DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21. 34060
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 39-51, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
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Gramsci sobre Vico: A filosofia como uma
forma da política
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Gramsci on Vico: Philosophy as a form of politics
Marco Vanzulli
**
Resumo: No artigo, propõe-se demonstrar a
influência decisiva exercida pelas leituras de
Benedetto Croce nas impressões de Gramsci
sobre a obra de Giambattista Vico. Para isso,
explora-se os trechos dos Cadernos do Cárcere
onde Gramsci faz referências ao iluminista
italiano. Com base nessas demonstrões,
argumenta-se que, no movimento de assimilação
e afastamento da filosofia de Croce, Gramsci
termina por subsumir a filosofia à política em sua
elaboração da filosofia da práxis.
Palavras-chave: Annio Gramsci;
Giambattista Vico; Benedetto Croce; filosofia
da práxis; filosofia; política.
Abstract: In the article, it is proposed to
demonstrate the decisive influence exerted by
Benedetto Croce's writes on Gramsci's
impressions about Giambattista Vico. For that,
it is explored the excerpts from The Prison
Notebooks where Gramsci makes references to
the Italian illuminist. Based on these statements,
it is argued that, in the movement of
assimilation and departure from Croce's
philosophy, Gramsci ends up subsuming
philosophy to politics in his elaboration of the
philosophy of praxis.
Keywords: Antônio Gramsci; Giambattista
Vico; Benedetto Croce; philosophy of praxis;
philosophy; politics.
Recebido em: 21/04/2021
Aprovado em: 14/05/2021
*
Do original: Capitolo V – Gramsci su Vico. La filosofia come una forma della politica. In: VANZULLI, Marco.
Il Marxismo e L’Idealismo. Studi su Labriola, Croce, Gentile, Gramsci. Roma: Aracne, 2013. Tradução de
Alexandre Aranha Arbia. Revisão Técnica de Ronaldo Vielmi Fortes. A Revista Libertas agradece ao autor, que
gentilmente autorizou a tradução e publicação do capítulo neste número.
**
É investigador em História da Filosofia da Università degli Studi di Milano-Bicocca. Possui graduação em
Filosofia pela Universidade degli Studi di Milano (1994), doutorado em Filosofia pela Université de Nice-Sophia
Antipolis (2005). Publicou livros sobre a filosofia de Giambattista Vico, sobre Benedetto Croce, Gentile, Labriola,
Gramsci, sobre Marx, ensaios sobre as obras de Feuerbach, Hegel, Machiavelli, e, entre outros, organizou volumes
de Vico, Feuerbach, Althusser, e o volume 22 das Opere Complete de Marx e Engels (julho 1870 - outubro 1871).
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Introdução
Não se propõe, neste texto, discutir a presença de temas vichianos na obra de Gramsci
e, em particular nos Quaderni del carcere
, em termos de uma influência histórico-filosófica
direta entre os dois autores. A alise de uma das poucas e esparsas referências gramscianas a
Vico revelaria imediatamente a mediação determinante de dois filósofos do neoidealismo
italiano, Benedetto Croce e Giovanni Gentile, fundamentais na formação intelectual gramsciana
e que, precisamente nos anos de juventude do comunista sardo, empenharam-se em uma nova
leitura da obra de Vico, totalmente funcional e compatível com as filosofias idealistas que
estavam elaborando
.
É certo, como observou Eugenio Garin, que a influência de Vico sobre Gramsci é apenas
indireta, e que os temas de Vico presentes nos Quaderni o apenas aqueles que haviam se
tornado patrimônio comum, quase topoi, do chamado “renascimento idealista”; assim, as
poucas alusões de Gramsci a Vico parecem genéricas e de segunda mão. A referência de
Gramsci a Vico é, além disso, essencialmente Croce, cuja monografia de 1911, embora não a
tivesse lido, era por ele de algum modo conhecida
. E de fato, acima de tudo, é através da
discussão com Croce que as alusões a Vico e sua obra ganham sentido nas notas dos Quaderni.
Não é o caso de incluir Labriola na questão, como se tem feito, sustentando-se que “o
desinteresse de Gramsci pela filosofia de G. B. Vico só pode ser considerado formal porque,
essencialmente, ao aceitar a conceão de Labriola, Gramsci também assumiu aquela parte do
vichismo que interveio na formação do próprio Labriola”
. Tal julgamento, aliás, além de
envolver a problemática suposição geral de que a herança teórica de um autor pode passar tal e
qual, permanecendo intacta”, a outro (que o lhe estudou diretamente), atras da assimilação
do pensamento de um terceiro, é aqui complicado pela aceitação de uma pretensa linha de
continuidade Gramsci–Labriola; tudo isso a ser demonstrado. Também neste caso, além disso,
a mediação croceana, certamente de modo algum neutra e inofensiva, revelar-se-ia ser o
elemento decisivo na análise dos textos.
Posto, então, que Vico não é, por assim dizer vichianamente, um autor” de Gramsci,
pretendemos aqui desenvolver uma reflexão sobre a filosofia e sua dimensão prática, a partir
das observações esparsas sobre Vico nos Quaderni del carcere, que o reveladoras de uma
Cf. resultados preliminares para uma pesquisa desta natureza em E. Garin, Vico in Gramsci. Bollettino del Centro
di Studi Vichiani 6 (1976), pp. 187-189.
La filosofia di Giambattista Vico, de Croce, surgiu em 1911 (Bari, Laterza, 1980 [1911]); em 1915, os Studi
vichiani, de Gentile (Firenze, Sansoni, 1968 [Messina, Principato, 1915]).
Cf. E. Garin, Vico in Gramsci, op. cit., pp. 187-189.
A. Bertondini, Gramsci e Labriola, in A. Caracciolo e G. Scalia (editado por), La città futura. Saggi sulla figura
e a pensiero di Antonio Gramsci. Milano, Feltrinelli 1959, p-173.
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forma específica de ler as figuras da tradição filosófica e a história da filosofia, como expressões
de uma particular politicidade essencial da história e das formas culturais. Isso se refere à
natureza da relação teoria e prática implícita neste tipo de leitura e, portanto, levanta a questão
correlata de qual é, para o comunista sardo, o nexo existente entre o ato político e o mundo
histórico em que este se inscreve.
Gramsci sobre Vico
Na leitura gramsciana de Vico, portanto, é a lição de Croce que desempenha um papel
fundamental de mediação mediação que certamente não se limitaria somente a Vico, se de
fato, segundo alguns intérpretes, também se impõem à recepção gramsciana do marxismo, o
que não seria, justamente por conta da precedência e interposição croceana, a ser considerada
componente fundamental para a formação do socialista sardo
. Foi de fato escrito que: “Croce
é o Hegel do seu marxismo [...] É Croce que impõe a Gramsci todos os temas de sua reflexão.
E se ele procura trata-los pela ótica de Marx e de Lênin, eles sempre permanecem sugeridos
por Croce. Isso é tão verdadeiro que nosso autor nunca sai da problemática do pensador
napolitano, a tal ponto que os limites do pensamento de Gramsci o os próprios limites do
pensamento de Croce
. Certamente, as referências a Vico nos Quaderni del carcere estão dadas
à pesquisa sobre história, ou seja, são substancialmente internas à discussão de Gramsci com
Croce: “Outro conceito a ser reduzido de especulativo a historicista é o de ‘racionalidade’ na
história (e, portanto, de ‘irracionalidade’), conceito ligado ao de ‘providência’ e de ‘fortuna’,
no sentido em que é usado (especulativamente) por filósofos idealistas italianos, especialmente
Croce. Será necessário, portanto, ver o trabalho de Croce sobre G. B. Vico em que o conceito
de ‘providência’ é precisamente tornado especulativo, iniciando assim a interpretação idealista
da filosofia de Vico
. Aqui, a referência a Vico é, como se vê, inteiramente interna àquela obra
“Idealismo e, não tanto o marxismo, mas o socialismo, aceito como uma necessidade instintiva, mas visto pelo
prisma do idealismo de Croce, são os dois componentes iniciais de sua personalidade cultural: mas é o primeiro
que prevalece e dá o tom ao pensamento” (M. A. Manacorda, La formazione del pensiero pedagogico di Gramsci
(1915-1926), in Petro Rossi (editado por) Gramsci e la cultura contemporanea. Atti del Convegno internazionale
di studi gramsciani tenuto a Cagliari il 23-27 aprile 1967. Roma, Editori Riuniti - Istituto Gramsci, 1970, vol. I,
p. 232). O longo e intricando corpo a corpo que, nos Quaderni..., Gramsci tem de sustentar com o pensamento de
Croce, para a definição de um novo marxismo, ou melhor, de uma nova “filosofia da práxis”, é de fato um indício
da profunda presença das categorias da filosofia croceana no historicismo gramsciano.
A.R. Buzzi, La teoria politica di Gramsci, tradução italiana de S. Genovali. Firenze, La Nuova Italia, 1973. pp.
109 e 55.
A. Gramsci, Quaderni del carcere, editado por V. Gerratana, Torino, Einaudi, 1975, p. 1089. Encontra-se, nas
notas de Gerratana, a seguinte indicação sobre La filosofia di Giambattista Vico, de Benedetto Croce, publicada
pelas edições Laterza, em 1911, e, em segunda edição, em 1922: “Este livro, que provavelmente Gramsci conhecia,
não se encontra, no entanto, entre os livros da prisão. Gramsci certamente tinha em mente os escritos sobre Vico
incluídos no volume de Croce, Saggio sullo Hegel, seguilo da altri scrìtti di storia della filosofia [3ª adição
revisada, Bari, Laterza, 1927], e em particular o escrito Fonti della gnoseologia vichiana, pp. 235-261, onde
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de retradução da filosofia especulativa em uma concepção historicista, volta a constituir uma
nova filosofia da prática, que se distancie do materialismo vulgar de Plekhanov ou Bukharin,
através da recuperação dos elementos válidos, realistas (e, segundo Gramsci, sub-repticiamente
deduzidos do materialismo histórico original
) presentes na filosofia contemporânea mais
avançada, que para Gramsci é precisamente a de Croce. Além disso, Gramsci vincula, como fez
Croce, o conceito de providência”, de Vico, ao conceito hegeliano de “astúcia da razão
”, mas
a ele se refere como “astúcia da natureza”
ou “astúcia da providência”
.
Referindo-se ao ensaio de Ettore Ciccotti, Elementos de “verdadee “certeza” na
tradição histórica romana, que apareceu em dois episódios na Rivista d’Italia” no verão de
1927, e novamente baseado em Croce, Gramsci concorda que as interpretações positivistas de
Vico são inválidas. Comentando a interpretação de Ciccotti sobre a conversão do “certo” no
“verdadeiro”, ele observa que se trata de “uma sociologia muito positivista; uma interpretação
positivista de Vico”. E pouco antes de ele ter observado que a conversão do ‘certo no
‘verdadeiro’ origem a uma construção filosófica [da história eterna], mas não a construção
da história ‘efetiva’: mas a história só pode ser ‘efetiva
. Com isso, Gramsci se refere à
questão da unidade da teoria e da prática, ou seja, ao caráter específico de sua filosofia da práxis.
À mesma questão está ligado o interesse pelo princípio do verum-factum”, de Vico; lido,
precisamente, como a unidade de teoria e prática, unidade que seria, segundo Gramsci,
característica fundamental do marxismo que, por sua vez, o teria emprestado do hegelianismo.
Assim, “a proposição de Vico veruni ipsum factum’” seria mesmo aquela da qual, “nas suas
origens hegelianas”, certamente depende o materialismo histórico
. Aqui, Gramsci relaciona
Vico a Hegel, para que ele possa adquirir um horizonte de sentido histórico.
E é de fato centrada sobre a questão da relevância e eficácia histórica do pensamento de
Vico a passagem mais importante, sobre o autor, encontrada nos Quaderni..., a única a conter
um juízo explícito sobre a aurora da Ciência Nova: Que movimento ‘histórico real testemunha
a filosofia de Vico? Ainda que sua genialidade consista justamente em ter concebido o vasto
mundo a partir de um ângulo morto da história, a concepção unitária e cosmopolita do
polemiza com as críticas dirigidas ao livro de Croce sobre Vico” (ibid., p. 2815).
Cf. Ibid., p. 1209-1210.
Cf. B. Croce, La filosofia di G.B. Vico, op. cit., p. 223.
A. Gramsci, Quaderni del carcere, op. cit., pp. 821 e 1228.
Ibid., p. 1767.
Ibid., p. 300.
Ibid., p. 1060. O “texto C” – segundo a nomenclatura dada por Gerratana aos textos transcritos por Gramsci nos
cadernos monográficos, que ele mesmo chamou “especiais” nesta passagem, elimina a referência às “origens
hegelianas” e indica apenas que a concepção correspondente ao veruni ipsum factum“deve estar relacionada
com a concepção própria da filosofia da prática” (cf. Ibid., p. 1482).
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catolicismo
. A genialidade do isolado pensador católico, cosmopolita (e, portanto, não
nacional-popular) como todos os intelectuais italianos, é contraposta à “historicidade” do
filósofo Hegel, no centro dos eventos que vão de 1789 a 1815, “que chocaram todo o mundo
civilizado da época e nos obrigaram a pensar ‘mundialmente’. Que colocaram em movimento
a ‘totalidade’ social, todo o nero humano concebível, todo o ‘espírito’”
. Portanto, “nisto
reside a diferença essencial entre Vico e Hegel, entre deus e Napoleão espírito do mundo ,
entre a pura especulação abstrata e a ‘filosofia da história’, que deveria levar à identificação da
filosofia e da história, do fazer e do pensar, do ‘proletariado alemão como único herdeiro da
filosofia clássica alemã’”
.
A filosofia como uma forma da política
Apesar de não ser este o contexto para destacar o caráter complexo porque marcado
pelos dois momentos, de aceitação e refutação, ligados entre si da relação entre a reflexão
gramsciana nos Quaderni del carcere e os temas da filosofia croceana, para um comentário
sobre essas etapas, contudo, não se pode deixar de partir do papel central atribuído por Gramsci,
em suas notas carcerárias, à discussão com Croce, visando a uma reformulação do materialismo
histórico na filosofia da práxis. No “Anti-Croce” dos Quaderni, portanto, a refundação da
filosofia da práxis passa de uma refutação, que se pretende hegeliana, da filosofia croceana.
Croce, para Gramsci, representa o momento mundial hodierno da filosofia clássica alemã”, de
modo que “assim como a filosofia da práxis foi a tradução do hegelianismo para a linguagem
historicista, também a filosofia de Croce é, em grande medida, uma retradução, em linguagem
especulativa, do historicismo realista da filosofia da práxis [...] e é preciso refazer, em relação
à concepção filosófica de Croce, a mesma redução que os primeiros teóricos da filosofia da
práxis fizeram em relação à concepção hegeliana. Este é o único modo historicamente fecundo
para determinar uma retomada adequada da filosofia da práxis, de elevar essa concepção, que,
pela necessidade da vida prática imediata veio se vulgarizando, à altura que deve alcançar para
resolver as tarefas mais complexas que desenvolvimento atual da luta propõe”
. Se trata,
portanto, apenas de traduzir em linguagem historicista a linguagem especulativa, ou seja,
descobrir se essa linguagem especulativa possui um valor instrumental concreto superior aos
Ibid., p. 504 (texto A) e p. 1317 (texto C).
Ibidem.
Ibid. Segundo Garin, trata-se de “uma página importante para a interpretação de todo o pensamento de Gramsci,
e para a distância que ele criou com relação a Croce” (E. Garin, Vico in Gramsci, op. cit., p. 188).
A. Gramsci. Quaderni del carcere. Op. cit., p. 1233.
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valores instrumentais precedentes”
. A categoria de instrumentalidade” é fundamental em
uma visão pragmática do conhecimento como a de Gramsci. O idealismo (aqui, concepção
subjetiva da realidade”), como filosofia da prática (o primeiro texto de Marx que Gramsci
traduziu na prisão foi, precisamente, as Teses sobre Feuerbach), concebe o papel ativo das
visões de mundo ou ideologias de certos grupos sociais na constituição do mundo social: “a
filosofia da práxis está ligada [...] à concepção subjetiva da realidade, na medida em que a
inverte, explicando-a como um fato histórico, como uma ‘subjetividade histórica de um grupo
social’, como fato real [...], a forma de um conteúdo social concreto e o modo de conduzir o
conjunto da sociedade a forjar-se em uma unidade moral”
. A “concepção subjetiva da
realidade” é assim historicizada no papel formativo das concepções filosóficas, nas e sobre as
sociedades, como fatos reais”, ou seja, como instrumentos hegemônicos de grupos sociais. A
filosofia da práxis, portanto, coloca em relação as diferentesconceões subjetivas da
realidade” na sua historicidade”, porque toda “concepção subjetiva da realidade” é substituída
por “uma nova consciência moral”. “A filosofia da práxis absorve a concepção subjetiva da
realidade (o idealismo) na teoria das superestruturas, absorve-a e explica-a historicamente, ou
seja, ‘supera-a’, a reduz a um de seus ‘momentos’. A teoria das superestruturas é a tradão,
em termos de historicismo realista, da concepção subjetiva da realidade”
. O caráter ativo, de
formação do mundo das concepções de realidade deve ser colocado, na compreensão de
Gramsci, no foco da luta histórico-social, não como um momento de análise contemplativa ou
de espelhamento da verdade, mas como um instrumento hegemônico-cultural de permeão e
universalização de um contexto político.
Pragmaticamente, para Gramsci, esta é a distinção entre ideologia e filosofia: a filosofia
é tornada a universalização de uma concepção de mundo (de uma ideologia de fato), que,
superado o plano imediato da ação econômico-jurídica, difunde-se por todas as instituições da
sociedade civil, permeando-as de conteúdo ético-político. Assim: “A história da filosofia, como
é comumente entendida, isto é, a história das filosofias dos filósofos, é a história das tentativas
e iniciativas ideológicas de uma dada classe de pessoa para mudar, corrigir, aperfeiçoar as
concepções existentes do mundo [...] isso é mudar a atividade prática no seu conjunto”
. A
filosofia de uma época é uma combinação das “concepções de mundo das grandes massas”,
daquelas “dos grupos dirigentes (ou intelectuais) mais restritos” e das “ligações entre esses
Ibid., p. 1222.
Ibid., p. 1226.
Ibid., p. 1244.
Ibid., p. 1255.
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rios complexos e as filosofias dos filósofos”, “é uma combinação de todos esses elementos,
que culmina em uma determinada direção, na qual sua culminação se torna uma norma da ação
coletiva, ou seja, torna-se ‘história’ concreta e completa (integral). A filosofia de uma época
histórica nada mais é, portanto, do que a ‘história’ dessa mesma época, nada mais é do que a
massa de variações que o grupo dirigente conseguiu determinar na realidade anterior: história
e filosofia são inseparáveis nesse sentido, formando um bloco’”
. O pensamento, assim
concebido em sua eficácia histórica, não apenas perde todo o caráter contemplativo e
autorreferencial que comumente lhe é atribuído, mas encontra, ao invés, uma identificação total
com a práxis histórica, a ponto de se transformar em uma forma de atividade totalmente
homogênea com a evidência histórica em si. O pensamento é entendido como um ato histórico-
político. Por isso, Gramsci pensa em Vico como um gênio que, desde um ângulo morto da
história”, foi capaz de elaborar uma visão do “vasto mundo”, mas em uma forma de “pura
especulação abstrata”, enquanto Hegel, que pensou entre a Revolução Francesa e Napoleão, foi
capaz de erigir aquela filosofia da história” que, prenhe de história e efetividade histórica,
conseguirá identificar filosofia e história, fazer e pensar, e de cuja efetividade seherdeiro o
proletariado alemão.
O próprio marxismo é concebido então como um pensamento que é, antes de tudo, uma
forma de ação, entendido essencialmente como a ideologia (a “filosofia da práxis”) da transição
do capitalismo para a sociedade regulada: “Pode-se mesmo vir a afirmar que enquanto todo o
sistema da filosofia da práxis pode se tornar ultrapassado em um mundo unificado, muitas
concepções idealistas, ou pelo menos alguns aspectos delas, que são utópicos durante o reino
da necessidade, podem se tornar ‘verdade’ as a transição etc. Não se pode falar de “Espírito”
quando a sociedade é agrupada, sem necessariamente concluir que se trata de [...] espírito de
corpo [...] mas podemos falar dele quando a unificação tiver ocorrido etc.
”. O materialismo
histórico é de fato entendido como uma concepção de mundo funcional à política, e quando sua
função política é cumprida, todo o sistema da filosofia da práxis pode ser ultrapassado”; tornar-
se-ão válidas, então, muitas concepções idealistas, ou pelo menos alguns aspectos delas”,
tornar-se-ão eno “verdade”, palavra que Gramsci escreve entre aspas, como se para relativizá-
la.
Fazendo do materialismo histórico uma Weltanschauung, uma “concepção de mundo
adequada à luta comunista, Gramsci deixa de reconhecer seu caráter objetivista e, com isso, sua
cientificidade. o é por acaso que ele aceita pacificamente, como algo adquirido, o caráter
Ibidem.
Ibid., p. 1490.
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idealista da filosofia da práxis. E nisso, de resto, ele não constitui de forma alguma uma
exceção; pode-se revelar assim como todo o marxismo italiano é marcado por esse caráter
idealista, e como, portanto, a operação de apresentação e liquidão do materialismo histórico,
conduzida na Itália pelo neoidealismo, foi acompanhada de considerável sucesso e influenciou
ou, mais precisamente, marcou toda uma geração, instaurando, por meio de uma política
cultural na qual a refutação do marxismo era o aspecto central, todo um clima cultural. A lucidez
de Gramsci, em ver no revisionismo
o caráter essencial da filosofia croceana, nele convive
com a ideia de que o momento mais elevado da filosofia mundial da época é, justamente, a
própria filosofia croceana, uma filosofia especulativa enriquecida pela concretude da filosofia
da pxis
. O marxismo de Gramsci é, portanto, marcadamente afetado por todos aqueles temas
que constituem a problemática marxiana tal como apresentada por Croce
, e tal apresentação
certamente não foi constituída sob a bandeira da abertura do entendimento filosófico do
marxismo. Gramsci, no entanto, repensa tudo isso de um outro ângulo político em relação aos
seus “mestres” idealistas e, em certo sentido, leva o historicismo imanentístico às suas últimas
consequências, ressaltando impiedosamente as incongruências, o elitismo, a razão política pela
qual a filosofia idealista falha em dissolver-se efetivamente em ato histórico, em transmutar-se
em política, mas continua a ser entendida como posta acima das categorias próprias da história.
Gramsci critica Croce e Gentile substancialmente com as armas que eles próprios lhe
forneceram e, dessa forma, chega a elaborar uma originalíssima teoria política, exposta nos
Quaderni. E, no entanto, com isso, não consegue alterar os limites filosóficos de sua
problemática inicial. Assim, a primazia atribuída à “concepção subjetiva da realidade” continua
a ser entendida como o efeito da superestimação do meio hegemônico cultural, legado de uma
original e nunca abandonada ascendência idealista com a proeminência dada ao fazer humano
na história
. A filosofia da práxis, na sua versão gramsciana, é assim definida como totalmente
“Croce, de 1912 a 1932 (elaboração da história ético-política), tende a permanecer o líder das tendências
revisionistas para conduzi-las a uma crítica radical e à liquidação (político-ideológica) também do materialismo
histórico atenuado” (Ibid., p. 1207).
Cf. Ibid., p. 1209-10.
Cf. a este respeito S. Timpanaro, Sul materialismo, Milano, Unicopli, 1997 [Pisa, Nistri Lischi, 1970], p. 203-4.
Observe-se como se põe, nos Quaderni..., a questão da objetividade: “Parece-me um erro demandar da ciência
enquanto tal a prova da objetividade da realidade: esta é uma concepção do mundo, uma filosofia, não um dado
científico [...]. Na medida em que esta objetividade se estabelece [na ciência], ela se afirma: afirma-se o ser em si,
o ser permanente, o ser comum a todos os homens, o ser independente de qualquer ponto de vista que seja
meramente particular. Mas isso também é uma concepção de mundo, uma ideologia [...]. O que mais importa,
portanto, não é a objetividade da realidade enquanto tal, mas o homem que elabora esses métodos [...], isso é a
cultura, isso é a concepção de mundo, isso é a relação entre o homem e a realidade. Procurar a realidade fora do
homem, portanto, parece um paradoxo, assim como para a religião é um paradoxo (pecado) buscar a realidade fora
de Deus [...]. Sem a atividade do homem, criador de todos os valores, inclusive os científicos, o que seria da
objetividade? Um caos, ou seja, nada, o vazio, ainda que o possamos dizer; porque, se se imaginar realmente que
o homem não existe, não se poderá imaginar a linguagem e o pensamento” (A. Gramsci, Quaderni del cárcere,
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inclusiva da própria teorética na esfera da ão, totalmente redutiva da teoria à práxis, da
filosofia à política. A praxis indica precisamente o momento em que o ideal, em vez de mera
elocubração, é efetivo, determinando a fusão dos dois planos, teórico e prático, o mais
pensáveis separadamente. A determinação subjetiva, própria do fazer humano, constitui-se
assim na determinação histórica tout court. A “filosofia da práxis”, por isso mesmo, o é aceita
como “teoria”, no sentido tradicional do termo. Certamente, o ponto de vista de Gramsci é
aquele das classes subalternas, sua perspectiva, a do comunismo, e isso faz com que a vontade
coletiva que se realiza na ação torne-se o metro de medida desta fazer humano da história; é
precisamente a vontade coletiva o verdadeiro sujeito, e somente a passividade das massas pode
deixar amplo campo de ação das vontades sociais parciais antagônicas a ela
.
É este o ponto de vista da praticidade essencial da filosofia da pxis desenvolvida na
monografia sobre Gramsci, de Giorgio Nardone, para o qual precisamente “mesmo a categoria
que pretende expressar o momento máximo de objetividade o escapa à praticidade, que é nota
definitiva de toda certeza [...]. a prática, em essência, pode declarar a eficácia de seu
instrumento e a verdade de sua condição”; a concepção de mundo e a ideologia “existem apenas
em coneo com a vontade coletiva afirmada na ão [...]. regularidade histórica na hipótese
de que existe uma vontade coletiva capaz de ação regular e permanente [...] Gramsci o
encontra a razão suficiente da regularidade histórica em fatos de ordem estrutural”
.
Gramsci traduz, desse modo, a concepção croceana da contemporaneidade de toda
historiografia, ideia segundo a qual o passado é sempre lido a partir de preocupações prático-
políticas do presente; Gramsci traduz, assim, a renúncia croceana ao objetivismo
historiográfico, efeito de uma concepção da história desde o início marcada pela prevalência de
uma temática neokantiana que separa esfera categorial e empiria do acontecimento, ciência e
história
. Em Gramsci, a infidelidade à teoria croceana dos distintos da qual também, como
visto, surge a questão de se traduzir em filosofia da práxis, em termos não especulativos
,
op. cit., pp. 466-67).
Assim, por exemplo, a noção de fatalidade histórica, em Gramsci, dependeria apenas da passividade das massas,
sujeito transcendental da história, subjetivação formativa. A ão política é a negação da passividade das
massas, que rompe todo padrão de previsibilidade histórica construído em modelos de desenvolvimento natural
(como no socialismo positivista e reformista). Cf. G. Nardone. Il pensiero di Gramsci. Bari: De Donato, 1971, pp.
31-5.
Ibid., p. 308, 309 e 329.
É este o aspecto irracionalista da filosofia de Croce destacado por Lukács em A destruição da razão (Cf. G.
Lukács. La distruzione della ragione [1954], trad. italiana de E. Arnaud. Torino: Einaudi, 1974 [1959], pp. 19-20).
Cf. também R. Racinaro. La crisi del marxismo nella revisione di fine secolo. Bari: De Donato, 1978, pp. 42-3.
“Em uma filosofia da práxis, a distinção certamente não será entre os momentos do Espírito absoluto, mas entre
os graus da superestrutura e tratar-se, portanto, de estabelecer a posição dialética da atividade política (e da
ciência correspondente) como determinado grau superestrutural [...]. A atividade política é, precisamente, o
primeiro momento, ou o primeiro grau, o momento em que a superestrutura está ainda na fase imediata de simples
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juntamente com sua assimilação de uma conceão o objetivista do saber historiográfico,
conduz à identificação entre filosofia, política e economia: “Se essas três atividades o os
elementos constitutivos necessários de uma mesma concepção de mundo, necessariamente deve
haver, em seus princípios teóricos, conversibilidade de uma em outra, tradão recíproca em
sua própria linguagem específica de todo elemento constitutivo: um é implícito no outro, e todos
juntos formam um círculo homogêneo”
. A imanência absoluta da realidade significa, para
Gramsci, a sua politicidade, é de fato a política que tem proeminência sobre a economia quanto
sobre a filosofia, porque o ato político abarca o passado, o presente e o futuro, pressupõe a
economia e implementa a filosofia, funde, em um bloco, a estrutura e a superestrutura, realiza
a união da teoria e da prática, a atividade consciente organizada que faz a história”
. Em sua
teoria da tradutibilidade das linguagens científicas, Gramsci propõe a redução à política de todas
as filosofias especulativas: Redução à política’ de todas as filosofias especulativas, a um
momento da vida histórico-política; a filosofia da práxis concebe a realidade das relações
humanas de conhecimento como um elemento de ‘hegemonia’ política”
. De fato, escreve: “A
proposição contida na introdução à Crítica da economia política, de que os homens tomam
consciência dos conflitos estruturais no terreno das ideologias, deve ser considerada como uma
afirmação de valor gnosiológico, e não puramente psicológico e moral. Disto se segue que o
princípio teórico-prático da hegemonia tem também um escopo gnosiológico [...]. A realização
de um aparelho hegemônico, na medida em que cria um novo terreno ideológico, determina
uma reforma das consciências e dos métodos de conhecimento, é um fato do conhecimento, um
fato filosófico. Com linguagem croceana: quando se tem sucesso em introduzir uma nova moral
em conforme uma nova concepção de mundo, acaba-se por introduzir, tamm, essa conceão,
ou seja, determina-se toda uma reforma filosófica”
. Segue-se que: “Tudo é política, até mesmo
a filosofia ou as filosofias e a única ‘filosofia’ é história em ato, ou seja, a vida mesma. Neste
sentido, podemos interpretar a tese do proletariado alemão herdeiro da filosofia clássica
alemã”
.
Nesse primado da política, assimilada à história e à filosofia, Gramsci vê o aspecto
afirmação voluntária, indistinta e elementar [...]. O que significa que se pode identificar política e história e,
portanto, vida e política. Como, portanto, todo o sistema da superestrutura pode ser concebido como distinções da
política, então justifica-se a introdução do conceito de distinção em uma filosofia da práxis. Mas pode-se falar de
uma dialética dos distintos e como se pode entender o conceito de círculo, entre os graus da superestrutura?(A.
Gramsci. Quaderni del cárcere, op. cit., pp. 1568-9).
Ibid., p. 1493.
A. R. Buzzi. La teoria politica di Gramsci, op. cit., p. 213.
A. Gramsci. Quaderni del cárcere, op. cit., pp. 1244.
Ibid., p. 1249-50.
Ibid., p. 886.
Gramsci sobre Vico: A filosofia como uma forma da política
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conclusivo de sua reforma do pensamento de Croce, que não havia conseguido ir tão longe, até
a identificação da política com a história e com a filosofia – e que, no entanto, implicitamente,
havia realizado exatamente esta identificação: não foi Croce o melhor historiógrafo do
transformismo liberal?
–, e a consequente identificação absoluta da teoria e da prática,
capturada pela política em sua identidade. É a política que unifica os termos do historicismo
absoluto gramsciano e, segundo Gramsci, deve ser encontrado na explicitação falha deste
termo unificador o pior caráter ideológico do historicismo absoluto croceano –; é a potica que
explica a diferença entre ideologia e filosofia como uma diferença que não se exprime em
termos de verdade, mas que se dá “apenas por graus (quantitativa) e não qualitativamente”, ou
seja, em virtude da universalização de uma concepção do mundo, da sua passagem de um nível
imediato, econômico-corporativo, a um mais universal, ético-político, em virtude da extensão
de sua práxis transformadora. Gramsci considera, assim, ter levado às últimas consequências a
noção croceana da contemporaneidade de toda história, empurrando-a precisamente para sua
assimilação com a política, à identificação entre ideologia e filosofia
.
Para Gramsci, portanto, a filosofia de Vico é, como “pura especulação abstrata”,
passageira, privada de incidência histórica, obra isolada e distante dos centros europeus, dos
centros da ação histórica, política e filosófica. A ela Gramsci aplica, assim, somente de modo
negativo, a sua definição de história da filosofia que foi acima abordada – como a história de
uma luta ideológica entre concepções de mundo, ou melhor, como a história do aperfeiçoamento
das concepções de mundo voltadas a mudar atividade prática no seu conjunto”; definição que,
reduzindo a filosofia a uma “concepção de mundo” e insistindo no seu caráter prático-político,
tem o rito de negar a pretensa autorreferencialidade das filosofias, vinculando-as à realidade
histórico-social e compreendendo-as como política, ou seja, como um aspecto superestrutural
do conflito social, do conflito entre as “grandes massas” e os “grupos dirigentes”. Não obstante,
“[Croce] acredita que está lidando com uma filosofia e está lidando com uma ideologia, acredita estar tratando
de uma religião e está lidando com uma superstição, crê que está escrevendo uma história em que o elemento de
classe está exorcizado e, ao invés, descreve com grande precisão e método a obra-prima política pela qual uma
determinada classe consegue apresentar e fazer aceitar a condição de sua existência e de seu desenvolvimento de
classe como princípio universal, como concepção de mundo, como religião, ou seja, descreve em ato o
desenvolvimento de um meio prático de governo e de domínio. O erro de origem prática não foi cometido, nesse
caso, pelos liberais do século XIX que, na verdade, praticamente triunfaram, alcançaram os fins propostos; o erro
de origem prática é cometido pelo seu historiador, Croce, que, depois de distinguir filosofia de ideologia, acaba
por confundir uma ideologia política com uma concepção de mundo, demonstrando praticamente que a distinção
é impossível, que não se trata de duas categorias, mas de uma mesma categoria histórica e que a distinção é apenas
de grau; é filosofia a concepção de mundo que representa a vida intelectual e moral (catarse de uma vida prática
específica) de um grupo social concebido em movimento e visto, portanto, não apenas em seus interesses atuais e
imediatos, mas também nos futuros e mediados; é ideologia qualquer concepção particular dos grupos internos da
classe que se propõem a ajudar a resolução dos problemas imediatos e circunscritos” (Ibid., p. 1231).
Cf. Ibid., p. 1241-2.
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nessa impostação um elemento de recusa da maior complexidade do pensamento filosófico,
que não é apenas transformação, que não visa a apenas, atras dos conceitos, tornar-se uma
“norma de ação coletiva”, isto é, tornar-se uma ’história’ concreta e completa (integral)”. Para
Gramsci, a filosofia de uma época histórica nada mais é do que a ‘história’ dessa época mesma”
e, como vimos, a história de uma época é certamente política. A filosofia é política. Mas uma
tal identificação ressente de um grau de abstração, outra vez croceano, ao remover da
consideração da história todos aqueles elos objetivos” que estão nas “coisas em si”, através da
compreensão da ocorrência histórica como uma soma de dados empíricos brutos aos quais se
opõem um universo categorial e humano, concebendo a história como aquele relativo, aquele
contingente que é, por determinado idealismo, o terreno sobre o qual se exerce o fazer humano
criador, o absoluto
, fazendo assim da história apenas o campo de ação da vontade humana,
um campo de luta entre concepções de mundo, reduzindo precisamente a história à política,
limitando-a ao campo de ação da práxis transformadora, livrando assim a teoria de toda tarefa
de representação de conexões reais, de deteão das estruturas ontológicas que da história
constituem a realidade; perdendo de vista, finalmente, a compreensão da correlação (ou melhor
ainda, a identidade) dos aspectos “pragmáticos” e “teóricos”, em sua distinção. Ou entendendo
a sua distinção na única forma possível de “pura especulação abstrata”. Labriola havia dito
que o marxismo certamente nasceu do comunismo, ou seja, do movimento surgido dentro do
capitalismo para superá-lo; todavia, ele observou que uma tal doutrina, nascida do comunismo,
continuaria verdadeira mesmo que o socialismoo alcaasse o triunfo
. Labriola quis dizer
que mesmo que o socialismo o se tornasse um movimento social hegemônico ou adquirisse
uma maior universalização, mesmo que não fosse mais pensado ou apoiado por ninguém, não
perderia, por isso, seu caráter de verdade e objetividade, sua própria dimensão verdadeira, ou
seja, teórica. A “filosofia” e o marxismo, para Labriola, é também uma filosofia não é, em
suma, “ideologia”, em nenhum dos sentidos gramscianos do termo, e mantém com ela uma
diferea qualitativa e não apenas de grau, embora deva ser entendida como conectada à prática
da qual surge e à prática que é capaz de suscitar. Como nunca podemos escapar da determinação
da estrutura ontológica da realidade, da história, a identificação gramsciana da filosofia e da
política, a redução da primeira à segunda reproduziu o dualismo espírito-matéria herdado do
André Tosel observou como a liberdade positiva do ato histórico tornou-se, nos Quaderni..., a teoria da unidade
de estrutura e superestrutura, ou seja, a teoria do “bloco histórico”. Cf. A. Tosel. Aux origines de la philosophie
italienne contemporaine. Mauzevin : Trans Europa Repress, 1991, p. 109.
Das notas do curso de filosofia da história ministrado por Labriola na Universidade de Roma, entre 1894-1895,
citado em L. Dal Pane. Antonio Labriola nella politica e nella cultura italiana. Torino: Einaudi, 1975 [1935], p.
377.
Gramsci sobre Vico: A filosofia como uma forma da política
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neoidealismo italiano; logo, longe de eliminar todo dualismo, como a filosofia da práxis
considerava ter feito, eliminou o dualismo de prático e teórico apenas anulando o segundo no
primeiro. Por um lado, a reflexão gramsciana constitui uma contribuição considerável para a
compreensão de uma ampla gama de fenômenos da vida política e cultural da sociedade de
massas do início do século XX, mas, por outro, para além de Gramsci, a politicidade da filosofia
deve ser definida em sua relação com uma ontologia histórica, por meio de uma ampla
teorização do nexo entre teoria e prática, renunciando a uma conotação unilateral da política, e
talvez limitando, assim como sua autonomia, seu alcance transformador. Um antivichismo”,
portanto, o gramsciano, que “retraduz a inteira concepção em termos de politicidade, atenuando
assim o alcance dos ‘apelos’, diminuindo sua importância, porque agora eles o envolvem o
econômico, mas apenas o político. Mantendo firme a conotação de ‘necessidade’ do econômico,
no nível político, a questão da revolução-restauração é uma espécie de recurso limitado
.
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Riuniti - Istituto Gramsci, 1970, vol. I
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