DOI 10.34019/1980-8518.2022.v22.35122
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 22, n.1, p. 274-288, jan. / jun. 2022 ISSN 1980-8518
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Karl Marx diante da miséria e da constituinte
alemãs em 1848
Marx on German misery and constitutionalism in 1848
Vitor Bartoletti Sartori*
Resumo: a partir da análise da diferença das
abordagens marxianas do Manifesto e da Nova
Gazeta Renana, explicitaremos como que Marx
vem a dar um destaque maior à democracia no
periódico que dirige. Ele mostra como que a
especificidade alemã, marcada pela
reconciliação do velho com o novo, traz uma
constituinte que poderia trazer possibilidades às
lutas dos trabalhadores, mas que acaba por
redundar na chancela da contrarrevolução.
Palavras-chaves: Marx, revoluções de 1848,
miséria alemã, Nova Gazeta Renana,
constituição
Abstract: from the analysis of the difference
between the Marxian analyzes of the Manifest
and the New Rhenish Gazette, we will explain
how Marx has highlighted democracy in the
journal he directs. He shows how the German
specificity, marked by the reconciliation of the
old with the new, brings a constituency that
could bring possibilities to the workers'
struggles, but which ends up resulting in the seal
of counter-revolution.
Keywords: Marx, revolutions of 1848, German
misery, New Rhenish Gazette, Constitution
Recebido em: 02/08/2021
Aprovado em: 16/02/2022
Introdução
O ano de 1848 é emblemático na história da sociedade capitalista. Momento de
revoluções, e de guerras, trata-se, não de época em que se tem, como quer Hobsbawm, os
últimos suspiros da grande revolução francesa de 1789, mas também “foi, no sentido literal, o
* Professor da faculdade de Direito da UFMG ligado ao departamento de Direito do trabalho e introdução ao
Direito. Experiência na área de História, teoria da História, Filosofia, Filosofia política, Teoria e Filosofia do
Direito, tendo como foco a relação entre os temas abordados em tais áreas para a conformação da historicidade
moderna.
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insurgimento dos trabalhadores pobres nas cidades especialmente nas capitais da Europa
Ocidental e Central.” (HOBSBAWM, 2002, p. 420) Ou seja, o momento é bastante dúbio na
história europeia: ao mesmo tempo, tem-se, de um lado, algo que se coloca claramente no
ímpeto do momento mais progressista da burguesia (Cf. LUKÁCS, 2020), aquele que se
expressa no sentido da democracia revolucionária. (Cf. LUKÁCS, 2007) Doutro lado, porém,
aparece a contestação à própria sociedade capitalista e ao modo pelo qual ela se explicita
politicamente. E, assim, o clamor dos trabalhadores – de todo o mundo, e não só da Europa, de
acordo com o Manifesto poderia ser aquele por meio do qual se busca uma situação na qual
“no lugar da sociedade civil-burguesa antiga, com suas classes e antagonismos de classe,
teremos uma associação na qual o desenvolvimento livre de cada um é a condição para o
desenvolvimento livre de todos. (MARX; ENGELS, 1998 a, p. 45) Ou seja, as revoluções
de 1848 pareciam favorecer a passagem que dependeria de um salto qualitativo da
organização da sociedade civil-burguesa, e das tensões que aparecem no processo envolvido
nisto, para a negação desta própria forma de sociedade, que engendra estas contradições.
Dizem Marx e Engels no Manifesto, texto de 1848, que:
A burguesia vive em luta permanente; primeiro, contra a aristocracia; depois,
contra as frações da própria burguesia cujos interesses se encontram em
conflito com os progressos da indústria; e sempre contra a burguesia dos
países estrangeiros. Em todas estas lutas, vê-se forçada a apelar para o
proletariado, a recorrer a sua ajuda e desta forma arrastá-lo para o movimento
político. A burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria
educação política, isto é, armas contra ela própria. (MARX; ENGELS, 1998
b, p. 48)
Neste cenário, em que a palavra de ordem “proletários de todos os países, uni-vos”
(MARX; ENGELS, 1998 b, p. 69) seria essencial, as revoluções estavam espalhadas pela
Europa. De acordo com os autores alemães, o modo pelo qual a organização política burguesa
ocorria levava, em termos gerais, à organização de seu antagonista, do proletariado. As lutas da
burguesia, portanto, no limite, minariam as possibilidades progressistas de sua própria classe
social pois, ao fim, “as armas com as quais a burguesia abateu o feudalismo, voltam-se contra
a própria burguesia.” No que continuam Marx e Engels: “mas ela não forjou as armas que
trazem a morte para si própria, como também criou os homens que irão empunhar essas armas:
a classe trabalhadora moderna, o proletariado.” (MARX; ENGELS, 1998 a, p. 19) A ênfase do
Manifesto, assim, está, de um lado, na peculiar dialética pela qual o desenvolvimento burguês
levaria à crise do domínio de classe da burguesia. Doutro lado, porém, este texto de 1848
destaca a necessidade de uma tomada de posição internacionalista por parte do moderno
proletariado, que começa a se destacar nacionalmente. Ou seja, o ano de 1848 marca uma
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história que se coloca como tendencialmente mundial, primeiramente, a partir da Europa. A
organização dos trabalhadores no sentido da crítica ao domínio do capital, portanto, deveria ser
igualmente mundial, rompendo com qualquer provincianismo.
Há, porém, outro aspecto a ser destacado neste mesmo ano: a necessidade de apreensão
da especificidade nacional de cada país. Isto aparece no Manifesto, certamente. Porém, é visível
de modo muito mais evidente na Nova Gazeta Renana, da mesma época.
No presente texto, a partir daquilo que José Chasin (2009) chamou de análise imanente,
procuraremos explicitar as determinações mais gerais da especificidade do desenvolvimento da
revolução alemã em 1848. Depois de analisar os posicionamentos de Marx presentes
sobretudo na Nova Gazeta Renana sobre o assunto, buscaremos deixar claro este aspecto que,
no campo da exposição, não é tão central ao Manifesto comunista.
A miséria alemã, a constituinte e a reconciliação com o velho na revolução alemã de 1848
Como editor da Nova Gazeta Renana, Marx não se atém a tratar das revoluções de 1848
na Alemanha. Ele e Engels passam pelo cenário na França em que primeiramente tais
revoluções se apresentam em março e, em um segundo momento, em junho e por diversos
outros países europeus, como a Polônia, a Áustria, a Hungria, a Dinamarca, entre outros. E,
assim, um elemento que salta aos olhos de imediato no periódico que aqui analisamos é que,
mesmo que parta da região mais moderna na Alemanha (a Renânia, em oposição à Prússia), a
dimensão daquele periódico que se coloca como “órgão da democracia” é explicitamente
internacional. O cenário europeu seria essencial para poder tratar da própria oposição entre as
classes sociais em cada um dos países, não porque, como destacam os autores alemães, a
Prússia, a Rússia e a Áustria estariam coligadas em um esforço contrarrevolucionário; ter-se-ia
que destacar essa Santa Aliança russo-prussiano-austríaca. Mas seria preciso complementar
também: “e o que sustenta essa Santa Aliança? A divisão da Polônia, da qual todos os três
aliados tiram proveito.(ENGELS, 2020, p. 239) Ou seja, as relações internacionais no caso,
vistas ao passo que se passa pela situação da Polônia precisariam ser vistas cuidadosamente
para explicar a situação na qual a Prússia adquire um caráter reacionário no nível nacional, e
em que “o governo prussiano, em geral, sempre soube submeter a classe oprimida
simultaneamente às relações feudais e às relações burguesas modernas, tornando, assim, o jugo
duas vezes mais pesado.” (ENGELS, 2020, p. 225) Ao tratar das revoluções na Alemanha,
portanto, tanto Marx quanto Engels veem-se obrigados a passar pela especificidade de seu país
que, aliás, ainda o estava unificado propriamente (Cf. LUKÁCS, 2020) tanto ao
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compreender a situação interna quanto ao analisar relações exteriores, tendo em conta
complexas relações de oposição no nível europeu.
A Nova Gazeta Renana, assim, diz-se órgão da democracia e se põe politicamente na
esfera pública alemã. Porém, faz isto com profundas críticas às ilusões que marcavam o partido
democrático oposto ao partido absolutista
1
ao reconhecer as derrotas sofridas: “não
procuraremos dourar derrotas sofridas com ilusões enganosas. O partido democrático sofreu
derrotas.” (MARX, 2020, p. 75) Parte essencial daquilo que o órgão da democracia deveria
fazer seria explicar as razões destas derrotas, a fim de possibilitar a vitória da democracia sobre
o anacronismo da conformação alemã de 1848. E, assim, diz Marx sobre o periódico que dirige
que ele poderia se configurar como órgão da democracia ao criticar os atos do próprio partido
democrático, e a consequência destes últimos. Diz nosso autor que a revolução alemã de março
de 1848 traz vitórias ao partido democrático, mas seria necessário reconhecer explicitamente
as dimensões delas:
Espera-se geralmente de todo novo órgão da opinião pública: entusiasmo pelo
partido cujos princípios professa, confiança incondicional na sua força,
contínua disposição, seja para recobrir os princípios com a força efetiva, seja
para embelezar com o brilho dos princípios a fraqueza efetiva. Não
corresponderemos a esta exigência. [...] O partido democrático sofreu
derrotas; os princípios que proclamou no momento de seu triunfo são postos
em questão, o terreno que efetivamente conquistou é-lhe disputado palmo a
palmo; já perdeu muito, e em breve se perguntará sobre o que ainda lhe resta.
Importa-nos que o partido democrático tome consciência de sua situação.
(MARX, 2020, p. 75)
Para que o partido democrático tomasse consciência de tal cenário, seria necessário
compreender a especificidade da miséria alemã. (Cf. LUKÁCS, 2020) E, em meio a isto, dever-
se-ia situar a Alemanha na dimensão inicialmente europeia das revoluções de 1848. O país
cujos filósofos não tardavam a pensar a partir da necessidade de um Estado político
2
(Cf.
MARX; ENGELS, 2007) é aquele em que a política aparece de modo bastante distinto do
modelo clássico francês. E as vestes da Revolução Francesa pareciam ser aquelas das
revoluções de 1848 (Cf. MARX, 2011); assim, se Marx destacava desde 1844 que “o período
clássico do intelecto político é a Revolução Francesa” (MARX, 2010, p. 62), é necessário
1
Não podemos analisar com cuidado o tema, mas é preciso que se destaque rapidamente que a concepção de Marx
e de Engels de partido é diferente da atual e daquela consolidada na tradição marxista a partir do debate com Lenin.
No caso, os autores do Manifesto comunista trata-se de uma tomada de posição concreta diante de questões
políticas pungentes de uma época. O partido democrático, com o qual a Nova Gazeta Renana debate
constantemente, estaria imbuído dos interesses das classes trabalhadoras e de parcela da burguesia e trazia a
oposição entre o povo e os endinheirados como algo essencial. Trata-se, assim, de organizações de classe que
tomam uma posição concreta diante de determinada situação política nacional.
2
Para uma análise da crítica ao Estado político no pensamento de Karl Marx, Cf. SARTORI, 2020.
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compreender a especificidade da política alemã, também, ao compará-la com as vestes que
parecem ser naturais ao ano de 1848.
Ao analisar o ministério Camphausen, Marx não deixa de trazer este aspecto:
É sabido que a Assembleia Nacional francesa de 1789 foi precedida de uma
Assembleia de Notáveis, uma assembleia de composição estamental como a
Dieta Unificada prussiana. No decreto pelo qual convocava a Assembleia
Nacional, o ministro Necker referia-se ao desejo, expresso pelos notáveis, de
convocar os Estados Gerais. O ministro Necker teve uma vantagem
significativa sobre o ministro Camphausen. Ele não precisou esperar a
Tomada da Bastilha e a queda da monarquia absoluta para ulteriormente atar,
com uma doutrina, o velho ao novo, a fim de laboriosamente manter a
aparência de que a França chegara à nova Assembleia Constituinte através
dos meios legais da antiga Constituição. Teve ainda outra vantagem. Era
ministro da França, e não ministro da Alsácia-Lorena, ao passo que o sr.
Camphausen não é ministro da Alemanha, mas da Prússia. (MARX, 2020, p.
88)
A Dieta Unificada prussiana ainda seria estamental, não chegando a representar as
oposições entre as classes sociais de modo direto. Deste modo, ela explicitaria os privilégios de
determinados estamentos, em uma situação anterior ao “triunfo de uma nova ordem social”,
indissociável da vitória “do direito burguês sobre os privilégios medievais”. (MARX, 2020, p.
324) Assim, as relações feudais e as relações burguesas modernas convivem na Alemanha
mesmo que seja convocada uma Assembleia Constituinte. Se na França uma assembleia de
caráter estamental foi varrida pela constituinte, trazendo consigo o domínio do direito burguês,
na Alemanha, isto não ocorre: os privilégios medievais são elevados a um patamar superior ao
passo que a Assembleia Nacional é trazida por Camphausen como algo que não pode romper
com a assembleia estamental e que, assim, traz a reconciliação do velho com o novo.
A peculiaridade da situação é destacada por Marx ao passo que, se Necker trazia ilusões
que logo seriam derrubadas pelo processo revolucionário, Camphausen procura fazer do
processo revolucionário uma ilusão. Diante do povo, tem-se uma situação que aparecia do
seguinte modo: a Assembleia nacional se desenvolve de tal modo que se conforma como
“representação da burguesia prussiana, como Assembleia Ententista”; no que continua Marx:
ela “fez o acontecido desacontecer. Ela proclamou em voz alta, diante do povo prussiano, que
ele não tinha se entendido com a burguesia para fazer a revolução contra a Coroa, mas que
havia feito a revolução para que a Coroa se entendesse com a burguesia contra ele mesmo!”
(MARX, 2020, p. 327) Se a constituinte francesa foi o fruto do triunfo da Revolução Francesa,
o mesmo não pode ser dito no caso alemão.
O elemento estamental reconcilia-se com as classes sociais da moderna sociedade civil-
burguesa tendo-se uma Assembleia Nacional com forte conotação provinciana e, no caso,
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prussiana. Camphausem, ao fim, seria ministro da Prússia. E, deste modo, o terreno do Direito,
que, na França, bem como nas “Revoluções do tipo europeu” (MARX, 2020, p. 324), foi
profundamente progressista, é levado a uma situação específica em que “o terreno do Direito,
na verdade, é o terreno do Direito prussiano.” (MARX, 2020, 327)
Este caráter anacrônico do desenvolvimento alemão se deve, também, a uma
situação em que “a burguesia alemã tinha se desenvolvido com tanta indolência, covardia e
lentidão” restando uma situação em “que, no momento em que se ergueu ameaçadora em face
do feudalismo e do absolutismo, percebeu diante dela o proletariado ameaçador, bem como
todas as frações da burguesia, cujas ideias e interesses são assemelhados aos do proletariado.”
(MARX, 2020, p. 324) Tratar-se-ia, portanto, de superar tanto relações feudais quanto
burguesas modernas. Porém, de acordo com Marx, o partido da democracia era incapaz de se
colocar de modo decidido neste sentido, rendendo homenagens, mesmo que de modo menos
vergonhoso que Camphausen, ao velho.
Neste cenário, após as jornadas de julho, a Assembleia se instaura em Berlim em um
primeiro momento, trazendo uma marca profundamente prussiana sob um ímpeto que vem a se
tornar revolucionário por vias tortas, em oposição ao caráter popular das jornadas, que, tal qual
o junho parisiense, traz as massas à ação. Tem-se a inserção no terreno da revolução somente
pois também o terreno contrarrevolucionário e revolucionário.” (MARX, 2020, p. 318) As
peculiaridades do desenvolvimento alemão explicitam-se ao passo que a Assembleia Nacional,
que decorre da Revolução de março, mas que se coloca em Berlim depois de julho, torna-se, ao
fim, explicitamente um instrumento da contrarrevolução. Somente desta maneira a constituinte
alemã está no terreno da revolução. Ela inverte o sentido progressista da política contraditória
que foi efetiva na Revolução Francesa. E, deste modo, diz Marx ironicamente: “Berlim tem
agora seu Comité de Sûreté Générale, tal como Paris em 1793. Com a única diferença de que o
comitê parisiense era revolucionário e o berlinense é reacionário. (MARX, 2020, p. 90)
Tem-se, assim, algo muito peculiar: a manutenção da hegemonia prussiana significa, ao
mesmo tempo, a transformação da constituinte no instrumento de reconciliação do velho com
o novo. Trata-se, segundo Marx, de algo que não pode ser realizado a não ser de modo
revolucionário. Porém, a questão se apresenta ao passo que a revolução se transforma
crescentemente em contrarrevolução. Da comparação com a situação francesa na Revolução
Francesa, Marx explicita o caráter reacionário do domínio prussiano e o modo sui generis como,
mesmo na Assembleia Nacional, a miséria alemã se reproduz e faz com que uma reconciliação
não seja um processo pacífico, mas algo muito distinto e que escapa ao terreno do Direito para
se colocar também no terreno da revolução. Ao tratar da Alemanha, portanto, comparações
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com o caso clássico, que se deu na França. Mas o editor da Nova Gazeta Renana não se
defendendo simplesmente uma adequação ao modelo francês, seja ele de 1789 ou de 1848. Ao
analisar a conformação específica da Alemanha, ele tem em conta a posição do país na Europa,
a maneira concreta como as classes sociais se relacionam no território alemã, bem como o
sentido particular da política e do Direito (no caso, vistos na constituinte) em uma formação
social específica. E, assim, a posição marxiana sobre a questão traz um lado essencial de sua
análise política, aquele que enfatiza a especificidade de cada caso concreto. Trata-se, ao
compreender as relações políticas, de análises da própria realidade, a qual precisa ser vista em
sua complexa tessitura e sem quaisquer esquematismos.
A Assembleia de Frankfurt, o terreno do Direito e da revolução na Alemanha
Diante da presença do povo revolucionário em Berlin, cria-se um comitê responsável e
“o comité iniciou sua atividade reacionária, intimando a suspender a passeata popular ao
túmulo dos combatentes mortos em março [...] porque era uma manifestação, e manifestações
são sempre prejudiciais.(MARX, 2020, p. 91) E, assim, o comitê advindo da revolução de
março o é tanto algo análogo ao enérgico comitê de segurança pública da Revolução
Francesa. Colocando-se ao lado da contrarrevolução, admite-se que as manifestações populares
são contrárias àquilo que consolidaria as conquistas do movimento político anterior. A
constituinte, assim, vem a se tornar a institucionalização da reação e, assim, coloca-se em
Frankfurt e alheia àqueles que impulsionaram a revolução de 1848 e que tentavam dar um
caráter ativo e revolucionário à Assembleia Nacional. Ao invés de se dissolver de modo
revolucionário a Dieta Federal, marcada por vícios feudais, uma clara reconciliação com o
governo, que, de acordo com Marx, estaria à espreita e, a qualquer momento, poderia utilizar
as baionetas.
Tal situação é descrita na Nova Gazeta Renana nos seguintes termos:
A mera existência de uma Assembleia Nacional Constituinte não significa que
não existe mais Constituição? Mas, se não existe mais Constituição, não existe
mais governo. Se não existe mais governo, a própria Assembleia Nacional
deve governar. Seu primeiro ato deveria ser um decreto em sete palavras: A
Dieta Federal está para sempre dissolvida”. Uma Assembleia Nacional
Constituinte deve ser, sobretudo, uma Assembleia ativa, revolucionariamente
ativa. A Assembleia de Frankfurt faz primários exercícios parlamentares e
deixa o governo agir. Admitindo que este dócil concílio, depois de madura
reflexão, chegue a inventar a melhor ordem do dia e a melhor Constituição,
para que serve a melhor ordem do dia e a melhor Constituição se, entretanto,
o governo põe as baionetas na ordem do dia? (MARX, 2020, p. 93)
Ao invés de se constituir como uma assembleia revolucionária, que expressa ativamente
as potências da nova ordem, a Assembleia Nacional reconcilia-se com a Dieta Federal e com a
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antiga ordem. Ela pretendia se prender à constituição anterior e ao terreno do Direito na medida
mesma em que, ao assumir a contrarrevolução como seu princípio, coloca-se por vias tortas
no próprio terreno da revolução. O fruto desta constituinte, assim, poderia ser uma
Constituição extremamente frágil. E devido a algumas razões essenciais: primeiramente,
porque, em Frankfurt, ela procura afastar do povo e das pressões populares, afastando-se
daqueles que mais se ligam à revolução de março. Em segundo lugar, porque, mesmo que a
Constituição redigida devido ao seu elitismo e de sua suposta neutralidade diante dos partidos
fosse a melhor Constituição, fruto do melhor da inteligência jurídica, ela estaria refém do
poder das armas do governo diante do qual se humilhou docilmente. Falando em uma
linguagem próxima àquela do terreno do Direito e pressupondo a participação ativa na
constituinte diz Marx que “o direito das massas populares democráticas de influir moralmente,
por sua presença, na atitude de uma Assembleia Constituinte é um antigo direito popular
revolucionário, e isto teria sido importante no passado que se trata de um direito de que
desde as revoluções inglesa e francesa não se pode prescindir em épocas turbulentas.E, assim,
seria preciso perceber que a história deve a este direito quase todas as medidas enérgicas de
tais assembleias.” (MARX, 2020, p. 210) A miséria alemã, em meio à constituinte, assim,
expressa-se ao passo que tal “direito popular revolucionário”, que significa a passagem do
terreno do Direito ao da revolução tem um sentido oposto àquele das revoluções que expressam
o momento progressista da burguesia: passa-se explicitamente à contrarrevolução.
Ao tratar da revolução alemã, portanto, a especificidade daquilo que foi chamado por
Lenin e Lukács de via prussiana para o capitalismo (Cf. LUKÁCS, 2020) vem à tona de modo
que se explicita o caráter contraditório do desenvolvimento europeu.
O desenvolvimento capitalista analisado no Manifesto em um grau bastante geral de
abstração aparece em suas facetas específicas ao se abordar a miséria alemã. A situação de
poderes se explicita em meio a estas idas e vindas entre o terreno do Direito e o da revolução:
o maior direito está do lado do maior poder. O poder se comprova na luta. A luta se comprova
na vitória. Ambos os poderes podem fazer valer seu direito pela vitória, seu não direito
pela derrota.” (MARX, 2020, p 263) Os termos do próprio terreno do Direito, assim, seriam
bastante ilusórios. De um lado, eles poderiam expressar a passagem revolucionária a uma nova
ordem; doutro, poderiam simplesmente colocar a disputa no terreno da revolução ao passo que
a contrarrevolução triunfa.
De acordo com Marx, a tendência da Assembleia Nacional seria esta última.
A Assembleia Nacional Alemã, abstraindo que nasceu de uma eleição indireta,
padece de uma doença tipicamente alemã. Está instalada em Frankfurt am
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Main, e Frankfurt am Main é apenas um ponto central ideal, como corresponde
à até agora ideal, isto é, imaginária unidade alemã. Frankfurt am Main
tampouco é uma grande cidade, com uma numerosa população revolucionária
que sustente a Assembleia Nacional, em parte defendendo-a, em parte
impulsionando-a para diante. Pela primeira vez na história mundial uma
Assembleia Constituinte de uma grande nação instala-se em uma cidade
pequena. Isto é resultado do desenvolvimento anterior da Alemanha. (MARX,
2020, p. 94)
A constituinte alemã, tal qual a ideologia alemã (Cf. MARX; ENGELS, 2007), adquiria
uma feição especulativa. Deste modo, os vícios oriundos da miséria alemã, como a
autonomização do Estado em uma situação em que dominação feudal e burguesa
simultaneamente, aparecem como virtudes. Ao invés de o anacronismo alemão ser visto como
algo a ser jogado na lata de lixo da história, ele é enxergado como um ponto de partida superior.
A ausência de uma população revolucionária, que poderia impulsionar a constituinte à frente,
aparece ao comitê, e a Assembleia Nacional, transmutada em Assembleia Ententista, como
a grande vantagem do processo alemão diante dos outros países que passam pelas revoluções
de 1848. A situação não deixa de ser claramente antipopular e contrarrevolucionária: homens
mais ou menos notáveis poderiam expressar o melhor da inteligência política e jurídica sob a
condição de não trazerem consigo o fardo de precisarem se reportar aos reais artífices da
revolução alemã. No que continua Marx:
Enquanto as Assembleias Nacionais francesa e inglesa instalaram-se em um
terreno explosivo Paris e Londres a Assembleia Nacional Alemã deve
congratular-se por ter encontrado um terreno neutro, um terreno neutro onde,
com a mais tranquila paz de espírito, pode meditar sobre a melhor
Constituição e a melhor ordem do dia. No entanto, a situação da Alemanha
naquele momento oferecia-lhe a oportunidade de superar sua infeliz situação
material. Ela precisaria apenas opor-se ditatorialmente, em toda parte, às
usurpações reacionárias do governo caduco para conquistar um poder na
opinião pública contra o qual se despedaçariam todas as baionetas e fuzis. Em
vez disso, abandonou Mogúncia, sob suas vistas, ao arbítrio da soldadesca, e
alemães de outras regiões às chicanas dos filisteus de Frankfurt. Entediou o
povo alemão, em vez de arrebatá-lo consigo ou deixar-se arrebatar por ele. De
fato, existe para ela um público que, por enquanto, ainda assiste com bom
humor aos burlescos movimentos do redivivo espectro do Sagrado Império
Romano-Germânico, mas não existe para ela um povo que na vida dela tenha
encontrado sua própria vida. Longe de ser o órgão central do movimento
revolucionário, não foi até agora sequer seu eco. (MARX, 2020, p. 94)
Uma constituinte que pretende se colocar no terreno neutro poderia estar ao lado da
contrarrevolução. Mesmo em tal situação, haveria espaço para que se virasse o jogo; seria
possível conquistar a opinião pública e aproveitar-se do fato de se estar no terreno da revolução
(mesmo que de modo sui generis). O que se dá, no entanto, é bastante diferente dos auspícios
do órgão da democracia. Ao invés de se superar a infeliz situação material da Alemanha e as
usurpações reacionárias a fim de conquistar, no sentido da revolução, poder junto à opinião
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pública, abre-se mão deste poder. E, se é verdade que ““quem tem o poder, tem o direito.” – Os
representantes do direito estão, em toda parte, do lado do poder” (MARX, 2020, p. 290), chega-
se a uma situação em que as derrotas populares diante das revoluções de 1848 se acumulam. A
constituinte, assim, tem público e não corresponde aos auspícios do povo. Ela é um eco
reacionário da revolução, e não a sua expressão enérgica. O caráter filisteu triunfa, bem como
a contrarrevolução.
-se, assim, que, na Nova Gazeta Renana, Marx não deixa de passar pelo caráter
específico da constituinte que é instaurada após as movimentações revolucionárias. Nela, a
miséria alemã aparece de tal modo que somente ao se analisar a particularidade da Alemanha
em meio ao desenvolvimento europeu seria possível uma apreensão reta do processo. E, deste
modo, nota-se que, longe das constituintes terem um significado uníssono, ocorre o oposto. O
caso alemão seria explícito neste sentido e, também por isto, seria necessário enfatizar os
elementos complementares da análise marxiana àquele colocado de modo mais enfático no
Manifesto, e o que procuramos destacar aqui.
Sobre a liberdade de deliberação das assembleias, o terreno do Direito e a reação
Com o poder pendendo claramente à contrarrevolução, a reconciliação entre o velho e
o novo poderia passar a caracterizar o terreno do Direito. E, assim, como mencionado,
consolida-se a situação em que aquilo de mais reacionário na Alemanha e, em união com a
Áustria e a Rússia, em nível europeu torna-se o ponto de partida. O triunfo da
contrarrevolução traz a situação em que “o terreno do Direito, na verdade, é o terreno do Direito
prussiano.” (MARX, 2020, 327) Antes disso, no entanto, Marx explicita como que a ilusão
jurídica, não sem algum tom elitista, clama pela liberdade de deliberação na medida mesma em
que a constituinte se afasta do povo. No lugar do “direito das massas populares democráticas
de influir moralmente” (MARX, 2020, p. 210), o terreno “neutro” da contrarrevolução, que
começa a transmutar-se em tereno do Direito prussiano elevado ao estatuto de Direito nacional
alemão. Diz Marx sobre isto:
Quando os que se apoiam no “terreno do Direito”, quando os medrosos e
filisteus amigos da “liberdade de deliberação” gemem contra ele, não têm
nenhum outro motivo além de não quererem de modo algum uma resolução
enérgica. “Liberdade de deliberação!” Não frase mais oca do que esta. A
“liberdade de deliberação” é, por um lado, afetada pela liberdade de imprensa,
pela liberdade de associação e de palavra, pelo direito do armamento popular.
É afetada pelo poder público existente, que está nas mãos da coroa e de seus
ministros: pelo Exército, a polícia, os magistrados considerados
independentes, mas de fato dependentes de qualquer promoção e de qualquer
mudança política. (MARX, 2020, p. 210)
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Os próprios defensores do terreno do Direito não tardam a se colocar contra ele quando
convém. Os direitos mais básicos, como a liberdade de imprensa, de associação e de expressão
parecem se opor ao assentamento concreto do terreno do Direito, que precisaria de liberdade de
deliberação. Tal expressão, de acordo com nosso autor, é bastante oca, mas tem uma função
concreta explícita e importante: faz com que a reação se torne a base do poder público existente.
E, com isto, o funcionamento cotidiano do Direito não é aquele que se opõe aos privilégios do
passado, mas que chancela a reconciliação do velho com o novo. A coroa, o exército, a polícia,
os magistrados que atuavam anteriormente à revolução mantêm-se intocados e a estrutura
política que caracteriza o Estado alemão expressa o equilíbrio sutil entre a opressão feudal e as
relações burguesas modernas. E isto, como disse Engels, torna “o jugo duas vezes mais pesado.”
(ENGELS, 2020, p. 225) Sob a fraseologia da liberdade de deliberação e sob a pretensão de
desenvolvimento de uma constituição que fosse fruto do melhor da inteligência jurídica,
chancela-se a contrarrevolução, mesmo ao custo das recém conquistadas liberdades burguesas,
que caracterizam o essencial da igualdade jurídica.
O peso das baionetas, da coroa e de qualquer mudança política coloca-se à espreita
destas liberdades. O essencial do intelecto jurídico, neste contexto, não vem a defender estes
direitos básicos; antes, os próprios juristas e os constituintes é que são aqueles que se
colocam contra o que foi visto como o mais importante do terreno do Direito contra o jugo
feudal e absolutista. Como os trabalhadores se organizaram em julho, e como adquiriram um
papel ativo, o perigo da república social e da democracia (que eram vistos pela grande burguesia
e pela aristocracia como elos para o socialismo) parecia atual.
E, desta maneira, para salvar o terreno do Direito, seria preciso esvaziá-lo, mesmo que,
para isto, fosse preciso colocar-se explicitamente ao lado da contrarrevolução. Neste sentido
específico, a liberdade de deliberação que era reivindicada significava nada menos que a
repressão brutal, violenta e vil de qualquer suspiro popular que pudesse tentar levar a
constituinte na direção da posição que caracterizou o partido da democracia em sem momento
mais radical. O equilíbrio propiciado deste modo, claro, significa que o terreno do Direito está
indo às favas, de modo claro. A liberdade de deliberação, que supostamente salvaria o terreno
do Direito diante da radicalização popular, enterra-o.
Os homens honrados e ligados à ordem moral e jurídica são aqueles que vêm a propiciar
tal fato. Marx refere-se a esse Camphausen que inventou a teoria ententista para salvar o
terreno do direito, ou seja, para defraudar, antes de tudo, a revolução dos honneurs que lhe
cabiam” e complementa dizendo que fora ele mesmo que inventou ao mesmo tempo as minas
que mais tarde deveriam fazer saltar aos ares o terreno do direito e a teoria ententista. (MARX,
Karl Marx diante da miséria e da constituinte alemãs em 1848
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2020, p. 318) A defesa do terreno do Direito contra o terreno revolucionário, pois, tem
consequências bastante claras, segundo Marx.
A contrarrevolução toma forma, não só com a reação explícita e pronunciada por meios
diretamente violentos, mas também por meio de artifícios como os mencionados.
Note-se que sequer o terreno do Direito está sendo defendido contra aquilo que
aparece no Manifesto, a ditadura revolucionária do proletariado. O simples clamor por
democracia e por república social quando amparados pela movimentação das classes
populares – são suficientemente ameaçadoras à Assembleia Nacional. O clamor reacionário
e contrarrevolucionário, assim, aparece neste momento ao lado das ilusões jurídicas que
caracterizam a liberdade de deliberação. Esta precisaria ser implementada a qualquer custo,
mesmo que isso significasse levar às favas o jurídico terreno do Direito.
Marx mostra que a liberdade de deliberação, por si mesma, vazia de conteúdo, traz as
disputas entre os partidos de modo ilusório. Tais ilusões, no entanto, têm consequências
bastante concretas na vida do povo e nos rumos das revoluções de 1848:
A liberdade de deliberação é, em qualquer época, uma frase que significa
apenas independência de todas as influências não reconhecidas pela lei. As
influências reconhecidas, suborno, promoção, interesses privados, medo de
uma dissolução da mara etc., tornam de fato as reuniões deveras “livres”.
Mas, em épocas de revolução, essa frase é totalmente sem sentido. Quando
dois poderes, dois partidos armados se contrapõem, quando a luta pode
rebentar a qualquer momento, os deputados têm uma alternativa: Ou se
põem sob a proteção do povo e então aceitam de tempos em tempos uma
pequena lição; ou se põem sob a proteção da coroa, mudam para uma
cidadezinha qualquer, deliberam sob a proteção das baionetas e dos canhões
ou mesmo do estado de sítio e então nada terão a objetar se a coroa e as
baionetas lhes prescreverem suas resoluções. Intimidação pelo povo
desarmado ou intimidação pela soldadesca armada a Assembleia deve
escolher. (MARX, 2020, p. 210)
Aquilo que é tão caro aos honrados juristas e aos defensores da moral (Cf. ENGELS,
2020), em verdade, traria, não tanto um terreno neutro, mas as influências do suborno, da
promoção, dos interesses privados e do medo da dissolução da câmara. Ou seja, trata-se do
reconhecimento de que as baionetas estão sempre à espreita. Têm-se também, no caso alemão,
a coroa, os militares e a antiga burocracia como uma força ativa. O estado de sítio é o
complemento natural da constituinte na França, e nas constituições burguesas em geral, de
acordo com Marx. (Cf. MARX, 2011) Mas, no caso alemão, isto se na medida em que as
opressões feudais e burguesas permanecem de modo claro.
Tal equilíbrio, porém, é insustentável. Isto ocorre até mesmo porque a situação alemã se
caracteriza, não tanto pela estabilidade da reconciliação do velho com o novo, mas pela
necessidade de impor ativa e diuturnamente tal reconciliação sobre o povo.
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A supressão das reuniões livres, bem como a liberdade de deliberação, no caso, são a
expressão do fato de se estar no terreno da revolução. Têm-se dois partidos armados e a
assembleia, quer se queira, quer não, coloca-se ao lado de um deles. Se ela proclama a salvação
do terreno do Direito, acaba por apoiar o poder instituído e a contrarrevolução. Caso ela se
ponha sob a proteção do povo, ocorre algo muito distinto: a possibilidade da superação da antiga
ordem. De um lado, proteção do povo, doutro, a da coroa.
Adotando esta última alternativa, a assembleia colocou-se distante das massas
revolucionárias e ficou refém das baionetas e do estado de sítio. A escolha feita foi no sentido
da reação: a da intimidação pela soldadesca armada da contrarrevolução. Ao invés da
intimidação pelo povo desarmando, a constituinte alemã ficou refém da velha ordem. Não
pagou altos tributos a esta última; precisou que os moderados e os democratas que quiseram
salvar o terreno do Direito realizassem o papel de coveiros dos direitos mais básicos. A miséria
alemã, quando se trata de analisar a constituinte decorrente das revoluções de 1848, acaba por
se caracterizar pela humilhação da assembleia perante a coroa. Trata-se, assim, de uma
assembleia antipopular, que é somente um eco do movimento revolucionário, um eco que se
apresenta invertido, com a contrarrevolução.
Conclusão
No Manifesto, Marx e Engels dizem que “a primeira fase da revolução dos trabalhadores
é a elevação do proletariado à classe dominante, a conquista da democracia.” (MARX;
ENGELS, 1998 b, p. 58)
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Pelo que vemos, na Nova Gazeta Renana, o programa dos autores
para a Alemanha também passa por este aspecto. O periódico se coloca explicitamente como
órgão da democracia em oposição ao partido do absolutismo. As dez medidas revolucionárias
presentes no Manifesto válidas, em geral, para o os países mais avançados da Europa ocidental
(Cf. MARX; ENGELS, 1998 b) porém, precisariam de ajustes substanciais em diversos
sentidos. Não podemos analisar aqui as mencionadas medidas, mas é preciso explicitar que o
tom da Nova Gazeta Renana passa pelo destaque das especificidades nacionais (e mesmo
regionais, como vimos em relação à Prússia e a Renânia) de cada formação social. No que diz
respeito ao nosso tema, é preciso notar que ênfase de Marx na democracia é muito mais
acentuada aqui que no Manifesto. E, como vimos, isto não significa que Marx ou Engels tenham
abandonado o terreno revolucionário. Antes, são bastante claros no sentido oposto.
A conformação alemã, de opressões simultaneamente feudais e modernas, faz com que
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Tradução modificada: o original diz “Arbeiterrevolution”. Preferimos “revolução dos trabalhadores”.
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camadas substanciais da burguesia adquiram um caráter explicitamente antidemocrático,
antipopular e contrarrevolucionário. As tarefas que, na França e na Inglaterra, por exemplo,
foram realizadas pela classe burguesa eram inviáveis sem uma posição abertamente
revolucionária que remetesse para além da reconciliação entre o velho e o novo. E isto somente
seria possível a partir da sublevação popular e, no caso da constituinte que aqui analisamos,
com intimidação realizada pelo povo. A especificidade alemã trouxe em determinado momento
mesmo que isto não fosse mais possível nos mesmos termos logo depois a tomada de partido
crítica de Marx e de Engels a favor do partido da democracia e mesmo da república social. É
verdade que isto ocorreu com a convicção de que “a melhor forma de Estado é aquela em que
os antagonismos sociais não são esbatidos, não são agrilhoados pela força, ou seja,
artificialmente, isto é, só aparentemente. No que continua o autor explicitando: “a melhor
forma de Estado é aquela que os leva à luta aberta, e com ela à resolução.(MARX, 2020, p.
126) Porém, a ênfase na democracia por parte de Marx é bastante mais clara ao tratar do caso
alemão.
Se, ao tratar da França posteriormente, destaca-se que “a burguesia não tem rei; a
verdadeira forma de seu domínio é a república” (MARX, 2012, p. 74), em uma situação em que
a coroa e a burguesia estão lado a lado (mesmo que de modo tenso), a posição marxiana precisa
ser diferente. Pelo que vimos aqui, não é fácil a defesa marxiana da democracia em meio ao
processo constituinte. Nosso autor passa pela reconciliação do velho com o novo que marca a
miséria alemã, mostra como que a constituinte acaba por se tornar um órgão da
contrarrevolução, explicita como que os próprios defensores do terreno do Direito vêm a jogar
uma pá de cal nos direitos mais básicos e, por fim, deixa claro que a conformação concreta do
Estado alemão está intimamente ligada com a contrarrevolução. A defesa marxiana das
possibilidades abertas pela assembleia constituinte caminha lado a lado com sua demonstração
de que a verdadeira batalha não se coloca no terreno do Direito. Mesmo ao tratar da realidade
alemã, em que os privilégios feudais principalmente na burocracia, no clero e no exército
ainda são uma realidade, Marx não busca a oposição entre direitos e privilégios como o central.
Por mais que sua análise tenha que passar por isto, ele mostra como que a vitória ou a
derrota dos processos de 1848 passa pela oposição, e pelas contradições que marcam esta
oposição, entre o terreno do Direito e o da revolução. Seja em um grau de abstração mais alto,
como o do Manifesto, ou mais concreto, como na Nova Gazeta Renana, a análise política
marxiana parte da apreensão das determinações da própria realidade. Não se tem um método
pronto, ou um esquema supostamente histórico de passos necessários para a supressão do
sistema capitalista de produção. A análise da posição de Marx diante do processo constituinte
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que segue as revoluções alemãs deixa isto claro.
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