Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 39-51, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
idealista da filosofia da práxis. E nisso, de resto, ele não constitui de forma alguma uma
exceção; pode-se revelar assim como todo o marxismo italiano é marcado por esse caráter
idealista, e como, portanto, a operação de apresentação e liquidação do materialismo histórico,
conduzida na Itália pelo neoidealismo, foi acompanhada de considerável sucesso e influenciou
ou, mais precisamente, marcou toda uma geração, instaurando, por meio de uma política
cultural na qual a refutação do marxismo era o aspecto central, todo um clima cultural. A lucidez
de Gramsci, em ver no revisionismo
o caráter essencial da filosofia croceana, nele convive
com a ideia de que o momento mais elevado da filosofia mundial da época é, justamente, a
própria filosofia croceana, uma filosofia especulativa enriquecida pela concretude da filosofia
da práxis
. O marxismo de Gramsci é, portanto, marcadamente afetado por todos aqueles temas
que constituem a problemática marxiana tal como apresentada por Croce
, e tal apresentação
certamente não foi constituída sob a bandeira da abertura do entendimento filosófico do
marxismo. Gramsci, no entanto, repensa tudo isso de um outro ângulo político em relação aos
seus “mestres” idealistas e, em certo sentido, leva o historicismo imanentístico às suas últimas
consequências, ressaltando impiedosamente as incongruências, o elitismo, a razão política pela
qual a filosofia idealista falha em dissolver-se efetivamente em ato histórico, em transmutar-se
em política, mas continua a ser entendida como posta acima das categorias próprias da história.
Gramsci critica Croce e Gentile substancialmente com as armas que eles próprios lhe
forneceram e, dessa forma, chega a elaborar uma originalíssima teoria política, exposta nos
Quaderni. E, no entanto, com isso, não consegue alterar os limites filosóficos de sua
problemática inicial. Assim, a primazia atribuída à “concepção subjetiva da realidade” continua
a ser entendida como o efeito da superestimação do meio hegemônico cultural, legado de uma
original e nunca abandonada ascendência idealista com a proeminência dada ao fazer humano
na história
. A filosofia da práxis, na sua versão gramsciana, é assim definida como totalmente
“Croce, de 1912 a 1932 (elaboração da história ético-política), tende a permanecer o líder das tendências
revisionistas para conduzi-las a uma crítica radical e à liquidação (político-ideológica) também do materialismo
histórico atenuado” (Ibid., p. 1207).
Cf. a este respeito S. Timpanaro, Sul materialismo, Milano, Unicopli, 1997 [Pisa, Nistri Lischi, 1970], p. 203-4.
Observe-se como se põe, nos Quaderni..., a questão da objetividade: “Parece-me um erro demandar da ciência
enquanto tal a prova da objetividade da realidade: esta é uma concepção do mundo, uma filosofia, não um dado
científico [...]. Na medida em que esta objetividade se estabelece [na ciência], ela se afirma: afirma-se o ser em si,
o ser permanente, o ser comum a todos os homens, o ser independente de qualquer ponto de vista que seja
meramente particular. Mas isso também é uma concepção de mundo, uma ideologia [...]. O que mais importa,
portanto, não é a objetividade da realidade enquanto tal, mas o homem que elabora esses métodos [...], isso é a
cultura, isso é a concepção de mundo, isso é a relação entre o homem e a realidade. Procurar a realidade fora do
homem, portanto, parece um paradoxo, assim como para a religião é um paradoxo (pecado) buscar a realidade fora
de Deus [...]. Sem a atividade do homem, criador de todos os valores, inclusive os científicos, o que seria da
objetividade? Um caos, ou seja, nada, o vazio, ainda que o possamos dizer; porque, se se imaginar realmente que
o homem não existe, não se poderá imaginar a linguagem e o pensamento” (A. Gramsci, Quaderni del cárcere,