DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.34203
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.2, p. 452-473, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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Serviço Social no Nordeste Brasileiro:
particularidades regionais e formação
profissional
Social Work in Northeast Brazil: regional particularities and professional
formation
Marileia Goin*
Laryssa Danielly Silva Fernandes**
Ariel Paula Jesus de Oliveira***
Resumo: O artigo evidencia as particularidades do
Nordeste no âmbito da sua constituição histórica e,
associado a esse debate, explicita a criação dos
cursos de Serviço Social, o panorama
contemporâneo da formação profissional e as
particularidades constantes nos Projetos
Pedagógicos dos cursos mais antigos dos estados da
Região. A partir de pesquisa bibliográfica e
documental, em um movimento histórico e dialético,
a reflexão busca sintonizar a profissão com a
diversidade de elementos que compõem a Região
Nordeste e, no movimento de retorno, apreender
como a profissão incorpora tais características, uma
vez que configuram as peculiaridades de suas
requisições não só formativas, mas profissionais.
Palavras-chave: Nordeste; formação profissional;
serviço social.
Abstract: The article highlights the peculiarities of
the Northeast in the heart of its historical constitution
and, associated with this debate, explains the
creation of Social Work courses, the contemporary
panorama of professional formation and the constant
particularities in the Pedagogical Projects of the
oldest courses in the states of Region. Based on
bibliographic and documental research, in a
historical and dialectical movement, the reflection
seeks to tune the profession in the diversity of
elements that make up the Northeast Region and, in
the return movement, to apprehend how the
profession incorporates to such characteristics, as
they configure the peculiarities of their requests, not
only formation, but professional.
Keywords: Northeast; professional formation;
social work.
Recebido em: 04/05/2021
Aprovado em: 26/07/2021
* Professora da Graduação e da Pós-Graduação do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília
SER/UnB. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Fundamentos do Serviço Social e América Latina
GFAL/UnB. Assistente Social, Mestre e Doutora em Serviço Social.
** Mestranda do Programa de Pós-graduação em Política Social da Universidade de Brasília - PPGPS/UnB.
Assistente Social graduada pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Pesquisadora no Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Fundamentos do Serviço Social e América Latina GFAL/UnB.
*** Mestranda e bolsista CAPES no Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília
PPGPS/UnB. Assistente social graduada pela Universidade de Brasília – UnB. Pesquisadora no Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Fundamentos do Serviço Social e América Latina GFAL/UnB.
Serviço Social no Nordeste Brasileiro: particularidades regionais e formação profissional
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DOSSIÊ
Seção
Considerações para introduzir a temática
A Região Nordeste do Brasil apresenta peculiaridades sociais, econômicas, políticas,
culturais e geográficas que historicamente a particularizam no âmbito da sociedade brasileira.
Analisar a constituição e o desenvolvimento do Serviço Social nesta Região não se constitui,
assim, tarefa fácil, mas, todavia, imperiosa, em face da sua diversidade e da sua riqueza
histórica, que reverberam não na constituição da profissão, mas no processo de
institucionalização da formação na diversidade dos estados que a constituem. É nessa via que
o presente artigo se apresenta como um esforço inicial de aproximação a essa diversidade de
elementos que compõem o Nordeste, com o objetivo de apreender a constituição dos primeiros
cursos de Serviço Social nos estados constitutivos da região administrativa em evidência e,
ademais, a configuração hodierna da formação profissional, e as peculiaridades dispostas em
seus Projetos Pedagógicos de Curso.
As reflexões que ora se apresentam são resultantes do projeto de pesquisa atrelado ao
Grupo de Pesquisa sobre Fundamentos do Serviço Social e América Latina (GFAL), intitulado
“O Ensino dos Fundamentos Históricos e Teórico-Metodológicos do Serviço Social no Brasil”,
que vem sendo desenvolvido desde 2018, e envolve discentes de graduação (com bolsa de
iniciação científica) e pós-graduação, com o objetivo de “analisar o ensino dos Fundamentos
Históricos e Teórico-Metodológicos do Serviço Social nos cursos presenciais de graduação em
Serviço Social no Brasil, a fim de apreender se contempla o movimento da sociedade a partir
da concepção teórico-crítica ou se prioriza a ênfase historicista e cronológica dos alicerces que
sustentam as bases da profissão”.
A partir das investigações realizadas no referido projeto de pesquisa e para assegurar a
cientificidade da exposição ao refutar tendências unilaterais e a-históricas –, optou-se pela
abordagem materialista histórico-dialética, com o propósito de apreender a realidade de
maneira dialética, dinâmica e, sobretudo, desvelar as contradições imersas na realidade social.
Ressalta-se que a metodologia utilizada parte de pesquisa bibliográfica e documental e,
portanto, não esgota a amplitude de sua discussão na contemporaneidade, uma vez que o
movimento do real é dinâmico, por isso a apreensão histórica deste trabalho não se constitui de
modo linear, mas situa-se nas contradições da vida social e naquelas postas pela sociedade
capitalista.
O Nordeste brasileiro: breve contextualização sobre as particularidades regionais
A Região Nordeste como lócus de observação e estudo revela uma diversidade de
Marileia Goin; Laryssa Danielly Silva Fernandes; Ariel Paula Jesus de Oliveira
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DOSSIÊ
Seção
elementos que a particularizam no bojo da formação sócio-histórica brasileira e, sobretudo, no
seio das contraditórias relações sociais que constituem as bases fundantes do Serviço Social.
Desse modo, contextualizar histórica, geográfica, social, cultural e economicamente o Nordeste
é elementar, uma vez que é esse processo que permite sintonizar os alicerces que demandam a
institucionalização e o desenvolvimento da profissão na Região.
Informações do IBGE (2020a) demonstram que a extensão territorial da Região
Nordeste é de 1.552.175,41 km², com 57.374.243,00 habitantes, distribuídos em nove estados
(Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e
Maranhão). Sobre sua distribuição geográfica e climática,
[...] a expressão Região Nordeste, ou, simplesmente Nordeste, possui,
atualmente, significados muito cristalizados que evocam uma rie de
imagens, tanto das suas características geográficas, quanto culturais, sociais e
econômicas. Entre as primeiras, podemos citar elementos da paisagem que
incluem desde o recorte litorâneo com suas praias e seus remanescentes
coqueirais, até a paisagem mais seca do agreste e, sobretudo, a do sertão, com
sua vegetação símbolo, formada pelas cactáceas e seus tipos humanos, entre
os quais sobressai o vaqueiro com sua vestimenta de couro e sua pele curtida
pelo sol (BERNARDES, 2007, p. 01).
A formação social do Nordeste está intimamente relacionada com a história colonial
brasileira vale lembrar da importância da cultura popular para a Região, como maracatu,
bumba-meu-boi, frevo, literaturas de cordel, xilogravuras, dentre outras – sendo que
[...] as imagens sociais do Nordeste, inclusive veiculadas pelas grandes
emissoras de televisão, estão ligadas ao chamado coronelismo, ao
cangaceirismo e à persistência de formas arcaicas de relações sociais, situadas
no universo do pré-capitalismo. O Nordeste seria, assim, a região onde o
arcaísmo se confunde com o atraso nas relações sociais e nas formas do
exercício do poder. Seria, pois, uma região que conheceu um outro ritmo
histórico e, portanto, conservou formas e estruturas das relações sociais e da
dominação política que, em outras áreas, teriam desaparecido, ou mesmo,
nunca teriam tido vigência (BERNARDES, 2007, p. 02).
No processo de colonização, a incorporação do império colonial português provocou
profundas mudanças em sua territorialidade, ao revelar a apropriação de um espaço cada vez
mais modificado, seja em termos culturais e religiosos, seja em termos políticos e econômicos.
Conforme evidencia Bernardes (2007), os objetivos dos colonizadores eram (1) o confronto e
a submissão da ordem social, territorial e cultural dos indígenas; e (2) a alteração da paisagem
com a introdução de espécies vegetais e animais inexistentes na Região, como o cultivo da
cana-de-açúcar
1
e a criação de gado
2
, como também a instalação dos engenhos pela casa-
1
A produção da cana que dá origem a um novo produto: o açúcar.
2
A criação de gado trouxe a significativa destruição da mata atlântica e a substituição de florestas e cerrados por
pastagem.
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Seção
grande
3
e senzalas
4
. Desse modo, a economia instalada no Nordeste reúne a produção agrícola
e o trabalho escravo, além de aliar-se à concentração de renda e de terras.
O Nordeste foi permeado por dominações coloniais que provocaram mudanças
significativas na sua constituição histórica, dentre as quais destaca-se a economia com a criação
de portos importadores e exportadores, principalmente em Recife, e a política local com forte
influência do estado de Pernambuco
5
.
A política restrita à elite colonial no antigo regime resultou na eclosão de um movimento
remanescente das colônias em Pernambuco, que apontava para a criação de um estado nacional
caracterizando importantes modificações no espaço, como a instalação da monarquia
portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, e a divisão do país entre norte e sul
6
, incorporando
diferenças econômicas face às respectivas formações históricas. Na história política da Região
Nordeste, é importante assinalar uma série de movimentos que lhe são próprios e que não se
encontram em nenhuma outra parte do Brasil imperial, a exemplo da “revolução de 1817, [da]
confederação do equador 1824, [da] revolução praieira 1848, [da] guerra dos maribondos 1852,
[e da] quebra-quilos 1874” (BERNARDES, 2007, p. 18).
Com a queda da monarquia e a instauração da república federalista Primeira República
nessa mesma Região manifestam-se movimentos sociais e políticos que são expressão “do
reordenamento político promovido pela instauração do regime republicano, da questão agrária
e dos ajustes da economia nacional diante da nova fase do capitalismo mundial: cangaceirismo,
coronelismo e a manifestação de uma religiosidade popular de base” (BERNARDES, 2007, p.
26, grifos do autor).
A divisão territorial do Nordeste (fruto das capitanias hereditárias), a economia baseada
na agricultura, as estruturas arquitetônicas eclesiásticas e a variada literatura regional,
consagrando os autores Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, José
Lins do Rego, são heranças desse processo de desenvolvimento e contribuíram para a identidade
cultural nordestina, cristalizando a imagem da Região no país.
A formação sócio-histórica do Nordeste
7
explicita que a economia, a cultura e a área
3
Termo alusivo à casa residencial dos donos das propriedades rurais.
4
Alojamentos destinados à moradia de escravos nas fazendas e engenhos.
5
Teve a denominação por muitos anos de capitania geral.
6
“A própria localização da corte, no Rio de Janeiro, contribuiu para uma nova territorialidade ao, de alguma
maneira, dividir o país em duas grandes regiões: o Norte e o Sul. Ou seja, na primeira localizavam-se as províncias
situadas ao norte da corte, que compreendia da Bahia ao Amazonas, e ao sul, as que compreendiam de São Paulo
até o Rio Grande do Sul” (BERNARDES, 2007, p. 14).
7
O Nordeste obteve o título de região por meio da primeira divisão regional criada pelo IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística), a partir de 1930.
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Seção
social desenvolveram-se por meio das modificações estruturais instauradas desde o período
colonial até o fim do Estado Novo, em 1945, quando as transformações na Região
possibilitaram a criação de uma identidade nordestina, com traços nitidamente atuais.
Ressaltam-se, nesse processo, as desigualdades regionais em âmbito econômico, vinculadas à
miséria da população rural, o que se configurou em um esforço de desenvolvimento,
industrialização
8
e combate à pobreza como, por exemplo, com a criação da Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 1959, através da Lei nº 3.692.
A realidade vivenciada pelo Nordeste brasileiro explicita a condição colonial
permanente, em que o arcaico e o moderno convivem
9
. Ao analisar os traços da sociedade de
classes e como ela forja a dependência, Florestan Fernandes (1972) demonstra que a condição
colonial que permanece até a contemporaneidade é resultado de um traço marcante no
desenvolvimento histórico do país, que revela a condição de dependência e de exploração a que
o Brasil foi submetido desde a sua colonização. Nessa via, a intensificação da superexploração
do trabalho e o aumento da desigualdade são formas de endossar o subdesenvolvimento e as
formas arcaicas presentes no país, dentro dos limites da exploração
10
.
Na medida em que a estrutura e o destino histórico de sociedade desse tipo se
vinculam a um capitalismo dependente, eles encarnam uma situação
específica, que pode ser caracterizada através de uma economia de mercado
capitalista duplamente polarizada, destituída de autossuficiência e possuidora,
no máximo, de uma autonomia limitada (FERNANDES, 1972, p. 36).
Nessa via de análise, a Tabela 1 demonstra indicadores que, apesar de contemporâneos,
particularizam o Nordeste e, sobretudo, fazem referência às marcas que social e historicamente
constituem seu processo de desenvolvimento.
Tabela 1 – Informações demográficas e socioeconômicas da Região Nordeste
INDICADORES DA REGIÃO NORDESTE (IBGE)
Estados
Área km²
[2020]
População
[2020]
Densidade
Demog.
hab/km²
[2010]
Matrícula
Ensino Fund.
[2018]
IDH
[2010]
Renda
Mensal
R$
[2020]
ALAGOAS
27.830,656
3.351.543
112,33
490.587
0,631
796,00
BAHIA
564.760,427
14.930.634
24,82
2.034.711
0,660
965,00
CEARÁ
148.894,442
9.187.103
56,76
1.198.116
0,682
1.028,00
8
Principalmente no período da ditadura militar, de 1964 a 1985.
9
Florestan Fernandes amplia esse debate em sua obra Sociedade de classes e subdesenvolvimento (1972).
10
O autor revela a exploração de fora para dentro, numa lógica de exportação baseada numa economia de
subsistência.
Serviço Social no Nordeste Brasileiro: particularidades regionais e formação profissional
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Seção
PARAÍBA
56.467,242
4.039.277
66,70
556.248
0,658
892,00
PERNAMBUCO
98.067,880
9.616.621
89,63
1.301.930
0,673
897,00
PIAUÍ
251.755,485
3.281.480
12,40
480.126
0,646
859,00
RIO GRANDE
DO NORTE
52.809,601
3.534.165
59,99
467.629
0,684
1.077,00
SERGIPE
21.938,184
2.318.822
94,35
331.297
0,665
1.028,00
MARANHÃO
329.651,495
7.114.598
19,81
1.178.949
0,639
676,00
REGIÃO
NORDESTE
1.552.175,41
57.374.243,00
36,77
8.039.593
0,660
913,11
Fonte: sistematização de dados a partir do IBGE (2020a).
A Tabela 1 demonstra que a área territorial da Região Nordeste era, em 2020, de
aproximadamente 1.552.175,41 km², com uma população estimada (em 2020) de 57.374.243,00
pessoas e densidade demográfica (em 2010) de 36,77 habitantes por km². Apesar da extensão
territorial, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2019) revela que o Nordeste possui
as taxas mais elevadas de analfabetismo do país entre jovens de 15 anos ou mais e de idosos de
60 anos ou mais. Enquanto a média brasileira está em torno de 7% (15 anos ou mais) e 19% (60
anos ou mais), as da Região estão em 14% (15 anos ou mais) e 38% (60 anos ou mais). Além
disso, a Região apresenta as menores taxas de anos de estudo do país, no período analisado, sendo
que o número médio está em 7,8 anos, enquanto as taxas nacionais registraram a média de 9,2
anos de estudo.
Em relação à renda média, percebe-se o descompasso entre as regiões, sendo que a
Nordeste registra a menor do país, R$ 913,11, segundo os dados noticiados pelo IBGE (2020a).
O ranking é liderado pela Região Centro-Oeste, com média de R$ 1.655,50, seguido da Região
Sul, com R$ 1.633,00, da Sudeste, com R$ 1.549,50, e da Norte, com R$ 965,39. Se comparada
a renda média entre as regiões, pode-se dizer que a nordestina é 44,84% menor que a renda da
Região Centro-Oeste, 44,08% menor que a Sul e 41,07% menor que a Sudeste. As
particularidades dos dados evidenciam que os piores indicadores de rendimentos mensais do
Brasil revelam não apenas a realidade atual do Nordeste, mas refletem sua formação sócio-
histórica de favorecimento das elites e dos impactos que esta teve sobre a organização social e
econômica da Região.
Em termos econômicos, a atividade da Região em relação ao Produto Interno Bruto
(PIB) nacional tem aumentado a partir da virada do século com destaque para Fortaleza,
cidade com maior PIB do Nordeste (IBGE, 2020a). Além do setor tecnológico que tem
impulsionado o crescimento econômico do Nordeste nas últimas cadas, a agropecuária
Marileia Goin; Laryssa Danielly Silva Fernandes; Ariel Paula Jesus de Oliveira
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Seção
historicamente é uma das suas principais atividades econômicas, cuja participação no total de
grãos produzidos pelo país é de 8,1%, segundo dados do Diário Econômico ETENE (2019), do
Banco do Nordeste as marcas históricas do cultivo da cana-de-açúcar e da criação de gado
permanecem como basilares para a economia nordestina. Apesar da participação reduzida com
relação ao PIB nacional, o estudo demonstra a elevação da participação da agropecuária
nordestina no cenário nacional, com explícitos reflexos no mercado de trabalho em diferentes
setores. A produção industrial para o mercado exterior (exportação) varia entre bebidas,
metalurgia, indústrias extrativas, produção de biocombustíveis, produtos alimentícios, celulose
e produtos de papel, produtos químicos, produtos de borracha e material plástico, os quais têm
ganhado notoriedade nos últimos anos.
O mercado de trabalho, por sua vez, constitui-se enquanto um espaço contraditório.
Apesar da diversidade de atividades econômicas existentes como extração mineral, indústria de
transformação, construção civil, comércio, serviços, administração pública e agropecuária, e do
recente desenvolvimento tecnológico da Região, o qual tem aberto diferentes vagas de trabalhos
no setor tecnológico e industrial, como demonstrado por uma publicação do Diário de
Pernambuco (2021), o Nordeste também convive com altas taxas de desemprego
11
. Segundo o
IBGE (2020b), os estados com maior desemprego pertencem à Região Nordeste, com 17,2%, a
qual também possui a menor renda mensal total do país.
Nesse sentido, os dados de educação, renda, economia e desemprego mostram as
particularidades da Região Nordeste e conferem adensamento ao seu processo sócio-histórico.
As características sociais, marcadamente manifestas pela questão social, estão expressas nos
índices de pobreza monetária
12
, uma vez que os dados do documento do IBGE (2019, p. 58)
revelam que “quase metade (47,0%) dos brasileiros abaixo da linha de pobreza em 2018 estava
na Região Nordeste”.
Diante dessa conjuntura de análise, é exigido do/da Assistente Social um sólido
referencial teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo para apreender os desafios
interpostos pela Região, ao passo que a indissociabilidade da sua atuação e desses referenciais
confere particularidades à profissão, seja em termos de formação, seja em termos de trabalho
profissional.
11
O indicador de desemprego no Brasil, de acordo com a PNAD Contínua, é de 13,9% no 4° trimestre de 2020.
12
“Nesta seção a análise se debruça na pobreza sob a ótica monetária, ou seja, a partir de um valor que serve como
linha de corte para diferenciar pobres e não pobres” (IBGE, 2019, p. 57).
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Serviço Social na Região Nordeste: constituição, panorama hodierno e
características formativas
Em face das particularidades sociais, culturais, geográficas, políticas e econômicas
evidenciadas, não causa estranheza que o Serviço Social compartilhe de peculiaridades próprias
da Região e que, de certa forma, destoam das demais regiões, em face da continentalidade do
país e dos “brasis” nele presentes.
Nessa ótica de abordagem, é elementar considerar que a Região Nordeste, conforme
destacado na Tabela 2, corresponde, de acordo com as informações disponíveis no site do E-
MEC
13
, a oferta de aproximadamente 193
14
cursos presenciais de Serviço Social – totalizando
cerca de 30% da oferta
15
do país –, dos quais apenas 8% são de natureza pública (federal e
estadual), enquanto 176 são de natureza privada que contabilizam um percentual de 92%.
Além disso, destaca-se a presença de apenas um curso público, em universidade federal, em
estados como Maranhão, Piauí e Sergipe, em detrimento dos privados, que contabilizam 16, 18
e 9 cursos privados nestes estados, respectivamente.
Tabela 2 – Quantitativo de cursos e natureza institucional por estado da Região
Nordeste (2019)
ESTADO
Nº CURSOS
NATUREZA INSTITUCIONAL
Alagoas
11
2 públicas
9 privadas
Bahia
43
2 públicas
41 privadas
Ceará
30
2 públicas
28 privadas
Maranhão
17
1 pública
16 privadas
Paraíba
14
3 públicas
11 privadas
Pernambuco
34
2 públicas
32 privadas
Piauí
19
1 pública
18 privadas
Rio Grande do Norte
15
2 públicas
13 privadas
13
Informações acessadas no decorrer do segundo semestre de 2019, no site
http://emec.mec.gov.br/emec/nova#avancada.
14
É elementar destacar a divergência com as informações constantes no Relatório do INEP no qual constam 140
instituições – em face dos argumentos apontados na nota de rodapé 16.
15
que se considerar que totalizam 672 as instituições credenciadas para ofertar o curso de Serviço Social,
estejam elas em atividade, em extinção ou em processo de mudança de modalidade (presencial para a distância).
Todavia, aqui se está considerando o número total habilitado até a conclusão da pesquisa realizada. Se houver a
comparação com as informações disponíveis pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira, torna-
se perceptível que, no senso publicado em 2018, constam apenas 418 instituições em pleno funcionamento. Mesmo
assim, considera-se o número registrado pelo E-MEC, pois entende-se que, se a instituição não foi descredenciada,
encontra-se habilitada a ofertar formação a qualquer momento, desde que cumpra com os requisitos exigidos pelo
Ministério da Educação.
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Seção
Sergipe
10
1 pública
9 privadas
TOTAL
193
16 PÚBLICAS
177 PRIVADAS
Fonte: Elaboração própria a partir de E-MEC (2019).
Do total de cursos presenciais ofertados, 55% estão em apenas três estados (Bahia, Ceará
e Pernambuco), os quais remontam aos mais antigos da Região 1944, 1950 e 1940,
respectivamente. O destaque relativo à criação dos primeiros cursos de Serviço Social em cada
estado ganha proeminência ao visualizar a síntese apresentada na Tabela 3, uma vez que, no
decurso de três décadas, entre os anos 1940 e 1970, todos os estados, sem exceção, têm seus
primeiros cursos constituídos – essa é uma das particularidades da Região Nordeste em relação
à Norte, por exemplo, na qual apenas os estados do Amazonas e do Pará criaram seus cursos na
metade do século passado (1945 e 1957, respectivamente), enquanto os demais têm seus
primeiros registros a partir da virada para o século XXI.
Tabela 3 – Constituição do curso de Serviço Social mais antigo nos estados da Região
Nordeste, com os respectivos anos (aproximados) de criação
Estado
Instituição/Sigla
Criação16
Pernambuco
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
1940
Bahia
Universidade Católica do Salvador (UCSAL)
1944
Rio Grande do Norte
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
1945
Ceará
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
1950
Maranhão
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
1953
Alagoas
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
195717
Paraíba
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
195918
Sergipe
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
1968
Piauí
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
197719
Fonte: Elaboração própria a partir de E-MEC (2019).
O curso mais antigo da Região Nordeste, conforme evidenciado na Tabela 3, é relativo
16
Os anos constantes referem-se aos indicados junto ao E-MEC, podendo haver divergência do registrado pelos
cursos em face de ali encontrarem-se registradas informações relativas à autorização e ao reconhecimento do curso
e, não, necessariamente, à data do início efetivo das atividades.
17
Em 1955 é criada a Escola de Serviço Social Padre Anchieta, a qual foi inaugurada apenas em 1957. A
Universidade Federal do Alagoas, por sua vez, incorpora todos os cursos em 1962, exceto o de Serviço Social, que
é incorporado apenas em 1972.
18
As primeiras escolas de Serviço Social são criadas em 1952, em João Pessoa, e em 1957 em Campina Grande,
mas a universidade só foi fundada oficialmente em 1959.
19
A informação disponível pelo E-MEC diverge do site institucional, o qual registra que a criação do curso foi em
1979.
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Seção
ao estado de Pernambuco, cuja criação dá-se imediatamente posterior à emergência dos
primeiros cursos de Serviço Social no Brasil – cujo atributo do mais antigo é conferido ao que
hodiernamente é conhecida como Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), em
1936. Institucionalizado junto à Universidade Federal de Pernambuco, o referido curso
mantém-se como o único público do estado até 2013, quando a universidade estadual
(Universidade de Pernambuco) credenciou a oferta de Serviço Social. Além disso, é importante
demarcar que, do total dos 34 cursos hoje habilitados a ofertar a formação na área, dois deles
dizem respeito ao culo passado UFPE, conforme referido, e Universidade Católica de
Pernambuco (UNICAP), em 1973 sendo os demais constituídos somente a partir de 2008, o
que quer dizer que 32 cursos, em Pernambuco, têm, no máximo, 10 anos de existência. É preciso
lembrar que, desse total de cursos credenciados, 11 constam como não iniciados e soma-se a
ele, ainda, a oferta de outros 32 na modalidade a distância.
Embora na Bahia esteja o segundo curso mais antigo da Região em evidência e todas as
demais instituições tenham constituído seus cursos a partir da virada do século assim como
Alagoas, Maranhão e Piauí –, é apenas em 2008, no Recôncavo Baiano, que se registra o
primeiro curso público do estado, que em 2009 ganhou o reforço da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), na capital baiana. Apesar disso, o referido estado é o mais numeroso em termos
quantitativos, pois, sozinho, oferta 22% dos cursos registrados no somatório dos nove estados-
parte da Região Nordeste.
Enquanto a Bahia carrega o título de estado que mais oferta Serviço Social na Região,
Sergipe não só é o menor estado nordestino, como é o que menos cursos credenciados registra
– total de dez, embora um deles conste como não iniciado. A oferta na modalidade a distância
é quase o dobro da presencial, contabilizando dezenove instituições, número próximo ao do
Piauí, que conta com 24 instituições habilitadas, na mesma modalidade.
O estado cearense, diferentemente dos demais, não possui curso público em
universidade federal, uma vez que os dois cursos públicos são ofertados em instituto federal e
em universidade estadual, sendo a este atribuído o curso mais antigo do Ceará, criado em 1950.
Soma-se aos dois cursos públicos, 28 instituições privadas que ofertam Serviço Social (dos
quais dois constam como não iniciados), o que alude ao terceiro mais numérico, em termos
formativos, da Região.
Em relação à Paraíba, o destaque é relativo ao maior quantitativo em termos de oferta
em instituições públicas, ao passo que contabiliza três, sendo duas federais e uma estadual a
mais antiga é registrada em instituição estadual. Além do atributo aludido, o estado paraibano
computa a criação dos onze cursos privados a partir da virada do século, assim como o Rio
Marileia Goin; Laryssa Danielly Silva Fernandes; Ariel Paula Jesus de Oliveira
462
DOSSIÊ
Seção
Grande do Norte, estado cujos cursos privados presenciais foram constituídos apenas a partir
de 2001.
Se são notórias as assimetrias no que tange ao quantitativo de cursos de Serviço Social
ofertados nos estados que compõem a Região Nordeste, em termos de formação profissional,
os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPCs)
20
evidenciam incontáveis similaridades pelo nítido
diálogo com as Diretrizes da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS) as quais constituem elementar subsídio de resistência formativa, uma vez que
apresenta a interface entre as dimensões formativas e seus pressupostos políticos, aspectos
perdidos com a aprovação pelo Conselho Nacional de Educação, em 2002 –, ao apresentar a
“organização curricular e de seus conteúdos (teórico-ético-políticos-culturais) de forma
dinâmica, assegurando a formação profissional com consistência teórico-metodológica,
coerência ético-política e competência técnico-operativa” (BARROSO; GOIN, 2020, p. 113).
Indispensável referir que esse movimento de constituição das Diretrizes da ABEPSS
resulta de um amplo diálogo coletivo, realizado em meados dos anos 1990, período em que a
proposta de Diretrizes Curriculares foi consolidada após intenso período de debates e avaliações
do processo de formação profissional entre as instituições de ensino envolvidas. A proposta de
Diretrizes Curriculares oferta uma base política comum para a elaboração do currículo do curso
de graduação em Serviço Social ofertado pelas instituições de ensino superior e expressa o rigor
teórico-metodológico e ético-político que inspira a formação profissional, com vistas à
qualificação técnico-operativo, de modo a proporcionar a apreensão crítica da totalidade
histórica; do significado social da profissão a partir das possibilidades de ação contidas na
realidade; das demandas do Serviço Social no mercado de trabalho; e do trabalho profissional
em observância às competências e atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor.
Tais fatores incidem na construção permanente de um perfil profissional dinâmico, capaz de
lidar com as demandas cotidianas (ABEPSS, 1996).
Em relação a esse perfil de egresso/a, os PPCs analisados evidenciam a preocupação
com uma formação que capacite para a inserção crítica no âmbito das relações sociais, de modo
que as propostas profissionais privilegiem os interesses das classes subalternas. Assim, o
trabalho deve estar ancorado em referencial teórico-metodológico e ético-político que permita
elucidar as contradições e determinações interpostas no bojo da vida social, de modo a orientar
20
Foram analisados os PPCs disponíveis nos sites das instituições de ensino superior e, em face do critério
utilizado, foram localizados apenas seis (UEPB, UFAL, UFPE, UFMA, UFRN e UFPI) na data da pesquisa (10 de
julho de 2021) logo, UFS, UCSAL e UECE não constam na análise, porque seus Projetos Pedagógicos não foram
localizados.
Serviço Social no Nordeste Brasileiro: particularidades regionais e formação profissional
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.2, p. 452-473, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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DOSSIÊ
Seção
teórica e politicamente a operatividade profissional, que se trata da forma como a profissão
aparece socialmente, como é conhecida e reconhecida, em face dos seus processos
interventivos. Tal perspectiva vai de encontro ao irracionalismo e à razão instrumental, que
reduzem o trabalho ao mero pragmatismo, involucrado de respostas pontuais, rotineiras,
repetitivas e focalizadas, no âmbito de uma racionalidade empobrecedora, que valoriza o acaso,
a empiria e o fortuito. Entende-se, dessa forma, que o perfil do/da egresso/a indicado no PPCs
prevê que o corpo discente, com a integralização do curso, esteja teórica, política e tecnicamente
habilitado a superar as requisições restritas e mecânicas às rotinas institucionais, que é plena de
[...] requisições de cumprimento de normas, regulamentos, orientações ou
decisões de superiores, os quais impõem ao profissional a necessidade de
respostas a elas. Neste contexto, a prioridade é responder aos fenômenos, não
importa como, disto resultando um conjunto de respostas profissionais
rápidas, ligeiras, irrefletidas, instrumentais, baseadas em analogias,
experiências, senso comum, desespecializadas, formais, modelares, em
obediência a leis e superiores, sem a qualificação necessária para distingui-las
de respostas atribuídas por leigos (GUERRA, 2017, p. 56).
Assim, consta nos PPCs uma nítida defesa de um perfil de egresso/a que desenvolva (1)
capacitação teórico-metodológica para a apreensão crítica do processo histórico, seu
movimento dinâmico e contraditório; (2) formação generalista, com capacidade criativa,
propositiva e investigativa, sobretudo, no que se refere à formação da sociedade brasileira, as
particularidades do capitalismo no país e como são tecidas as relações sociais de produção e
reprodução em que se assenta o Serviço Social brasileiro; (3) capacitação ético-política, para a
apreensão da dimensão teleológica da profissão e dos valores e princípios dispostos no Código
de Ética Profissional, e técnico-operativa, para dar respostas às demandas postas pelo mercado
de trabalho, de modo que sejam capazes de potencializar as existentes tendências de
enfrentamento à questão social; (4) e a apreensão das relações entre público e privado na gestão
do Estado e, consequentemente, das políticas sociais, que influem no entendimento das
demandas que são postas ao Serviço Social (UFPE, 2009; UFPI, 2012; UFMA, 2016; UFRN,
2019; UFAL, 2019; UEPB, 2016).
Nessa simétrica esteira, a maioria dos cursos analisados tiveram seu PPC atualizado na
última década, com destaque para a UFRN e a UFAL, cuja versão em vigor é de 2019, e UFMA
e UEPB, que datam de 2016 e, sem exceção, todos os cursos cumprem a carga horária mínima
3.000 horas, segundo o Ministério da Educação (MEC) e o limite mínimo para a
integralização do curso de oito semestres, de acordo com a Resolução MEC/CNE/CES
2/2007
21
, do Ministério responsável pelo credenciamento e recredenciamento dos cursos e das
21
Dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos de
Marileia Goin; Laryssa Danielly Silva Fernandes; Ariel Paula Jesus de Oliveira
464
DOSSIÊ
Seção
instituições de ensino superior, conforme sistematizado na Tabela 4.
Tabela 4 – Configurações gerais dos cursos mais antigos nos estados da Região
Nordeste
Carga Horária
Instituição
PPC em vigência
Duração média
do Curso
Curso
Estágio
Supervisionado
Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB)
2016
8 semestres
letivos
3.195
480
Universidade Federal de Alagoas
(UFAL)
2019
8 semestres
letivos
3.154
400
Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE)
2009
8 semestres
letivos
3.100
480
Universidade Federal do
Maranhão (UFMA)
2016
8 semestres
letivos
3.000
720
Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN)
2019
8 semestres
letivos
3.090
480
Universidade Federal do Piauí
(UFPI)
2012
8 semestres
letivos
3.225
620
Fonte: Sistematização própria a partir dos PPCs.
No que tange ao estágio supervisionado, de acordo com a Tabela 4, é perceptível que a
carga horária relativa ao estágio curricular obrigatório e supervisionado é de no mínimo 15%
da carga horária total do curso, conforme disposto na Política Nacional de Estágios (2010)
22
,
da ABEPSS. A mesma Política, que representa o adensamento e a maturação em torno da
temática após a aprovação da Lei de Estágios 11.788/08
23
e da Resolução CFESS 533/08
24
,
prevê a sua oferta em diferentes níveis (entre 2 e 4 semestres), distribuídos no decorrer dos
últimos anos de integralização do curso, essencialmente após o cumprimento, com êxito, das
disciplinas de Fundamentos Históricos e Teórico-Metodológicos do Serviço Social e Ética
Profissional, “pela necessidade de formação do senso crítico e conhecimentos específicos
básicos da profissão” (ABEPSS, 2010, p. 29).
Tendo em vista a consolidação do perfil de egresso/a referido e das configurações gerais
dos cursos, os princípios que orientam a organização curricular nos PPCs estão em consonância
com as Diretrizes Curriculares da ABEPSS, de 1996, que pressupõem:
1. Flexibilidade de organização dos currículos plenos, expressa na
possibilidade de definição de disciplinas e ou outros componentes curriculares
tais como oficinas, seminários temáticos, atividades complementares
graduação, bacharelados, na modalidade presencial.
22
Vale lembrar que a homologação da Política Nacional de Estágios junto ao MEC ainda se trata de um desafio
político à categoria profissional, que desde sua aprovação confere esforços para viabilizar sua incorporação nos
instrumentos normativos do Ministério.
23
Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga
as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei
no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá
outras providências.
24
Dispõe sobre a regulamentação da supervisão direta de estágio no Serviço Social.
Serviço Social no Nordeste Brasileiro: particularidades regionais e formação profissional
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DOSSIÊ
Seção
como forma de favorecer a dinamicidade do currículo; 2. Rigoroso trato
teórico, histórico e metodológico da realidade social e do Serviço Social, que
possibilite a compreensão dos problemas e desafios com os quais o
profissional se defronta no universo da produção; e reprodução da vida social;
3. Adoção de uma teoria social crítica que possibilite a apreensão da totalidade
social em suas dimensões de universalidade, particularidade e singularidade;
4. Superação da fragmentação de conteúdos na organização curricular,
evitando-se a dispersão e a pulverização de disciplinas e outros componentes
curriculares; 5. Estabelecimento das dimensões investigativa e interventiva
como princípios formativos e condição central da formação profissional, e da
relação teoria e realidade; 6. Padrões de desempenho e qualidade idênticos
para cursos diurnos e noturnos, com máximo de quatro horas/aulas diárias de
atividades nestes últimos; 7. Caráter interdisciplinar nas várias dimensões do
projeto de formação profissional; 8. Indissociabilidade nas dimensões de
ensino, pesquisa e extensão; 9. Exercício do pluralismo como elemento
próprio da natureza da vida acadêmica e profissional, impondo-se o necessário
debate sobre as várias tendências teóricas, em luta pela direção social da
formação profissional, que compõem a produção das ciências humanas e
sociais; 10. Ética como princípio formativo perpassando a formação
curricular; e 11. Indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica e
profissional (ABEPSS, 1996, p. 6-7).
No âmbito desses princípios formativos, as disciplinas são articuladas pelos Núcleos de
Fundamentação Núcleo de Fundamentos Teórico-Metodológicos da Vida Social; Núcleo de
Fundamentos da Formação Sócio-Histórica da Sociedade Brasileira; e Núcleo de Fundamentos
do Trabalho Profissional que consistem em um “conjunto de conhecimentos elementares à
formação e ao trabalho profissional” (GOIN, 2019, p. 02). Na medida em que a
indissociabilidade desses núcleos de fundamentação, rompe-se com um entendimento
fragmentado e enviesado da formação e, consequentemente, das particularidades do trabalho
profissional. “Esta articulação favorece uma nova forma de realização das mediações aqui
entendida como a relação teoria-prática que deve permear toda a formação profissional,
articulando ensino-pesquisa-extensão” (ABEPSS, 1996, p. 09). Nessa ótica, os Núcleos de
Fundamentação
[...] articulam um conjunto de conhecimentos elementares à formação e ao
trabalho profissional. Não se tratam de eixos hierarquizados, classificatórios
e autônomos, mas interdependentes e indissociáveis, que expressam níveis
diferenciados e complementares de abstração para decifrar a profissão na
dinâmica societária e ancoram os Fundamentos do Serviço Social. Aliás, é na
articulação que a sua apreensão se torna possível (GOIN, 2019, p. 02).
É elementar considerar que o primeiro Núcleo refere-se ao conjunto de conhecimentos
que permitem situar a conformação do ser social enquanto totalidade histórica e dialética; o
segundo engloba elementos que permitem a análise crítica da formação social, econômica,
cultural e política brasileira; e o terceiro, por sua vez, mobiliza o arcabouço para o trabalho
profissional competente, de forma a perceber o Serviço Social enquanto uma profissão inscrita
Marileia Goin; Laryssa Danielly Silva Fernandes; Ariel Paula Jesus de Oliveira
466
DOSSIÊ
Seção
na divisão social e técnica do trabalho, como especialização do trabalho coletivo, que articula
dimensões operativas, intelectivas, teóricas, éticas e políticas. Considerando as disciplinas que
se vinculam a cada Núcleo, tendencialmente o do Trabalho Profissional concentra a maior carga
horária do curso assim como pode ser visualizado na Tabela 5 –, uma vez que, conforme
indicado, as disciplinas de Estágio Supervisionado, sozinhas, computam no mínimo 15% da
carga horária total do curso.
Tabela 5 – Carga horária concentrada em cada Núcleo de Fundamentação
Instituição
Núcleo de
Fundamentos da
Vida Social
Núcleo de
Fundamentos da
Realidade
Brasileira
Núcleo de
Fundamentos do
Trabalho
Profissional
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
630 horas
480 horas
1725 horas
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
648 horas
450 horas
954 horas
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
540 horas
240 horas
1440 horas
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
540 horas
570 horas
1485 horas
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN)
690 horas
420 horas
810 horas
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
840 horas
450 horas
1335 horas
Fonte: Sistematização própria a partir dos PPCs.
O destaque da Tabela 5, além da significativa carga horária dos cursos da UEPB, da
UFMA e da UFPI no Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional, está no curso da
Universidade Federal de Pernambuco e mais antigo da Região
25
, em que o referido Núcleo tem
500% de carga horária se comparada a do Núcleo da Realidade Brasileira e aproximadamente
166% se comparado à do Núcleo da Vida Social. A organização curricular do curso indicado
(UFPE) revela um elementar aparato teórico à formação, no intento de possibilitar a apreensão
da sociedade de classes e do ser social, em sua totalidade histórica e ontológica. As disciplinas
do núcleo da Formação da Sociedade Brasileira adensam o movimento histórico do primeiro
núcleo e o particularizam no âmbito da sociedade brasileira, com destaque para disciplinas
como “Questão Social Brasileira” e “Trabalho e Sociabilidade”, cujas ementas saturam os
aportes teórico-metodológicos necessários para desvelar o objeto de intervenção profissional e
a realidade brasileira. No conjunto do Núcleos desse curso, assim como nos demais cursos
analisados, é perceptível que parte significativa das disciplinas encontra-se distribuída no
Núcleo de Fundamentação do Trabalho Profissional, cujo adensamento é necessário para
25
A grade curricular é composta por disciplinas obrigatórias e facultativas, além de seminários e oficinas
de trabalho. Para a integralização de atividades eletivas no currículo, são exigidas 880 horas, destas 640 devem ser
disciplinas eletivas que componham o perfil do curso, 120 de eletivas livres e outras 120 horas em atividades
complementares (como atividades de extensão, pesquisa e monitorias) (UFPE, 2009).
Serviço Social no Nordeste Brasileiro: particularidades regionais e formação profissional
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sintonizar a profissão, seu significado social e suas requisições profissionais, no âmago da
sociabilidade capitalista. A densidade de tal Núcleo é essencial para que a discussão teórico-
metodológica seja desenvolvida de modo a apreender o Serviço Social como uma profissão
detentora de relativa autonomia, tributária de atribuições que lhe são exclusivas e de aparato
ideopolítico, basilar à operatividade da profissão. Quer-se dizer que os embasamentos teórico-
metodológico e ético-político são fundantes para a dimensão técnico-operativa, que se trata do
modo como a profissão se mostra e se coloca no mundo do trabalho.
Apesar da densidade do Núcleo do Trabalho Profissional, evidencia-se de forma
diminuta, nos PPCs pesquisados, as disciplinas voltadas ao adensamento da dimensão técnico-
operativa
26
, apesar de todos os cursos, sem exceção, preverem as disciplinas de Estágio
Supervisionado e Processos de Trabalho. Nesse sentido, há a centralidade na dimensão teórico-
metodológica, no adensamento das matrizes e categorias explicativas do real, carecendo, por
vezes, de mediações (seja em disciplinas, seja em seus conteúdos programáticos) que
dialoguem com a relação orgânica entre teoria e prática “o óbvio precisa ser dito” e,
consecutivamente, superem a tendência de proliferação da abordagem simplista das requisições
profissionais e que facilmente podem ocasionar a substituição profissional ou a perda de
atividades que originalmente lhe eram exclusivas.
Não se quer dizer, com isso, que a dimensão teórico-metodológica não instrumentaliza
para o trabalho profissional. Ao contrário. Próprio da concepção materialista histórica e
dialética, teoria e prática são entendidas em sua relação unitária. Todavia, essa apreensão deve
ser explorada, exemplificada e dissolvida entre as disciplinas sem receio de reprodução de
um tecnicismo estéril –, pois é elementar que o corpo discente estabeleça as conexões teórico-
práticas, as adense e torne nítidas para evitar riscos de reproduções que na “teoria a prática é
outra”, amplamente abordada por Santos (2010).
Nesse sentido, a formação profissional possibilita elucidar: (1) as requisições atribuídas
ao Serviço Social no âmbito do complexo e contraditório mundo do trabalho e no que refere à
26
Exemplos de disciplinas que adensam a dimensão técnico-operativa: UFAL Oficina de Estágio em Serviço
Social 1 e 2, Oficina Técnico-Operativa do Serviço Social I e II, Processo de Trabalho, Seminário Temático em
Serviço Social, Administração e Planejamento em Serviço Social II e as atividades curriculares de extensão; UEPB
– Serviço Social e Instrumentalidade, Serviço Social e Processos de Trabalho, Estágio, Fundamentos Históricos e
Teórico-Metodológicos VI, Introdução ao Exercício Profissional e Oficina de Elaboração de Projetos Sociais;
UFPI Oficina III, Processo de Trabalho do Serviço Social II, Planejamento e Gestão de Políticas Públicas e
Serviços Sociais, Processo de Trabalho do Serviço Social III, Avaliação de Políticas Públicas e Projetos Sociais,
Seminário de Prática I, Estágio e Seminário de Prática II; UFMA Estágio, Planejamento Social, Serviço Social
e Processos de Trabalho e Oficinas (Oficina de Processos e Instrumentos Pedagógicos do Serviço Social I e II);
UFRN Serviço Social e Processos de Trabalho, FHTM III, Estágio, Oficina de Instrumentalidade e Projeto Ético-
Político do Serviço Social e pico em Serviço Social I e II; UFPE Estágio, Planejamento Social, Seminário
Temático I e II e Serviço Social e Processos de Trabalho.
Marileia Goin; Laryssa Danielly Silva Fernandes; Ariel Paula Jesus de Oliveira
468
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Seção
divisão social, sexual e técnica do trabalho; (2) o que lhe é privativo, exclusivo e particular no
conjunto das profissões que fazem interface com a área social; (3) o que qualifica os processos
interventivos como sendo do Serviço Social; (4) e em que medida a utilização de instrumentos
e técnicas, comuns aos processos de trabalho coletivos, se torna exclusiva no âmbito dos
conhecimentos particulares a essa profissão. Nos termos de Santos (2010, p. 05),
[...] um referencial teórico não deriva, de imediato, instrumentos e técnicas
para a intervenção, mas ele contribui e é condição necessária para a escolha
dos instrumentos mais adequados à ação. Ainda, é ele quem empresta o
conteúdo a ser comunicado por meio desses instrumentos e oferece subsídios
à sua utilização ao desvelar as mediações necessárias à passagem da teoria à
prática [...].
Essa consideração encontra-se fundamentada na própria concepção de teoria
e prática defendida no materialismo histórico-dialético, segundo a qual teoria
e prática mantêm uma relação de unidade, na diversidade formam uma relação
intrínseca, sendo o âmbito da primeira o da “possibilidade” e o da segunda, o
da “efetividade”. Transmutar da possibilidade à efetividade requer mediações
objetivas e subjetivas que se relacionam. Os instrumentos e técnicas da
intervenção pertencem ao âmbito da efetividade, os quais, a partir das
mediações, potencializam as ações dos homens e, portanto, merecem atenção.
Ademais das características indicadas, evidencia-se, a partir da análise dos PPCs da
Região Nordeste, que na maioria dos cursos a extensão ainda é uma atividade acadêmica
complementar (ACC), com exceção da UFAL, que tem a extensão curricularizada, com carga
horária de 300h, fazendo parte do 2°, 3°, e períodos do curso. A curricularização da
extensão que vem sendo objeto de discussões da ABEPSS em face da Resolução
MEC/CNE/CES 07/2018
27
ocorreu na UFAL em 2019 e possui quatro áreas de concentração:
(1) Políticas Públicas; (2) Direitos Sociais; (3) Movimentos Sociais; e (4) Serviço Social.
Sobre as particularidades regionais, destaca-se o PPC da UFMA, uma vez que inúmeras
disciplinas abordam a temática como transversal, ao considerar os processos sociais peculiares
à Região Nordeste, a questão política e regional do estado, ressaltando os “mandonismos
políticos [...] estagnação social, política, econômica e cultural” (UFMA, 2016, p. 07)
conforme evidenciado no item precedente. Nesta esteira, ressalta que o
[...] padrão sócio-histórico se consolidou e se reproduziu através da formação
de grupos políticos de caráter mandonista, articulando formas modernas e
conservadoras de perspectivas de desenvolvimento para o Estado ao mesmo
tempo em que promovem uma extrema concentração de renda, riqueza, poder
e propriedade, pautadas em relações patrimoniais, paternalistas e clientelistas
que propiciam a subtração das possibilidades de um desenvolvimento mais
equânime para o Estado (UFMA, 2006, p. 07).
27
Estabelece as diretrizes para a extensão na Educação Superior brasileira e regulamenta as atividades de extensão
como atividades curriculares discentes, considerando a indissociabilidade com a pesquisa e a extensão.
Serviço Social no Nordeste Brasileiro: particularidades regionais e formação profissional
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.2, p. 452-473, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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Seção
A UFAL, por sua vez, tem uma disciplina obrigatória intitulada “Formação Social,
Econômica e Política de Alagoas” que se debruça na gênese da formação do estado de Alagoas,
abordando temáticas como paternalismo, coronelismo, concentração de riqueza e poder no
estado, a relação do estado com a Região Nordeste e seu processo de emancipação política.
Além dessa, a disciplina eletiva “Saúde Mental e Serviço Social” aborda o Serviço Social e a
política de saúde mental no Brasil e em Alagoas, de modo a discutir questões peculiares da
política de saúde no estado alagoano, seus processos e acessos.
No PPC na UEPB, a disciplina obrigatória “Questão Regional” aborda aspectos como o
conceito de região e suas particularidades no contexto do capitalismo e as políticas de
desenvolvimento na Região Nordeste. Outra disciplina que chama a atenção é a de
“Fundamentos Históricos e Teóricos Metodológicos do Serviço Social 1”, pois traça o debate
da emergência do Serviço Social na Paraíba, indicando os fatores internos e externos da gênese,
e a disciplina de “Antropologia”, que ênfase à realidade brasileira e suas particularidades
regionais, a partir das representações sociais e expressões culturais dos diferentes segmentos
sociais.
Na UFMA, observa-se no PPC a transversalidade de temas que abordam o estado do
Maranhão. A maioria das disciplinas se correlaciona com a questão regional e tece críticas
efetivas à condição política e econômica do estado. As disciplinas obrigatórias que dialogam
com o contexto no Maranhão são “Relações Étnico-Raciais no Brasil e Serviço Social”, que
discute o trabalho do/da Assistente Social no contexto de suas relações étnico-raciais no Brasil
e no Maranhão; “Relações de Gênero e Serviço Social”, que aborda os movimentos feministas
no estado e o trabalho profissional no contexto das relações de gênero no Brasil e no Maranhão;
“Movimentos Sociais e Serviço Social”, que versa sobre os movimentos sociais no Brasil e no
Maranhão e aborda a transversalidade com a questão de gênero, raça/etnia e a inter-relação com
o Serviço Social; “Serviço Social e Questão Social II”, que traz aspectos para o debate da
questão agrária e agrícola no Brasil, na Amazônia e no Maranhão, com destaque para os
elementos conceituais e históricos da questão social no campo e as principais correntes teóricas
de interpretação do capitalismo no campo; “Serviço Social e Questão Social III”, que versa
sobre a questão social na cidade, enfatizando a questão urbana no Brasil, na Amazônia e no
Maranhão, destacando a moradia, a segregação socioespacial, a violência, os processos
migratórios e a questão do poder local, políticas públicas municipais, lutas e movimentos
sociais; e “Antropologia”, que aborda, assim como o curso da UEPB, as particularidades
regionais. Além das referidas, outras três disciplinas optativas também fazem menção ao estado
ou à Região Nordeste: “Famílias, Infâncias, Adolescências e Políticas Públicas”, que aborda a
Marileia Goin; Laryssa Danielly Silva Fernandes; Ariel Paula Jesus de Oliveira
470
DOSSIÊ
Seção
política de atendimento à criança e adolescente, a violação de direitos no Brasil e no Maranhão,
além da discussão da construção dos mecanismos de garantia de direitos; “Questão Ambiental
e Políticas Públicas”, que versa sobre as desigualdades sociais e questões ambientais no Brasil,
na Amazônia e no Maranhão; e “Política de Educação e Serviço Social”, que traz o debate
teórico-conceitual da educação e a análise da política educacional brasileira, considerando suas
particularidades no Maranhão.
No curso da UFPI, algumas disciplinas também se debruçam teoricamente para o
entendimento do estado do Piauí, como a obrigatória “Formação Sócio Histórica do Nordeste”,
com ênfase no Piauí, que trata das questões agrárias e urbanas e o poder político no Nordeste,
além dos processos globais e suas repercussões nas políticas regionais; “Oficina I”, que versa
sobre as expressões e vivências da questão social no Piauí; “Iniciação Antropológica”, que
assim como a UEPB e a UFMA, traz as particularidades regionais; e “Processo de Trabalho do
Serviço Social II e III”, que aborda o debate do trabalho profissional na esfera governamental
como o principal espaço sócio-ocupacional do Assistente Social no Brasil e no Piauí, e nas
esferas privadas. Em relação às disciplinas optativas, é ofertada “Meio ambiente e
desenvolvimento sustentável”, que aborda a questão ambiental no Piauí, seus atores, processos
e as políticas existentes.
Em relação à UFRN, o PPC do curso tem como disciplina obrigatória a de “Formação
Social, Econômica e Política do Brasil e do Nordeste”, que trata sobre os fundamentos
históricos, socioculturais, políticos e econômicos do Brasil e do Nordeste, crises, retrocessos e
perspectivas nacionais e regionais de desenvolvimento; e a disciplina de “Antropologia e o
estudo da Cultura”, que trata da construção das identidades sociais, particularmente brasileira
e regional.
Ainda sobre a abordagem das particularidades regionais, o PPC da UFPE tem como
disciplina obrigatória “Questão Social no Brasil”, que aborda as configurações da Questão
Social em Pernambuco, e a eletiva “Economia no Nordeste”, que traz as particularidades
regionais no que se refere ao desenvolvimento econômico, população, emprego, comércio,
agropecuária e indústrias.
É notável que em termos formativos a profissão dialoga com a realidade local e regional,
considerando que a formação acadêmica no Serviço Social tende a incorporar “os dilemas
regionais e nacionais como matéria da vida acadêmica, participando da construção de respostas
aos mesmos no âmbito de suas atribuições” (IAMAMOTO, 2014, p. 625). Em se tratando da
Região Nordeste, temáticas como pobreza, concentração de renda, política, economia e cultura
são essenciais para a apreensão das características sócio-históricas nordestinas e, ademais, das
Serviço Social no Nordeste Brasileiro: particularidades regionais e formação profissional
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contradições a essa região inerente e como perpassam nas disciplinas e em seus respectivos
Núcleos de Fundamentação, no bojo da formação profissional em Serviço Social.
Nos termos aludidos, a formação profissional em Serviço Social na Região Nordeste, a
partir da análise dos PPCs dos cursos mais antigos dos estados, evidencia fulcral filiação
ontocrítica com a qualificação das esferas teórico-metodológica, ético-política e técnica para o
exercício do Serviço Social como especialização do trabalho coletivo. Trata-se de um
posicionamento não apenas teórico, mas também político, que se reflete no compromisso com
a classe trabalhadora e contra todas as formas de opressão e exploração no arcabouço da
formação acadêmica e, sobretudo, do trabalho profissional assim, o trabalho reivindica
dimensão política para sobrepujar práticas mecanizadas e focalizadas (herdadas das práticas
filantrópicas localizadas nas protoformas da profissão).
É no bojo dos elementos analisados ainda que preliminares que se enseja a
necessidade de continuidade e adensamento dos estudos, base para o fomento do debate acerca
da formação de graduação e pós-graduação, assim como dos espaços de organização e
construção coletiva da categoria de assistentes sociais, essenciais para localizar as requisições
e os desafios interpostos à profissão no âmbito das particularidades da Região Nordeste.
Considerações para continuar o debate
O Nordeste se constitui como um complexo envolto por diferentes contradições. Sua
herança colonial e o ranço das oligarquias existentes na Região questões brevemente
apontadas e importantes de serem sumariadas corroboram para a realidade nordestina
hodierna, que conjuga a existência de elevadas taxas de concentração de renda, o alto número
de pessoas desempregadas, as taxas mais baixas de acesso à educação básica e à renda mensal
proveniente de trabalho. As marcas fincadas na formação social nordestina, que conjugam
arcaico e moderno, pobreza e concentração de renda, economia e particularidades naturais,
diversidade cultural e geografia inigualáveis, intensificam suas peculiaridades no cenário uno
e diverso brasileiro.
É nesse solo em que se assenta o Serviço Social. A profissão na Região Nordeste – cujo
registro de criação é dos anos 1940, no bojo de constituição da profissão no Brasil se mostra
quantitativa e qualitativamente elementar no cenário brasileiro, ao considerar que um terço da
formação se encontra nos limites territoriais nordestinos e, ademais, seu compromisso com as
questões locais-regionais, evidenciado nos Projetos Pedagógicos dos Cursos analisados,
explicita a vinculação entre profissão e realidade e reverbera seu compromisso político com
Marileia Goin; Laryssa Danielly Silva Fernandes; Ariel Paula Jesus de Oliveira
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os/as usuários dos serviços prestados.
Em sintonia com as particularidades locais e regionais, explicitadas no conjunto de
disciplinas obrigatórias e eletivas apontadas, está o perfil profissional almejado com a formação
profissional dos cursos de Serviço Social dos estados, sem exceção. A preocupação com as
dimensões críticas e investigativas em torno da profissão e suas requisições, no bojo da
sociedade capitalista e suas contradições e interfaces, demonstra o afinamento com os desafios
contemporâneos interpostos ao Serviço Social e às múltiplas determinações que permeiam o
trabalho profissional.
Nessa via, o tempo estimado de duração dos cursos, sua carga horária e suas diretrizes
formativas constantes nos PPCs constituem esforços teórico, político e cnico de uma profissão
que constantemente se colocada à prova, numa conjuntura cada vez mais adversa e que tende
a pormenorizar e/ou subjugar profissões como o Serviço Social, tentando o tornar cada vez mais
gerencialista, simplista, praticista e desnudo de seu viés ideopolítico.
Ancora-se, assim, a necessidade de ampliar os estudos e pesquisas sobre a profissão na
Região, para não perder de vista a sua sintonia (1) com a diversidade de elementos que a
compõem e (2) com suas requisições, no seu aparato mais particular.
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