DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22.35236
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 156-178, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
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Financiamento da assistência social em Belém:
um estudo sobre fundo municipal entre 2006 e
2017
1
Financing social assistance in Belém: a study on municipal funds between
2006 and 2017
Zaraia Guará Ferreira*
Resumo: Este artigo analisou o Fundo
Municipal de Assistência Social (FMAS) da
cidade de Belém, Estado do Pará, Brasil, entre
2006 e 2017, identificando o processo de
cofinanciamento dos três níveis da federação
(União, Estado e Município) e sua média de
execução. Como suporte teórico e histórico
utilizamos o conceito de Fundo Público e sua
vinculação ao Estado. Os dados orçamentários
(LOA) foram obtidos a partir do portal da
transparência do município, da Câmara do
Vereadores, da Secretaria de Gestão e
Planejamento (SEGEP) e da Fundação Papa
João XXIII (Funpapa). Além desses, foram
analisados os Planos de Ação e Demonstrativos
Físico Financeiros produzidos pela FUNPAPA e
encontrados parte no portal SUASWEB, parte
disponibilizada pela Fundação. Como resultado
da pesquisa observamos o desfinanciamento
paulatino dos serviços socioassistenciais e sua
baixa média de execução.
Palavras-chaves: Fundo Público, Assistência
Social, Financiamento.
Abstract: This paper analyzed the Municipal
Social Assistance Fund (FMAS) of the city of
Belém, State of Pará, Brazil, between 2006 and
2017, identifying the co-financing process of
the three levels of the federation (Union, State
and Municipality) and its average execution. As
theoretical and historical support we use the
concept of Public Fund and its link to the State.
Budget data (LOA) were obtained from the
municipal transparency portal, the City Council,
the Management and Planning Secretariat
(SEGEP) and the Papa João XXIII Foundation
(Funpapa). In addition to these, the Action Plans
and Physical and Financial Statements produced
by FUNPAPA were analyzed and found in part
on the SUASWEB portal, part made available
by the Foundation. As a result of the research,
we observed the gradual defunding of social
assistance services and their low average
execution.
Keywords: Public Fund, Social Assistance,
Financing.
Recebido em: 10/08/2021
Aprovado em: 11/04/2022
1
Este artigo é resultado dos estudos realizados em minha dissertação de mestrado, apresentado em agosto de 2021
ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da Universidade Federal do Pará (UFPA).
* Assistente Social, Mestrando do Programa de Pós-graduação em Serviço Social (PPGSS-UFPA); Assistente
Social do Instituto de Assistência à Saúde e Social dos Servidores Públicos de Belém (IASB).
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Introdução
O Fundo de Assistência Social no Brasil
2
tem um arranjo complexo de arrecadação,
isenção fiscal, distribuição e execução, desdobrando-se em serviços, benefícios e ações
(projetos e atividades), contando com diferentes níveis de financiamento e administração. Junto
a outros fundos permeia o centro da discussão política e econômica nacional, travado no debate
do orçamento do Estado desde a União até os municípios. Esses fundos setoriais ou especiais
são instrumentos orçamentário-contábeis criados por legislação a fim de tornarem
administráveis os montantes de recursos destinados a determinada áreas de investimento estatal
(Costa, 2012). São, portanto, parte do Fundo Público concentrado pelo Estado, ou seja,
montante de valor oriundo do trabalho social expropriado e transformado em lucros, juros ou
renda da terra, puncionado através do sistema tributário (Behring, 2010, 2021)
O Fundo Público, através do orçamento, é um elemento vinculante entre Estado e
economia, um instrumento de transferência de riqueza, podendo funcionar para sua
concentração ou distribuição na sociedade. Assim torna-se um elemento de poder fundamental
na dinâmica econômica, política e social.
O Estado, nesta equação, é a moldura que forma ao Fundo Público, não podendo este
existir sem aquele, ao mesmo tempo que é o aparato mediador entre economia e sociedade na
sua distribuição. Assim, entendemos que estudar o Fundo Público é parte do esforço para
entender como são distribuídas as riquezas entre as classes que disputam o excedente do
trabalho transformado em tributos e repartindo em diferentes direções.
O Fundo da Assistência Social é uma pequena manifestação desse imenso montante de
riqueza concentrada, utilizada como resposta à questão social gerada com a exclusão do
trabalho (Santos,2012). No Brasil, a assistência social trilhou um longo e contraditório caminho
desde o seu nascimento na primeira metade do século XX, apresentando-se como uma
necessidade social premente diante da complexificação do capitalismo brasileiro e da emersão
da questão social levada ao centro do debate político e econômico nacional.
O financiamento ganha destaque dentro da nova Constituição brasileira em 1988,
tornando-se uma das mais importantes inovações junto a descentralização administrativa e
controle social. Neste trabalho, para observarmos esse financiamento de forma empírica,
estudaremos o Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS) do município de Belém, Estado
do Pará, bem como seu cofinanciamento pelos diferentes entes da Federação, procurando
entender como cada um colabora com os serviços da assistência social e como é executado esse
2
Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), Fundos Estaduais de Assistência Social (FEAS) e Fundos
Municipais de Assistência Social (FMAS).
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montante. Para isso foram realizadas análises dos gastos da Assistência Social no município,
através da análise de documentos institucionais do Ministério da Cidadania que dizem respeito
ao cofinanciamento do Fundo Municipal, cotejando-os com documentos da Prefeitura de Belém
através de suas Secretarias de Gestão e Planejamento (SEGEP) e da Fundação Papa João XXIII
(FUNPAPA), esta última responsável pela administração da Assistência Social no município.
Fundo público e assistência social
Para estudarmos a formação de fundos púbicos e a forma como as políticas públicas são
organizadas e financiadas é necessário abordarmos uma relação fundamental das sociedades
modernas, o Estado e a economia. Ou seja, a relação entre a forma política e administrativa que
emergiu dos resquícios da sociedade feudal europeia e a organização econômica da sociedade
capitalista nascente. As instituições resultantes desse processo são produto de uma longa
trajetória de arranjos e rearranjos históricos oriundo da complexificação permanente que passou
ao longo dos séculos.
O debate sobre a forma e o conteúdo do Estado atravessa séculos, territórios e
conjunturas distintas e não tem data limite para terminar. Poulantzas (2000) nos alerta que é
preciso fugir das explicações fáceis que tentam separar uma estrutura estrita e administrativa
própria de um Estado gerencial das relações estabelecidas na sociedade, assim como das
explicações historicistas que veem o Estado como resultado lógico e cronológico das relações
de classes, ou mesmo de interpretações que o colocam como apêndice-reflexo e operativo das
lutas e do poder econômico.
Essas tentativas de diminuir ou eliminar o Estado como fator central na compreensão da
sociedade capitalista fracassaram diante da realidade. Mesmo com a emersão da globalização e
sua ideologia neoliberal, após a eliminação das fronteiras para o capital, o Estado Mínimo
apregoado, na verdade, transformara-se em máximo para a garantia dos fluxos e da estabilidade
comercial e financeira em momentos de crises que não tardam a acontecer (Salvador, 2010;
Behring, 2021).
É na relação entre Estado e economia capitalista que veremos surgir e desenvolver-se
Fundos Estatais que servirão ao financiamento das ações do Estado, em particular, da sua
violência institucional legitimada para assegurar em contrapartida o desenvolvimento da
economia capitalista. Francisco de Oliveira (1998) ao tentar capitar as origens e importância da
relação entre fundos estatais e a formação da economia capitalista, afirmará que “a formação
do sistema capitalista é impensável sem a utilização de recursos públicos, que em certos casos
funcionam como uma ‘acumulação primitiva’” (p. 20).
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É a partir da crise de 1929, contudo, e com as intervenções keynesianas na regulação
estatal sobre o mercado, que esta categoria ganhará a relevância que carrega até hoje. Para
Oliveira (1998) há nessa transição a mudança na natureza do Fundo Público que, antes da crise
econômica de Nova York, funcionava, em menor parte, como uma forma de “acumulação
primitiva” de capital, um ex-post, e era encontrado
desde o casamento dos tesouros reais ou imperiais com banqueiros e
mercadores na expansão colonial até a despossessão das terras dos índios para
cedê-las às grandes ferrovias particulares nos Estados Unidos, a privatização
de bens e propriedades da Igreja desde Henrique VIII até a Revolução
Francesa; e, de outro lado, as diversas medidas de caráter caritativo para
populações pobres, de que as ‘Poors Houses’ são bem o exemplo no caso
inglês” (Ibidem, p. 20).
Na fase de regulação keynesiana do Estado capitalista, o Fundo Público adquiriu
características, sem as quais, o boom expansionista e cumulativo do capitalismo não seria
possível, tornando-se um ex-ante, ou seja, uma condição fundamental (sine qua non) para
impulsionar a economia industrial da época. A emersão do Estado Social no séc. XIX
3
e seu
formidável crescimento no século XX é debitado por Salvador (2010) ao crescimento do Fundo
Público
4
, fomentando tanto as políticas sociais quanto o desenvolvimento do capitalismo nas
economias centrais.
Durante os anos do Keynesianismo/fordismo, os recursos dos fundos públicos,
particularmente o “fundo previdenciário”, foram canalizados para cumprir
duas missões: garantir a aposentadoria dos trabalhadores e, durante o processo
de acumulação financeira (quando os trabalhadores ativos superam o número
de beneficiários), canalizar as reservas para investimentos, sobretudo no setor
de infraestrutura (SALVADOR, 2010: 81).
Francisco de Oliveira (2015) afirma que o Estado, através do Fundo Público, configura-
se como sustentáculo nos momentos das crises cíclicas da economia capitalista, como uma
retaguarda sempre acessível para garantia da valorização do capital. Ou seja,
(...) a noção de fundo público menos que um conceito acabado, responde a
uma necessidade de nomear recursos geralmente estatais que, no capitalismo
contemporâneo a rigor desde a formulação e adoção generalizadas das
políticas anticíclicas -, fundem-se aos recursos privados para sustentar, e não
3
Salvador (2010) apresenta dados compilados na obra Beyond the Welfare State de Christopher Pierson (1998)
que demonstram que dos 13 países europeus no século XIX, 11 apresentavam legislações que complementavam a
renda de trabalhadores antes da virada para o Século XX. O que representa embriões de Estados Sociais
posteriormente desenvolvidos.
4
Piketty (2014, p. 463) apresenta em seu livro O Capital no séc. XXI a evolução das receitas fiscais, de 1870 a
2010, de 4 países com distintas trajetórias históricas entre os mais ricos (Suécia, França, Reino Unido e Estados
Unidos) e demonstra a relativa proximidade entre estes na evolução de suas receitas fiscais. “A primeira
semelhança é que os impostos representam menos de 10% da renda nacional em todos os países no séc. XIX até a
Primeira Guerra Mundial. (...) A partir dos anos 1920-1930 e até os anos 1970-1980, assistimos a um crescimento
considerável [3 a 4 vezes] da participação dos impostos e das despesas públicas (e, particularmente, das despesas
sociais) na renda nacional”. Até a estabilização de 1980 a 2010 em níveis diferentes: 30% da renda nacional para
Estados Unidos, 40% no Reino Unido, 50% na França e 55% na Suécia.
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apenas reprimir, as tendências depressivas, a expansão do capital
(OLIVEIRA, 2015, p. 376).
Behring (2010, 2021), acrescenta que, dada a importância do lugar que ocupa o Fundo
Público na sustentação da economia capitalista, este transformou-se num elemento “nem ex-
ante, nem ex-post do processo de produção e reprodução capitalista, como se supõe que fosse
ao período concorrencial, mas um componente in flux do mesmo, que está ali presente no ciclo
D M D’ (2010, p.22). Esse movimento compreenderia a transformação do capital-
mercadoria em capital-dinheiro no processo de produção e circulação de mercadorias (Behring,
2012), tendo para isso como seu mediador o crédito privado e o fundo Público (Estado),
sendo este último “parteiro” ou “uma mediação decisiva no capitalismo” (Behring, 2012. p.
156)
A dupla forma de execução do Fundo Público, direto e indireto, para a reprodução ampla
do capitalismo é uma de suas características imanentes na atualidade
5
. Tanto contribui para o
desenvolvimento econômico via investimentos na produção (diretos), quanto para a reprodução
da classe trabalhadora, via investimentos em Políticas Sociais (salários indiretos), repassando
parcial ou totalmente os custos do trabalho para o poder público, aumentando assim a margem
de mais-valia extraída no processo de produção capitalista.
No Brasil a formação do Fundo Público ganha importância com a emersão do Estado
Desenvolvimentista a partir da década de 1930, no governo de Getúlio Vargas. A este modelo
de Estado preocupa um planejamento econômico centrado no desenvolvimento, cuja o processo
de industrialização ocupa papel central, sendo comum o Estado assumir nichos Industriais
diversos dependo do que seja necessário para impulsionar a economia
6
. O Estado
Desenvolvimentista caracterizou-se por assumir as tarefas estruturais do desenvolvimento
econômico capitalista e promover uma ampla coalizão de classes que envolvesse a burocracia
estatal, empresários, trabalhadores que passam a adotar uma estratégia direcionada para o
progresso sustentado da economia (Perissionotto, 2014). Sua delimitação temporal é
geralmente estabelecida entre o início do governo de Getúlio Vargas (1930) até o fim da ditadura
militar (1985).
No Brasil é identificado como precursor da política social de Estado, onde a questão
5
Para este debate ver Oliveira (1998), Behring (2010; 2012; 2021), Bretas (2012), Salvador (2010).
6
Outras características do desenvolvimentismo segundo Ianoni (2014) são: 1 - a existência de instituições estatais
ou paraestatais (Comissões, Comitês, Agências) que conduzem o projeto de desenvolvimento, orientados por uma
burocracia estatal especializada e de carreira; 2 - industrialização retardatária de renda média e com componentes
tecnológicos aquém da fronteira tecnológica; 3 - a presença de uma ideologia nacionalista que unifique os
diferentes grupos sociais e legitime o Estado; e 4 - a busca de equiparação tecnológica e de renda com países de
capitalismo desenvolvidos (catching-up).
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social oriunda do desemprego foi abordada de frente, como eixo promotor do projeto de
desenvolvimento nacional. Nesse período vimos no Brasil a formação de instituições que
passaram a intervir cada vez mais na condução da economia visando sua industrialização, ao
mesmo tempo, que outras tratavam da Previdência, Saúde, Assistência Social, Educação, entre
outras, colaborando de forma indireta para reprodução do capital industrial nascente, tendo o
Fundo Público e Estatal como protagonista (Draibe, 2004; Ianni, 1979). Previdência Social e
Saúde sempre referenciadas ao mercado de trabalho formal, de maneira que trabalhadores
com carteira assinada poderiam acessá-la; e Assistência Social expressa na forma da caridade e
filantropia aos “inválidos”, depois assumida pelo Estado.
A Assistência Social no Brasil faz um extenso e tortuoso percurso ao longo do século
XX manifestando-se em formas distintas à medida que a questão social vai tomando
centralidade no processo político do país incentivada/deslocadas pelas lutas seminais da classe
trabalhadora, também instrumento institucional para contenção de ebulições políticas. Nasce
no bojo das políticas sociais exigidas pelas transformações econômicas e sociais oriundas do
processo de industrialização e urbanização do país. Sua origem deu-se primeiramente de forma
não estatal através da ação caritativa da Igreja Católica no socorro aos incapazes para o trabalho,
crianças e velhos pobres e abandonados, homens e mulheres inválidos, descartados no processo
social que não tinham outro destino que não fosse essa forma de ajuda (Couto 2010).
Sua forma estatal no Brasil, ocorrerá duas décadas após o surgimento das primeiras
Caixas de Aposentadorias e Pensões (formas embrionárias de previdências sociais no Brasil) e
tem como marco a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA)
7
criada em 1942 pelo
presidente Getúlio Vargas e coordenada pela primeira-dama Sra. Darci Vargas para atendimento
às famílias dos soldados que foram a Segunda Guerra Mundial na Europa. A LBA era uma
iniciativa assistencialista, restrita a ajuda filantrópica e focalizada a um setor específico, tendo,
nos anos seguintes, porém, ampliado sua ação para populações em situação de vulnerabilidade
social, servindo como forma de legitimação do governo ditatorial, passando esta entidade a
comandar oficialmente as ações de Assistência Social no Brasil (Behring & Boschetti, 2011).
Em 1969, a LBA ganhará status de Fundação e será incorporada ao Ministério do
Trabalho e Previdência (MTP) e posteriormente, no ano de 1974, ao Ministério da Previdência
e Assistência Social (MPAS). Denota-se deste percurso a vinculação que Assistência Social
passará a ter com os processos de formalização do trabalho – servindo como retaguarda para os
incapacitados para o trabalho e formando junto com a Previdência o que Boschetti (2008)
7
Outras medidas menos estruturadas surgiram no campo da assistência social paralelamente, como o Serviço de
Assistência ao Menor (SAM) em 1941 (Behring & Boschetti, 2011).
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chama de “complexo previdenciário-assistencial”.
Com o processo de redemocratização do Brasil e com a nova constituição em 1988 a
Assistência Social será alçada a política pública de seguridade social junto com saúde e
Previdência, representando um salto qualitativo na sua organização e financiamento.
Entretanto, foi confrontada com a emersão do modelo neoliberal de Estado, orientado pelas
receitas do Consenso de Washington
8
, cujos objetivos eram a restrição a qualquer proposta de
universalidade que demandasse aumento de investimentos em Políticas Sociais.
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)
9
, por exemplo, seria aprovada em
dezembro de 1993, após ser rejeitado por completo em 1990 pelo presidente Collor
10
. A
primeira Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foi aprovado em 1998 e a segunda
apenas no ano de 2004, 11 anos após a provação da LOAS. Segundo Couto (2010), o projeto
neoliberal de desmonte do Estado somado ao preconceito e falta de densidade política e
conceitual foram responsáveis pelo atraso na regulamentação da Assistência Social. Para
Sposati (2013: 36) "o acúmulo era pouco, era difícil avançar em propostas para além de
diretrizes que apontassem os valores éticos dessa política”.
O neoliberalismo em sua emersão apresentou a programática econômica, social e
ideológica que permitiu a reformulação do aparelho estatal facilitando a recomposição das taxas
de valorização do capital, sucumbidas após mais uma severa crise cíclica de acumulação.
Assim, o Estado foi alvo estratégico, dado seu papel de regulador social e econômico em favor
das regras de mercado, promovendo redução de impostos, diminuição dos gastos sociais
restringindo a Proteção Social, privatização de empresas públicas, controle da massa monetária
para controle da inflação, desregulamentação dos mercados, incluindo o de trabalho (Salvador,
2010), medidas que afetavam diretamente a composição do Fundo Público até então bastante
comprometido com políticas sociais e econômicas.
O Estado mínimo, proposto por este modelo, serviu muito mais como elemento de
propaganda ideológica contra o intervencionismo do Estado Social keynesiano e
desenvolvimentista, do que de fato a um objetivo exequível. Isso se explica em maior grau pela
necessidade que a liberalização financeira tem de valorizar seu capital a partir dos Fundos
Públicos (Behring, 2021, cap. 1) e, em menor grau, devido à incapacidade do crescimento
8
Reunião realizada em novembro de 1989 entre os presidentes eleitos da América Latina e os representantes do
Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Banco Interamericano de Desenvolvimento, que entre as
reformas de cunho neoliberal prevê a realização de reformas estruturais para a estabilização da economia como as
privatizações, a desregulamentação dos mercados, a descentralização e a retomada do desenvolvimento.
9
Lei 8742 de 07 de dezembro de 1993 Dispõe sobre a organização da Assistência Social e outras providências.
10
O projeto rejeitado era o PL 3099/89, de iniciativa do deputado Raimundo Bezerra e com formato final dado
pelo relator Nelson Seixas, ambos do PSDB, que regulava a assistência social.
Financiamento da assistência social em Belém: um estudo sobre fundo municipal entre 2006 e 2017
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neoliberal e de absorver a reprodução da força de trabalho atingida pelo desemprego ascendente
e cada vez mais demandante de políticas sociais públicas, o que pressupõe um gasto estatal
elevado. Behring (2021, cap. 7) explica como o ajuste fiscal tornou-se a explicação para
contingenciamentos em Políticas Sociais, tornando-se por fim uma justificativa permanentes
para expropriação do Fundo Público.
Nesta relação entre Fundo Público e finanças, temos os orçamentos como modelos
desenhados para a gestão e planejamento da administração pública, formatando grande parcela
do Fundo Público, organizando sua distribuição entre as classes na sociedade, contendo em si,
também os instrumentos para os ajustes fiscais requeridos pela economia política neoliberal-
financista.
Por opção da política econômica e das forças políticas que apoiam o governo,
os interesses beneficiados com os pagamentos dos juros – o capital financeiro
nacional e internacional – conseguiram incrustar-se no orçamento e passaram
a comandar as decisões de gastos em seu benefício, com prejuízo para o
desenvolvimento e para a oferta de políticas públicas à sociedade pelo Estado
(OLIVEIRA, 2009, p. 113).
Assim este setor vai se apropriando dos Fundos Públicos, tanto os de caráter
discricionários, que ficam sob a decisão do governo, como os vinculados, obrigatórios e
direcionados a Políticas Públicas específicas. Sendo por isso, na verdade, que sempre ressurgem
as propostas de reformas para desvinculação de receitas constitucionais de políticas sociais
como Saúde e educação. Desta forma, vemos como o modelo neoliberal pavimentou o caminho
para apropriação do Fundo Público pelos detentores do capital financeirizado, a fim de
recomporem permanentemente suas taxas de rentismo e lucro, ao mesmo tempo provocando
um processo avassalador de privatizações das políticas sociais no Brasil.
Fundos especiais e assistência social: descentralização e cofinanciamento
O repasse entre Fundos Especiais foi um dos claros avanços estabelecidos pelo
Constituição de 1988 no financiamento de Políticas Sociais, por proporcionar maior controle
sobre o fluxo de recursos e carimbá-lo para uso exclusivo de tal política. Porém uma
considerável parcela ainda passa por fora desse instrumento contábil/orçamentário, o que
implica em dificuldades para o controle da sua execução, sendo muito comum encontrarmos
discrepâncias entre as cifras em diferentes documentos, mesmo quando elas descrevem o
mesmo serviço, programa ou ação. Quando tentamos cruzar os dados do cofinanciamento do
FMAS usando orçamento municipal e o SuasWeb encontramos esses problemas.
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O FMAS está entre os fundos especiais
11
como descritos pela Lei 4320/1964
12
, que a
define como “produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de
determinados objetivos ou serviços” (Art. 71), tendo a aplicação de suas receitas dada por
dotação especificada na Lei do orçamento (Art. 72). Os Fundos Especiais são instrumentos
consolidados na Administração Pública, tendo previsão desde 1922 no Código de Contabilidade
da União (Costa, 2012). Seu formato contemporâneo permite, segundo Colin (2008), vantagens
na canalização do Fundo Público para “o cumprimento das funções e obrigações das políticas
sociais” (p. 221), como: 1 melhor distribuição e gestão dos recursos; 2 identificação das
responsabilidades na sua administração; 3 maior controle sobre o seu funcionamento; 4
transparência na gestão dos recursos; 5 – relação com outros fundos, sem perda de autonomia;
5 Detalhamento das informações nos serviços prestados; 6 acompanhamento permanente
da evolução dos custos das ações e serviços desenvolvidos.
Suas principais características são: 1 – Ter receitas especificadas em Lei; 2 vincular-
se a realização de determinados objetivos ou serviços; 3 estar prevista na Lei que institui a
destinação de seus recursos, bem como do órgão ao qual se vincula e a quem se atribui a sua
gestão; 4 ter contabilidade própria e segregação de contas, donde derivam informações para
seu controle; 5 tem suas contas apreciadas pelos órgãos de fiscalização competente; 6 ter
seu saldo financeiro de um exercício encerrado, remetido ao exercício subsequente. (Idem, p.
222)
Os fundos de Assistência Social são instrumentos de gestão orçamentária e financeira
com Personalidade Jurídica própria, onde devem ser alocadas as receitas e executadas as
despesas “relativas ao conjunto de ações, serviços, programas, projetos e benefícios de
Assistência Social” (SUAS, 2012, p. 32). É por este instrumento que são contabilizados, nos
municípios, os recursos oriundos do confinanciamento Federal, Estadual e Municipal,
destinados aos serviços socioassistenciais.
O FMAS é um fundo especial cuja formação representa parte do Fundo Público
destinado a esta política. Analisá-lo nos dá um bom dimensionamento de como se constitui esta
importante parcela do Fundo Público da Assistência Social, e o papel que cumpre para a
11
Costa (2012) explica que não uma homogeneidade na conceituação de Fundos nas normas e na literatura
especializada, podendo ser encontrados definições com viés orçamentário (presente na lei 4320/64), contábil e de
direito financeiro, contendo ainda subdivisões quanto suas finalidades. O autor destaca ainda uma divisão feita
pelo decreto 93.872/86 (trata da Unificação dos Recursos de Caixa do Tesouro Nacional) tentando consolidar duas
compreensões de Fundo Especial, um de natureza contábil e outro de natureza financeira.
12
Lei que estatui as regras de direito financeiro para elaboração dos orçamentos da União, Estaduais e municipais
e seus balanços. Esta foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, cujo objetivo foi utilizá-la até a
modernização com uma nova legislação que, no entanto, até hoje não aconteceu.
Financiamento da assistência social em Belém: um estudo sobre fundo municipal entre 2006 e 2017
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estrutura desta Política no município. Segundo a Política Nacional de Assistência Social
(PNAS) é um dos instrumentos de gestão financeira da Assistência Social ao lado do orçamento,
sendo expressa na LOA como unidade orçamentária específica, embora seja compósita também
do orçamento da Funpapa (outra unidade orçamentária). Essa complexa combinação, cumpre,
por um lado, relevante papel de planejamento orçamentário do Fundo Público da Assistência
Social no município e por outro acarreta alguns problemas de controle.
Os valores destinados ao orçamento da Funpapa (LOA) representam em sua maior parte
o financiamento da Estrutura, Recursos Humanos e Gestão, enquanto o FMAS representa o
financiamento dos Serviços, Programas, Projetos e Ações, distribuídos entre os diferentes níveis
de proteção
13
. Em média o FMAS representou entre os anos de 2006 e 2017 25,64% do
orçamento da Funpapa, com alta em 2006 (39,99%) e baixa em 2017 (11,77%).
O Fundo Municipal de Assistência Social de Belém foi criado pela Lei n 7857/1997
14
e
desde vem concentrando os repasses feitos da União (FNAS), do Estado (FEAS) e do tesouro
municipal para financiamento dos Serviços Socioassistenciais como determina a LOAS. Tal
processo fez parte da descentralização político, administrativo e financeiro preconizado pela
CF88 e pela nova legislação de Assistência Social. Tal autonomia de gestão local implicou em
dificuldades adicionais à muitos municípios brasileiros no que diz respeito ao cofinanciamento,
como explica Salvador (2010)
Ao mesmo tempo que a Constituição descentralizou a arrecadação tributária
não fez mesmo no tocante às responsabilidades de execução das políticas
sociais, ou seja, ‘não existiu uma correspondência necessária entre
distribuição de encargos a receitas, fazendo com que alguns estados e
municípios não consigam arcar com as novas atribuições (AFFONSO apud
SALVADOR, 2010, p. 182. 2009).
A gestão da Assistência Social em Belém recebeu a incumbência de novos Serviços
Socioassistenciais de competência municipal como os previstos pelo ECA e mais os executados
até então pelo Estado e agora assumidos pelo município, sem que houvesse os devidos estudos
de impacto administrativos e financeiro, acarretando problemas adicionais para o orçamento
municipal, como explica a professora e ex-presidente da Funpapa Sandra Helena Ribeiro Cruz
Concretamente esse processo significou a constituição de mais um problema
para o município por dois motivos: primeiro porque a transferência político-
administrativa dos serviços não precedeu a realização de um estudo ou
diagnóstico sobre a realidade dos mesmos, suas condições de funcionamento
e atendimento. Segundo, porque o processo não pautou, nem de perto, a
questão do financiamento, gerando para o município mais um gasto em suas
13
Embora em alguns casos específicos possa ser utilizado para pagamento de Recursos Humanos.
14
Dispõe sobre a política municipal de assistência social, criação do conselho e do fundo municipal de assistência
social de Belém. Atualizada pela lei 9194/2019, implementando o Sistema Único de Assistência Social do
Município de Belém, porém não utilizada como parâmetro desse estudo dado o período analisado.
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contas, sem nenhuma contrapartida do governo estadual e havendo apenas a
descentralização dos recursos advindos do FNAS para o FMAS, sem nenhuma
atualização monetária no que diz respeito às per capitas, referência de valores
estabelecidos para os serviços assistenciais e financiados pela esfera da União
(Cruz,2003. p. 74, 75).
A ausência de uma legislação que determine percentuais fixos ou mínimos para o
cofinanciamento era (e ainda é) um obstáculo a manutenção da estabilidade do financiamento
da Assistência Social. Assim, os governos Estaduais, com a municipalização, reduziram sua
participação no cofinanciamento, chegando a anulá-la por muitos anos como é o caso de Belém.
O cofinanciamento, por sua vez, é uma forma de compartilhamento do financiamento
entre os três entes governamentais e é previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS
art. Inciso I e § do art. 28) e na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) no sentido
da descentralização político-administrativa-financeira. Porém, são nos dispositivos do SUAS
que esse ganhará operacionalidade definindo critérios de acesso ao Fundo Nacional de
Assistência Social como: I - Conselho de Assistência Social instituído e em funcionamento; II
- plano de Assistência Social elaborado e aprovado pelo Conselho de Assistência Social;
III - fundo de Assistência Social criado em lei e implantado; e IV - alocação de recursos próprios
no fundo de Assistência Social (SUAS, 2012, p. 33).
O cofinanciamento do FMAS está ligado estreitamente ao processo de descentralização
política administrativo inaugurado na Constituição Federal de 1988, quando determina
coparticipação das unidades federativas (União, Estados e Municípios) no processo de
planejamento, gestão e financiamento das políticas sociais, dividindo competências e
responsabilidades entre si
15
.
Salvador (2014) comenta que essa descentralização avançou no início dos anos 2000
com a regulamentações relativas à Saúde
16
, Educação
17
e Assistência Social. Esta última
desde 1993 através da LOAS (Lei 8742/91)
18
que estabelece a descentralização como uma
diretriz ao lado do comando único e da participação social. Contudo, foi a partir da
PNAS/2004 (Res.1451 5/09/2004) e NOB-SUAS/2005 (Res. 130 15/07/2005) e NOB-
SUAS/2012 (Res. 33 11/12/2012) que foram estabelecidas as estruturas que puderam
15
“Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da
lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
(CF -1988).
16
EC 29/2000 “que assegura recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde,
regulamentada em 2011 e que levou a maior participação dos estados e municípios no custeio da saúde” (Salvador,
2014. P. 187).
17
FUNDEB (Lei 11.494/2007) Fundo de manutenção e desenvolvimento da Educação básica e de valorização
dos profissionais da educação.
18
Posteriormente complementada com a Lei 12.435/2011 que incluiu nesta o Sistema Único de Assistência Social
e toda sua estrutura de Gestão e Financiamento.
Financiamento da assistência social em Belém: um estudo sobre fundo municipal entre 2006 e 2017
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operacionalizar os princípios/diretrizes organizativos da Assistência Social.
O cofinanciamento, portanto, é parte da construção democrática da Seguridade Social,
onde os três entes participam de seu financiamento, com planejamento e execução sob controle
social dos Conselhos e das Conferências de Assistência Social. Cada ente assumindo uma
responsabilidade específica, tomando como pressuposto a ideia de que apenas a distribuição
das responsabilidades e envolvimento social e político é possível obter uma abordagem eficaz
das situações enfrentadas. Para Mesquita, Martins e Cruz (2012) todo esse processo agrega
dificuldade técnicas e políticas, entre as quais temos: a indefinição por meio legal dos
percentuais a serem comprometidos pelos entes cofinanciadores e a reduzida participação dos
Estados no Cofinanciamento. Adiante veremos esses e outros problemas ao abordarmos os
dados do FMAS no município de Belém.
Fundo municipal de assistência social: desfinanciamento e estagnação
Quando partimos do orçamento a primeira evidência a ser destacada dos dados é o fato
do Fundo Municipal de Assistência Social ser mantido em maior parte pela União, seguida do
município, enquanto o Estado comparece com valores muito baixos ou nulos
19
. Ao longo dos
anos estudados a União colabora com a maior proporção do cofinanciamento do FMAS, em
média 70,8% do total.
Elaboração do Autor: dados oriundos das Leis Orçamentárias Anuais de 2006 a 2017
Em nossa pesquisa essas cotas variam para a União entre 77% (2016) e 63,9% (2013) e
para Município 37,7% (2014) e 21,3% (2016). Mesquita, Martins e Cruz (2012), ao analisar
19
Autores que identificam esta característica em diferentes estudos para grandes cidades: Colin (2008); Salvador
(2010); Couto et al (2011); Mesquita, Martins e Cruz (2012); Carneiro, Vieira, Araújo (2019); Nascimento, Cruz
& Pontes (2019).
GRÁFICO I - PARTICIPAÇÃO DO
COFINANCIAMENTO DO
FMAS - EM MÉDIA - DE 2006 A 2017
2
E
STADO 1
U
NIÃO
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dados de 2009 do SUASWeb atestam que essa configuração, em que o repasse da União é
consideravelmente superior ao municipal, é característica das metrópoles
20
do Nordeste e Norte
do Brasil. Em especial as metrópoles desta última que ocupam o primeiro lugar com 79% em
média na cota-parte da União sendo repassadas aos fundos municipais (idem, p. 44).
Curiosamente, o cofinanciamento federal cai para menos de 50% para todos os menores
municípios do Norte do Brasil no mesmo ano, cujas arrecadações fiscais são significativamente
menores que das metrópoles. Tal configuração indica que o baixo cofinanciamento dos
municípios, a exemplo de Belém, são fruto de opção administrativa e política dos governos
municipais, não acompanhando a demanda pelo serviço que crescera com a população, a
desigualdade e a exclusão.
Quando analisamos a série histórica 2006-2017 do cofinanciamento do FMAS pelas
Leis Orçamentárias anuais (Tabela 01) e corrigimos pelo IPCA para 2017, vemos uma
involução considerável do cofinanciamento dos 03 níveis da federação, com expressiva
diminuição do cofinanciamento Municipal que perdeu mais de um terço de seu valor em 12
anos (- 35%), seguidos pela União (-13,4%) e pela Estado (-3,2%).
Tabela 01 - Evolução do cofinanciamento do FMAS/Belém pela LOA 2006 a 2017 - Despesas
corrigidas pelo IPCA para 2017 (Valores em R$)
2006
2009
2013
2017
Méd
Var.
UNIÃO
15.036.224,5
12.833.051,8
11.051.478,7
13.021.959
-13,4%
72,7%
71,9%
63,4%
76,5%
70,8%
ESTADO
0
0
0
324.600
-3,2%
0
0
0
1,9%
1,80%
MUNICIPIO
5.657.414,4
5.005.182,8
6.366.390,5
3.679.209
-35,0%
27,3%
28,1%
36,6%
21,6%
28,9%
TOTAL
20.693.638,87
17.838.235
17.417.869
17.025.768
-17,7%
Elaboração própria. Valores oriundos das Leis Orçamentárias Anuais de 2006 a 2017, por meio de cotejamento
das seguintes planilhas: 1 Receita por Categoria Econômica: FUNPAPA (Orçamento Fiscal e da Seguridade
Social); 2 Programa de Trabalho por Unidades: FMAS/ demonstrativos e receitas. (Orçamento da Seguridade
Social).
O enfraquecimento da Assistência Social no município, portanto consolida-se com o seu
desfinanciamento deliberado, acompanhando uma tendência nacional, porém muita mais
acentuada a nível local. O resultado é a estagnação e retrocesso dos serviços socioassistenciais.
A contribuição da cota-parte do Estado durante o período estudado começou em 2014
e representa um valor pouco expressivo em comparação as cota-partes da União e do Município.
20
A classificação de porte de município utilizada pela PNAS é a seguinte: Pequeno I (até 20.000 hab.), Pequeno
II (de 20.001 até 50.000 hab.), Médio (de 50.001 até 100.000 hab.), Grande (de 100.001 até 900.000 hab.),
Metrópole (mais de 900.000 hab.), (PNAS, 2004).
Financiamento da assistência social em Belém: um estudo sobre fundo municipal entre 2006 e 2017
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O que configura uma direta ruptura com o princípio do cofinanciamento estabelecido na PNAS
e levanta o debate da necessidade de estabelecimento legal de uma percentagem mínima
destinada ao financiamento da Assistência Social
21
para as três esferas da federação, como
previsto para saúde e educação.
Diante da ausência de tal legislação os Estados, como nível intermediário da PNAS,
entenderam-se desobrigados a cofinanciarem a Assistência Social. Ainda que tenham a
obrigação normativa de cofinanciar benefícios eventuais, atendimentos de emergência, serviços
regionalizados de proteções sociais e apoio técnicos e financeiro as prefeituras tanto para
serviços quanto para gestão como determina a NOB-SUAS (2005). Ao passo que a União e os
municípios, os principais financiadores, arbitram mudanças orçamentárias que muitas vezes são
deletérias ao desenvolvimento da Assistência Social.
Quando comparamos a projeção das despesas no orçamento aos dados de execução do
FMAS através demonstrativos físico financeiros da Funpapa, vemos algumas alterações
preocupantes a serem observadas. As tabelas 2 e 3 mostram essa comparação entre orçamento
de despesas e execução para Assistência Social ente 2006 e 2017. A primeira coisa a se observar
é a ampla variação, para alguns anos, na execução do cofinanciamento do município, alguns
acima do esperado e na maioria dos outros anos abaixo do esperado.
Na tabela 2 vemos que houve execuções no município acima das despesas orçadas em
2007 (119,9%), 2010 (121,2%) e um abrupto crescimento em 2016 (877,8%) e 2017 (1066,9%).
Segundo técnicos da Diretoria Financeira da Funpapa, 2007/2010 explicam-se pela inclusão de
receitas de reprogramação não executadas no ano anterior e 2016/2017 pela mudança de
metodologia nos registros enviados ao Ministério do Desenvolvimento Social, incluindo para
estes anos as folhas de pagamento da instituição o que provocou essa abrupta alteração. Uma
justificativa que contradiz a legislação que destina os recursos dos Fundos de Assistência Social
majoritariamente para serviços, permitindo a financiamento de Recursos Humanos apenas
alguns casos bastantes específicos.
TABELA 02 – Despesas (LOA) e Execução (Funpapa) do FMAS – Município e União – 2006 a
2017 – Corrigidos pelo IPCA para 2017 (Valores em R$).
MUNICÍPIO
UNIÃO
DESPESAS
(LOA)
EXECUÇÃO
(Funpapa)
%
DESPESAS
(LOA)
EXECUÇÃO
(Funpapa)
%
2006
5.657.414,4
5.069.540,32
89,6%
15.036.224,5
12.314.662,74
81,9%
2007
4.699.697
5.634.780,58
119,9%
13.539.777,3
----------
----------
21
Recomendação feita pela V Conferência Nacional de Assistência Social em 2005 cujo proposta de
financiamento partiria de 5% a curto prazo até 10% em longo prazo. Tal recomendação foi encaminhada via Projeto
de Emenda Constitucional 431/01 pelos Deputados Eduardo Barbosa, Ângela Guadagnin e outros.
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2008
4.091.444
2.861.847,19
69,9%
12.736.533,4
----------
---------
2009
5.005.182,8
5.005.182,83
100,0%
12.833.051,8
9.045.307,27
70,5%
2010
5.169.995,5
6.263.808,95
121,2%
9.747.340,0
8.901.710,31
91,3%
2011
5.561.704,0
5.062.894,30
91,0%
13.073.884,5
9.176.227,18
70,2%
2012
5.714.705,6
4.965.036,75
86,9%
12.048.164,7
11.069.248,93
91,9%
2013
6.366.390,5
3.218.557,34
50,6%
11.051.478,7
2.111.417,59
19,1%
2014
6.587.322,2
4.284.259,46
65,0%
10.895.900,5
6.480.405,81
59,5%
2015
5.118.095,1
4.771.774,58
93,2%
13.090.231,5
118.888,96
0,9%
2016
4.207.674,5
36.936.340,81
877,8%
15.239.005,3
5.434.873,48
35,7%
2017
3.679.209
39.251.804,93
1066,9%
13.021.959
8.135.163,78
62,5%
Elaboração do autor. Fonte: Despesas na Leis Orçamentárias Anuais (LOA) e Demonstrativos Físico Financeiro
do FMAS (Funpapa/SUASweb) para execução – 2006 a 2017.
Para os demais anos que ficam a abaixo na execução das despesas (2006, 2008, 2011,
2012, 2013, 2014, 2015) a média de execução é de 77,34%, variando entre 50,6% em 2013 e
93,2% em 2015. Tais índices demonstram um subaproveitamento de 1/3 (um terço) do valor
cofinanciado por Belém destinados aos serviços de Assistência Social. Valores que não
apareceram na reprogramação para anos posteriores nos Demonstrativos Físico-Financeiros da
Funpapa, como aparecem para os repasses não executados oriundos da União (via FNAS). O
que aparentemente desobedece ao art. 73 da Lei 4320/64 onde afirma que “salvo determinação
em contrário da lei que o institui, o saldo positivo do fundo especial aperado em balanço será
transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo”. São recursos reaplicados,
provavelmente, em outras despesas municipais do mesmo exercício ou tomadas como parte dos
resultados primários do orçamento
22
. Nenhuma das duas hipóteses pôde ser provada analisando
apenas os instrumentos orçamentários, ficando além dos objetivos dessa pesquisa, mas
ensejando uma importante preocupação que diz respeito ao desvio de finalidades dos recursos,
alimentada pela negligência com a esta política pública e baixa capacidade de planejamento e
gestão dos recursos.
Segundo Bassi (2019), os Fundos Especiais tal como o FMAS, com a modernização da
administração financeira das contas do tesouro e a política de austeridade fiscal expressas na
Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei 101/2000) e outras, perderam força como instrumento de
vinculação e não mais garantem a integridade dos recursos. Tais legislações abriram brechas no
ordenamento jurídico sobre finanças públicas, excluindo os fundos especiais das exceções
previstas quando da exigência de contingenciamento de gastos.
Os fundos especiais não se constituem em uma blindagem às regras fiscais
22
Resultado Primário: saldo entre receitas e despesas primárias (MTO,2007). Representa a economia fiscal que o
governo se disporá a alcançar, o esforço do gestor com o objetivo de amortizar a dívida pública.
Financiamento da assistência social em Belém: um estudo sobre fundo municipal entre 2006 e 2017
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vigentes. Sendo assim, também se submetem ao contingenciamento de
despesas, de modo a enquadrar o orçamento anual tanto à meta de resultado
(Resultado Primário) como à meta de gastos (ibidem, p. 24).
O autor menciona outras formas de desvios orçamentário que fagocitam os Fundos
Públicos especiais, como o emprego de Reservas de Contingência para gastos suplementares
no orçamento que, apesar de serem utilizados apenas com autorização do legislativo,
incrementam o poder político e discricionariedade do executivo em cortar recursos das
políticassociais. O resultado primário positivo e reservas de contingência são, segundo Bassi
(2019,) instrumentos pensados para contornar a norma constitucional que orienta o emprego
do orçamento da Seguridade Social exclusivamente para as políticas de Seguridade Social,
desviando o Fundo Público para outras áreas do orçamento como amortizações, arrolagens e
pagamentos de juros da dívida pública. Sendo, estes, fortes indícios do que Salvador (2012,
2015, 2017), Behring (2012) e Boschetti & Salvador (2006) nomeiam como Financeirização
das Políticas de Seguridade Social, potencializadas com o receituário neoliberal empregado
pós-constituição.
Quando passamos à cota-parte da união (Tabela 2) cujo montante representa em média
70,8% do cofinanciamento do FMAS, a situação apresenta-se mais preocupante ainda, pois
detém uma execução em média de 58,34%. Embora esses valores, diferente da cota-parte
municipal, permaneçam no FMAS, sendo reprogramados para anos posteriores, sua reduzida
taxa de execução demonstra a baixa capacidade de planejamento e gestão dos recursos diante
de um déficit histórico de Assistência Social e de uma demanda crescente por esses
atendimentos. Esse déficit na execução também faz reduzir os repasses posteriores da União,
que indicam contabilmente que não estão sendo necessários.
A baixa capacidade de planejamento e gestão, aliás, é a terceira razão que Bassi (2019)
ressalta, como explicação da não execução do que foi orçado. Esta hipótese é muito difícil de
comprovar-se apenas pela análise de orçamentos, sendo necessário comparações entre
planejamentos e as execuções da secretaria de finanças, que fogem ao escopo deste trabalho.
Os números do cofinanciamento do Estado (Tabela 3), aferidos do demonstrativo
sintético anual de execução físico financeiras (FUNPAPA), por sua vez, atestam sua
contribuição ao FMAS a partir de 2014, com ínfimos R$ 24.390,45, embora tenha rubrica
registrada no orçamento (LOA) só a partir de 2016. Três coisas se destacam desses dados: 1 - a
manifesta incongruência entre fonte de dados quanto o ano de início do repasse; 2 - o baixo
volume de previsão de despesas; e 3 - a baixa execução para 2016 e 2017 quando obtemos a
média de 29,3%, um montante bem abaixo do já muito baixo recurso orçado.
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TABELA 03 – Despesas (LOA) e Execução (Funpapa) do FMAS – Estado – 2006 a 2017 –
Corrigidos pelo IPCA para 2017. (Valores em R$).
2014
2015
2016
2017
DESPESAS (LOA)
00,00
00,00
335.170,00
324.600,00
EXECUÇÃO
(Funpapa)
24.390,45
4.624,32
91.871,15
101.348,03
%
-
-
27,4%
31,2%
Elaboração do autor. Fonte: Leis Orçamentárias Anuais 2006 a 2017 (Receitas) e Demonstrativos Físico
Financeiro do FMAS (Funpapa/SUASweb).
Como anteriormente mencionado os Estados, a exemplo do Pará, secundarizam o
investimento em Assistência Social, cuja participação prevê papel específico. Segundo
Mesquita, Martins & Cruz (2012), este fenômeno é observável em todo o Brasil com ligeiras
variações, estando, no entanto, a Região Norte entre os piores índices de cofinanciamento
estadual para os municípios.
A participação dos recursos estaduais nos FMAS variou entre 0% e 11% em 2009. O
melhor desemprenho desta participação encontra-se na região sudeste, onde a participação de
recursos do FEAS no financiamento dos serviços socioassistenciais varia entre 6% a 11%.
Porém, o cofinanciamento estadual esteve praticamente ausente nos municípios do Norte,
Nordeste e Sul do país (Ibidem, p. 45).
O que notamos desta averiguação do FMAS foi um deliberado desfinanciamento dos
serviços socioassistenciais que decresceu 17,7% no geral (destacando-se o município que
reduziu 35% de seu repasse ao FMAS) e o enfraquecimento da PMAS nos 12 anos analisados.
Curiosamente os Planos Municipais de Assistência Social de Belém disponíveis (2007-2009 e
2014-2017
23
), que legalmente deveriam orientar o planejamento e a execução, não tratam o
tema do financiamento como eixo estratégico, limitando-se a informar os montantes planejados
previamente pela gestão municipal, sem especificar diretrizes que resguardem os investimentos
e sua evolução de acordo com a PMAS e as necessidades demandadas pela população
24
.
Com o decrescimento no cofinanciamento do FMAS abre-se o caminho para a
estagnação e/ou redução dos serviços socioassistencias no município como observado no
relatório de gestão da Funpapa (2005-2012) que mostrou a abertura em 2010 do último dos 12
23
Não foi disponibilizado pela Funpapa o Plano Municipal de Assistência Social referente ao Período de 2010 a
2013. Segundo Núcleo Setorial de Planejamento (NUSP) da Instituição não houve Plano Municipal Durante esse
período. Fato surpreendente, confirmado pelo Conselho Municipal de Assistência Social, posto que o Plano é um
instrumento condicionante para repasses dos recursos do Fundo Nacional de Assistência Social.
24
A fragilidade técnica e política do Conselho Municipal de Assistência Social também é um fator importante para
entender essa dinâmica da falta de efetividade do controle social na elaboração e acompanhamento do
financiamento da Assistência Social em Belém. O que demonstra a pouca efetividade dos planos de Assistência
Social, no que diz respeito ao financiamento, acabando por se tornarem apenas documentos de intenção e não
diretrizes para condução da Assistência Social no Município, como estabelece a normativa da PNAS e do SUAS.
Financiamento da assistência social em Belém: um estudo sobre fundo municipal entre 2006 e 2017
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Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), embora haja, segundo Diagnóstico
Socioterritorial de Belém (Funpapa, 2017) a demanda por 29 dessas unidades que são a porta
de entrada do SUAS e instrumento de prevenção de riscos e vulnerabilidades sociais nos
territórios.
Observa-se que, para o município de Belém, por ser de Porte 3 Metrópole
(mais de 900.000 habitantes), as diretrizes nacionais estabelecem a exigência
de um CRAS para 5.000 famílias referenciadas sendo que, considerando a
existência segundo o IBGE 2010, de 143.356 famílias em condições de
vulnerabilidade social, Belém necessitaria de um total de 29 CRAS, havendo,
portanto, a necessidade de implantação de mais 17 (Funpapa, 2017. p.59).
Uma defasagem preocupante, ainda mais quando olhamos os índices de renda per capita
(IDHM) e pobreza multidimensional (IPM) do município de Belém colocando-a entre as
últimos capitais e grandes cidades em termos de desenvolvimento humano
25
. Fato também
observado nas taxas de inclusão de famílias no Cadastro Único para Programas Sociais
(Cadúnico)
26
para Belém entre 2006 e 2017 (tabela 04), cujo crescimento foi de 160,13%
(Tabela 04). Ou seja, mais que o dobro de famílias candidatas aos programas sociais na cidade,
enquanto houve um decrescimento de investimentos no FMAS dos três níveis de Estado.
TABELA 04- Evolução dos registros no Cadúnico, PBF e BPC em Belém – entre 2006 e 2017.
2006
2007
2008
2009
2010
2011
CADÚNICO
(Família)
71.631
75.724
85.136
89.799
106.571
116.686
PBF (Família)
65.727
65.466
67.128
77.686
81.270
84.201
BPC (indivíduos)
32.674
37.020
39.891
43.226
45.831
47.512
2012
2013
2014
2015
2016
2017
Variação
CADÚNICO
(Família)
127.790
139.502
160.861
157.568
165.420
186.333
160,13%
PBF (Família)
85.853
93.755
101.226
111.324
113.138
113.689
72,97%
BPC (indivíduos)
46.537
47.896
49.862
52.618
53.970
54.827
67,80%
Elaboração do autor, a partir de dados do CECAD 2.0 - Consulta, Seleção e Extração de Informações do
CadÚnico, no site do Ministério da Cidadania.
Considerações finais
O Fundo Público é hoje um dos principais elementos políticos e econômicos da
sociedade. Está representado num amplo rol de ações e omissões do Estado na aplicação de
25
egundo Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil (2017) Belém têm um IDH-M 0,746, numa escala que vai
de 0 a 1, o que para padrões do Índice é considerado alto. Contudo por representar uma média, não é capaz de
expressar as desigualdades multidimensionais e perenes do município.
26
adúnico foi um cadastro criado pelo governo federal para formar um banco de dados sobre pobreza e extrema
pobreza no país. Foi criado por meio de decreto 9364/2001, se consolidando como ferramenta a partir da
implantação de do Programa Bolsa Famílias (PBF) em 2003.
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suas políticas públicas. Estudá-lo a partir de uma perspectiva crítica, nos possibilita maior
compreensão desse fenômeno, qualificando a luta política e ideológica travada na sociedade. A
história da Assistência Social, como das demais políticas sociais, não pode ser contada e
analisada sem nos referirmos a este elemento central da sua estruturação e vigência. Os estados
sociais que emergiram no século XX, puderam existir, como destaca Salvador (2010),
quando houve uma tributação robusta e rigorosa, que conferisse solidez a formação e
distribuição do Fundo Público.
Assim também foi no Brasil no período desenvolvimentista entre as décadas de 1930 a
1980, onde o Estado foi protagonista no processo de industrialização, urbanização e
implantação de Políticas Sociais, fortalecendo seu Fundo Público através de uma estrutura
tributária que avançou sobre as rendas e os lucros de pessoas físicas e empresas, além dos
empréstimos externos e o uso da empresa pública (Draibe, 2004).
Hoje a Assistência Social que tentamos interpretar é uma das manifestações do Fundo
Público e fruto de uma construção histórica, que expressa na contemporaneidade disputas
políticas e econômicas trazidas do passado, atualizada com problemas do presente e do futuro.
É fruto da luta de classes, da exigência de reparação às mazelas sociais do capitalismo que
explora o trabalho – e descarta sistematicamente aqueles que não lhes são úteis –, mas também
da necessidade de contenção da força política da classe trabalhadora.
No Brasil, a partir da década de 1990, a Assistência Social estará sobre novas diretrizes
com sua inserção na Constituição Federal de 1988 e aprovação da LOAS em 1993. Ao mesmo
tempo em que se instalará de forma estrutural o novo paradigma neoliberal que tem como um
de seus pressupostos a apropriação do Fundo Público. Os ajustes fiscais passaram a ser a regra
do jogo (Behring, 2021) e com seu insidioso poder de apropriação vai corroendo, com
artimanhas jurídicas e fiscais, os recursos destinados as políticas sociais.
Os municípios são elo final, em termos de Estado, em que esses mecanismos se
reproduzem e afetam as políticas públicas locais. Em Belém o Fundo Especial da Assistência
Social é diretamente influenciado, dado: 1 – a descentralização do cofinanciamento e da gestão,
tendo seu orçamento composto em 1/3 por repasses federais através do FMAS; 2 – Os gatilhos
impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, reservando parte do Fundo Público para
amortização e rolagem da dívida pública.
O objetivo desse estudo foi lançar luz sobre o comportamento dos recursos destinados
a Assistência Social e sua gestão durante o período considerado, que coincide com a
implantação do SUAS no município. E identificar padrões e tendências no financiamento, mais
especificamente dos gastos. Observamos um subfinanciamento diante da demanda e do que
Financiamento da assistência social em Belém: um estudo sobre fundo municipal entre 2006 e 2017
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prevê as normativas do SUAS implicando num déficit de unidades de Proteção Básica e
Especial. Com um declínio de cofinanciamento pelas três esferas de governo, com destaque
para o município, que teve a maior redução, mesmo que seu repasse seja muito menor que a
cota-parte da União. O que percebemos foi uma disputa entre as normativas do presente e as
práticas do passado, envolvidas num cenário de usurpação do Fundo Público via intervenção
do próprio Estado.
A nova condição de política de Seguridade Social, fez da Assistência Social uma
promessa como ão blica sistemática, integrando a rede de serviços sociais pensada para
mitigação da questão social gerada, principalmente, na exclusão pelo trabalho. As disputas pela
concepção de Assistência Social estão atualizadas e expressas no formato da nova estrutura,
embora saiamos os avanços que representaram a implantação do SUAS. Portanto, investigá-la
sob o entendimento da economia política do capital em sua fase neoliberal nos permite entender
os liames do seu possível desenvolvimento, localizar corretamente as disputas sobre sua
concepção e pensar as estratégias de resistência.
Neste trabalho pretendemos colaborar com esse propósito, ainda que com os limites
observáveis. Ficaremos satisfeitos se contribuirmos para compreensão da Assistência Social e
seu financiamento no município, cujo embaralhamento (proposital ou não) nos impede de
enxergar corretamente as soluções que levem em consideração os direitos humanos. E ajude a
embasar os atores políticos, trabalhadores, usuários e gestores, a reorientarem o caminho de
consolidação desta Política Pública tão importante para justiça social e para a democracia.
Sites visitados união
CECAD 2.0 - Ministério da Cidadania
https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/cecad20/agregado/resumovariavelCecad.php?uf_ib
ge=15& nome_estado=PA+-
+Par%C3%A1&p_ibge=1501402&nome_municipio=Bel%C3%A9m&id=79
SUASWEB - Ministério da Cidadania Sistemas de Autenticação e Autorização (SAA)
https://aplicacoes.mds.gov.br/saa-web
Glossário do Portal da Transparência http://www.portaltransparencia.gov.br/glossario
Calculadora do IBGE para atualização da inflação/IPCA :
https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD (IBGE)
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9127-pesquisa-nacional-por-
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Orçamentária Anual http://www.belem.pa.gov.br/transparencia/?page_id=605
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Resumo Resumido de Execução Orçamentária (RREO) 2012 a 2017
http://www.belem.pa.gov.br/transparencia/?page_id=886#1495121549153-3ad4ab7e-
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Avulsos
Atlas do desenvolvimento humano no Brasil http://www.atlasbrasil.org.br/
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home.html
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