DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21. 34482
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 89-96, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
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A atualidade de Gramsci no Brasil e a
contribuição do pensamento Carlos Nelson
Coutinho
Considerations on the question of politics in the thought of Antônio
Gramsci
Cristina Simões Bezerra
*
Resumo: O artigo relembra a trajetória e presta
uma homenagem a Carlos Nelson Coutinho, um
dos mais destacados tradutores difusores da
obra de Gramsci no Brasil. Pondera a respeito
da atualidade da obra gramsciana para pensar os
problemas do presente, assim como evidencia a
contribuição de Carlos Nelson para, a partir das
elaborações do marxista italiano, interpretar e
alterar as bases da sociedade brasileira.
Palavras-chave: Antonio Gramsci; Carlos
Nelson Coutinho; marxismo; Serviço Social
Abstract: The article redeems the trajectory
and pays tribute to Carlos Nelson Coutinho, one
of the most outstanding translators of Gramsci's
work in Brazil. It ponders about the actuality of
Gramscian work to think about the problems of
the present, as well as evidences the
contribution of Carlos Nelson to, from the
elaborations of the Italian Marxist, interpret and
change the bases of Brazilian society.
Keywords: Antonio Gramsci; Carlos Nelson
Coutinho; Marxism; Social Work
Recebido em: 05/06/2021
Aprovado em: 07/06/2021
*
Professora associada da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestre e Doutora
em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora voluntária
da Escola Nacional Florestan Fernandes.
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Introdução
Foi na metade dos anos 1990, no marco do Programa de Pós Graduação em Serviço
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tive a oportunidade de conhecer Carlos
Nelson Coutinho, quando fui encaminhada para sua orientação. Eu, que o conhecia como um
dos grandes marxistas estudiosos da formação social brasileira, o pude sentir maior alegria.
Desde então, com ele, sua coerência e sua enorme generosidade, aprendi que o que eu gostaria
de estudar tinha um nome: era a perspectiva nacional-popular de uma cultura.
Aprendi também que um marxista italiano, que eu pouco conhecia pelos meus anos de
graduação, chamado Antonio Gramsci, havia elaborado, em seus anos na prisão, importantes
reflexões que se tornariam um norte para o tema que tanto me inquietava. Aprendi que a cultura
é uma fonte inesgotável de conhecimento, sabedoria e que, através dela, podemos compreender
a formação social de um país e os enfrentamentos que se constroem neste processo. Descobri,
enfim, que sem um vínculo orgânico entre intelectuais” e “povo”, não se transforma uma
sociedade nem se possibilita a crítica necessária para a formão de um novo sujeito histórico.
Enfim, com Carlos Nelson, nas experiências de orientação de mestrado e, posteriormente, no
doutorado, contrai uma dívida intelectual que jamais poderei saldar.
O que apresentamos aqui não tem a pretensão de ser um profundo artigo sobre suas
elaborações teóricas. Desde sua partida precoce, em 2012, muito se produziu e se debateu
sobre suas principais categorias de análise e suas profundas contribuições para a abordagem
sobre a realidade brasileira. O texto que segue, neste número especial da Revista Libertas, em
que a riqueza do pensamento gramsciano é abordada, é uma despretensiosa homenagem a este
grande intelectual brasileiro e ao seu legado, sobretudo no que se refere à receão de Gramsci
em nosso país e a importância de suas categorias para a análise da formação social brasileira.
A formação intelectual de Carlos Nelson Coutinho e sua importância na recepção de
Gramsci no Brasil
A configuração contemporânea da sociedade brasileira e a complexidade da
sociabilidade burguesa nos dias atuais têm gerado, de forma inconteste, uma contínua procura
pelo pensamento gramsciano como uma das possibilidades de compreensão das relações sociais
em construção e da luta de classes no atual contexto. Neste universo, no que se refere à realidade
brasileira, o nome de Carlos Nelson Coutinho surge como um de seus principais intérpretes a
partir de categorias inspiradas em Gramsci ou mesmo orientadas por uma tradutibilidade à
nossa formação social. Nosso objetivo, portanto, é realizar um breve resgate da importância de
Carlos Nelson para a construção do que ele mesmo chamava de uma imagem do Brasil” a
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partir da orientação teórico-metodológica gramsciana.
Carlos Nelson Coutinho nasceu em 1943, na Bahia, onde se formou em Filosofia em
1964. Foi militante do movimento estudantil e, em 1960, estava filiado ao Partido Comunista
Brasileiro. Na metade desta década, foi para o Rio de Janeiro, onde se profissionalizou como
tradutor. Carlos Nelson possui mais de 50 obras de tradão, que incluem autores como
Lefebvre, Lucs, Sanchez Vasquez, Walter Benjamin, Agnes Heller e Gramsci, o qual foi um
capítulo a parte de sua vida. A atual edição da obra de Gramsci no Brasil é considerada, por
diversos especialistas, como a melhor edição em língua latina publicada fora da Itália. Foi
membro ativo da IGS, organização internacional reconhecida pela contribuição no processo de
atualização e debate do pensamento gramsciano. Como um dos principais intérpretes do legado
gramsciano, Carlos Nelson participou de vários colóquios e eventos acamicos sobre Gramsci
em países como Argentina, Itália, França e tamm Brasil. O hábito da leitura e do estudo, que
alimentou desde a juventude, foi o que permitiu a ele a produtividade que apresentou e que
tanto valorizamos.
Em 1976, por sua atuão política durante a ditadura militar, foi obrigado ao exílio,
passando por países como Itália, Portugal e França. Em dezembro de 1978, volta ao Brasil e,
em 1982, afasta-se do Partido Comunista (PCB). Na segunda metade da década de 80, filia-se
ao Partido dos Trabalhadores (PT), onde, nas áreas da cultura e das relações exteriores, teve o
papel fundamental de fazer o contraponto e mostrar possíveis soluções para o partido e para o
Brasil. Em 2005, durante o governo Lula, saiu do PT para ser um dos fundadores do Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL). Como podemos perceber, fiel ao aprendizado acerca das
principais categorias gramscianas, Carlos Nelson Coutinho vivenciou o partido político como
o “moderno Príncipe”, o principal intelectual orgânico coletivo no conjunto de relações em uma
sociedade, mesmo com tantos descaminhos políticos, como a brasileira.
Iniciou sua carreira universitária tardiamente, em 1980, primeiro na Faculdade Bennett,
no Rio de Janeiro e depois como professor, na Escola de Serviço Social da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, onde ingressou por concurso público de livre doncia. Foi membro de rios
conselhos editoriais e diretor da Editora da UFRJ. Aqui vale uma importante observação acerca
da formação de Carlos Nelson: ao contrário de muitos intelectuais brasileiros, sua formação é
primeiro política e militante, antes de ser acadêmica. Isso quer dizer que, ao ser incorporado à
academia e ao trabalho docente, Carlos Nelson traz, para dentro deste espaço, a dinamicidade
da vida social, ou seja, uma imensa carga de questões e embates a serem problematizados e re-
produzidos, no âmbito da teoria, permitindo um salto qualitativo significativo na aproximação
entre as ideias marxistas e a realidade brasileira.
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Sua obra, de caráter absolutamente precoce, inicia-se em 1962/ 1963, com artigos
científicos e com a publicação de seu primeiro livro em 1967, Literatura e Humanismo. Depois,
de sua vasta obra, podemos destacar: Estruturalismo e Miséria da Rao (1972), Cultura e
Sociedade no Brasil (1990), A dualidade de poderes (1985), Gramsci, um estudo sobre seu
pensamento político (1999), além de inúmeros ensaios e artigos elaborados em
aproximadamente cinco décadas. Dentre estes, vale destacar o polêmico A democracia como
valor universal (1979).
Carlos Nelson Coutinho e a compreensão da realidade brasileira: perseguindo uma
“imagem do Brasil”
Desde muito jovem, quando ainda militava no PCB, a grande preocupação de Carlos
Nelson foi entender a realidade brasileira para transformá-la. Para isso, foi um grande estudioso
do Brasil e de seus intelectuais. Assim, sempre fiel ao método e à teoria crítica, encontramos
em sua obra a necessidade premente de reforçarmos esta ideia: sem teoria revolucionária não
existe ação revolucioria: sem entendermos a realidade, não poderemos transformá-la.
Assim, podemos insistir que, neste trajeto, Carlos Nelson Coutinho se apropria de duas
categorias marxistas para pensar o Brasil, problematizando-o enquanto realidade em luta, crise
e transformação. A questão norteadora era: de que forma o Brasil se modernizou e por que
caminhos se tornou capitalista? A primeira destas categorias foi “via prussiana”. A forma como
o capitalismo resolve a questão da propriedade feudal da terra diz de que capitalismo estamos
falando: na Alemanha, segundo Lenin, seguiu-se uma via reformista, adaptando-se o novo
modo de produção emergente à rotina, às tradições, às propriedades rurais (Junkers) e aos
interesses capitalistas.
Em resumo, em países que trilharam por esta via, o capitalismo não precisou fazer as
reformas tradicionalmente necessárias para sua instauração, tais como, por exemplo, a reforma
agrária, para se desenvolver. Foi possível, e até conveniente, manter formas de trabalho
baseadas na coerção extraeconômica e nos vínculos de dependência e de subordinação. Além
disso, reforça-se a violência aberta e a intromissão na vida privada do trabalhador. O velho
proprietário rural continua a ocupar postos privilegiados no aparelho do Estado da nova ordem
capitalista e a lógica de uma opressão e exploração pré-capitalistas continuam como nortes para
a ação das novas classes dominantes. Ao nos desafiar a pensar a realidade brasileira por esta
perspectiva, Coutinho nos desafia: o que isso nos ainda diz sobre a realidade brasileira de hoje?
É aqui que vemos nosso autor recorrer, numa análise que se tornou histórica e rica de
determinações, à categoria revolução passiva, elaborada por Gramsci para analisar a realidade
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italiana, seu processo de unificação e de constituição como sociedade burguesa. Segundo este
autor italiano, a revolução passiva se constitui num processo onde, ao menor sinal de
subversivismo, mesmo que espodico, das classes dominadas ou subalternas, na direção do
questionamento da ordem vigente, as classes dominantes respondem com um processo onde
vigora uma transformação pelo alto, sem a participação dos setores populares, em que alguma
mudança acontece, na perspectiva reformista, para que o poder daquelas primeiras seja
restaurado, sem constituir um elemento revolucionário.
Segundo COUTINHO, processos de revolução passiva, geralmente ocorridos em
realidades de capitalismo dependente e tardio, tendem a gerar duas causas-consequências. Em
primeiro lugar, o realidades onde a sociedade civil se constitui mais frágil, se confrontando
com uma sociedade política mais forte, e com constantes retrocessos no seu processo de
ocidentalização, ou seja, de equilíbrio entre as esferas civil e política. Consequentemente, a
utilização dos instrumentos de coerção e repressão é muito mais recorrente, por parte do Estado,
a despeito das forças de consenso e legitimidade. São sociedades, portanto, que vivem
permanentes crises de hegemonia.
Outra causa-consequência destes movimentos de revolução passiva é o chamado
transformismo, isto é, processos de assimilação pelo bloco no poder das frações rivais das
próprias classes dominantes ou amesmo de setores das classes subalternas”. Coutinho se
debruça em reconhecer processos, na realidade brasileira, em que, de forma molecular ou
grupal, ocorre esta cooptação e esta incorporação à classe política” conservadora-moderna,
acabando por tornar ainda mais marcada pelo desequilíbrio a relação entre sociedade civil e
sociedade política no Brasil.
A partir deste breve resgate das propostas coutinianas sobre a alise da realidade
brasileira a partir de categorias marxistas, sobretudo gramscianas, resta-nos problematizar o
que tudo isso nos diz sobre a contemporaneidade brasileira. Dentre tantos temas, poderíamos
pensar a constituição de nossa sociedade civil e, sobretudo, as relações da mesma com a esfera
da política strictu sensu. Seria o caso de pensarmos, por exemplo, nossa relação entre
movimentos sociais e partidos políticos. Na compreensão crítica, podemos pensar os primeiros
como aparelhos privados de hegemonia inseridos no desenvolvimento da sociedade civil,
contendo demandas diretas e, muitas vezes, imediatas, da população. Na proposição de Carlos
Nelson Coutinho, a partir de Gramsci, estes espaços não seriam suficientes para as grandes
transformações necessárias na correlação de forças de uma sociedade como a brasileira, mas
isso não diminui sua importância, uma vez que sua atuação contribui fundamentalmente para a
superação da consciência sindical econômico-corporativa.
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Carlos Nelson investe, sobretudo, na importância da discussão e da atuão dos partidos
políticos, reconhecendo-os como o grande intelectual ornico coletivo, tão necessário a uma
sociedade como a brasileira. Tendo sido protagonista de uma militância partidária ativa durante
toda a vida, Carlos Nelson insistia na função dirigente, organizativa, educativa e intelectual
desses aparelhos privados de hegemonia”. Enquanto tais, deveriam assumir a tarefa histórica
de tornar sua base de militância “mais culta”, ou seja, mais capaz de fazer a crítica da realidade
em que vive e de forjar alternativas para a construção da vida social. Devem ser capazes de
fazer com que sua base supere primeiramente o senso comum e depois a consciência sindical,
corporativa, alcançando o nível ético político, ou seja, capaz de construir um projeto para uma
sociedade. Aqui nos vem mais uma provocação que, certamente, a obra de Carlos Nelson nos
deixa: qual é o projeto de sociedade que queremos?
Podemos, nesta direção, exemplificar este caminho teórico-metodológico e político de
Carlos Nelson, observando um tema que nos é muito caro: temos muito material de Carlos
Nelson sobre os movimentos sociais e os partidos políticos, mas a verdade é que Carlito nunca
se deteve em estudar, por exemplo, a questão agrária e a reforma agrária no Brasil. Mas isso
o significa dizer, entretanto, que este tema o lhe era importante. Muito pelo contrário, tenho
certeza de que nosso autor acreditava e defendia que a solução da questão agrária no Brasil era
um dos elementos-chave para se pensar a realidade brasileira a partir de uma perspectiva de
superação da sociedade capitalista.
Mais do que isso, Carlos Nelson defendia que era necessário conjugar esta demanda de
uma parte significativa da sociedade com as demandas mais amplas, que apontassem para a
realização de um novo movimento de lutas na sociedade. Certa vez, perguntado porque apoiava
o MST, Carlos Nelson respondeu:
Eu apoio o MST, antes de mais nada, porque o MST é o mais importante
movimento social brasileiro, porque defende causas justas como a distribuição
da propriedade agrária, o fim do monopólio da terra e porque sabe articular
essa luta de setores da população com os interesses gerais da sociedade
brasileira, colocando, no horizonte da sua luta, a necessidade de construir uma
outra ordem social, mais justa, mais solidária, mais humana e mais livre.
Eis aqui, sem vidas, a perspectiva dialética do autor ao analisar os diferentes níveis
de luta e articulação em nossa sociedade e, sobretudo, as superações necessárias para que, de
fato, nossa ão política traga resultados efetivos para as lutas pela hegemonia em nossa
sociedade. De forma inquestionável, um outro caminho de análises onde a obra de Carlos
Nelson nos parece imprescindível é na alise sobre a cultura brasileira. Neste caminho de
aprendizados e reavaliações, é importante delimitar mais claramente o que abordaremos dentro
da ampla concepção de cultura. Optamos por analisar, em seu interior, as manifestações
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intelectuais e artísticas da sociedade brasileira, tendo consciência de que estamos abordando
um entre os vários aspectos possíveis e assumindo o risco de certo reducionismo. Cultura, com
toda certeza, é muito mais que isso.
É nosso interesse centrar esforços na análise do período que se iniciou a partir da metade
da década de 1970 e esta opção não foi aleatória. Neste momento, vemos surgir uma sociedade
civil mais complexa e mais articulada, que se organizou e deu continuidade à tentativa de
equilibrar sua relação com o Estado. Foi o momento da abertura política, do afrouxamento da
censura, da reorganização dos movimentos sociais. Por todos os poros, o Brasil parecia
novamente pautar, em sua agenda política, os desafios da democracia, da liberdade, da
cidadania. Acreditamos que também na cultura isso esteve presente.
Entendemos que, no entanto, não é possível analisar este período sem recorrermos a
todo o movimento cultural que marcou os “incríveis anos 60”. Percebemos que, como em vários
aspectos da vida social brasileira, os anos 60 foram uma referência indiscutível para a produção
cultural. Sem dúvida, foram anos de “erros e correções”, mas sem a análise dos quais a história
da cultura brasileira viveria uma lacuna insuperável. Gestaram-se então importantes
experiências que, como afirmava COUTINHO, aproximavam-se de uma perspectiva cultural
nacional e popular, que tinham o objetivo (ou a pretensão) de unir militância política e produção
cultural em uma única prática, capaz de fazer da arte um “instrumento revolucionário” nas os
do povo. Embora estas experiências não sejam consideradas amplamente “vitoriosas” por
aqueles que as analisam, não há vidas de que suas propostas ficaram para a cultura brasileira
como um referencial permanente que traz influências até os dias de hoje.
Continuando nossa proposta, afirmamos que a dinâmica interna e externa do regime
civil-militar que vigorava no país desde 1964 foi substancialmente modificada a partir de
meados dos anos 70. Por diversos motivos, a cultura e toda a sociedade civil brasileira viram
chegar um momento de abertura objetiva, capaz de trazer mudanças substanciais que
permitiram que COUTINHO caracterizasse o Brasil de então como um país potencialmente
“ocidental”, segundo categorias gramscianas. Esta “ocidentalização” se processa no Brasil,
enfrentando limites e retrocessos típicos de um país que rompeu com a ditadura civil-militar,
mas não com o autoritarismo e a arbitrariedade e como a cultura, através de suas manifestações
artísticas, foi capaz de incorporar estas novas determinações
Como o leitor pode perceber, Carlos Nelson Coutinho participa, de forma intensa, da
história que contei nestas páginas, seja como orientador, como intelectual ou como referência
para nossos estudos. Com ele, sempre, aprendi tanto... lições sobre Gramsci, lições sobre
política, lições sobre afeto, lições sobre paciência histórica... Carlos Nelson foi um companheiro
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de grandes expectativas e projetos de revolução numa perspectiva nacional-popular.
Na história do pensamento social brasileiro, tão dilacerado pela prática da conciliação
de pontos de vista contraditórios e pelo ecletismo, Carlos Nelson é responsável por um capítulo
essencial no que se refere à incorporação das ideias marxistas. Para descrever esta importância,
gostaria de recorrer a dois grandes teóricos brasileiros que assim o descrevem:
Carlos Nelson Coutinho foi, desde o início, uma figura de exceção:
mergulhou, de corpo e alma, no universo de Lukács, para voltar à tona em
condições de extrair todas as consequências de uma reflexão filosófica
rigorosa, intransigente. Ele sempre soube que não se pode fazer filosofia com
a mesma desenvoltura com que se pode fazer uma salada. Apoiado em Lukács,
educado nas formulações rigorosas do pensadorngaro, Carlos Nelson
Coutinho podia ler Gramsci sem se iludir quanto às limitações do grande
teórico italiano; ao mesmo tempo, entretanto, encontrava em Gramsci os
estímulos de que precisava para escapar a algumas esquematizões
demasiado fechadas da filosofia lukacsiana. Então, o movimento do seu
pensamento lhe permitiu ir além dos horizontes tanto de Lukács como do
próprio Gramsci, ultrapassando as fronteiras do leninismo. (1990 - Leandro
Konder)
Ainda nessa direção, José Paulo Netto nos desperta a atenção:
A inflexão teórica (e ideológica) do pensamento de Carlos Nelson, visível no
trânsito de Lukács a Gramsci e materializada no fim da década de 70, nada
tem a ver com os modismos pprios de certa camada de intelectuais.
Correspondeu a uma evolução imanente da sua intenção analítica,
condicionada pelos quadros sócio-políticos do país. "Animal em mutação",
como se autodefine, Carlos Nelson não quis sacrificar a ampliação de seu
campo de problemas a uma abstrata petição de coerência. Ao contrário, e
conscientemente, tem procurado realizar um concreto princípio marxiano de
pesquisa: a máxima fidelidade do sujeito ao objeto. Um fato é inconteste: com
o autor, a nossa visão de cultura e de Brasil se enriquece, torna-se pomica e
crítica, transforma-se. Com Carlos Nelson, aprende-se. (1990 - José Paulo
Netto).
Em suma, estamos diante de um grande intelectual, sensível e responsável pelas
questões de seu tempo, que foi capaz de construir debates fundamentais e, muitas vezes,
polêmico, para nos ajudar a “pensar o Brasil”.
Refencias
COUTINHO, C. N. Cultura e Sociedade no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
______. Democracia e Socialismo. São Paulo: Cortez, 1992.
______. Gramsci; um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
______. Marxismo e Política. São Paulo: Cortez, 1994.
______. O conceito de política nos Cadernos do cárcere. In: COUTINHO, C. N.; TEIXEIRA,
A de P (Orgs.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003.