DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.35254
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.2, p. 533-553, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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O trabalho docente no ensino superior em
tempos de ensino remoto emergencial (ERE)
Teaching work in higher education in times of emergency remote teaching
Lorena Ferreira Portes*
Melissa Ferreira Portes**
Resumo: Este artigo busca analisar as implicações
do Ensino Remoto Emergencial (ERE) para e no
trabalho docente no Ensino Superior bbrasileiro, no
contexto da pandemia de Covid-19, por meio de
revisão de literatura e observação participante. O
texto está organizado em dois momentos: num
primeiro momento, apresenta-se uma
contextualização sobre o Ensino Superior Brasileiro,
destacando seu perfil privatista e eadista. Na
sequência, aborda-se sobre a reorganização do
ensino no contexto pandêmico, a partir da discussão
do ensino remoto emergencial. Para a análise
destacam-se dois eixos de investigação: a
plataformização no/do trabalho docente e a
intensificação do trabalho e o ERE e a saúde mental
dos docentes. Problematiza-se o agravamento das
condições de trabalho dos/das docentes do Ensino
Superior em um contexto de ensino remoto
emergencial, por meio da plataformização da
educação, bem como o adoecimento mental dos/as
docentes. Enfrentar essas implicações é uma tarefa
coletiva e um imperativo na defesa da educação
pública, na crítica contundente aos interesses
privatistas e eadistas e na luta por condições de
trabalho não precarizadas.
Palavras-chave: Ensino Remoto; Ensino Superior;
Plataformização; Intensificação do trabalho; Saúde
Mental.
Abstract: This article seeks to analyze the
implications of Emergency Remote Education
(ERE) for and in teaching work in Brazilian Higher
Education, in the context of the Covid-19 pandemic,
through a literature review and participant
observation. The text is organized in two stages: at
first, a contextualization of Brazilian Higher
Education is presented, highlighting its privatist and
eadist profile. Next, the reorganization of teaching in
the pandemic context is addressed, based on the
discussion of emergency remote teaching. For the
analysis, two research axes stand out: the platform
in/of the teaching work and the intensification of
work, and the ERE and the mental health of teachers.
The worsening of working conditions of Higher
Education teachers in a context of emergency remote
education is problematized, through the platform of
education, as well as the mental illness of teachers.
Facing these implications is a collective task and an
imperative in the defense of public education, in the
scathing criticism of privatist and eadist interests and
in the struggle for working conditions that are not
precarious.
Keywords: Remote Teaching; University education;
Platformization; Work intensification; Mental
health.
Recebido em: 11/08/2021
Aprovado em: 27/09/2021
* Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de
Londrina-UEL-PR. Docente do departamento do curso de Serviço Social e vice-coordenadora do colegiado do
curso da UEL; coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação Profissional em Serviço Social
no Brasil – GEPFOR.
** Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de
Londrina- UEL-PR. Docente do Departamento do Curso de Serviço Social e coordenadora do colegiado do curso
da UEL; coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudos sobre a Formação e Trabalho Profissional-GEFORT.
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Introdução
O artigo busca analisar as implicações do Ensino Remoto Emergencial (ERE) para e no
trabalho docente no Ensino Superior brasileiro, no contexto da pandemia de Covid-19. Desde
o primeiro trimestre do ano de 2020, as informações sobre o novo Coronavírus chegam de
diversos lugares e territórios mundiais e passam a dominar a cena dos noticiários e a provocar
alterações em distintos âmbitos da vida social.
A crise econômica, potencializada pela crise sanitária-pandêmica, que assolava as
classes trabalhadoras tomou uma proporção avassaladora e trouxe impactos nas condições
objetivas e materiais de sobrevivência e na reorganização da vida laboral, acirrando as
desigualdades sociais, produzindo ainda mais miséria e reforçando o ganho e primazia dos
interesses do grande capital sobre os/as trabalhadores. Os desdobramentos dessa crise
repercutiram nas ações do Estado, seja na formatação e rebaixamento das políticas sociais
limitadas na perspectiva de proteção social, seja na abertura de possibilidades para a
acumulação do capital, particularmente, no setor educacional
A educação, em diferentes níveis, foi severamente afetada pelas alterações que se
processaram devido à pandemia. A política educacional e o Ensino Superior tiveram que
adequar-se às exigências trazidas pela necessidade do distanciamento social e, nesse caminho,
os setores privatistas e eadistas de plantão tomaram o terreno educacional, por meio do ensino
remoto, como uma oportunidade para expandir seus interesses e consequente lucratividade.
As instituições de ensino superior que ofertavam cursos na modalidade presencial
passaram a ofertar o ensino no formato remoto, adequando suas normativas, revendo o
planejamento e execução das atividades acadêmicas. Essas mudanças apresentam nós críticos
que não podem ser ocultados, mas precisam ser colocados em debate, enfrentando uma análise
despolitizada e fragmentada da realidade atual, desmascarando os interesses políticos e
econômicos implícitos na defesa do ensino à distância e de seu aparato tecnológico.
Muitos foram e continuam sendo os desafios vivenciados por todos os sujeitos
(comunidade universitária) no processo de reorganização do processo de ensino-aprendizagem,
com destaque para as implicações da plataformização da vida acadêmica nas condições de
trabalho e na saúde mental dos/as docentes.
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É evidente que essa modalidade de ensino tem intensificado o trabalho docente trazendo
agravamentos tanto em seus aspectos pedagógicos quanto no quadro mental. A exaustão
provocada, em grande medida, pela ansiedade e depressão como principais alterações da saúde
mental dos/das docentes e a sobrecarga/intensificação do trabalho devem ser analisadas como
expressões da superexploração do capitalismo.
Partindo de uma revisão de literatura e de observação participante, considerando a
experiência profissional na docência em uma instituição pública estadual, no desempenho de
atribuições profissionais no ensino, pesquisa, gestão do curso e atuação no movimento sindical
docente, apresenta-se o artigo organizado em dois momentos: em um primeiro momento,
contextualiza-se o Ensino Superior brasileiro, destacando seu perfil privatista e eadista. Na
sequência, aborda-se sobre a reorganização do ensino no contexto pandêmico, a partir da
discussão do ensino remoto emergencial , modalidade adotada pelas instituições de ensino
superior brasileiro como resposta e estratégia para manter o calendário acadêmico dada a
imposição de distanciamento e isolamento social da comunidade universitária causada pela
pandemia.
Para a exposição dos impactos do ensino remoto emergencial nas condições de trabalho
e de saúde dos docentes do ensino superior, destacam-se dois eixos analíticos, quais sejam: 1)
A plataformização no/do trabalho docente e a intensificação do trabalho; 2) O ERE e a saúde
mental dos docentes. Os eixos elencados não respondem à totalidade das implicações da
questão, mas evidenciam aspectos decisivos na organização e concretização do trabalho
docente.
Tendências “privatistas e eadistas” no Ensino Superior brasileiro
Adensar o debate sobre o ensino remoto emergencial no ensino superior em tempos
pandêmicos e os seus rebatimentos para e no trabalho docente exige uma análise acerca das
determinações econômicas que acimentam e dão concretude à realidade educacional brasileira.
A política educacional, assim como as demais políticas sociais, constituiu-se em uma resposta
do Estado burguês às demandas postas pelas contradições sociais inerentes ao modo de
produção capitalista. A política não possui autonomia frente à economia. Enfrentar essa falsa
tese é fundamental para evidenciar que o Estado é classista e, sendo assim, é irrealizável, no
capitalismo, um compromisso entre capital e trabalho. Na trajetória sócio-histórica das políticas
sociais, é possível identificar que, apesar do movimento e das lutas construídas pelas classes
trabalhadoras na reivindicação de direitos sociais e proteção social, as respostas dadas pelo
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Estado, por meio de políticas sociais, estiveram alicerçadas na defesa dos interesses do grande
capital.
Concordamos com Lessa (2013: 210) quando afirma que “não houve política pública
que não tenha sido, acima de tudo e prioritariamente, um bom negócio para o capital” e que
abrir mão dessa análise é fantasiar o papel histórico das políticas sociais dos Estados
imperialistas” (2013: 210).
Na fase atual de acumulação capitalista, prevalece a centralidade do capital financeiro,
de caráter rentista e especulativo, ocorrendo o que Chesnais (1996) denominou de
mundialização financeira
1
. Para o autor, “a esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo
investimento e pela mobilização de uma força de trabalho de múltiplos níveis de qualificação.
Ela mesma não cria nada.” (CHESNAIS, 1996: 241). Como características desse fenômeno de
mundialização financeira, o autor destaca a autonomização do setor financeiro em relação ao
setor produtivo e, sobretudo, em relação à capacidade de intervenção das autoridades
monetárias; vinculação ao caráter fetichista das formas de valorização do capital de natureza
puramente financeira; e o fato de que são os operadores que condicionam os traços da
mundialização financeira e que decidem quais os agentes econômicos, de quais países e em
quais tipos de transação dela participarão.
No processo de acumulação capitalista, reforçam-se as tendências do capital de
concentrar-se e centralizar-se. A concentração do capital faz com os grandes capitalistas
acumulem uma massa de capital cada vez maior e, ao lado da concentração, ocorre o processo
de centralização que realiza-se pela união de capitais já existentes.
Nessa direção, a educação é arrebatada como um grande nicho de mercado altamente
lucrativo, ocorrendo a expansão da educação superior pela via privada, a compra e fusão de
instituições de educação superior e a abertura de capitais dessas empresas nas bolsas de valores.
Uma prova desse perfil privatista do ensino superior brasileiro são os dados do Censo da
Educação Superior de 2019 que evidenciam que 88,4% das instituições de ensino superior no
Brasil são privadas e, em relação à organização acadêmica, 79,6% são faculdades.
Sobre o número de ingressantes entre 2018 e 2019 houve um aumento na modalidade a
distância, com uma variação positiva de 15,9% entre esses anos, que nos cursos presenciais
houve um decréscimo de -1,5%; entre 2009 e 2019, o número de ingressos variou positivamente
1
A expressão ‘mundialização financeira’ designa as estreitas interligações entre os sistemas monetários e os
mercados financeiros nacionais, resultantes da liberalização e desregulamentação adotadas inicialmente pelos
Estados Unidos e pelo Reino Unido, entre 1979 e 1987, e nos anos seguintes pelos demais países industrializados.
(CHESNAIS, 1996: 12)
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17,8% nos cursos de graduação presencial e nos cursos à distância aumentou 378,9%.
Em 2019, o número de ingressantes teve um crescimento de 5,4% em relação ao ano de
2018. Entre os anos de 2018 e 2019, houve uma queda no número de ingressantes na rede
pública (-3,7%). A rede privada continuou com a expansão do número de ingressantes, sendo
que em 2018/2019 houve uma variação positiva de 8,7%. No período compreendido entre 2009
e 2019, a rede privada cresceu 87,1%, enquanto a rede pública aumentou 32,4% no mesmo
período (RESUMO TÉCNICO DO CENSO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2019)
Em relação ao faturamento das empresas educacionais, no contexto de pandemia, pelos
cálculos da Consultoria Hoper, as faculdades privadas tiveram queda de receita entre 7% e 9%
no ano de 2020 e devem apresentar o mesmo resultado em 2021, se comparado com os R$ 54,6
bilhões de 2019. Paulo Presse, coordenador de estudos da consultoria, afirma que o resultado
reflete a troca que muitos alunos fizeram do ensino presencial, com mensalidade média de R$
758, pela educação à distância, em que o tíquete é de R$ 260, segundo pesquisa da Hoper
(FOLHAPRESS, 2021)
A oferta de cursos à distância e a autorização para oferta de parte da carga horária na
modalidade EaD está regulamentada por um conjunto de legislações no âmbito da educação. A
educação brasileira está normatizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
n. 9.394, de 26 de dezembro de 1996, que regulamenta a educação presencial e a educação à
distância. No conjunto dessas regulamentações, destacam-se o Decreto nº 9.057, de 25 de maio
de 2017 (BRASIL, 2017), as Portarias 1428 de 28 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018),
90 de 24 de abril de 2019 (BRASIL, 2019) e nº 02 de 04 de janeiro de 2021 (BRASIL, 2021).
O Decreto regulamenta o art. 80 da LDBEN de 1996 que trata da educação à distância no Brasil,
estruturando essa modalidade na educação básica e superior. Em relação à educação superior,
essa regulamentação autoriza que as instituições ofereçam, exclusivamente, cursos à distância,
sem a oferta simultânea de cursos presenciais; a oferta de pós-graduação lato sensu EaD fica
autorizada para as instituições de ensino superior que obtém o credenciamento EaD, sem
necessidade de credenciamento específico, tal como a modalidade presencial.
A Portaria 1428/2018 (BRASIL, 2018) preconiza sobre a oferta, por Instituições de
Educação Superior (IES), de disciplinas na modalidade à distância em cursos de graduação
presencial. No artigo 2º, autoriza que as IES que possuam, no mínimo, um curso de graduação
reconhecido, ofertem disciplinas na modalidade à distância na organização pedagógica e
curricular de seus cursos de graduação presenciais regularmente autorizados, até o limite de
20% (vinte por cento) da carga horária total do curso.
Em seguida, nos artigos 3º e 5º abre a possibilidade para o aumento dessa carga horária
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podendo chegar até 40%, se atendidos determinados critérios e condicionado à observância dos
limites específicos estabelecidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de
Graduação Superior - DCN, definidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
A Portaria 90/2019 (BRASIL, 2019) dispõe sobre os programas de pós-graduação
stricto sensu na modalidade de educação à distância, permitindo a oferta de programas à
distância na modalidade acadêmica ou profissional. Para regulamentar o artigo dessa
portaria, foi criada a Portaria CAPES 02 de 04 de janeiro 2021 (BRASIL, 2021), que
estabelece as diretrizes para autorização de funcionamento e para a avaliação de permanência
de polos de Educação a Distância (polo EaD) para oferta de cursos de pós-graduação stricto
sensu.
Essas normativas demonstram que a modalidade à distância está regulamentada e
legitimada na realidade brasileira, espraiando-se no sistema privado de ensino e encontrando
ressonância e concretude no ensino superior público.
Dados sistematizados pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) por
meio do Censo EAD.BR 2019 - Relatório Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil,
atualmente em sua 11ª edição, explicitam o cenário da educação a distância (EAD) no Brasil e
a oferta de um mapeamento das principais tendências no setor. De acordo com a pesquisa
realizada com 209 instituições de ensino superior, 46% declararam certo grau de digitalização
dos seus cursos, ou seja, realizariam práticas de flexibilização da carga horária em seus cursos
presenciais, atendendo aos percentuais autorizados pelo MEC. Das instituições respondentes,
destacamos alguns dados significativos: 48, 65% delas oferecem até 20% da carga horária
dos cursos presenciais à distância, 6,08% oferecem até 40% da carga horária dos cursos
presenciais à distância, 7,43% oferecem cursos com outros percentuais da carga horária dos
cursos presenciais à distância dentro dos parâmetros legais. (CENSO EAD.BR, ABED, 2021)
Os dados demonstram que as IES estão avançando com o ensino híbrido, por meio da
oferta de disciplinas à distância e da flexibilização da carga horária nos percursos formativos,
utilizando para isso metodologias e tecnologias para a disponibilização de materiais
instrucionais em ambientes virtuais, bem como para o atendimento remoto ou presencial por
equipe de professores e tutores que realizam a mediação em atividades práticas nos ambientes
presenciais ou on-line.
Diante desse panorama, enfatiza-se que, uma vez que ocorre uma manutenção do
predomínio do ensino superior por instituições privadas no Brasil, também uma franca
expansão do ensino na modalidade à distância.
Os elementos destacados servem para uma análise crítica da política educacional,
O trabalho docente no ensino superior em tempos de ensino remoto emergencial (ERE)
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particularmente do ensino superior, para que não haja ilusões sobre o ensino remoto em tempos
de pandemia, bem como uma espécie de culto e valorização do ensino à distância. Os interesses
mercadológicos são determinantes e incidem sobre as políticas governamentais, desdobradas
em diretrizes e normativas a serem seguidas.
É nessa perspectiva que problematiza-se e situa-se o Ensino Remoto Emergencial
(ERE), para além de uma estratégia pontual e momentânea, mas que estrutura-se a partir de
ditames privatistas e eadistas e que tem, num momento de pandemia e de necessidade de
isolamento social, se constituído como um terreno fértil para a propagação e edificação do jeito
empresarial de pensar a educação utilizando-se da falácia da democratização do acesso, da
inclusão digital e da modernização do ensino.
O Ensino Remoto Emergencial (ERE) e as implicações para e no trabalho docente
A pandemia do Coronavírus, cuja emersão ocorreu nos primeiros meses do ano de 2020,
trouxe repercussões em diferentes âmbitos da vida social, acirrando as contradições sociais,
agudizando a desigualdade social, aumentando a pobreza e o desemprego, escancarando o
baixíssimo investimento em políticas públicas e explicitando a intervenção do Estado na defesa
dos interesses do capital.
A crise econômica associada à pandemia do coronavírus trouxe consequências
profundas e avassaladoras, em particular, para as classes trabalhadoras que necessitam vender
sua força de trabalho para garantir, minimamente, sua sobrevivência. No Brasil, os efeitos foram
ainda mais nefastos, acirrando a exploração da força de trabalho e elevando as taxas de
informalidade e precarização nos diversos espaços ocupacionais. É preciso ressaltar que os
rebatimentos para as classes trabalhadoras acentuam-se em relação ao gênero e à raça. Para
Antunes, a Covid-19 exibe todas as características de uma pandemia de classe, gênero e raça.,
em que “a patroa branca se curou e a trabalhadora negra faleceu” (ANTUNES, 2021:19).
Aliada à crise econômica e sanitária que acentuou-se na realidade brasileira, marcas de um
governo negacionista e genocida agravaram o sentimento de desproteção por parte da população
devido à inexistência de uma política de imunização em massa eficaz. Até o dia 7 de julho de
2021, contabilizavam-se, no Brasil, 18.861.458 casos confirmados de Covid-19 e 527.183
óbitos causados pela doença (BRASIO.IO, 2021).
Em contrapartida, em um letárgico movimento de vacinação, nessa mesma data, apenas
78.474.659 brasileiros receberam a dose, ou seja, 37,06% da população. Somente 27.795.289
pessoas foram totalmente imunizadas (com duas doses ou dose única), equivalendo a 13,13%
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da população brasileira (G1, MAPA DA VACINAÇÃO CONTRA COVID-19 NO BRASIL,
2021).
Na política educacional, diante da necessidade de isolamento e distanciamento social,
uma das estratégias adotadas para todos os níveis de ensino, foi a modalidade do ensino remoto
na tentativa de se evitar o cancelamento do ano letivo, diante da impossibilidade das aulas
presenciais e de contribuir com a não-propagação do vírus.
A relação entre a pandemia e o ensino remoto tornou-se no Brasil, a partir da portaria
343 de 2020, direcionada às instituições de educação superior integrantes do sistema federal de
ensino, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais
enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19, uma relação
indivorciável, que aponta, no tempo presente, sinais de esgotamento e fraturas. Em 18 de agosto
de 2020, foi criada a Lei Nº 14.040, que estabelece normas educacionais excepcionais a serem
adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6, de
20 de março de 2020; e altera a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009.
A última portaria que preconiza sobre a oferta do ensino remoto para as instituições do
sistema federal de ensino superior é a de 1038, de 07 de dezembro de 2020. Essa portaria
altera a Portaria MEC nº 544, de 16 de junho de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas
presenciais por aulas em meio digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo
coronavírus - Covid-19, e a Portaria MEC 1.030, de de dezembro de 2020, que dispõe
sobre o retorno às aulas presenciais e sobre o caráter excepcional de utilização de recursos
educacionais digitais para integralização da carga horária das atividades pedagógicas, enquanto
durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19.
Em seu artigo 1º, enfatiza que as atividades letivas realizadas por instituição de
educação superior integrante do sistema federal de ensino deverão ocorrer de forma presencial
a partir de de março de 2021, recomendada a observância de protocolos de biossegurança
para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. No artigo 2º, menciona que os recursos
educacionais digitais, as tecnologias de informação e comunicação ou outros meios
convencionais poderão ser utilizados, em caráter excepcional, para integralização da carga
horária de atividades pedagógicas e no artigo preconiza que as instituições de educação
superior poderão utilizar os recursos apontados no artigo de forma integral nos casos de
suspensão das atividades letivas presenciais por determinações de autoridades locais ou
condições sanitárias locais que tragam riscos à segurança das atividades letivas presenciais.
Para além das normativas federais, cada estado elaborou suas normativas específicas,
seja por meio do governo de estado, do conselho estadual de educação, ou de legislações
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próprias de cada instituição de ensino superior.
Considerando a regulamentação do ensino remoto no ensino superior, parte-se para uma
análise reflexiva sobre seu direcionamento e das implicações para o trabalho dos/das docentes.
Não pretende-se abordar, conceitualmente, as diferenças entre ensino à distância e ensino
remoto, até porque, substancialmente, tal diferenciação pouco importa diante da necessidade
analítica que se coloca para a problematização da mercadorização da educação e do fetiche do
uso das tecnologias de informação.
De fato, a forma de aparecer do ensino remoto é sua dimensão tecnológica que se
expressa no conjunto de ferramentas e aplicativos digitais oferecidos pela modalidade não
presencial. O Ensino Superior, objeto deste estudo, tem vivenciado o fenômeno da
“plataformização” da vida acadêmica, com o uso massificado das tecnologias de informação e
comunicação- TICS e de todo o processo de burocratização advindo dessa organização
pedagógica.
Assiste-se no meio acadêmico, mas não só nele, à tal fenômeno, de forma passiva, com
pouca ou quase nenhuma crítica que possibilite descortinar as ideologias subjacentes ao ensino
remoto e seus impactos no futuro da educação pública presencial. Ao contrário da crítica radical,
convive-se com relatórios, discursos e estatísticas produzidas por gestores e docentes que
buscam mascarar a realidade, impondo uma falsa neutralidade nos posicionamentos,
reveladores de um convencimento de que foi o possível a ser feito, de que, em certa medida, os
objetivos foram atingidos, que a inclusão digital docente e discente ocorreu com sucesso, que
a tecnologia é a educação do futuro, que foi um aprendizado antecipado para o treinamento e a
capacitação para a era digital, sinônimo de modernidade e progresso.
Se algum setor saiu ganhando com esse discurso e afirmação, foi, sem dúvida, o setor
privado da educação. Todos foram rendidos, quase que inevitavelmente, às estratégias
educacionais do ensino à distância e depois de mais de um ano convivendo com tal experiência,
a imagem que se propaga é a de que funcionou, bastando para isso algumas adaptações nos
programas das disciplinas, alguns treinamentos rápidos e mecânicos dos docentes, doações de
equipamentos e disponibilidade de acesso à internet aos discentes e o conhecimento foi
construído síncrona e assincronamente. Ledo engano!!!
Conforme nos aponta Minto (2021:145)
O primeiro dos artifícios mistificadores mobilizados nesse processo foi aquele
que assumia a pandemia como uma espécie de solução e não o problema de
fundo. Nesse diapasão, a remotização encontrava justificação no imperativo
do isolamento social (portanto, do presente, do imediato), mas,
simultaneamente, no que os entusiastas das tecnologias da informação e
comunicação apontavam como oportunidade para um processo de
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modernização, portanto, dimensionado como futuro (desejável) da educação.
A fetichização do uso das tecnologias e dos ambientes virtuais como inovação na sala
de aula necessária para o ensino remoto, ainda que temporariamente, tem escamoteado,
perversamente, o projeto educacional privatista em curso no Ensino Superior brasileiro. A
tendência que vai forjando-se é a de que a experiência do ensino remoto pode trazer saldos
positivos a ponto de que, no contexto pós-pandêmico, sejam implementados alguns recursos
tecnológicos avaliados como bem-sucedidos. Eis o risco que se corre: consolidar um modelo
de ensino que emergiu como temporário e emergencial, mas que já estava enraizado
historicamente com ondas crescentes de expansão no cenário no ensino superior brasileiro, pela
via de um perfil privatista e eadista.
Se a educação, pela ausência de políticas sociais universais, historicamente tem sido
marcada pela desigualdade social tanto no acesso como na permanência estudantil, na
pandemia, tal quadro foi ainda mais intensificado. Estudantes da educação pública são os que
mais têm esse direito negado e/ou violado. Uma vez que o ensino remoto utiliza como forma
exclusiva de acesso o meio virtual e para isso as tecnologias e internet são necessárias, então,
tem-se um número expressivo de estudantes segregados pela sua condição econômica.
O ERE trouxe uma reconfiguração nas relações acadêmicas e pedagógicas, incidindo no
processo de ensino e aprendizagem, desconfigurando o espaço educativo “sala de aula”,
dificultando a construção de conhecimentos de modo aprofundado e com rigor teórico,
limitando a aproximação com a realidade social, seja pelas dificuldades na realização do estágio
supervisionado, seja pela vivência de experiências exteriores à Universidade. É preciso pontuar
que o tripé ensino, pesquisa e extensão, fundamental na estruturação e definição do que se pensa
de uma Universidade, foi atacado no sentido de uma ênfase maior nas atividades acadêmicas
no âmbito do ensino, em detrimento de atividades de pesquisa e extensão.
Nessa direção, o trabalho docente foi amplamente objeto de alterações que trouxeram
imensos desafios na reorganização do trabalho acadêmico e pedagógico, na execução de
atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão, nas condições de trabalho que exprimiram-
se por um aviltamento da intensificação do trabalho e, não menos impactante, na saúde mental
dos/das docentes.
É no conjunto das determinações econômicas, dos interesses mercadológicos em
questão e da intervenção estatal na política de educação, que o trabalho docente necessita ser
situado e analisado a fim de se enfrentar uma perspectiva analítica endógena do ERE em relação
ao trabalho docente.
O trabalho docente no ensino superior, realizado em instituições públicas ou privadas,
O trabalho docente no ensino superior em tempos de ensino remoto emergencial (ERE)
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na modalidade presencial ou à distância, considerado produtivo ou improdutivo, é uma
especialização do trabalho coletivo, ocupando um determinado lugar na divisão social e técnica
do trabalho. Como trabalhadores/as assalariados/as, os docentes vendem sua força de trabalho
em troca de um salário. Sendo assim, estão submetidos às determinações que se interpõem no
mundo do trabalho, às condições objetivas e materiais que incidem sobre as condições
subjetivas. O que é fundamental compreender é que o trabalho docente é trabalho assalariado
e, sendo assim, o/a professor/a pertence às classes trabalhadoras. Essa afirmação é
imprescindível para reforçar a dimensão do trabalho coletivo e o caráter de classe que permeia
a docência.
Do ponto de vista da mercantilização da educação, os/as trabalhadores/as da educação
não diferenciam-se dos demais, sendo igualmente superexplorados. Em tempos de pandemia e
de ERE, a intensificação do trabalho docente tornou-se muito mais viva e visível, pois o
teletrabalho criou as condições necessárias para tal realidade. Como definem Lemesle e Marot
(1996), citado por Mill e Fidalgo (2009:205), o trabalho docente virtual é teletrabalho, pois
trata-se de uma modalidade de organização e de execução de um trabalho exercido
habitualmente por um docente à distância e, em geral, sem supervisão do gestor ou coordenador
do curso. Trata-se de um trabalho efetuado com uso intensivo de tecnologias digitais
(informática e telecomunicação) para a transmissão de informações e atividades entre docente
e alunos e entre docentes e gestores.
O teletrabalho ganhou forças no bojo da crise econômica dos anos 1990, quando
profundas transformações ocorreram no mundo do trabalho, sustentadas pela flexibilização de
contratos de trabalho, pela redução de emprego regular, trabalho parcial, temporário ou
subcontratado à mer dos direitos trabalhistas, a exigência de um trabalhador polivalente,
criativo, que adapte-se às mudanças, sendo inovador, empreendedor e proativo.
Concomitantemente às exigências de um novo perfil de trabalhador e de particulares e precárias
condições de trabalho, o desenvolvimento de tecnologias digitais e o estímulo ao uso da
Educação à Distância (EaD). Como apontam Mill e Fidalgo (2009, p. 208), “se a educação ficou
por vários séculos sem acompanhar as inovações tecnológicas (ou sem se deixar levar por elas),
nas últimas décadas, essa mentalidade de flexibilizar tudo chegou ao contexto educacional”.
Assim, é preciso retomar a premissa de que as tecnologias digitais e o teletrabalho são
objetos ou formas organizacionais que, desenvolvidos no contexto capitalista, não são despidos
de interesses e funcionalidades.
Apresentam-se, a seguir, as implicações do ERE para o trabalho docente no ensino
superior, recortando dois eixos analíticos. Os eixos elencados buscam explicitar algumas
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dimensões da totalidade da realidade, evidenciando elementos presentes no trabalho docente
em tempos de ensino remoto, a saber: 1) A plataformização no/do trabalho docente e a
intensificação do trabalho; 2) O ERE e a saúde mental dos docentes.
A plataformização no/do trabalho docente e a intensificação do trabalho
A plataformização da vida acadêmica exigiu uma reorganização do trabalho docente,
não em seus aspectos pedagógicos e administrativos, mas também nas dimensões da vida
social do docente, enquanto trabalhador e sujeito que desempenha funções para além de
atividades laborais.
Uma nova forma de gestão da vida acadêmica impôs-se ao professorado das
universidades que ofertam o ensino na modalidade presencial, uma vez que tais instituições
tiveram que, precária e rapidamente, buscar adequar seus programas de disciplinas, suas
atividades extensionistas e de pesquisa para atender às exigências do ensino remoto.
A utilização de plataformas digitais privatistas passou a ditar o cotidiano educacional,
agora virtualizado, impondo, através do teletrabalho, uma reorganização da rotina doméstica
que afetou toda a dinâmica familiar. A vida e o espaço doméstico foram cooptados/invadidos
pelas atividades laborais, e o que antes, devido à sobrecarga de trabalho dos docentes, já era um
agravante em relação à quantidade de trabalho que o professor levava para casa, foi ainda mais
acirrado, porque agora trata-se do compartilhamento do mesmo espaço para desenvolvimento
da rotina da vida e da rotina do trabalho. Isso significa que não mais a separação e o
distanciamento necessário entre trabalho e descanso, entre o tempo gasto com o trabalho e o
tempo a ser gasto com a vida doméstica e todas as tarefas dela decorrentes.
Quando a fronteira entre o espaço público e espaço privado desmancha-se, “a penetração
da esfera do trabalho no seio domiciliar modifica sensivelmente a vida da família e a separação
dos diferentes trabalhos ao longo da jornada” (ROSSEL et al., 1998, p. 275, citado por
FIGALDO E MILL 2009:219). Essa invasão do trabalho na vida privada acentua também “a
intensificação do trabalho feminino e o aprofundamento da desigual divisão sexual do trabalho,
refletindo sobre a particularidade de as mulheres realizarem esse trabalho no ambiente
doméstico, mesmo lugar em que já possuem múltiplas tarefas socialmente impostas” (CFESS,
2020, p. 05).
O espaço doméstico que deveria constituir-se como um lugar de descanso, repouso,
desligamento do trabalho e recomposição das forças/energias dispendidas nos espaços laborais,
torna-se uma extensão do trabalho, um ambiente de pressão, de cobrança, de controle e de
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produção de resultados e metas.
Aliado à essa questão, o ensino remoto trouxe um aumento do custo de vida para o
docente que, devido à ausência de investimento institucional, precisou responsabilizar-se pelo
acesso à tecnologia necessária ao desenvolvimento da remotização do ensino, o que incluiu a
portabilidade de equipamentos tecnológicos e mobiliários e acesso à internet.
Os aplicativos que antes da pandemia tinham outra função para o docente, tornaram-se
ferramentas de trabalho obrigatórias, perversas, danosas, prejudiciais à sua saúde mental,
controladoras do seu tempo e fiscalizadoras da sua rotina. Os ambientes virtuais sujeitaram os
docentes ao controle e ao monitoramento. É preciso estar disponível vinte e quatro horas por
dia, atento às demandas que avolumam-se, com prontidão para atender às requisições dos
gestores e dos discentes que, de forma imediata, cobram retorno e resolutividade, incluindo,
nessa condição de trabalho, a utilização também dos finais de semana e feriados.
O ensino remoto agudizou o processo de intensificação e exploração do trabalho,
demandando e exigindo respostas ágeis e instantâneas , fazendo com que o/a docente incorpore
uma lógica de polivalência, onde, ao mesmo tempo em que ensina, avalia, pesquisa, realiza
extensão, produz conhecimento, constrói material didático/pedagógico, elabora e corrige
artigos, realiza palestras e cursos, atua na gestão, responde às requisições tecnológicas, como
saber utilizar um conjunto de ferramentas digitais, monitora a frequência, gera relatórios,
projeta apresentações, compartilha telas, controla as entradas nas reuniões, resolve problemas
de acesso à conexão de internet e lida com intercorrências como invasão nas aulas e eventos.
Para o desenvolvimento das atividades síncronas e assíncronas, os docentes tiveram que
aprender a usar as novas tecnologias, quase que sem treinamento específico para tal tarefa,
lidando com as pressões cotidianas do trabalho e da condição sanitária do país, num contexto
incerto, onde nem sempre havia clareza de como planejar e de quanto tempo tal situação
perduraria.
A necessidade do isolamento impôs à educação, como recurso para a condução do
processo de ensino-aprendizagem, a urgência da conectividade através do uso cotidiano e
sistemático das tecnologias de informação e comunicação. Em poucos dias, o mercado digital
privado ofereceu às instituições de ensino, e, em alguns casos, ampliou, um pacto de softwares,
plataformas e ambientes virtuais (google meet, google drive, google forms, moodle, classroom
etc.) que passaram a orientar e instrumentalizar o ensino e a gestão da educação. Somado aos
novos recursos digitais, aumentou-se o tempo gasto com aplicativos e recursos usados no
trabalho docente, como whatsapp e e-mails.
O palco da educação passou a ser as redes sociais.
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[...] as relações sociais passam a ser crescentemente criadas, mantidas ou
aprofundadas por meio do uso de equipamentos para comunicação em rede.
Em outras palavras, na sociedade digital passamos a viver em um contínuo
on-off line, no qual conectados em rede por meio de plataformas
consumimos, mas também criamos e compartilhamos conteúdos
(MISKOLCI, 2016, p. 277).
A rotina de trabalho do docente, que era exaustiva e adoecedora, agravou-se,
consumindo cada vez mais tempo gasto para as atividades profissionais (síncronas e
assíncronas) na produção de materiais textuais e audiovisuais, na lives, na indicação de
materiais complementares, nos podcasts, na elaboração de avaliações, nas correções, no registro
e documentação nos sistemas informatizados, na organização de eventos virtuais, na
coordenação de estudos e pesquisas, no produtivismo acadêmico, dentre outras atividades.
Aponta-se o fenômeno do “reunismo” tão presente nessa conjuntura de remotização do ensino,
em que o volume de reuniões diárias, de links para acesso, de tempo de duração extrapolando
4 horas para cada reunião, contribui para uma perda da noção do tempo e espaço, do que é
momento do trabalho e do que é momento da vida privada. O/a docente está sendo pressionado
a estar sempre disponível, conectado, pronto para responder às mensagens e a dar as respostas
imediatas. É um rolo compressor nas condições de vida e do trabalho docente.
A identidade e a dignidade do/a professor/a e a natureza do seu trabalho vêm sendo
alteradas nessa conjuntura pandêmica: de educador/a passou a ser palestrante, dador/a de aula,
youtuber, animador/a de sala de aula.
O trabalho docente-digital, com a expansão das tecnologias de informação e
comunicação, passou a ampliar a precarização e apontando uma tendência, via mercado, de
permanência dessa modalidade no ensino superior brasileiro que vem, historicamente,
envolto num processo de ataque e desqualificação.
É preciso considerar quem lucrou com essa plataformização da educação e do trabalho
docente. Adrião e Domiciano (2020) expõem que o Google, corporação multinacional fundada
em setembro de 1998 por Larry Page e Sergey Brin, então estudantes da Universidade de
Stanfor, que inicialmente atuava como um sistema de busca, alcançou em pouco tempo o
domínio dos negócios de mídia, software e telefonia, principalmente após abertura de seu
capital na bolsa de valores em 2004.
Em relação ao faturamento no período de pandemia da Covid-19, o
conglomerado Alphabet que controla, entre outras empresas, o Google, anunciou seus
resultados trimestrais referentes aos últimos meses de 2020. Os números mostram que as
receitas atingiram um patamar recorde. Durante o trimestre final de 2020, a Alphabet teve
receitas na casa de US$ 56,9 bilhões, trazendo um lucro operacional para a companhia de US$
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15,7 bilhões. Quando se olha para o ano inteiro de 2020, a companhia trouxe receitas no patamar
de US$ 182,5 bilhões e lucro de US$ 41,2 bilhões (OLHAR DIGITAL, 2021)
As plataformas e serviços ofertados pelo Google no setor educacional expandiram-se
consideravelmente. Aproveitando o contexto de ensino remoto, incrementaram-se as
ferramentas digitais e tecnológicas, oportunizando um vasto campo de possibilidades de acesso
no uso do Google Meet, por exemplo, com extensões, opções de cenário para as reuniões/aulas
e para inscrição de fala. Enfim, um processo extremamente voltado para a forma e não para o
conteúdo da formação.
No início da pandemia, foram oportunizados recursos e ferramentas do Google para as
instituições de ensino superior e, no decorrer desse período, esses serviços e pacotes foram
sendo limitados, reduzindo possibilidades, como número de participantes, autorização para
gravação, exigindo que as instituições e alguns docentes, individualmente, adquirissem o
licenciamento.
Os elementos trazidos a aqui buscam ilustrar a sobrecarga de trabalho para os/as
docentes e as alterações impostas ao seu exercício profissional acarretadas pela plataformização
da educação e do trabalho docente numa conjuntura de pandemia, de crise econômica e social
e de ensino remoto.
A saúde mental dos/as docentes no ensino superior
Para além dos aspectos apresentados no tópico anterior, faz-se necessário ressaltar que
o exercício profissional na docência no ensino superior não pode ser visto isoladamente,
apartado das relações de produção e reprodução social. Docentes são trabalhadores/as e, sendo
assim, estão submetidos às contradições postas pela lógica capitalista e pelos imperativos do
modo de produção capitalista nas relações de trabalho. Nenhum/a trabalhador/a determinada
autonomamente o seu trabalho, pois inscritos na divisão social e técnica do trabalho, os/as
docentes estão permeados por condições objetivas e subjetivas que se interpõem na realização
de suas tarefas e atribuições profissionais.
Nessa direção, no trabalho docente evidenciam-se as consequências do ensino remoto
emergencial, em um contexto de incertezas e instabilidade em diferentes aspectos, sejam eles
sanitários, sociais, econômicos e educacionais. Os docentes enfrentam a dificuldade de lidar
com o desconhecido, com diferentes ferramentas tecnológicas de trabalho, com uma sobrecarga
intensa que alterou sua rotina, seu planejamento, a noção de tempo e espaço, a separação da
vida doméstica e da vida laboral, lidam ainda com a insegurança trabalhista, com o crescimento
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de pressão para sua adaptação, para a criação de novos caminhos pedagógicos, reorientando
seus planos de trabalho. Por outro lado, o docente tem sido requisitado a atender às demandas
estudantis que tem se expressado pelo adoecimento dos estudantes, pelas dificuldades
operacionais e tecnológicas, pelo abandono do curso, pelo rebaixamento da formação e pelo
não cumprimento dos objetivos propostos.
Ao mesmo tempo em que o/a docente é exigido a motivar os/as estudantes, a instigá-los
a permanecer estudando, a orientar seus pares e construir juntos um novo planejamento de suas
atividades acadêmicas, ele busca a sua própria motivação, a sua capacitação permanente e o
cuidado com sua saúde que tem sido negligenciado em muitas situações.
Em meio a esse cenário, os/as docentes tiveram que administrar sua rotina familiar, seja
no acompanhamento da vida escolar de seus filhos e familiares, seja na conciliação do tempo
do trabalho e do tempo privado. São múltiplas as tarefas exigidas e são muitos os sinais de
esgotamento físico e mental.
A preocupação com o adoecimento docente, que já se fazia presente antes da pandemia,
passa a ser retomada e enfatizada nos debates sobre os desafios a serem enfrentados no âmbito
educacional. Silva (2020) faz referência às pesquisas internacionais que estão sendo realizadas
sobre a saúde mental dos docentes em tempos pandêmicos. Cita a pesquisa chinesa de Wang
(2020) para mostrar o adoecimento docente, destacando o transtorno depressivo leve, transtorno
afetivo bipolar, a ansiedade generalizada, o transtorno de adaptação e a síndrome de burnout ou
síndrome do esgotamento profissional. Baseada na pesquisa chinesa, Silva afirma que esse
contexto revela que os professores universitários estão inseridos em um ambiente propício ao
adoecimento mental pelos impactos da Covid-19, seja pelas notícias jornalísticas de
morbimortalidade, seja pelas pressões oriundas das instituições de ensino superior relacionadas
ao uso das tecnologias digitais, somadas às suas vidas conjugal, materna e doméstica e tantas
outras atribuições que lhes são conferidas.
Pesquisas nacionais sobre os impactos da pandemia da Covid-19 sobre a saúde mental
dos docentes estão sendo realizada, ainda que de forma isolada, trazendo recortes da realidade
de algumas instituições de ensino e de diferentes níveis educacionais, bem como por entidades
sindicais. É preciso ampliar a construção de pesquisas que tenham como recorte a investigação
da saúde mental dos docentes do ensino superior.
A pesquisa “Trabalho docente na UERJ em tempos de pandemia”
2
idealizada pela
2
Nesta investigação o blico-alvo contemplou os/as professores/as da Uerj dos diferentes campi. Conforme dados
da SGP1 , esse universo abrange 2.862 docentes. A coleta de dados se deu por meio de questionário on-line auto
aplicado, disponibilizado na plataforma Google Forms, no período de 26 de novembro a 14 de dezembro de 2020.
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Associação dos/das docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Asduerj) e realizada
sob a coordenação da professora Amanda Moreira da Silva, responsável pelo desenho
metodológico da pesquisa e pela construção do instrumento de coleta de dados, entre os meses
de novembro e dezembro de 2020, traz uma série de informações sobre as condições de trabalho
e a saúde mental dos docentes da Universidade.
Sobre a saúde mental, os dados indicam que as sensações/sentimentos mais relatados
pelos/pelas docentes na pesquisa foram: “preocupação” (39,2%), seguida por “apreensão”
(16,8%), “desânimo” (13,2%), medo” (7,3%), “irritação” (7,0%), “desamparo” (4,0%) e
“ansiedade (1,3%). Questionados se solicitaram algum afastamento por motivo de saúde no ano
de 2020, 95,8% dos/das respondentes disseram que não solicitaram e 4,2% disseram que sim.
Entre aqueles/aquelas que pediram afastamento no ano de 2020, as causas mais frequentes
foram: Covid 19 (46,4%), ansiedade (28,6%), transtornos associados ao estresse (21,4%) e
depressão (21,4%). Sobre o relato de adoecimento no período ERE, 34,4% dos/das docentes
informam não terem adoecido e 32,2% relatam terem adoecido uma única vez no ano de 2020.
As respostas indicaram que as estratégias individuais para o enfrentamento das dificuldades
foram as mais utilizadas, sendo adotadas por 37% dos respondentes, seguida por estratégias
individuais e coletivas associadas, expressas por 35,2% dos informantes. Estratégias
exclusivamente coletivas foram referidas por 12,8% dos/das docentes e 15,1% não adotaram
nenhuma estratégia para enfrentar as dificuldades no período de ensino remoto.
Outra pesquisa a ser destacada foi realizada pela consultoria FlamingoEDU,
encomendada pelos sindicatos de professores da educação superior da rede privada gaúcha
(Sinpro/RS Sinpro/Noroeste e Sinpro/Caxias) entre os dias 2 e 9 de abril, contando com a
participação de 1.195 professores da educação superior. A pesquisa “Realidade Docente 2021”
realizou uma comparação com o período anterior à pandemia, indicando que houve um
agravamento nas condições de saúde para 77% dos entrevistados, sendo que 55% dos
professores disseram que sua condição física e mental “piorou” e 22% acham que “piorou
muito”. Para 19%, permaneceu igual e melhorou para apenas 4% dos pesquisados.
Em matéria publicada pelo ANDES/SN em 14 de abril de 2021, o professor da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Maelison Silva Neves expõe sobre a pressão
para o retorno das aulas no formato à distância e as angústias e incertezas que provocaram nos
profissionais de educação e enfatiza sobre o produtivismo. Alerta o docente que
Falando em produtivismo, esse momento de isolamento social pode ser uma
ocasião de reflexão sobre o significado e o sentido de nossas atividades. Além
A amostra da pesquisa foi constituída por 553 docentes (19,32% do total).
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das determinações sociais que impõem o produtivismo, temos um processo
psicossocial que pode ser agravante: a luta desesperada para manter a rotina,
via teletrabalho, em busca de uma normalidade que não mais existe - e que
nem é desejável, se paramos para pensar. É enganoso achar que, pelo fato de
estarmos em casa, teremos mais tempo e poderemos ser mais produtivos,
escrever mais artigos e nos dedicar totalmente à pesquisa, à produção
científica e até mesmo dar aulas em ambientes virtuais.
Esses apontamentos contribuem para elucidar a tarefa urgente e necessária de se pensar
nos impactos do ERE para a saúde dos docentes, aqui tratando-se da particularidade do ensino
superior, e de construirem-se estratégias coletivas para o enfrentamento desses impactos, na
defesa da saúde e das condições de trabalho. Negligenciar o debate sobre a saúde dos/as
trabalhadores/as docentes é adensar o processo de intensificação e precarização do trabalho e
desconsiderar as implicações que serão produzidas na vida acadêmico-profissional, trazendo
prejuízos que, se não observados e colocados na agenda do debate, serão irreparáveis.
A defesa e as reivindicações por melhores condições de trabalho é uma tarefa que
coloca-se ainda mais necessária na conjuntura atual. É fundamental não naturalizar a
intensificação do trabalho, a ampliação da jornada de trabalho, não amenizando as
consequências do ERE no processo de adoecimento docente. Para além de uma luta pedagógica,
é urgente travar uma luta política em prol da educação pública, da defesa intransigente do ensino
presencial (resguardadas as medidas necessárias de distanciamento social) e da não
romantização e incorporação dos preceitos da educação à distância.
Considerações finais
Os apontamentos trazidos no decorrer deste artigo reforçam a afirmação de que as
condições de trabalho dos/das docentes do Ensino Superior sempre foram determinantes para a
organização do seu trabalho, mas elas têm sido agravadas pela exigência do ensino remoto
emergencial no contexto da pandemia da Covid-19.
O trabalho docente está sendo submetido a um processo ainda mais adoecedor causado
pela intensificação do seu trabalho na medida em que, enquanto trabalhador/a, tem vivenciado
diferentes formas de exploração que agudizaram-se nesse contexto de crise do capital aliada à
pandemia, tornando ainda mais perverso o quadro de precarização das condições de trabalho.
A partir dos eixos definidos, é possível identificar que a expansão e a exigência do uso
de plataformas digitais para a concretização do ensino têm levado os/as docentes a aumentarem
sua jornada de trabalho, não conseguindo mais definir o tempo gasto com as atividades laborais,
uma vez que não têm conseguido separar a vida doméstica das suas atividades profissionais. As
instituições de ensino tomaram conta do ambiente doméstico do/da professor/a que tem sofrido
O trabalho docente no ensino superior em tempos de ensino remoto emergencial (ERE)
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uma pressão para responder às demandas que apresentam-se em seu cotidiano de trabalho diante
de um contexto inseguro e incerto.
Sobre o segundo eixo, a respeito da saúde mental dos/das docentes, a precarização e a a
intensificação do trabalho por vezes são negadas ou escamoteadas. Não são aspectos tratados
nas reuniões pedagógicas e na organização do trabalho docente. Por vezes, não são questões
levadas em consideração por gestores da política do ensino superior e pelas instâncias
colegiadas das instituições de ensino. A remotização do ensino e seus efeitos nefastos nas
condições de vida e trabalho do professor são, muitas vezes, negligenciados e acabam sendo
tratados como uma questão menor.
Hoje, o professor não leva mais trabalho para casa, para seu ambiente doméstico, pois
sua prática docente ocorre nesse ambiente e sua privacidade e direito ao descanso são
ameaçados. Seu ambiente doméstico tornou-se palco e cenário para o desenvolvimento das
atividades pedagógicas, cabendo, em muitas situações, a cada professor a busca pelos recursos
tecnológicos para que sua atividade profissional se materialize.
A explicitação dessas questões é uma tarefa necessária e deve compor a agenda do
debate sobre o ensino superior, na direção e afirmação da educação pública, presencial e de luta
por melhores condições de trabalho. A crítica ao ERE é uma exigência que coloca-se aos
diferentes sujeitos envolvidos no processo educativo, para não ser seduzido pelos encantos do
eadismo”, pelo discurso de modernização do ensino e do incremento tecnológico despido de
análise crítica.
O enfrentamento é coletivo. A luta pedagógica não aparta-se da luta política.
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