pôr teleológico, que diferencia o trabalho
humano da atividade de qualquer outro animal. Ainda em Marx (2013) e reafirmado em Lukács
(2013) verifica-se que é por meio do trabalho que o ser social modifica a natureza e transforma
a si mesmo, humanizando-se no processo e levando, concomitantemente, ao desenvolvimento
de sua consciência. O ato de se objetivar no mundo via trabalho, ou seja, de alienar-se, coloca
em curso séries causais que estão para além da mera causalidade ou resultado das forças
naturais.
E neste desenrolar e aprimoramento dos processos de trabalho pelo gênero humano se
faz necessário decidir quais séries causais se colocará em movimento, sob quais finalidades.
Apresenta-se a categoria da liberdade enquanto possibilidade de escolha dentre as
possibilidades materiais existentes. Quanto mais se tem controle sobre o pôr teleológico, mais
livre é o sujeito. No entanto, o que ocorre com a divisão social do trabalho e a crescente
complexificação da vida é o distanciamento das barreiras naturais pelo ser humano e a
fragmentação do processo produtivo, levando ao desconhecimento, por parte daqueles que o
executam, de todas as séries causais necessárias para a realização do trabalho, bem como de
todas as suas consequências. Este processo passa a ocorrer, cada vez em maior profundidade,
de maneira que “o modo de manifestação típico da necessidade passa a ser, cada vez mais
nitidamente e a depender do caso concreto, aquele de induzir, impelir, coagir etc., os homens a
tomarem determinadas decisões teleológicas, ou então impedir que eles o façam”. (LUKÁCS,
1978:12), promovendo o estranhamento do ser social em relação ao trabalho e a si mesmo.
Acreditamos que a discussão deste tema está na ordem do dia, visto que o próprio
processo de complexificação e desenvolvimento do capitalismo engendra os mecanismos pelos
quais se faz possível sua reprodução, garantindo em contrapartida, a generalização do
estranhamento nos mais diferenciados níveis. Entendemos que é de fundamental importância a
apreensão sobre os processos de alienação e estranhamento no capitalismo atual. A
compreensão equivocada desses processos, pelos movimentos sociais e partidos políticos
influenciados pelo movimento marxista, produziu e continua a produzir confusões nas análises
da realidade, possibilitando construções equivocadas de estratégias de luta.
Nesta direção reflexiva, este artigo traz como questões norteadoras as seguintes
indagações: Qual a importância do debate acerca da emancipação humana frente à crise do
capital? Em que medida, ainda é possível e necessário a efetivação de uma práxis contra
hegemônica anticapitalista? Diante de tais questões parte-se da perspectiva materialista e
histórica no intuito de apresentar algumas considerações acerca das possíveis aproximações e
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diferenciações entre as categorias ontológicas da formação do ser social: alienação e
estranhamento, no intuito de buscar maior entendimento acerca da dinâmica do real e das
possibilidades de transformação radical deste real. Como afirma Lukács:
Toda utopia é determinada, em seu conteúdo e em sua orientação, pela
sociedade que ela repudia; cada uma das suas contra imagens histórico-
humanas refere-se a um determinado fenômeno do hic et nunc histórico-
socialmente existente. Não existe nenhum problema humano que não tenha
sido, em última análise, desencadeado e que não se encontre profundamente
determinado pela práxis real da vida social. (IDEM, 2013: 119)
Ancorar-se em Lukács e em Marx para tratar das questões e problemáticas aqui
propostas justifica-se pela importância seminal desses autores para todo movimento marxista
mundial tendo em vista a leitura imanente do real reproduzidas na teoria social desenvolvida
por Marx a qual Lukács identifica uma ontologia de novo tipo, a ontologia do ser social, cuja
centralidade encontra-se no trabalho, pondo por terra a concepção de uma centralidade
econômica no pensamento marxiano, ou seja, de um economicismo, bem como de uma
centralidade política, ou seja, de um politicismo.
Em tempos de acirramento da crise estrutural do capitalismo e mundialização da
pobreza, coexistentes com a propagação de ideias e cenários fatalistas, nos quais a dimensão
histórica é negada em nome de uma imutabilidade do destino, Marx e Lukács se configuram
como pensadores incontornáveis para se distinguir a essência da aparência. No bojo deste
debate coloca-se em tela de forma contraditória o problema da democracia, esta grande fábula
da modernidade, “teologia como a designamos”, nas palavras de Friedrich Engels, democracia
que nos acompanha até hoje com promessas de dias melhores para aqueles que se esforçarem,
e a educação, aqui entendida como um complexo social constituinte da dimensão social do
“Ser” e como potência no processo de emancipação humana.
Tendo a Teoria Social de György Lukács e de Karl Marx como referências teóricas
principais, mas não exclusivas, este artigo se estrutura em três partes: na primeira discute-se a
relação entre alienação e estranhamento, buscando traçar as aproximações e diferenciações
destas categorias; na segunda parte debruça-se sobre os limites da democracia enquanto forma
de governo; já a terceira e última seção traz reflexões sobre o complexo social da educação
como parte inerente à formação do ser social, logo, como complexo universal, e sua relevância
para a emancipação humana.
Espera-se com esta iniciativa contribuir com os estudos e debates voltados à questão da
formação humana e sua emancipação, clarificando e dando relevo às questões imprescindíveis
tanto para a leitura materialista da vida, quanto para a construção de novas materialidades, tendo
em vista que: “Ser radical é agarrar as coisas pela raiz. Mas a raiz, para o homem é o próprio
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homem” (MARX, 2010, p.151, grifo nosso).
Pôr teleológico, alienação e estranhamento
A alienação é tratada pela tradição filosófica desde a Antiguidade. A palavra alienação
pode ser entendida como característica de uma pessoa estranha, seja em relação ao outro ou a
si mesma, estrangeira. Em linhas gerais e a título de exemplo - sem entrar em um debate
aprofundado sobre as origens da palavra alienação e seu diferencial na tradição filosófica
ocidental - podemos citar o caso de Platão que tratava a alienação, entendendo-a enquanto
condição daquele que está estranho à realidade.
István Mészáros, em “A Teoria da Alienação em Marx” (2006), obra em que, como o
próprio nome indica, discute esta categoria na concepção de Marx, dedica o primeiro
capítulo, intitulado “Origens da Concepção da Alienação”, para fazer um panorama da
historicidade da alienação no pensamento filosófico ocidental em diferentes períodos históricos,
apontando como permanências e rupturas se dão dialeticamente nesse processo. E é o próprio
Mészáros que afirma que o conceito de alienação pertence a uma problemática vasta e
complexa, com uma longa história própria” (MÉSZÁROS, 2006: 31). Para se compreender a
alienação, faz-se mister assumi-la enquanto uma categoria, o que implica reconhecer sua
historicidade, sua capacidade plástica de mudança; para então situá-la dentro do conjunto de
problemas e correlação de forças de cada época. Tarefa feita por Karl Marx.
Nesse sentido, interessa-nos saber: seria a temática da alienação e do estranhamento,
uma questão relevante diante das problemáticas atuais impostas pelo sistema do capital? Tal
temática contribui para se enfrentar as questões do cotidiano? A educação enquanto complexo
social, encontra lugar nesse debate? A partir de Marx e Lukács, veremos que sim. Trata-se de
uma questão que está na ordem do dia: a superação do capitalismo. Eis a problemática central
a ser enfrentada.
O avanço e consolidação do capitalismo não se deu e não se dá sem tensão e com a
inexistência de forças contra hegemônicas. No campo da crítica ao capitalismo, a categoria
alienação tornou-se senso comum, porém desvirtuada de seu sentido marxiano. Comumente
alienação é tomada como sinônimo de falta de senso crítico; e por alienado se considera aquela
pessoa que não conta da sua situação de oprimido frente ao sistema opressor. Tal perspectiva
é facilmente comprovada no interior de partidos, movimentos sociais e até mesmo no interior
de correntes do marxismo. Recuperar e retomar o sentido ontológico da categoria alienação é
um desafio posto na dinâmica da realidade.
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Parte dessa problemática - o “anuviamento” da categoria alienação - deve-se à própria
dinâmica do termo que passou a ser popularmente utilizado no campo da esquerda como
vocabulário cotidiano, vivo, distanciando-se do seu sentido marxiano; parte se deve à falta de
uma leitura imanente das obras de Marx, desafio enfrentado de forma bem-sucedida por
Lukács
1
, para quem:
Deve-se rejeitar, (...) a ontologia vulgar-materialista que vê as categorias mais
complexas como simples produtos mecânicos das mais elementares e
fundantes e, desse modo, por um lado, obstrui para si mesma toda a
compreensão da particularidade das primeiras e, por outro, cria entre as
primeiras e as segundas uma falsa hierarquia, supostamente ontológica,
segundo o qual se pode atribuir um sentido próprio às categorias mais
simples (LUKÁCS, 2013: 117)
Coube em grande medida ao chamado materialismo vulgar, de fundamento idealista, a
propagação de uma concepção equivocada da Teoria Social de Marx, esse equívoco advém de
um suposto privilegiamento e centralidade epistemológica e/ou politicista na recuperação da
teoria. A crítica de Lukács a esta vertente é também um convite e um alerta quanto a necessidade
de se ler imanentemente Marx pois tal leitura permitiria apreender a centralidade da dimensão
ontológica e histórica em toda sua elaboração, sob à qual, até mesmo a economia e a política
estariam submetidas, de modo que não se pode atribuir à Marx uma perspectiva economicista
e/ou politicista de análise da realidade.
Contudo, outro fator que pode explicar a confusão em relação a categoria alienação no
interior de boa parte do marxismo é o fato de Marx não a ter abordado de modo mais objetivo,
direto. Marx não publicou em vida obra ou mesmo um capítulo que tratasse exclusivamente da
teoria da alienação, o que dificulta para os leitores um entendimento mais apurado desta
categoria.
Em Marx, a categoria alienação ficou conhecida sobretudo com a divulgação tardia de
seus Manuscritos Econômico-Filosóficos, estes, apesar de não terem sido escritos na forma de
exposição, apresentam no pensamento do autor, o ponto de inflexão de sua teoria social. Um
dos primeiros a ter acesso a referida obra foi Lukács, o qual se debruçou sobre ela, reconheceu
sua importância e mudou sua concepção filosófica, conforme o próprio autor aponta: “a leitura
desses manuscritos mudou toda a minha relação com o marxismo e transformou minha
perspectiva filosófica” (LUKÁCS, 1971 apud MARX, 2004: 8). A inflexão provocada por
1
Conforme se verifica no conjunto da obra de Lukács, suas reflexões acerca da alienação são anteriores à
Ontologia do Ser Social. em História e Consciência de Classe: Estudos Sobre a Dialética Marxista (2003) o
autor abordava esta categoria, contudo fora da perspectiva da ontologia. Somente em Ontologia do Ser Social,
obra profundamente marcada pela leitura que Lukács fez dos Manuscritos Econômicos-Filosóficos, é que ele passa
a tratar da alienação a partir dessa perspectiva
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Lukács na tradição marxista, ainda não superada, faz deste autor imprescindível para a
compreensão e análise do real.
Para István Mészáros, o conceito-chave desses Manuscritos é o da alienação
(MÉSZÁROS, 2006: 18). O referido autor sintetiza a alienação em Marx, como exposta nos
Manuscritos, da seguinte maneira: Assim, o conceito de alienação de Marx abrange as
manifestações de estranhamento do homem da natureza e a si mesmo”, de um lado, e as
expressões desse processo na relação entre homem-humanidade e homem e homem, de outro”
(IBIDEM: 21, grifos do autor). No entanto, o autor parece não fazer distinção entre as categorias
alienação e estranhamento, concebendo-as como equivalentes, veremos adiante que Marx as
diferencia, apesar de ambas serem forjadas no ato do trabalho.
Nos Manuscritos, Marx inicia sua crítica à economia política vulgar, ao idealismo
hegeliano, delineia as características da alienação do trabalho e do estranhamento humano, bem
como afirma a necessidade de “uma ação comunista efetiva” de modo a possibilitar a subsunção
positiva da propriedade privada, condição essencial para a superação do trabalho estranhado.
Por estas razões, optamos por iniciar a análise destas duas categorias na teoria social marxiana
a partir dos referidos manuscritos. Conforme Ranieri (2000) apresenta, nos manuscritos, Marx
diferencia alienação de estranhamento. Em síntese:
(...) aparentemente a noção que Marx tem de alienação (ou exteriorização,
extrusão, Entäusserung) é distinta da de estranhamento (Entfremdung). A
primeira está carregada de um conteúdo voltado à noção de atividade,
objetivação, exteriorizações históricas do ser humano; a segunda, ao contrário,
compõe-se dos obstáculos sociais que impedem que a primeira se realize em
conformidade com as potencialidades do homem, entraves estes que fazem
com que, dadas as formas históricas de apropriação e organização do trabalho
por meio da propriedade privada, a alienação apareça como um elemento
concêntrico ao estranhamento (RANIERI, 2000: 1, grifos do autor).
no primeiro manuscrito “Trabalho estranhado e propriedade privada”, Marx inicia
sua reflexão sobre os processos de alienação e estranhamento partindo da ótica da economia
política vulgar, a qual reconhece o trabalho tão somente enquanto um fator de produção, por
seu viés utilitarista, ignorando o fato de que é pelo trabalho que o homem se humaniza. Marx
demonstra que tal perspectiva parte da premissa da propriedade privada. Aliás, esta está à
serviço daquela e não é capaz de explicar, portanto, sobre o “fundamento (Grund) da divisão
entre trabalho e capital, entre capital e terra” (Marx, 2004: 79). A partir da propriedade privada
o trabalhador, expropriado dos meios de produção, passa a operar enquanto mera mercadoria,
equipara-se a ela e sofre as consequências:
O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto
mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma
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mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização
do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a
desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz
somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma
mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral.
(MARX, 2004: 80).
Levando em consideração o caráter ontológico do trabalho, este é o meio pelo qual o ser
se humaniza, se põe no mundo, se exterioriza, portanto, se aliena (Entausserung) e materializa
no objeto o valor de sua própria criação. Ao se submeter à lógica do capital o trabalho se põe
no objeto, no entanto, o produto de sua atividade não lhe pertence mais. Por meio da passagem
acima, Marx apresenta o primeiro nível de estranhamento (Entfremdung): em relação ao próprio
objeto, o que explica o fato de a miséria do trabalhador crescer em proporção direta à produção
realizada por ele mesmo.
Em seguida, Marx expõe o segundo aspecto do estranhamento, este se apresenta na
atividade produtiva. Se o produto do trabalho é alheio ao trabalhador, a própria atividade
produtiva também o será: “No estranhamento do objeto do trabalho resume-se somente o
estranhamento, a exteriorização na atividade do trabalho mesmo” (IBIDEM: 82). Portanto, no
conjunto de relações sociais subordinadas ao capital, o trabalho é estranho, isto quer dizer que
o trabalhador não se reconhece naquilo que faz, perde o controle e desconhece os meios e as
formas pelas quais produz, sendo este apenas um meio para a satisfação de suas necessidades.
O terceiro nível de estranhamento se daria como consequência dos dois tipos anteriores e
consiste no estranhamento em relação a seu ser genérico, ou seja, a humanidade.
A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade
vital animal. Justamente, [e] por isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente
é consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um
ser genérico. Eis por que a sua atividade é atividade livre. O trabalho
estranhado inverte a relação a tal ponto que o homem, precisamente porque é
um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio
para sua existência (IBIDEM: 83-84, grifos do autor).
O trabalho estranhado retira do homem o reconhecimento deste em relação ao seu
próprio gênero, tal fato implica um estranhamento em relação a seu corpo, a sua natureza, a
natureza externa a ele. Por fim, como resultado desta complexa situação, o homem se faz
estranhado do “homem pelo [próprio] homem” (IBIDEM: p. 85, grifos do autor).
Em sua dimensão “originária”, a alienação se constitui como complexo formativo do
ser humano enquanto ser social. Ao transformar a natureza via trabalho, o ser humano se aliena
e se exterioriza no próprio trabalho e no resultado deste. Como nos esclarece Souza Júnior,
A objetivação é uma condição da universalidade do trabalho, que traz
necessariamente o momento da alienação, ou seja, momento positivo em que
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o produtor, através do seu trabalho, entra em conexão com o produto do seu
trabalho e com os outros homens. Neste sentido, a alienação, enquanto
momento necessário da objetivação, independente de todas as formas de
sociabilidade, se constitui na outra esfera ontológica fundamental da
existência humana (SOUZA JÚNIOR, 2013:1).
É esta dimensão ontológica da alienação, revelada” por Marx que vem sendo
negligenciada. Lukács, na esteira de Marx e dos Manuscritos de 1844 irá, na sua magistral obra
“Para uma Ontologia do Ser Social II” (2013) organizada em quatro capítulos imprescindíveis,
também aprofundar a análise sobre o trabalho a partir da ontologia marxiana e destrinchar as
categorias da alienação [Entauβerung] e do estranhamento [Entfremdung]. Lukács demonstra
como o pensamento de Marx causa uma inflexão (ainda não superada) no que tange às
ontologias elaboradas até então. Partindo da elaboração marxiana, Lukács afirma que:
Visto que todas as alienações do homem, começando com os fundamentos
elementares como trabalho e linguagem até as objetivações [Objektivationen]
de mais alto valor, necessariamente sempre são pores teleológicos, a relação
“sujeito-objeto” enquanto relação típica entre o homem e o mundo, o seu
mundo, constitui uma inter-relação, na qual o sujeito atua permanentemente
sobre o objeto, o objeto sobre o sujeito, conferindo nova forma, produzindo
coisas novas, na qual nenhum dos dois componentes pode ser compreendido
isoladamente, separado por antagonismos e, portanto, de modo independente
(LUKÁCS, 2013: 422-423).
Em seguida, Lukács aponta as falhas da concepção do marxismo vulgar e de toda a
corrente filosófica burguesa que, segundo ele, buscam entender o ser humano de forma
atemporal, ou seja, a-histórica. Para Lukács, porém, “todo ato de objetivação do objeto da práxis
é simultaneamente um ato de alienação do seu sujeito” (IBIDEM: 423). Sujeito e objeto
precisam ser compreendidos em sua relação, ainda que guardadas suas particularidades. Nas
palavras do autor:
(...) a relação “sujeito-objeto”, que em si é unitária e que está na base da
unidade daquele ato, ocasiona na objetivação uma mudança do mundo
objetivo na direção de sua socialização, ao passo que a alienação promove o
veículo do desenvolvimento do sujeito na mesma direção (IBIDEM: 425).
Portanto, no pôr teleológico ocorre unitariamente objetivação e alienação. A objetivação
constitui a materialização do objeto, a realização do ato pensado na mente do sujeito e, assim,
a socialização de sua atividade. Enquanto a alienação representa a forma pela qual o ser social
se diferencia dos demais animais, generifica-se e se desenvolve.
Lukács aponta que: “o ser social em sua estrutura ontológica fundamental, apresenta
algo unitário: seus “elementos” últimos são pores teleológicos dos homens” (IBIDEM: 399),
de modo que não basta apenas o caráter teleológico do ser, é necessário realizar a ação desejada.
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Desta forma:
Todas as condições objetivas do “reino da liberdade”, do início da história
propriamente dita da humanidade, podem até estar presentes, mas elas
permanecem meras possibilidades se os homens forem incapazes de expressar,
em suas alienações, uma generalidade autêntica, positiva, com conteúdo, e não
apenas uma generalidade particular-formal. (IBIDEM: 430).
Portanto, se o trabalho é o elemento fundante do ser social e o pôr teleológico a
possibilidade de se engendrar forças no sentido do compartilhamento cada vez mais apurado de
objetos, técnicas e conhecimentos que permitam a satisfação de necessidades e a alienação se
constitui o momento pelo qual o ser se transforma e se humaniza; o estranhamento constitui a
representação negativa deste pôr na sociedade que submete o trabalho ao capital. Se no ato do
pôr o ser desenvolve suas capacidades superiores e refina, portanto, seus sentidos, com o
estranhamento até mesmo estes lhe são deturpados.
Ao considerar a categoria do estranhamento, Lukács alerta que esta deve ser
compreendida desde a totalidade do complexo social do ser, devendo-se atentar para sua função
no seio do desenvolvimento do sistema produtivo, de modo que esta não é uma condição
essencial da humanidade, mas se refere a um “fenômeno exclusivamente histórico-social”
(IBIDEM: 577) que tem início em determinados momentos da sociabilidade, passando a
assumir diferentes formas e níveis ao longo deste desenrolar.
O autor retoma Marx para lembrar-nos que o aprimoramento das capacidades
produtivas, leva necessariamente a um desenvolvimento das capacidades humanas. O problema
do estranhamento surge, portanto, de um certo descolamento entre desenvolvimento das forças
produtivas, e o não desenvolvimento correspondente da personalidade humana. Acrescenta:
“Pelo contrário: justamente por meio do incremento das capacidades singulares ele pode
deformar, rebaixar etc. a personalidade humana” (IBIDEM: 581).
Assim, o estranhamento ganha novas formas ao longo do desenvolvimento das forças
produtivas. Em certos momentos alguns tipos de estranhamento são naturalizados por meio da
cultura no seio da sociedade, tornando difícil tomar consciência da necessidade de refutá-los.
O autor cita o exemplo da fome na sociedade contemporânea. Não obstante a humanidade
ter superado as limitações no que se refere ao suprimento das necessidades alimentares, visto
que o montante que se produz de alimentos excede à necessidade biológica para manutenção
da vida humana, a fome ainda é uma realidade presente em todo o globo, levando o gênero
humano a um retrocesso à níveis animalescos.
Assim como o tornar-se homem acontece objetivamente no trabalho e no
desenvolvimento das capacidades produzido subjetivamente por ele somente
quando o homem não reage mais de modo animalesco ao mundo que o cerca,
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isto é, quando deixa de simplesmente se adaptar ao respectivo mundo exterior
dado e, por seu turno, passa a participar de modo ativo e prático de sua
remodelação em um meio ambiente humano cada vez mais social, criado por
ele mesmo, assim também enquanto pessoa ele só pode se tornar homem se a
sua relação com o seu semelhante humano assumir formas cada vez mais
humanas, como relações entre homens e homens, e dessa forma se realizarem
na prática (IBIDEM: 596).
Diante do exposto, a discussão em torno das categorias da alienação e do estranhamento
se mostra essencial. O caminho em direção à emancipação humana apenas pode se dar através
da superação do trabalho de sua condição de estranhamento, e esta apenas se fará possível a
partir da superação das relações sociais capitalistas e da implementação do comunismo,
portanto, com a completa superação da ordenação social matrizada pelo Capital.
Democracia: a grande falácia burguesa
A igualdade política é o mesmo; portanto, a democracia, assim como todas as outras
formas de governo, deve fundamentalmente despedaçar-se: a hipocrisia não pode
subsistir, a contradição nela oculta deve aparecer; ao invés de uma escravidão regular
isto é, um despotismo indisfarçado –, devemos ter a liberdade real e a igualdade
real, isto é, o comunismo. (FRIEDRICH ENGELS em “Esboço para uma crítica da
economia política e outros textos da juventude”).
A necessidade de emancipação está colocada em diversos períodos históricos. Somente
a título de exemplo, podemos citar as lutas das colônias contra suas metrópoles, as lutas negras
travadas em territórios escravocratas, as revoluções protagonizadas pela burguesia europeia que
encontrou seu apogeu no século XVIII na Inglaterra e França, a lide dos judeus na Prússia no
século XIX. Contudo, precisamos nos atentar à questão (e provocação) colocada por Marx à
Bruno Bauer em “Sobre a Questão Judaica”: “de que tipo de emancipação se trata? ” (MARX,
2010b: 36). Ou seja, de que emancipação estamos falando? Qual a verdadeira emancipação?
Não dúvidas de que o processo de independência das colônias, a libertação dos
escravizados, os direitos políticos e civis são ganhos diante do quadro geral de exploração,
opressão e negação de direitos. Todavia, Marx, no século XIX, nos informava que tais
conquistas encontram-se no campo da luta política, logo, trata-se de medidas e caminhos para
a emancipação política que, apesar de sua importância não garantem a emancipação humana
em seu sentido mais amplo.
Um dos produtos clássicos da chamada emancipação política, é certamente a
“Declaração dos Direitos dos Homens” - renomeada para “Declaração dos Direitos dos Homens
e do Cidadão”: claration des Droits de l'Homme et du Citoyen- de 1789, fruto da Revolução
Francesa. Tal documento, assegurava à burguesia uma série de direitos garantidos até então
apenas à nobreza e consolidava o Estado Burguês como um Estado de direitos, locus
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privilegiado da democracia.
A crítica de Marx aos limites da emancipação política e, como consequência, aos limites
da política em seu potencial emancipatório, seja nos seus limites para a resolução de problemas
imanentes ao modo de produção do capital, parece não ter merecido a devida atenção mesmo
no interior do marxismo. Ainda hoje, a democracia é celebrada e apontada como horizonte final.
Podemos dizer que a burguesia venceu, ainda que temporariamente que não imutabilidade
da História, uma vez que seu ideário democrático se tornou ideário universal.
A emancipação humana como preconizada por Marx, requer, de forma inegociável, a
superação do Estado e a eliminação da propriedade privada, elementos que permanecem
intocáveis na emancipação política. Ou seja, no processo de emancipação política os
pressupostos do capital permanecem. Conforme o autor apresenta:
(...) o Estado permite que a propriedade privada, a formação, a atividade
laboral atuem à maneira delas, isto é, como propriedade privada, como
formação, como atividade laboral, e tornem efetiva a sua essência particular.
Longe de anular essas diferenças fáticas, ele existe tão somente sob o
pressuposto delas (MARX, 2010b: 40).
Nesse sentido, verifica-se que a democracia é uma grande falácia: a começar pelo fato
de que atende aos interesses de um pequeno grupo, mas se mostra como uma forma de governo
e de organização social voltada beneficamente a todos, sem distinção. No entanto, considerando
as formas políticas anteriormente estabelecidas, a emancipação política “representa um grande
progresso; não chega a ser a forma definitiva da emancipação, mas constitui uma forma de
emancipação humana dentro da ordem mundial vigente até aqui” (IBIDEM: 41). Mas, além
disso, a democracia se coloca como a solução final para conflitos de diferentes ordens, sendo
assim, seria a melhor escolha, quando na realidade “a emancipação política é a redução do
homem, por um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente, e,
por outro, a cidadão, a pessoa moral” (IBIDEM: 54). No Manifesto do Partido Comunista
(1998) Marx e Engels demonstram como a única democracia possível de ser aceita pelos
trabalhadores, é a ditadura do proletariado.
Outra questão que merece nossa atenção é o fato de que a emancipação humana
delineada por Marx, não é possível de ser feita de forma setorizada; por categorias sociais. Ou,
como afirma Marx a respeito da sociedade estadunidense e a luta de escravizados neste
território: “O trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é
marcado a ferro” (Marx,2004:372). A emancipação do proletariado não pode se dar sem que
toda a sociedade também se emancipe.
A perspectiva da emancipação humana se em bases materiais, uma vez que, como
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Marx afirma em Crítica à Filosofia do Direito de Hegel “(...) o homem não é um ser abstrato
acocorado fora do mundo, o homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade” (MARX,
2010: 145, grifos do autor).
Visto que o ser social em meio da ordenação social do capital no interior do capitalismo
se encontra estranhado de si mesmo enquanto gênero humano como consequência direta de seu
estranhamento em relação à sua própria atividade e ao produto desta, o Estado e a democracia
surgem como manifestações correspondentes das relações sociais engendradas pelo
desenvolvimento do sistema produtivo. Em nossa sociedade, ancorada na garantia da
propriedade privada, na relação salarial e no mercado enquanto suprassumo das relações de
troca, o Estado exerce papel fundamental enquanto mediador entre as classes, assegurando a
manutenção da subsunção do trabalho ao capital.
Como Marx apresenta nos Manuscritos de 1844 o trabalho estranhado tornou-se o meio
para a “realização consequente da renegação do homem (..). O que era antes ser-externo-a-si
(sich Äusserlichsein), exteriorização (Entäusserung) real do homem, tornou-se apenas ato de
exteriorização, de venda (Veräusserung)" (MARX, 2004:100, grifos do autor). O trabalho é a
essência da propriedade privada, sendo, portanto, anterior a ela, mas ao fomentar sua gênese,
viabiliza as formas em direção ao estranhamento do trabalho, levando à agudização das
desigualdades sociais. Nas palavras de Marx “A essência subjetiva da propriedade privada, a
propriedade privada enquanto atividade sendo para si, enquanto sujeito, enquanto pessoa, é o
trabalho” (IBIDEM: 99, grifos do autor).
Cabe salientar que o estranhamento do ser social em meio da ordenação social do capital
no interior do capitalismo é a base que cria as formas pelas quais se torna possível a manutenção
desta realidade. Neste sentido, tendo em vista as possibilidades e a urgência da emancipação
humana, torna-se essencial tratar destes dois aspectos centrais para a compreensão da dinâmica
que assegura o aprimoramento de novas formas de estranhamento: a democracia e o Estado.
O “retorno” do homem para si apenas se fará possível com o rompimento das relações
sociais estranhadas que engendram todo este ciclo vicioso em torno do distanciamento do
homem de si mesmo e de todo seu potencial. Isto implica que a supressão da propriedade
privada é a chave para a supressão de todo o estranhamento e “o retorno do homem da religião,
família, Estado etc., à sua existência (Dasein) humana, isto é, social” (IBIDEM: 106).
Sendo Lukács um intelectual-militante, que ao longo de seu quase um século de vida
(1885-1971) foi contemporâneo das duas grandes guerras, viu a tentativa de implementação do
socialismo e tantos outros fatos históricos relevantes, não poderia, como tal, estar alheio em
relação ao debate sobre a democracia, seus limites e potencialidades. Seu posicionamento em
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relação à questão da democracia vai se dar também pautado na perspectiva marxiana, da qual é
filiado.
Neste sentido, Lukács (2008) afirma que o Estado e a democracia foram tratados como
soluções ideais por teorias políticas influenciadas sobremaneira pelas ciências naturais, como
se esses fossem “tendências sociais universais”. O autor salienta que uma dada formação
econômica apenas pode vir à tona como forma correspondente de uma certa legalidade
necessária” de um determinado momento histórico, de acordo com o estágio por que passa o
Ser Social. Assim se em relação à democracia, ou ao processo de democratização, justamente
por este se constituir um movimento em determinado tempo e espaço.
A desistoricização, aqui como alhures, cria sempre fetiches, avaliados positiva
ou negativamente, que não esclarecem, mas, ao contrário, obscurecem e
confundem os processos sociais concretos (e as leis que os regem). Também a
respeito destas questões, fala-se frequentemente da democracia como de uma
situação estática, deixando-se de lado, ao caracterizar tal situação, o exame
das orientações evolutivas reais, embora somente deste modo seja possível
uma correta conceituação do problema. (LUKÁCS, 2008: 85).
Conforme exposto anteriormente, a análise da democracia não pode ser generalizada
nem realizada descolada da apreensão dos desenvolvimentos sociais que a viabilizaram,
devendo-se observar seu processo histórico (gênese, ascensão e declínio), o contexto em que se
e suas possíveis multiplicidades, a depender das diferentes bases econômicas que a sustentam
e levam à sua decadência.
A forma da democracia moderna, produto de um longo processo de transição da
sociedade feudal, de expansão do comércio mundial, herdeira da Revolução Francesa, constitui-
se na conformação político-econômica do capitalismo que tem na propriedade privada seu
epicentro. Esta coloca na ideia de liberdade e igualdade os fundamentos da democracia, quando
em essência o “intercâmbio de valores de troca é a base produtiva real de toda igualdade e
liberdade” (MARX, 1953: 379 apud LUKÁCS, 2008: 88). A burguesia, a partir deste papel
revolucionário desempenhado ao longo da história, colocou em xeque as antigas relações
sociais de produção, contribuiu para a elevação do fosso das desigualdades sociais e submeteu
os trabalhadores à lógica do assalariamento. Marx e Engels ressaltam que esta:
Dissolveu a dignidade pessoal no valor de troca e substituiu muitas liberdades,
conquistadas e decretadas por uma determinada liberdade, a de comércio. Em
uma palavra, no lugar da exploração encoberta por ilusões religiosas e
políticas ela colocou uma exploração aberta, desavergonhada, direta e seca
(MARX E ENGELS,1998:10).
Sendo assim, a partir das revoluções burguesas, a forma da democracia se tornou
predominante no mundo moderno levando a determinações inclusive sobre os homens. Neste
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sentido, Lukács descreve um aspecto importante da transição entre a queda do regime
monárquico e a implementação da democracia burguesa sobre o ser social:
A materialidade econômica do cidadão democrático da pólis, que vivia e agia
como proprietário de um lote de terra, não poderá jamais ser restaurada. Seu
ser social nada tem em comum com o sujeito da troca de mercadorias, com a
liberdade e a igualdade que o caracterizam socialmente em sua práxis:
materialmente, na própria troca de mercadorias; idealmente, em sua
superestrutura estatal (LUKÁCS, 2008: 91).
Conforme o aparato estatal se desenvolve e aparentemente exerce a vontade do povo,
este passa a servir aos interesses do grande capital, justamente sobre o discurso da igualdade e
liberdade meramente formais. Em essência, tal processo tem como fundamento “a deformação
da genericidade do homem (em termos individuais imediatos: de sua relação com o próximo”
(IBIDEM: 93). Mesmo com a produção altamente socializada decorrente do avanço do
capitalismo, em que se declara a interdependência entre os homens para a sua sobrevivência,
esta ocorre a despeito do “isolamento do homem em face do homem”, encontrando naquele
outro o limite de sua liberdade. A liberdade e a igualdade ficam subordinadas à categoria “ter”,
uma consequência direta da propriedade privada e causa dos mais complexos estranhamentos
que acometem a humanidade (IBIDEM: 99-100).
Desta maneira, constata-se que a conquista da emancipação humana é um processo que
está para além da tarefa do conhecimento e requer, entre outras medidas práticas, superar o
Estado e a propriedade privada - como se evidenciou ao longo do texto - mas também superar
a democracia e seus valores. Somente com a quebra dos grilhões que subordinam o ser a esta
lógica opressora sepossível que este se aproprie “da sua essência ominilateral de uma maneira
omnilateral, portanto como um homem total” (MARX, 2004: 108).
Educação, reprodução social, alienação e estranhamento
Na medida em que se busca tecer algumas reflexões sobre as possíveis aproximações e
distanciamentos existentes entre as categorias alienação e estranhamento, com vistas a um
melhor entendimento sobre o processo de emancipação humana e seus desafios no contexto do
capital na sua configuração atual, o complexo da educação não pode ser negligenciado.
A gama de pensadores e estudiosos do campo da educação mostra a importância da
temática. Todavia, verifica-se que, apesar dos esforços e relevância destes, é comum a
negligência em relação ao entendimento do trabalho, como mediação preponderante na
formação do ser social, o que implicaria necessariamente em reconhecer os demais complexos
humanos como decorrentes do trabalho; a exemplo da educação como um complexo na
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formação do ser social, sendo estas questões imperiosas. Lukács, ao tratar do complexo do
trabalho e seus desdobramentos, se ocupa sobremaneira da educação, não se omite em relação
a este complexo humano. Para o autor,
(...) a problemática da educação remete ao problema sobre o qual está fundada:
sua essência consiste em influenciar os homens no sentido de reagirem a novas
alternativas de vida do modo socialmente intencionado. O fato de essa
intenção se realizar - parcialmente - de modo ininterrupto ajuda a manter a
continuidade na mudança da reprodução do ser social; que ela, a longo prazo,
fracasse - parcialmente - de modo igualmente ininterrupto constitui o reflexo
psíquico não só do fato de essa reprodução se efetuar de modo desigual, de ela
produzir constantemente momentos novos e contraditórios para os quais a
educação mais consciente possível de seus fins consegue preparar
insatisfatoriamente, mas também o fato de que, nesses momentos novos,
ganha expressão - de modo geral e contraditório- o desenvolvimento objetivo
em que o ser social se eleva a um patamar superior em sua reprodução
(LUKÁCS, 2013: 178).
A educação perspectivada por Lukács é entendida e apresentada para além dos limites
da dualidade: educação escolar - não escolar, formal, não formal. A educação está na vida e ao
longo da vida na medida em que se trata de um complexo-parte da formação do ser social, logo,
imprescindível na produção e reprodução humano-social. Por ser um complexo que, como o
trabalho, possui intencionalidade prévia, há também no complexo da educação um pôr
teleológico e uma historicidade ontológicos.
Enquanto práxis que é, o complexo da educação prepara os indivíduos para que estes
possam responder às necessidades da vida da melhor maneira possível, uma vez que “o homem
é um ser que dá respostas” (Lukács, 1978:16). Neste sentido, a função social da educação pode
ser afirmada como a de preparar para a vida tanto quanto de produzi-la e reproduzi-la. Na esteira
de Lukács, verifica-se que a educação tem sua gênese histórico-ontológica juntamente com a
categoria fundante do ser social: o trabalho. No momento histórico em que o primeiro
hominídeo diante das necessidades vivenciadas, cria o primeiro instrumento, a educação está
posta e se complexifica na medida em que o próprio trabalho se complexifica.
A relação educação-trabalho, dá-se de modo dual de “identidade e não identidade'': a
educação é influenciada e influencia o trabalho, contudo, o trabalho funda a educação e não o
contrário. Não educação sem trabalho; como não há nenhum dos outros complexos
formadores do ser social, mas a educação (na sua dimensão ontológica) não é trabalho. A
especificidade desta categoria não se confunde com a de seu complexo gerador. Segundo
Lukács,
Mais importante, porém, é deixar claro o que distingue o trabalho nesse
sentido das formas mais desenvolvidas da práxis social. Nesse sentido
originário e mais restrito, o trabalho é um processo entre atividade humana e
natureza: seus atos estão orientados para a transformação de objetos naturais
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em valores de uso. Nas formas ulteriores e mais desenvolvidas da práxis
social, destaca-se em primeiro plano a ação sobre outros homens, cujo
objetivo é, em última instância mas somente em última instância –, uma
mediação para a produção de valores de uso (LUKÁCS, 2013: 83).
Uma vez que a educação está diretamente relacionada com as questões postas na vida,
ou seja, na dinâmica de sociabilidade; à medida que esta sociabilidade se metamorfoseia e se
coloca à serviço das classes dominantes, a educação também se transforma. Aqui se faz
fundamental considerar o papel que a propriedade privada exerce, com a apropriação privada
dos resultados do trabalho social, garantida sob a égide de uma sociedade de classes e de um
Estado que realiza a mediação entre elas. Na sociabilidade capitalista a educação passa a sofrer
as consequências de tais relações sociais altamente estranhadas passando a responder, portanto,
às exigências do capital.
Quanto às mudanças da educação no interior da sociedade do capital, Mészáros (2008)
é inelidível: o autor evidencia o papel da educação na reprodução do capitalismo e na
interiorização de seu sistema de crenças e valores. À serviço do capital, a educação passa a se
subordinar progressivamente à lógica da racionalidade do mesmo, onde o maior interesse é a
realização do lucro. Para a expansão da lógica de reprodução ampliada do capital se faz
necessário o aprofundamento da divisão social do trabalho, intensificando a fragmentação dos
processos produtivos, levando o gênero a um distanciamento das barreiras naturais e ao
estranhamento das relações humanas. A apropriação do conhecimento passa a se dar conforme
às necessidades do capital e não mais conforme as necessidades do ser social; esta passa a ser
determinada por uma classe específica, aquela que detém o poder econômico. A expansão
comercial requer especialização intelectual, de modo que a educação passa a ser vista sob a
ótica utilitarista e tratada como mercadoria.
Sendo assim, a educação distanciada de seu sentido emancipador passa a exercer, na
sociedade do capital, um papel fundamental. Esta potencializa a internalização de valores
capitalistas e se volta cada vez mais às exigências do mercado, passando a operar na socialidade
como fator preponderante para manutenção do status quo. Mészáros (2006), assim como tantos
estudiosos da educação, defende que o modelo atual de educação vigente na sociedade está em
crise. Contudo, para o autor, a crise da educação deve ser lida como um desdobramento da crise
estrutural do capital e se especificamente relacionada à seguinte problemática: “qual é a
razão de ser da própria educação?”
Desnecessário dizer: tal questão envolve inevitavelmente não a totalidade
dos processos educacionais, “desde a juventude até a velhice”, mas também a
razão de ser dos instrumentos e instituições do intercâmbio humano em geral.
Se estas instituições - incluindo as educacionais - foram feitas para os homens,
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ou se os homens devem continuar a servir às relações de produção alienadas -
esse é o verdadeiro tema do debate. (MÉSZÁROS, 2006: 275).
Para resolver esta questão não basta simplesmente propor soluções de cunho
gradualistas, reformistas em direção à educação, muito menos utópicas, visto que tais medidas
“só pode[m] intensificar as contradições inerentes às relações sociais de produção alienadas,
em vez de superá-las(IBIDEM: 271). A saída de tal situação não pode ser evidenciada sem
que se coloque sob análise a própria realidade, ou seja, o próprio modo de produção e as relações
sociais engendradas por ele. Nesse sentido, constata-se que a crise da educação é intrínseca à
crise humanitária gerada pela situação da condição do gênero humano na sociedade do capital,
de tal modo que, o processo de superação da condição atual de estranhamento da educação
passa pela superação da estrutura que sustenta e retroalimenta este tipo de educação.
Num contexto em que a exclusão e a vulnerabilidade social crescem a níveis alarmantes,
tanto quanto se amplia a concentração de riqueza por parte da elite, torna-se imperioso tratar a
educação em suas bases materiais de existência, para que perspective possibilidades de
mudanças estruturais dessa base. No prefácio do livro de Mészáros “A Educação Para Além do
Capital” Emir Sader afirma:
Em Mészáros, educar não é a mera transferência de conhecimento, mas sim
conscientização e testemunho de vida. É construir, libertar o ser humano das
cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um campo
aberto de possibilidades (SADER apud MÉSZÁROS, 2008:13).
Nesse sentido, a educação no capital, para o capital e pelo capital é uma não-educação
ou uma pseudo-educação na medida em que opera não para satisfazer as necessidades humanas,
mas para submetê-la às insaciáveis necessidades do capital. Desse modo, a educação passa a
contribuir para o distanciamento do ser de sua essência humana. Mészáros aponta que: “(...)
dois conceitos principais devem ser postos em primeiro plano: a universalização da educação e
a universalização do trabalho como atividade humana autorrealizadora (2008: 65, grifos do
autor). Para ele, uma não é possível sem a outra.
Portanto, o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de
estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de
reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a
concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente.
(IBIDEM: 65)
A relevância dada por Mészáros à educação na superação do capitalismo está
diretamente relacionada com a urgente necessidade de superar o estranhamento imposto pelo
capital, pondo fim à internalização de seus valores. Isto não significa que o autor desconsidere
a necessidade de outras frentes de lutas para a extinção do Estado, sendo esta uma tarefa
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histórica (2008: 61).
Mais que uma pedagogia da liberdade, o contexto de exploração e opressão imposto
pelo capital exige uma pedagogia para a liberdade, ou seja, para a emancipação total dos
indivíduos.
Conclusões
Ancorados sobre a perspectiva de Karl Marx e György Lukács, assim como de outros
pensadores alinhados à perspectiva marxiana, apresentamos os aspectos mais gerais da
formação humana, calcada no trabalho enquanto elemento fundante do ser social.
A partir desta ontologia de novo tipo, apresentamos a importância do r teleológico
para o salto ontológico, sendo este o gérmen de outras categorias essenciais para a
complexificação do ser humano, bem como de suas relações sociais, ressaltando suas
imbricações com as categorias da alienação e estranhamento no capitalismo contemporâneo. O
objetivo deste artigo consistiu em lançar luzes sobre um tema ainda pouco abordado pela
corrente marxista, em especial a discussão em torno das categorias alienação e estranhamento,
tendo-se em vista colocar o debate acerca da emancipação humana frente à crise do capital.
Conforme apontado, no decorrer do pôr teleológico ocorre necessariamente a
objetivação e alienação, de maneira que ao atuar sobre a matéria natural, no ato da
exteriorização, o ser humano também se transforma, diferenciando-se dos demais animais. A
alienação surge enquanto um momento fundamental e elementar na formação do ser social e
ocorre independentemente da forma de sociabilidade existente.
O estranhamento, em contraposição, seria o aspecto negativo do pôr teleológico, em
decorrência da subsunção do trabalho ao capital. Diferentemente da alienação, esta categoria
não é uma condição essencial da humanidade, mas se refere a um fenômeno exclusivamente
histórico-social, que se dá, justamente e cada vez mais, em decorrência do descolamento entre
o incremento das capacidades produtivas, e o desenvolvimento da individualidade, ou seja, das
capacidades humanas, sob a égide do capitalismo contemporâneo.
O trabalhador subordinado à propriedade privada bem como à lógica do capital, se
equivale à uma mercadoria como outra qualquer e passa a sofrer as consequências de um
estranhamento generalizado: seja em relação ao produto de seu trabalho, à sua atividade
propriamente dita; ao gênero humano e ainda; a si mesmo. Neste sentido, a então aspirada
emancipação humana apenas poderá se realizar na superação do trabalho de sua condição de
estranhamento.
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A emancipação que se almeja aqui, não consiste em uma emancipação de cunho
meramente político, mas sim a emancipação completa da humanidade. Esta se baseia na
necessária superação do Estado e na eliminação da propriedade privada, considerando que tais
instituições asseguram os mecanismos necessários para a reprodução do sistema capitalista,
colocando em xeque a grande fábula da modernidade: a democracia, bem como seus valores e
suas relações sociais.
Tendo-se em vista a tendência da precarização e flexibilização da força de trabalho, tida
enquanto mercadoria e, portanto, estranhada de sua própria atividade, bem como todo o curso
político no sentido da retirada de direitos e das concessões generalizadas do Estado em prol da
burguesia, reiteramos a posição aludida por Marx, de forma que é somente por meio da
extinção do capitalismo e do fim das relações sociais que o determinam, inaugurando novas
formas de relação social, que suas contradições podem ser superadas e o ser social caminhar
em direção à emancipação humana.
A educação consiste no elemento primordial, a qual possibilita aludir os meios pelos
quais a transição para novas formas de relação social possa ocorrer. Devido à sua capacidade
de preparar os homens no sentido de produzir e reproduzir a vida, bem como de transformá-la,
esta possui caráter emancipador do gênero humano. Nesse sentido, alertamos para a necessidade
de uma pedagogia para a liberdade, em direção à uma práxis contra hegemônica, anticapitalista,
rompendo com os ditames da pseudo-educação”, subordinada à ótica do capital, utilizada no
sentido da reprodução dos valores da economia burguesa e no distanciamento do homem de sua
verdadeira potencialidade, uma vez que:
(...) a emancipação humana estará plenamente realizada quando o homem
individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ente
genérico na qualidade de homem individual na sua vida empírica, no seu
trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver
reconhecido e organizado suas “forces propres[forças próprias] como forças
sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força social na
forma da força política (MARX, 2010b: 54, grifos do autor).
Neste sentido, reafirmamos a importância de se discutir a temática da alienação e do
estranhamento, enquanto problemáticas relevantes diante da atual conjuntura capitalista, visto
que os diferentes níveis de estranhamento constituem entraves ao processo de emancipação
humana. A educação enquanto complexo social, tem papel imprescindível e necessário no que
se refere à transição da ordem no sentido de uma mudança estrutural radical, ou seja, em ação
comunista efetiva, posto que: “O comunismo é a figura necessária e o princípio enérgico do
futuro próximo, mas o comunismo não é, como tal, o termo do desenvolvimento humano a
figura da sociedade humana” (MARX, 2004:114), este configura, portanto, “o retorno do
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homem para si enquanto homem social, isto é, humano” (IBIDEM: 105, grifos do autor).
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