DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.34059
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.2, p. 653-676, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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Serviço Social, Assistência Social e a pandemia
da COVID-19: desafios e apontamentos
Social Work, Social Assistance Policy and the COVID-19 pandemic:
challenges and notes
Renata Martins de Freitas*
Resumo: O artigo em tela propõe análise sobre os
desafios que permeiam o exercício profissional de
assistentes sociais no âmbito da Política de
Assistência Social durante a pandemia da COVID-
19, a partir de elementos apreendidos em debates
coletivos e documentos produzidos em espaços
como Fóruns de Trabalhadores(as) do SUAS e
Conselhos de Serviço Social. Para tanto, propõe-se
um resgate sobre os enfrentamentos que permeavam
o trabalho de assistentes sociais na Assistência Social
nos últimos anos, para melhor compreender as
questões, tendências e possíveis estratégias durante e
após a pandemia da COVID-19. Entende-se que a
partir da crise sanitária sejam atualizadas retóricas e
práticas conservadoras no âmbito do SUAS, e desta
feita, requisições institucionais, além de tendências a
respostas que acionam o pragmatismo e a
perspectiva do “bem comum”. Aponta-se estratégias
e possibilidades para a defesa do Projeto Ético-
Político profissional.
Palavras-chave: serviço social; assistência
social; pandemia.
Abstract: The article on screen proposes an analysis
of the challenges that permeate the professional
practice of social workers within the scope of the
Social Assistance Policy during the COVID-19
pandemic, based on elements learned in collective
debates and documents produced in spaces such as
Social Work Concils and SUAS Workers' Forums. To
this end, it is proposed to rescue the confrontations
that have permeated the work of social workers in
Social Assistance in recent years, in order to better
understand the issues, trends and possible strategies
during and after the COVID-19 pandemic. It is
understood that, starting with the health crisis,
rhetoric and conservative practices are updated
within the scope of SUAS, and this time, institutional
requests, in addition to trends in responses that
trigger pragmatism and the perspective of the
“common good”. Strategies and possibilities are
pointed out for the defense of the professional
Ethical-Political Project.
Keywords: social service; social assistance;
pandemic.
Recebido em: 21/04/2021
Aprovado em: 24/09/2021
* Assistente Social com atuação nas Políticas de Assistência Social e Educação, atuando atualmente no Centro de
Referência Especializado Para População em Situação de Rua do município de Itaguaí. Especialização em Gênero,
Sexualidade e Direitos Humanos e em Gestão Pública Municipal. Mestre em Ciências Sociais pelo PPGCS/UFRRJ
e doutoranda em Serviço Social pelo PPGSS/UFRJ.
Renata Martins de Freitas
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Introdução
O presente artigo traz o objetivo principal de tecer considerações acerca de elementos
que têm permeado o exercício profissional de assistentes sociais na Política de Assistência
Social durante a pandemia da COVID-19. Diante dos desafios identificados, buscar-se-á
desvelar algumas tendências e possíveis armadilhas, continuidades e possibilidades para
fortalecimento da profissão, a partir de uma perspectiva crítica.
Os elementos trazidos ao longo deste ensaio, são fruto da análise de documentos
produzidos por trabalhadores(as) do SUAS, entidades representativas destes(as) - em âmbitos
municipal, estadual e nacional - e da observação participante em debates, além do estudo de
registros de reuniões e eventos do Fórum Estadual de Trabalhadores(as) do SUAS do Rio de
Janeiro (FETSUAS RJ) e registros públicos da Comissão de Assistência Social do Conselho
Regional de Serviço Social Região (CRESS RJ) . Também fora realizada uma pesquisa
bibliográfica.
Desde pelo menos o início de 2020, vivenciamos contexto de crise sanitária de
proporções mundiais em virtude de infecções pelo Novo Coronavírus. No caso brasileiro, o
decreto da emergência sanitária foi deflagrado a partir de março do ano de 2020, trazendo uma
série de recomendações em saúde pública para que fosse evitada a propagação do vírus.
Sobre a crise sanitária, já trazemos aqui como pressuposto de que ela ocorre em meio a
uma agudização de aspectos que apontam para a barbarização da vida, redução de direitos em
nosso país, redução das políticas sociais e de seu financiamento, incluindo o Sistema Único
de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Chega em contexto de
governo ultraliberal, de extrema direita, que tem apresentado postura negacionista em relação
à pandemia, às medidas necessárias para a não propagação do vírus, adotando uma perspectiva
irracionalista que têm dificultado demasiadamente o enfrentamento da COVID-19 em nosso
país.
Para Granemann e Miranda (2020), a crise de saúde pública alia-se à crise econômica,
aprofundando-a, e isto provoca cada vez mais incisivas respostas do Estado em favor da classe
burguesa, exasperando a máxima capitalista do lucro acima da vida, sobretudo das vidas da
classe trabalhadora. Até 10 de abril de 2021, pouco mais de um ano após a primeira morte por
COVID-19 no Brasil, o país registrava mais de 350 mil vidas ceifadas pela doença, segundo
dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS)
1
.
Além de recomendações importantes realizadas por órgãos sanitários, houve a
1
É possível verificar os dados do “Portal COVID” do CONASS em: https://bit.ly/3z2zoDd . Acesso em
10/04/2021.
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publicação do Decreto 10282/2020
2
, que define os serviços públicos e atividades essenciais
para suprir as necessidades inadiáveis da população durante o referido período. Entre tais
serviços, figuraram aqueles vinculados à Assistência Social, que precisaram passar por
reorganização
3
, trazendo impactos para usuários, gestores e trabalhadores do sistema, entre os
quais assistentes sociais.
Diante disto, buscaremos resgatar em um primeiro momento alguns dados e pesquisas
que apontavam para a situação do Sistema Único de Assistência Social e para elementos que
permeavam o exercício profissional de assistentes sociais no SUAS, antes do contexto de
pandemia, para em seguida trazer as questões observadas durante a pandemia. Posteriormente,
buscar-se-á, em todo o momento compreendendo os limites de um artigo, analisar possíveis
tendências, caminhos e descaminhos, além de possíveis estratégias para defesa de um serviço
social pautado em valores emancipatórios, buscando possibilidades a partir de limites e desafios
detectados.
Ponderações sobre a Política de Assistência Social e o Exercício Profissional de
Assistentes Sociais: de onde partimos
Importa-nos iniciar este trecho da reflexão, enfatizando que o Serviço Social é uma
profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho, cujas profissionais são componentes
da classe trabalhadora, estando a mercê dos constrangimentos gerados pela condição de
assalariamento e pelos revezes do mundo do trabalho no modo produção capitalista
(RAICHELIS, 2010;2011;2020).
A condição de venda de sua força de trabalho traz inúmeras implicações ao exercício
profissional de assistentes sociais. Os recortes da questão social com os quais serão requeridos
a atuar, assim como as condições éticas e técnicas e as demais condições materiais para
exercício de sua intervenção, serão determinadas e ofertadas por seus empregadores. No caso
do SUAS, este empregador, de maneira predominante, é o Estado.
Atualmente, a Assistência Social é o campo que mais emprega profissionais do serviço
social, sendo importante espaço de atuação desde os primórdios da profissão. Houve
alargamento das possibilidades de intervenção profissional desde que constituída
constitucionalmente como política pública, da rápida expansão de seus serviços pelo território
2
O Decreto está disponível em https://bit.ly/3twVSe6 . Acesso em 10 de junho de 2020.
3
Documentos que puderam subsidiar posicionamentos e reorganização de trabalhadores (as) do SUAS no início
do decreto de emergência sanitária no Brasil, foram publicados no blog do FETSUAS RJ, estando disponíveis em:
https://bit.ly/3jYHCrC . Último acesso em 10/06/2020.
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brasileiro e da instituição do SUAS (CFESS, 2011; RAICHELIS, 2011. RANGEL e PONTES,
2019).
O Serviço Social brasileiro teve um importante papel na constituição da Assistência
Social como um direito e dever do Estado, sendo profissão com acúmulos teóricos, pesquisas e
defesas importantes no âmbito da referida política pública. A Assistência Social passa a ser
concebida normativamente como um direito a partir da Constituição Federal de 1988, não sem
lutas e mobilizações, além de ampla participação de assistentes sociais e entidades
representativas da categoria em todo o país. A importância da profissão para a área é inegável.
(SPOSATI, 2011).
O caminho da implementação de um Sistema Único de Assistência Social também
contou com ampla participação de assistentes sociais
4
. Em 1993 fora promulgada a LOAS
5
(Lei
Orgânica da Assistência Social) e, após outros avanços normativos somente em 2011 é
publicada a Lei do SUAS
6
.
Pesquisas atuais realizadas por Raichelis (et.al., 2019) tratam da importância e as
contradições do SUAS no Brasil. Pontuam sobre a história da área da Assistência Social,
permeada por relações de benesse, clientelismo e favores , o que se confronta com a perspectiva
normativa de ênfase como um direito do rol da Seguridade Social brasileira e como uma das
políticas de proteção social em nosso país. As relações sociais em sua concretude apontam ,
portanto, para contradições que são fruto do confronto entre o “velho” o que se busca
implementar com o “novo”. Neste sentido, detectam projetos e concepções de Assistência
Social em disputa no âmbito das práticas sociais. Disputa esta que se expressa também no
cotidiano dos serviços, conforme dados de sua pesquisa.
As autoras seguem suas ponderações, trazendo à tona fragilidades que demonstram as
contradições mencionadas: o crescente movimento de primeiro-damismo; a frágil presença de
controle social no que tange à representação de usuários(as); formas heterogêneas de
desenvolvimento do serviço com acionamento predominante de práticas tradicionais, ainda que
estados e municípios cumpram requisitos formais para implementação do SUAS. Constatam
que pode contribuir para isto o fato da estrutura física de grande parte dos CRAS (Centros de
Referência da Assistência Social) não ser adequada conforme normativas existentes, as equipes
4
Acompanhe registro sobre a “gestação”, as lutas, conflitos e contradições em torno da promulgação da LOAS e
sobre a importância de entidades representativas do Serviço Social e de assistentes sociais do país neste processo
em SPOSATI, 2011.
5
A LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) ou Lei 8742 de 07 de dezembro de 1993, dispõe sobre a organização
da Assistência Social e dá outras providências. Veja em: https://bit.ly/3le6pqX . Acesso em 07/12/2020.
6
A Lei do SUAS, ou Lei 12435 de 2011 está disponível em: https://bit.ly/3E6XQa9 . Acesso em 07/12/2020.
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em número insuficiente e persistência de vínculos precários de trabalho, o que também gera
rotatividade no interior das equipes e dificulta a continuidade da organização do trabalho.
Além do exposto, Raichelis (et.al.,2019) e Silva (2020), identificam algumas inflexões
no que tange à institucionalização da Política de Assistência Social desde 2016, quando ocorreu
um golpe parlamentar para destituição da presidenta eleita do país. A política passa por um
“desmonte”, com ataques ao controle social, ao financiamento e com agudização das precárias
condições de trabalho e atendimento à população.
Sobre os ataques ao controle social, é exemplar a não convocação da 12ª Conferência
Nacional da Assistência Social, ocorrendo, contudo, um encontro democrático
7
organizado por
entidades da sociedade civil, tendo importante participação de diversas categorias profissionais
e suas entidades entre as quais o serviço social.
Sobre o financiamento do Sistema, temos alguns dados apresentados pela Confederação
Nacional dos Municípios (CNM, 2018):
Seguindo o rito do pouco compromisso com o atendimento das questões
sociais mais graves, o governo tem uma previsão orçamentária para o SUAS
vergonhosa e alarmante. Em que as mais de 7.400 unidades de CRAS
cofinanciadas, existentes no país tiveram como primeira proposta de previsão
orçamentária para o ano de 2018 de apenas 800 mil reais, uma perda de
recursos de 99,94% em relação ao ano de 2017. Os Creas teriam apenas 500
mil reais, um corte de 99,87%. A proteção social especial de alta complexidade
também contaria com ínfimos 500 mil reais. Um corte de 99,76% em relação
a 2017. (CNM,2018, p.8)
É visível o desfinanciamento do SUAS nos últimos anos, o que dificulta
demasiadamente a operacionalização do sistema e a garantia de direitos afiançados por ele.
Sobre a precarização das condições de trabalho, estas não estão vinculadas de maneira
endógena às relações na Política de Assistência Social, mas às tendências no próprio “mundo
do trabalho”. Contudo, vemos em Raichelis (2011), que as características que permeiam o
mundo do trabalho, adquirem contornos específicos na assistência social. Segundo a autora,
isto ocorre em virtude de seu “histórico de desprofissionalização e de atuação com base em
estruturas improvisadas e descontínuas” (p.760), bem como da frágil estrutura institucional de
gestão da maioria dos municípios. É de suma importância que consideremos as particularidades
desta atuação no campo da assistência social, a partir de elementos até então apresentados.
Considerando tais análises, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) publicou em
2011 um documento que traz alguns subsídios para a atuação de assistentes sociais na Política
de Assistência Social. Compreendendo o conservadorismo presente na história (e portanto
7
Saiba mais sobre a realização da Conferência Nacional Democrática em 2019 em: https://bit.ly/3E52nd3. Acesso
em 03/06/2020
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também assolando o presente) da Política de Assistência Social e mesmo do Serviço Social, o
documento do CFESS (2011) enfatiza que o perfil requerido para atuar no campo em tela deve
ser aquele que busque afastamento de “abordagens tradicionais, funcionalistas e pragmáticas
que reforçam as práticas conservadoras[…]” (p.18). Neste documento traz um posicionamento
pela defesa do projeto do SUAS como um direito, rechaçando as práticas com viés conservador,
tomando parte na disputa pelas concepções e projetos de Assistência Social.
Importa-nos realizar um parêntese e trazer ponderações acerca do pragmatismo.
Segundo Brandão (2019), ele está relacionado ao cotidiano e sua característica de responder de
maneira imediata, heterogênea e apartada da teoria às questões apresentadas. No serviço social,
aparece como valorização da experiência, do “aprender fazendo”, da prática apartada da teoria
e de reflexões que busquem transcender a aparência dos fenômenos. As respostas incentivadas
são aquelas consideradas úteis, o que dificulta demasiadamente a qualificação da atuação
profissional. Segundo Yazbek (2019), aqui a realidade é pensada em sua imediaticidade e da
ação sobre este imediato.
Torna-se fundamental que a assistente social que atue na Política de Assistência Social
compreenda a história, tensões, contradições, limites e possibilidades de sua atuação,
conseguindo identificar tendências conservadoras em seu exercício profissional, assim como os
projetos em disputa sobre a concepção da política pública e da própria profissão. Que tenha a
competência para realização de leitura crítica sobre a realidade que se apresenta numa
perspectiva de totalidade. CFESS (2011) traz importantes elementos sobre o que deve nortear
o exercício profissional de assistentes sociais na Assistência Social:
O reconhecimento da questão social como objeto de intervenção profissional
(conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS), demanda
uma atuação profissional em uma perspectiva totalizante, baseada na
identificação dos determinantes socioeconômicos e culturais das
desigualdades sociais. A intervenção orientada por esta perspectiva crítica
pressupõe a assunção, pelo/a profissional, de um papel que aglutine: leitura
crítica da realidade e capacidade de identificação das condições materiais de
vida, identificação das respostas existentes no âmbito do Estado e da
sociedade civil, reconhecimento e fortalecimento dos espaços e formas de luta
e organização dos/as trabalhadores/as em defesa de seus direitos; formulação
e construção coletiva, em conjunto com os/as trabalhadores/as, de estratégias
políticas e técnicas para modificação da realidade e formulação de formas de
pressão sobre o Estado, com vistas a garantir os recursos financeiros,
materiais, técnicos e humanos necessários à garantia e ampliação dos direitos.
(CFESS,2011, p.18)
Compreendendo a diferença entre objetivos institucionais e objetivos da atuação
profissional, baliza-se o exercício profissional negando tendências de atuações restritas em
atendimentos emergenciais e na confusão entre o público e o privado. Para tanto , a análise
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acurada da realidade e a luta pela efetivação da Assistência Social como política pública devem
estar no radar da categoria profissional. A compreensão do movimento da realidade demonstra
que as políticas sociais são contraditórias e adensam a compreensão das contradições da própria
profissão.
Sem compreender os objetivos profissionais, assistentes sociais não questionam, por
exemplo, a burocratização de seu trabalho, que tem sido requerida no âmbito dos espaços
ocupacionais na atualidade, no contexto das mudanças no mundo do trabalho e da
reestruturação produtiva. Raichelis (2020) observa crescentes discursos de profissionais que
mencionam o aumento, em seu cotidiano, da padronização de instrumentos das políticas,
aumento do tempo de trabalho na realização de atividades burocráticas para produção de dados
que não serão apropriados com objetivos específicos pelo serviço social, além do adensamento
de requisições para controle da pobreza e policiamento de famílias. É fundamental que
assistentes sociais consigam compreender os objetivos de seu trabalho, planejar, sistematizar,
dar respostas baseadas em objetivos profissionais e que tenham reflexões sobre as implicações
ético-políticas de suas escolhas.
Tendo este horizonte, percebemos que, antes do contexto da pandemia da COVID-19,
havia um caminho longo a ser percorrido por assistentes sociais atuantes na Política de
Assistência Social. Rangel e Costa (2019) trazem dados importantes sobre visitas programadas
realizadas pela Comissão de Orientação e Fiscalização(COFI) do CRESS RJ, no sentido de
fiscalizar e orientar o exercício profissional de assistentes sociais que atuam na Política de
Assistência Social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Os dados apontam que na
maioria dos espaços o era elaborado projeto de intervenção, importante instrumento de
planejamento de ações profissionais. Defende-se aqui a perspectiva sobre projetos de
intervenção trazida por Lima (2018), segundo a qual
A elaboração do projeto de intervenção parte da capacidade investigativa e
interventiva dos profissionais contratados nos diversos espaços sócio-
ocupacionais, mediados por demandas dos usuários, dos seus empregadores e
da própria profissão. O processo de elaboração parte da mediação dessas
múltiplas demandas, orientado por um incômodo frente ao convite cotidiano
para reproduzir ações e ideias de forma mimética e imediata sem ultrapassar
a superficialidade, aparência e imediaticidade dos fenômenos […] (LIMA,
2018, p.133)
A autora do texto mencionado acima, deixa nítida a análise sobre planejamento em
serviço social e a importância do projeto de intervenção como uma estratégia de resistência
contra o imediatismo requerido pelo cotidiano e consequentemente, podemos apreender, contra
o pragmatismo que permeia a própria Política de Assistência Social e as requisições advindas
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ao serviço social em seu âmbito. Para tanto, este processo precisa estar alinhado com as
dimensões ético-política e teórico-metodológica da profissão. A direção ética impressa às ações
planejadas surge como algo estratégico e de extrema relevância no enfrentamento ao
conservadorismo na profissão e na identificação deste conservadorismo na própria política
pública, que não é neutra e livre de contradições, embora não deva ser desconsiderada como
uma conquista da classe trabalhadora.
Rangel e Costa (2019) também trazem à tona a identificação de espaços em que eram
realizadas intervenções incompatíveis com a Lei de Regulamentação da profissão. Ademais,
identificou-se a parca participação em espaços coletivos, como aqueles oportunizados pelo
Conselho de Serviço Social ou mesmo espaços de controle social. Importa-nos também dizer
que as autoras identificaram entre as profissionais uma dificuldade de distinguir a profissão
“serviço social” da política pública de assistência social.
Isto nos remete aos achados de Raichelis (2020) e mesmo à pesquisa realizada por
Guerra (2019), que traz à tona inclusive reflexões fundamentais sobre o âmbito da formação
profissional, considerando que o ensino sobre as políticas sociais pouco traz à tona as pesquisas
e reflexões sobre e para atuação nas políticas sociais e para o exercício profissional nestas
políticas. Trata-se de desafios para a formação e para a atuação profissional, tendo
particularidades quando se trata da Política de Assistência Social em virtude de tudo o que fora
exposto até aqui.
Neste sentido, apresentamos um breve panorama sobre o local de onde partimos ou o
cenário a partir do qual se desenvolve o exercício profissional na Política de Assistência Social
no contexto da pandemia.
Pandemia da COVID-19 e o exercício profissional no SUAS
Todo o cenário relatado sobre o SUAS e o exercício profissional de assistentes sociais
é agravado em 2020 a partir do decreto de emergência sanitária no país em virtude da pandemia
da COVID-19. Sobre o SUAS, o caminho que estava sendo traçado era o de desmonte da
política pública, com ataques ao controle social, ao financiamento e precarização das condições
de trabalho e atendimento à população nos serviços.
Freitas e Avellar (2020) trazem um panorama deste momento, tendo em vista o início
do decreto: uma política pública em seus descaminhos é então tida como essencial para atender
às necessidades inadiáveis da população. É essencial, mas não tem sido financiada para
funcionamento com qualidade e não são identificadas condições de trabalho adequadas. A
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saúde do(a) trabalhador(a) do SUAS não era uma pauta que tenha recebido ênfase ao longo dos
anos pelas gestões da política.
Tendo em vista as formas de contágio pelo Novo Coronavírus, as orientações de órgãos
sanitários e trabalhistas versavam e versam sobre a demanda de reorganização, ainda no caso
de serviços essenciais. Freitas e Avellar (2020) trazem destaque sobre orientações acerca do
fornecimento e capacitação para uso de equipamentos de proteção individuais (EPIs) e
Equipamentos de Proteção Coletivos (EPCs) a trabalhadores(as) em geral; afastamento
imediato de profissionais dos chamados grupos de risco; reorganização de processos de
atendimento à população para que fossem evitadas aglomerações, mantido distanciamento
mínimo entre as pessoas nos locais de trabalho; atendimentos em locais ventilados,
possibilidades de atendimento remoto e com agendamento prévio, suspensão de trabalhos com
grupos ; realização de visitas domiciliares somente em situações extremamente necessárias e
urgentes; redução de horários de trabalho e de rodízios entre profissionais nos mesmos setores.
Tais orientações foram emitidas por órgãos como o Ministério Público do Trabalho,
Ministério da Cidadania, ratificadas pelo Conselho Federal de Serviço Social e Conselhos
Regionais de Serviço Social (CRESS). Destacamos a publicação de um “CFESS Manifesta”
8
acerca dos impactos do coronavírus sobre o trabalho de assistentes sociais, publicado em 23 de
março de 2020, alguns dias após o decreto de emergência sanitária em nosso país. Também
destacamos que tanto o CFESS como diversos CRESS mantém em suas páginas, áreas em que
são aglutinadas uma série de orientações à categoria de assistentes sociais sobre este momento
de nossa história em diálogo com nosso exercício profissional. É de extrema relevância que
profissionais do serviço social estejam em diálogo com suas entidades representativas.
Importante texto com reflexões sobre o exercício profissional de assistentes sociais e
pandemia, fora escrito por Matos (2020) e socializado amplamente entre a categoria. O autor
escreve sobre o medo que pode assolar as profissionais no atendimento presencial à população,
mas que é preciso um agir ético baseado numa razão emancipatória para enfrentarmos este
momento. Enfatiza a importância da criatividade profissional e da criação de estratégias de
comunicação com a população e de educação em saúde. Ratifica a relevância da socialização
de informações neste momento e a defesa de nossas prerrogativas profissionais. Segundo ele,
provavelmente compreendendo as tendências de um momento de incertezas, ainda que
possamos dizer que a pandemia é uma situação de calamidade e assistentes sociais possam ser
convocadas a atuar nessas situações, é preciso que estejamos alertas para narrativa que defende
8
Veja na íntegra o CFESS Manifesta “Os impactos do Coronavírus no trabalho do/a Assistente Social” em
https://bit.ly/3jY2zTA . Acesso em 20/03/2021.
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que “todas as pessoas devam fazer tudo” em virtude do contexto. Defende que este “alerta”
resguarda nosso “agir profissional” e que vai na contramão da desespecialização.
Matos (2020) adverte ainda sobre observação a possíveis violações dos direitos
trabalhistas. E este tema também foi motivo de preocupação de coletivos relacionados à Política
de Assistência Social, como os Fóruns de Trabalhadores do Sistema Único de Assistência
Social e de conselhos profissionais. Isto pode ser verificado em notas emitidas pelo Fórum
Nacional de Trabalhadores(as) do SUAS (FNTSUAS)
9
e pelo FETSUAS RJ (2020).
A nota e demais documentos emitidos pelo FETSUAS RJ
10
demonstram que no início
do decreto de emergência sanitária, de acordo com relatos de trabalhadores(as), a maioria dos
municípios fluminenses não possuía Plano de Contingência ou qualquer planejamento e não
emitiram qualquer protocolo de saúde e segurança para trabalhadores(as) do SUAS. Muitos não
forneceram EPIs de maneira adequada. Alguns municípios não possuíam regulamentação de
seus benefícios eventuais. Trabalhadores(as) relatam que os locais de trabalho se
encontravam sucateados antes da pandemia, tornando-se completamente insalubres tendo em
vista as orientações sanitárias vigentes. E destacam as fragilidades disto tudo numa pandemia
que ocorre em um ano eleitoral, reatualizando características como o clientelismo, a cultura do
favor e em alguns casos o uso da Assistência Social com nítida finalidade eleitoreira.
A Fundação Getúlio Vargas realizou pesquisa sobre os serviços de assistência social e
a pandemia de COVID-19, e detectou que mais de 90,66% dos(as) profissionais da Assistência
Social tinham medo de contrair a COVID-19; que mais de 80% não se sentiam preparados(as)
para atuar em meio à pandemia e que 87,2% não recebeu nenhum tipo de treinamento para atuar
neste contexto. Apenas 38,5% diz ter recebido equipamentos necessários para enfrentar o
Coronavírus (LOTTA,2020). Tais informações coadunam com o que fora relatado por
profissionais ao FETSUAS RJ (2020).
O CFESS - Conselho Federal de Serviço Social - emitiu em 24/04/2020 o parecer
jurídico sobre ausência de EPI para assistentes sociais. A entidade expõe que, entre as situações
referentes às condições de trabalho durante a pandemia, “a denúncia mais recorrente foi de falta
de fornecimento e/ou fornecimento insuficiente de EPI aos/às profissionais da política de
assistência social” (CFESS, 2020, p.2). O parecer explicita que a maior parte das demandas
aos conselhos relatadas no país são provenientes da Política de Assistência Social e traz
reflexões sobre este aspecto e o desmonte pelo qual vem passando o SUAS e em virtude da
9
Nota disponível em: https://bit.ly/3njCZKM . Acesso em 20/03/2021.
10
Parte deste acervo documental encontra-se no blog do FETSUAS RJ: https://bit.ly/3E5NDuC . Acesso em
11/04/2021.
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Política de Assistência Social concentrar maior número de assistentes sociais em relação aos
demais espaços ocupacionais.
Concordamos com este parecer e relembramos que assistentes sociais são profissionais
assalariadas e que as condições objetivas para realização de seu trabalho dependem das
instituições empregadoras. Percebemos nos relatos e pesquisas que a ausência de EPI é uma
das tantas outras questões que demonstram a ausência de condições adequadas para
desenvolvimento do trabalho no SUAS. Importa destacar que o Conjunto CFESS/CRESS
possui uma resolução
11
sobre as condições éticas e técnicas para o exercício profissional de
assistentes sociais e parece-nos que esta não tem sido respeitada no âmbito da Política de
Assistência Social.
O sucateamento dos serviços ofertados na Assistência Social, fruto de processo de
desmontes e do acirramento de uma política ultraliberal no país, têm tido impactos diretos no
exercício profissional de assistentes sociais, na qualidade dos serviços prestados à população e
certamente nas respostas profissionais e demandas institucionais. Isso parece ter tido um ligeiro
agravamento no período da pandemia da COVID-19. Assim como Silva (2020) apontara, a
política social de frágil e recente institucionalidade é convocada a atender às necessidades
inadiáveis da população.
Tratando de necessidades sociais e a focalização que tem sido o mote das respostas do
Estado via assistência social, importa mencionarmos o auxílio emergencial. Segundo Silva
(2020b), este fora regulamentado por meio da Lei 13.982/2020, instituindo medidas que
deveriam ser adotadas no período de emergência sanitária em virtude da COVID-19. Conforme
vemos em Alves e Siqueira (2020), a aprovação de tais medidas não ocorreu sem conflitos entre
legislativo e o executivo federal, que de início propusera o pagamento de R$ 200,00 às famílias
e sujeitos afetados por todo este contexto. Por fim, conforme apontam Silva(2020b) e Alves e
Siqueira (2020), foi determinado o pagamento de R$600,00 inicialmente por três meses, a
indivíduos e famílias, conforme uma série de condições e cumprimento de critérios cumulativos
estabelecidos
12
.
Para acesso ao auxílio emergencial, era preciso inscrição prévia no CadÚnico, ou
inscrição por meio de aplicativo de celular. Inicialmente limitado a apenas uma inscrição por
aparelho, ignoraram-se dados ou deixou-se de levantar informações prévias acerca do acesso
às tecnologias da informação e comunicação e mesmo à internet por parte da população que
seria o “alvo” do benefício, como pessoas em situação de rua, por exemplo.
11
Trata-se da Resolução CFESS 493 de 2006, disponível em https://bit.ly/2YNxpWP. Acesso em 20/03/2021.
12
Silva (2020b) traz à tona tais critérios em seu artigo. Para conhecê-los, recomendamos a leitura na página 737.
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A operacionalização do auxílio ocorreu sem diálogo prévio com estados e municípios
e as informações eram fornecidas de maneira truncada por parte do governo federal, havendo
inclusive episódios de mudanças das datas de pagamento, entre outras, o que dificultava o
acesso a adequadas orientações até mesmo por gestores(as) e trabalhadores(as) do SUAS.
Cumpre ressaltar que isto demonstra o quanto, apesar de vincular de alguma maneira o auxílio
ao CadÚnico, não trouxe aspectos de diálogo, comunicação e sequer consulta aos estados e
municípios quanto à sua operacionalização, não considerando a existência de um Sistema Único
de Assistência Social implementado no país, com serviços nos mais de cinco mil municípios,
locus de residência e busca de acesso pela população (ALVES e SIQUEIRA, 2020; SILVA,
2020b; FIGUEIREDO,2020).
A este respeito, ouviu-se de assistentes sociais em reuniões do FETSUAS RJ e
observou-se em registros do referido fórum e da Comissão de Assistência Social do CRESS RJ,
acerca das dificuldades de acesso à informação sobre o auxílio, a angústia sobre esta dificuldade
e ao mesmo tempo sobre considerável aumento da demanda da população em unidades da rede
socioassistencial a fim de acessar orientações sobre como obter o auxílio emergencial.
Destacou-se nas falas de profissionais que a Política de Assistência Social passou a acolher
demandas de pessoas que nunca antes haviam acessado o sistema.
Importa destacar que a ausência de diálogo e comunicação entre os entes federativos no
âmbito do SUAS na prestação de auxílio emergencial, parece ter impactado sobremaneira e
dificultado a socialização de informações junto aos usuários a este respeito. Isto ocorre sem
prejuízo de reflexões possíveis e da possibilidade de assistentes sociais acionarem a dimensão
investigativa da profissão a fim de utilizar estes dados para demonstrar a dificuldade de acesso
da população ao auxílio que lhe é de direito, ainda que no escopo das contradições da
focalização
13
, conforme apontado por Silva(2020b).
Todas essas questões remetem às reflexões de Figueiredo (2018;2020) sobre a
comunicação pública, assistência social e serviço social e, no caso do texto de 2020,
considerando dados sobre este período de pandemia. Para Figueiredo (2018), “Comunicação
Pública pode ser identificada como o direito à comunicação transversal às políticas sociais”
(p.165). Reflete que se trata de um direito humano e sobre sua importância para concretização
da dimensão pedagógica da atuação no SUAS, sobretudo do exercício profissional de
assistentes sociais. Destaca a importância de assistentes sociais considerarem esta dimensão em
seu exercício profissional no âmbito da Política de Assistência Social, mas não deixa de
13
Para um aprofundamento sobre o auxílio emergencial no escopo das contradições da focalização na prestação
de políticas sociais, sobretudo na Assistência Social, sugerimos a leitura de Silva (2020b).
Serviço Social, Assistência Social e a pandemia da COVID-19: desafios e apontamentos
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considerar que para tanto também é preciso a existência de condições de trabalho e recursos
fornecidos pelas instituições empregadoras. Novamente deparamo-nos com os limites e
constrangimentos impostos a assistentes sociais em virtude de sua condição de assalariamento,
o que não configura um convite ao fatalismo, uma vez que as possibilidades são apreendidas
em meio às contradições próprias das relações sociais.
Todavia, embora todas as contradições sejam apresentadas, é preciso compreender e
apreender que o movimento da realidade demonstrou a importância das unidades vinculadas ao
SUAS nos territórios e o quanto são locus de acesso a direitos pela população usuária. Mesmo
com informações “truncadas” por parte do governo, a presença dos equipamentos e de
assistentes sociais nestes locais, é prenhe de possibilidades de produção de informações sobre
os entraves para acesso ao benefício e provocações aos órgãos competentes a este respeito. Não
estamos com isto defendendo aglomerações nas unidades vinculadas ao SUAS, mas o grande
fluxo de usuários e recurso a eles, demonstram a dificuldade de concretização do direito à
comunicação pública pela população e desorganização na operacionalização do auxílio
emergencial.
Alves e Siqueira (2020) apontam para a perversidade de todo este movimento, uma vez
que o auxílio deveria ser pago para mitigar os efeitos para a população em virtude das medidas
necessárias para não propagação do Novo Coranavírus. Seria uma medida de proteção social,
mas para obter acesso ao direito, a população passou por situações em que fora exposta a riscos
de infecção. Para Silva (2020b), a crise provocada pela emergência em saúde pública apenas
desvelou e agravou o processo de crise do capital, não sendo, contudo, sua causa “precípua”.
Desnudou o caminho empreendido por um Estado “que expropria direitos, uma legislação
trabalhista golpeada no seu núcleo, e programas sociais que, por não serem universais, criam
segmentos não cobertos por nenhuma proteção” (p.744). Afirma-se, para ela, a
“neoliberalização radicalizada” do Estado, o que, conforme apreendemos, traz cada vez mais
as exigências do lucro e em detrimento da vida e a banalização da morte.
As medidas de ataque a direitos da classe trabalhadora e sobretudo no âmbito da
Previdência Social, com ataques frontais ao serviço social no INSS
14
, que vem ocorrendo ao
longo dos últimos anos, também trazem rebatimentos ao trabalho de assistentes sociais na
14
Vide documentos do Conjunto CFESS/CRESS a este respeito: 1) “Sem Serviço Social no INSS quem perde é
você! Sabe por que?”, disponível em https://bit.ly/3z86OjS ; 2)”CFESS divulga nota em defesa do Serviço Social
no INSS”, disponível em https://bit.ly/3jY3dR0 ; 3) Serviço Social no INSS: CFESS divulga manifestação sobre
as atividades no Instituto”, disponível em https://bit.ly/3nmi1e5 . Acessos em 10/04/2021.
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Política de Assistência Social. O trabalho remoto em agências do INSS, assim como a ênfase
no “atendimento” às demandas via aplicativo em vez dos atendimentos com profissionais
qualificadas(os), tem trazido relatos de aumento de demandas por orientações previdenciárias
no âmbito dos equipamentos da Política de Assistência Social, avolumando a procura por
serviços, que, embora essenciais e em muitos casos realizando atendimentos presenciais,
encontram-se completamente precarizados. Assistentes Sociais que atuam sobretudo em CRAS,
têm trazido esta demanda para reuniões da Comissão de Assistência Social do CRESS RJ. A
conjuntura de ataque aos direitos da classe trabalhadora e todo o agravamento produzido pela
crise de sanitária pela COVID-19, acirram os desafios para as políticas sociais e para o exercício
profissional de assistentes sociais no SUAS.
Mellati (2020) traz que, em âmbito nacional, além de demandas referentes a orientações
sanitárias, cresceram requisições relativas ao sistema de justiça para a Política de Assistência
Social. A profissional expõe que, como trabalhadores(as) do Sistema de Justiça estão em
teletrabalho (o que não é questionado em relação ao contexto), traz-se requisições que lhe são
próprias para a Política de Assistência Social. Mellati alerta para o risco de
desresponsabilização das instâncias em cumprir com o que lhes cabe. Entendemos que tudo isto
acirra e reatualiza a tendência de subalternização da Política de Assistência Social no rol das
políticas sociais e serviços.
Tendo em vista os projetos de Assistência Social em disputa no seio da
sociedade, percebemos durante a pandemia da COVID-19 uma reatualização e elogio ao
pragmatismo, do incentivo a ações de cunho imediatista a partir do argumento de fornecer
respostas à situação de calamidade. Lembramos que o decreto de emergência sanitária se dá no
Brasil em um ano eleitoral, com o SUAS fragilizado por meio de ataques ao financiamento e
às instâncias de controle social. Neste contexto, observa-se em documentos e ações dos
governos municipais e estadual, no caso do Rio de Janeiro, o uso de serviços e ofertas no âmbito
do SUAS com um viés clientelista e eleitoreiro. É exemplar o caso do chamado “Mutirão
Humanitário” realizado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Tratava-se da distribuição
de cestas básicas à população vinculada ao Cadastro Único em alguns municípios fluminenses
de maneira completamente pontual. Não havia vinculação aos benefícios eventuais
15
no âmbito
do SUAS.
O referido mutirão fora motivo de ação civil pública impetrada pelo Ministério
15
Saiba mais sobre os objetivos e demais informações por meio do documento “Orientações Técnicas sobre
Benefícios Eventuais no SUAS”, publicado em 2018 e disponível em https://bit.ly/3AgpjUF. Acesso em
10/04/2021.
Serviço Social, Assistência Social e a pandemia da COVID-19: desafios e apontamentos
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Seção
Público do Estado do Rio de Janeiro
16
, que também classificou-o como assistencialista e
eleitoreiro, uma vez que fora focalizado, não continuado, nos moldes de “mutirão”, não
ocorrendo em todos os municípios. Entende-se que estratégias como esta reatualizam
perspectivas conservadoras no âmbito do SUAS, reforçando imediatismo em vez de
planejamento e proteção social continuada à população.
Em alguns municípios do Estado houve relatos de requisições a profissionais do serviço
social por visitas domiciliares para entrega de cestas básicas, descaracterizando as visitas como
instrumento com finalidade para o exercício e de acordo com objetivos profissionais
(FETSUASRJ, 2020). Também houve relatos de assistentes sociais contratadas com a
finalidade da distribuição de cestas básicas e posteriormente requisitadas para coleta e mesmo
para “higienização” de “doações” de alimentos em “ações solidárias” protagonizadas pela
prefeitura em questão, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conforme observado em
reuniões do FETSUAS RJ.
No campo do Direito Humano à Alimentação Adequada, é preciso contextualizar que o
país possui normativas que garantem planejamento para provimento do referido direito,
enfatizando-se aqui o SISAN
17
(Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). O
referido Sistema tem uma de suas diretrizes a intersetorialidade na prestação de ofertas
relacionadas à temática de sua existência. Portanto, é preciso agir e planejar de maneira
intersetorial. É preciso planejar. Ainda mais em um contexto de acirramento do desemprego e
de insegurança alimentar vivenciado por toda a população brasileira. Dados da PNAD COVID
18
demonstram que entre 20/09 e 26/09/2020 a taxa de desocupação no país era de 14,4%, a maior
desde o início do levantamento em maio de 2020. É preciso atenção a estes fatores e às respostas
de cunho imediatista que escamoteiam processos de desmonte da Política de Assistência Social,
fazendo com que esta absorva de modo pragmático e clientelista, demandas que devem ser
organizadas de maneira menos focalizada e em diálogo com outras políticas sociais e serviços.
Detecta-se a reatualização do conservadorismo na Política de Assistência Social, que
associa-a à caridade, imediatismo, ao pragmatismo e desassocia-a das conquistas normativas e
organização institucional dos últimos anos, num nítido processo de disputa entre projetos de
Assistência Social, acirradas durante este período de pandemia. O exercício profissional de
16
O teor da Ação Civil Pública está disponível em https://bit.ly/38VFj2f . Acesso em 10/04/2021.
17
A regulamentação do SISAN está disponível em https://bit.ly/2VB3Y9g . Acesso em 10/04/2021.
18
A PNAD COVID está disponível em https://bit.ly/3li1QMr . Acesso em 10/04/2021.
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assistentes sociais se dá em meio a este campo de disputas. É preciso compreender as
armadilhas e traçar estratégias.
Serviço Social, Política de Assistência Social e Pandemia da COVID-19: tendências,
armadilhas e resistências
Analisando debates em espaços coletivos e documentos mencionados ao longo do
artigo, compreende-se que no período de pandemia, um dos maiores desafios trazidos por
assistentes sociais foram as precárias condições de trabalho e parcos recursos para seu
desenvolvimento, tendência anterior ao período de emergência sanitária e que se agrava neste
momento. Menciona-se ausência de EPIs e condições sanitárias e redução de equipes com
afastamento de profissionais dos chamados grupos de risco. Menciona-se também aumento de
situações de assédio moral, sobretudo a profissionais que participam de espaços coletivos e de
denúncia às situações precárias de trabalho e atendimento. Relata-se que profissionais que se
posicionam sobre projetos em disputa em meio à pandemia, por vezes recebem acusação como
se estivessem agindo de maneira “desumana”, com evocação de legitimidade no período de
crise e calamidade para reforçar requisições conservadoras ao trabalho de assistentes sociais,
buscando esteio em argumentos que trazem à baila concepções como “bem comum” ou
“empatia”. A “desumanidade” tem como parâmetro a concepção de humanismo cristão. Além
da confirmação do alerta realizado por Matos (2020), tratando de requisições inespecíficas
sobre a necessidade de “todo mundo fazer tudo”.
Ademais, apreende-se a dificuldade de profissionais assistentes sociais em planejar o
seu trabalho, construindo estratégias, táticas e projetos de intervenção, sistematizando a prática.
Durante reuniões e eventos da Comissão de Assistência Social do CRESS RJ, profissionais
trazem a angústia de conseguirem atuar apenas em situações emergenciais e imediatas,
“apagando incêndios”, além de trazerem a dificuldade de trocas coletivas com outros sujeitos
componentes de suas equipes, sendo estes assistentes sociais ou não. Foi possível compreender
que profissionais do serviço social também trazem as dificuldades em produzir respostas
qualificadas às demandas por respostas imediatas advindas de gestores da pasta da Assistência
Social. Referem também como desafios ao exercício profissional o medo da infecção pelo Novo
Coronavírus e a sobrecarga de trabalho e o aumento de requisições conservadoras incompatíveis
com atribuições e competências de assistentes sociais.
É preciso revisitar a literatura sobre o exercício profissional de assistentes sociais.
Raichelis (2020) nos aponta que a ascensão de requisições históricas e conservadoras ao
serviço social costumam ser o mote em períodos de crise. Projetos de Política Social e de
Serviço Social, Assistência Social e a pandemia da COVID-19: desafios e apontamentos
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sociedade estão em disputa. Estamos vivendo um momento de crise sanitária que acirra a crise
estrutural do capital e traz elementos e desafios que se intensificam, embora poucos sejam
“novos”.
Apontamos que se faz presente de maneira bastante nítida o apelo ao pragmatismo, com
ode à utilidade das respostas aligeiradas, embora fragmentadas. As análises superficiais
prevalecem. aqui uma tendência e uma armadilha ao exercício profissional de assistentes
sociais. Não considerando a totalidade dos fenômenos sociais e suas mediações, sua
complexidade e múltiplas determinações, profissionais de serviço social podem cair na
armadilha de realização de tarefas incompatíveis com suas atribuições e competências e que
realizam alterações mínimas nas vidas da população usuária dos serviços. Fragmenta-se os
sujeitos, individualiza-se demandas e corre-se o risco de culpabilização individual pelas
intempéries vivenciadas pela população. Não que esta seja a intenção de profissionais, mas
pode ser uma tendência de sua prática cotidiana e das respostas fornecidas.
O pragmatismo traz consigo a não reflexão sobre objetivos do trabalho desenvolvido,
incentivando respostas “funcionais”. Isto obnubila as contradições da própria política social e
os limites e possibilidades da atuação de assistentes sociais em seu bojo e da necessária
diferenciação entre objetivos da política e objetivos profissionais. A tendência da política social
balizar a profissão vem sendo apontada por pesquisas alguns anos, conforme
contextualizado neste artigo. E uma política social fragmentada e focalizada traz para o
exercício profissional, com as devidas mediações, estas características, dificultando o olhar
para possibilidades em meio aos limites e contradições apresentadas.
O que este período de emergência sanitária reforça e traz de novo são “novos”
argumentos para dar legitimidade a velhas requisições e antigas tendências, que estão no campo
das continuidades na história, que prevalecem vez por outra, a depender das disputas no campo
da política e do exercício profissional. E a política social é balizada pela intensidade da luta de
classes.
Uma das armadilhas mais perigosas neste período é o argumento de que “todo mundo
deve contribuir com tudo” e que todos e todas devem atuar na direção do bem comum,
abandonando particularidades profissionais. Isto acena para a intensificação de um processo já
em curso, qual seja, a desespecialização. Abrir mão de atribuições e competências neste
momento é abrir precedentes para a possibilidade histórica de incentivo a requisições
inespecíficas a assistentes sociais que provavelmente continuarão sendo realizadas
posteriormente. A história e imagem da profissão também são constituídas por seus agentes.
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O argumento do bem comum e práticas como “ações sociais” trazem à tona uma
determinada visão de mundo e de ser humano que coadunam com uma reatualização do
neotomismo, balizada pelo humanismo cristão entre nós. Esta tendência está presente desde a
origem da profissão, tendo uma relação com o pensamento doutrinário da Igreja Católica e
com respostas doutrinárias à rebeldia operária que se apresentava. Guarda como algumas de
suas características esta defesa do bem comum, da integração, harmonia, equilíbrio e
conciliação entre as classes sociais. Este “bem comum” surge como uma proposta de “terceira
via”, rechaçando aparentemente o liberalismo e também o comunismo. Calca-se na ideia de
dignidade humana, direito natural, defesa da propriedade privada e de um movimento de
“doação” para que esta via defendida seja alcançada. O Estado, nesta perspectiva, tem uma
função e ideal de fraternidade entre seres humanos. Trata-se de um projeto que visa promover
adaptação à ordem sob uma carapaça de dignidade da pessoa humana, negando as contradições
próprias do capitalismo. Fica nítida a preocupação em “fazer o bem”. Naturaliza-se as relações
e desigualdades sociais, tendo como objetivo sua mitigação dentro da ordem (YAZBEK,2019;
GUEDES, 2020).
Entendemos que esta tendência estava, e sempre estivera presente na sociedade, na
política social e na profissão. Contudo, acirra-se neste momento sob a retórica de uma
“bondade” necessária para que os serviços possam funcionar, a população possa ser atendida e
que seja garantido o “bem” acima de tudo. Retomamos as reflexões de Ortiz (2013), segundo a
qual a profissão é este complexo que possui uma imagem social construída a partir de traços
tradicionais e renovados, convivendo de maneira dialética. Entre os traços tradicionais, estão
aqueles sustentados pela concepção de ser humano do pensamento neotomista. Neste caso, esta
perspectiva traz à tona que o homem deve contribuir para o bem comum, dominando seus
instintos para viver em sociedade, assim como desenvolvendo serenidade e tendência ao
progresso. Para tanto, cabe às(aos) assistentes sociais promoverem o ajustamento moral de
indivíduos e suas famílias. A família, aliás, concebida como instituição de referência para a
moralidade vigente neste caso.
É preciso, portanto, identificar retóricas, requisições e armadilhas que tratam a
profissão, a política e os sujeitos de maneira individualista, fragmentada, apartando-lhes e
apartando a sociedade de sua história, naturalizando a ordem vigente sem compreender as
possibilidades de transformações.
Ortiz (2013) é categórica em afirmar que a consolidação do projeto ético-político do
serviço social é importante conquista, mas não se pode afirmar que tenha eliminado ou
expurgado o conservadorismo. O passado está junto de nós, ele está no presente e é preciso
Serviço Social, Assistência Social e a pandemia da COVID-19: desafios e apontamentos
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compreender este conjunto de tendências, armadilhas e relações a fim de empreendermos as
estratégias de resistência a perspectivas conservadoras e alienantes.
Em primeiro lugar recomenda-se retorno aos fundamentos da profissão, assim como aos
valores que balizam o projeto ético-político profissional, a concepção de humanidade, de
liberdade, de direitos humanos. Deste modo, é possível identificar armadilhas no campo
valorativo que busquem imprimir direções outras que não a emancipatória ao exercício
profissional. Neste caminho é preciso compreender o significado social da profissão e as
contradições que a permeiam. A análise crítica e densa sobre a realidade é uma importante arma
para qualificação do exercício profissional de assistentes sociais. Segundo Guerra (2017), esta
análise deve preceder e acompanhar a intervenção do serviço social.
Para superarmos o pragmatismo, Guerra (2017) indica o acionamento da dimensão
investigativa da profissão. Segundo ela, esta dimensão “exige a pesquisa concreta de situações
concretas”. A busca pelo novo, procedimento da razão dialética, tanto em termos do
conhecimento quanto da ação, enfrenta tais procedimentos no/do cotidiano, constituindo-se
como antídoto à mera reprodução e manutenção da mesmice (p.61). Refere que esta dimensão
permite a “crítica ontológica do cotidiano”, permite revisão dos fundamentos e tendências, a
“reconstituição de objetos de intervenção, apreensão das demandas emergentes, a
reconfiguração da demanda” (p.64). O novo advém da pesquisa sobre a realidade da população
usuária e do uso dos dados coletados em serviço conforme interesses desta mesma população.
Isto qualifica e embasa respostas profissionais, a partir do entendimento que configura matéria
de serviço social, qual seja, as expressões concretas da “questão social”.
Atuamos sobre a realidade social. As leis e normas, bem como manuais de políticas
sociais, devem ser vistos e apreendidos a partir desta análise do movimento contraditório da
realidade. São importantes e o conhecimento sobre eles é fundamental, mas é preciso ir além.
É preciso conhecer a forma de vida, acesso a políticas e serviços e aspectos culturais da
população com quem trabalhamos. Conhecer como ocupam a cidade, como se movem pelo
território, sua relação com esse território, como vivem, sobrevivem, como ocorre sua
reprodução social. Isto torna-se matéria para provocações às políticas sociais em instâncias
fundamentais, incluindo os conselhos de direitos, de políticas sociais e os movimentos
sociais. Subsidia-se a população fornecendo-lhes também elementos em sua luta por direitos.
Remete-nos à compreensão sobre o movimento da realidade e de construção das
próprias políticas sociais, que são conquistas da classe trabalhadora e contraditoriamente
respostas do capital para as expressões da questão social, mitigando efeitos da rebeldia que
permeia estas expressões.
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Isto tudo remete à tendência de respostas profissionais confundidas com respostas
normatizadas pela política social, o que desqualifica e desespecializa a intervenção do serviço
social. Consideramos a importância do conhecimento, apreensão e exposição acerca dos
objetivos profissionais em determinado campo de atuação. Esta explicitação, acionando as
dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa da profissão pode e deve
ocorrer por meio do planejamento e do projeto de intervenção profissional, que também
constitui instrumento de negociação com a instituição empregadora.
Observamos que antes da pandemia uma das questões mais evidentes sobre o exercício
profissional na Política de Assistência Social era a dificuldade de compreender as finalidades
da profissão, diferenciando-as das finalidades e manuais da política social e a dificuldade de
explicitar estes objetivos profissionais, sistematizar a prática e construir projetos de
intervenção. Como uma continuidade perversa desta tendência, durante a pandemia encontrou-
se dificuldade na direção almejada na atuação profissional, angustiando-se com requisições
institucionais prenhes de determinações inespecíficas, práticas e visões de humanidade e de
Política de Assistência Social baseadas em perspectivas conservadoras. Ainda tempo,
contudo, para mudança deste cenário. É preciso realizar o movimento sugerido por Matos
(2020) e voltar-se para nossas atribuições e competências profissionais, dando respostas
qualificadas às requisições, demandas e exigências institucionais, tendo capacidade de diálogo,
mas de maneira embasada e densa.
É preciso também enfrentar os desafios trazidos pela precarização do trabalho de
maneira coletiva. Conforme vemos em Raichelis (2020), nos momentos de crise é preciso opor-
se à dinâmica de “descoletivização” e investir na participação em fóruns, conselhos e outros
espaços associativos. Neste período de pandemia, havendo a orientação de isolamento físico,
estes espaços precisaram passar por reorganização, mas têm sido no âmbito do SUAS, sujeitos
da resistência por um projeto de Assistência Social como um direito social e dever do Estado
com valorização de seus(suas) trabalhadores(as). Indicamos a leitura de Freitas e Avellar (2020)
para compreender um pouco sobre a dinâmica com que tem sido realizada esta resistência. A
defesa da vida em detrimento do lucro e de condições de trabalho e atendimento durante a
pandemia têm sido o mote.
É fundamental que assistentes sociais contribuam também para que sejam traçadas
estratégias para participação de usuários nestes espaços coletivos, corroborando, contudo, com
as orientações sanitárias vigentes.
Serviço Social, Assistência Social e a pandemia da COVID-19: desafios e apontamentos
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Importa-nos também enfatizar a importância e relevância do Conjunto CFESS/CRESS
19
na orientação à categoria de assistentes sociais e nas articulações com coletivos em defesa do
exercício profissional ético, de acordo com nossas atribuições e competências, e na defesa do
SUAS e da Seguridade Social.
No âmbito do Rio de Janeiro, destacamos a reorganização para este contexto do Projeto
mencionado por Rangel e Costa (2019), o “Assistência Social em Movimento: debates
contemporâneos e o exercício profissional”. Este projeto tem sido realizado por assistentes
sociais e encontra-se na fase de coleta de informações sobre exercício profissional durante a
pandemia da COVID-19, a fim de subsidiar os objetivos e planejamento das ações do Conselho
junto a profissionais que atuam na Política de Assistência Social.
Considerações Finais
O presente artigo buscou apreender alguns desafios ao exercício profissional de
assistentes sociais no âmbito da Política de Assistência Social “na” e “a partir da” pandemia da
COVID-19 e o decreto de emergência sanitária no Brasil.
A Política de Assistência Social vem passando por desmontes ao longo dos últimos
anos, bem como ataques à sua frágil institucionalidade e isto é observado em aspectos como o
desfinanciamento, ataques às instâncias de controle social e a precarização das relações e
condições de trabalho e de atendimento nos serviços vinculados ao Sistema Único de
Assistência Social (SUAS).
Sobre o exercício profissional no SUAS, compreende-se como desafios anteriores à
pandemia, a definição de objetivos e finalidades profissionais, diferenciando os manuais e
normas da política e estes objetivos, assim como a realização do planejamento, acionando as
dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico operativa.
Ademais, é possível identificar tanto no exercício profissional, quanto na própria
política, defesas e projetos de assistência social e de sociedade distintos em constante disputa
19
No âmbito do CRESS Rio de Janeiro, destacamos algumas ações empreendidas na defesa da profissão,
orientação profissional e do exercício profissional com condições éticas e técnicas de trabalho: 1) Nota conjunta
em defesa do SUAS e seus (suas) trabalhadores(as) em contexto de pandemia, disponível em
https://bit.ly/3EaImCa; 2) Participação em articulação para debate público e do próprio debate sobre “Políticas e
Condições de Trabalho do SUAS durante a pandemia da COVID-19” junto à Assembleia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro, disponível em https://bit.ly/38ZLRwA; 3) Nota de Orientação às/aos assistentes sociais que atuam
na Política de Assistência Social no Estado do Rio de Janeiro, disponível em https://bit.ly/2VvNm2v; 4) Nota
Conjunta das Entidades sobre condições de trabalho e atendimento à população em contexto de aumento de casos
de COVID-19 no Rio de Janeiro, disponível em https://bit.ly/3hiO3Ur. Acessos em 10/04/2021. 5) Projeto
“Assistência Social em Movimento: debates contemporâneos e o exercício profissional”, com realização de
oficinas com temas relacionados ao exercício profissional, entre outras atividades relacionadas ao Projeto. Para
conhecer demais ações realizadas acesse: https://bit.ly/3A5voTz .
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em uma relação dialética de prevalência de um ou outro, a depender do conjunto de relações
sociais vigentes na totalidade da vida social. Identificamos um projeto conservador, que remete
às origens da política, assim como também ocorre no Serviço Social, que tem como mote a
manutenção de respostas emergenciais, não sistemáticas, muitas das vezes com cariz
assistencialista e eleitoreiro, incentivando o elogio ao pragmatismo e ao espontaneísmo típicos
da vida cotidiana. Outro projeto é o que considera a Assistência Social como um direito, um
dever do Estado em toda a sua contradição de servir ao capital, mas também não
desconsiderando sua importância para parcelas da classe trabalhadora.
Diante deste cenário e projetos em disputa, é estabelecida a crise sanitária, não apartada
da crise estrutural do capital que traz efeitos nefastos para a vida da classe trabalhadora em todo
o mundo. A crise sanitária “alia-se” à crise estabelecida, acirrando-a em nosso país. Este
contexto traz desafios importantes ao exercício profissional de assistentes sociais, a partir
também das orientações em saúde pública para conter o avanço das infecções pelo Novo
Coronavírus. O SUAS é considerado essencial para responder às necessidades imediatas da
população.
As condições precárias de trabalho e atendimento são agravadas, culminando, em
muitos casos em riscos à saúde e segurança de trabalhadores(as) e usuários, com não
fornecimento de EPIs ou locais de atendimento em condições insalubres. O desmonte do
sistema é escancarado.
No campo da atuação profissional, identifica-se o incentivo ao pragmatismo e as
armadilhas da desespecialização, agravados pelos elementos presentes e apresentados aqui
como a dificuldade de planejamento e de identificação dos objetivos profissionais em distinção
aos objetivos da política pública. Identifica-se neste contexto também argumentos e apelos para
ações inespecíficas e não relacionadas às atribuições e competências de assistentes sociais, a
partir de argumentos que remontam à necessidade de atuação em prol de um “bem comum”. É
possível detectar uma reatualização de perspectivas conservadoras e tendências baseadas no
neotomismo e humanismo cristão no seio das requisições institucionais no campo da Política
de Assistência Social.
Diante de tendências e armadilhas a partir de uma “nova” retórica que aciona a
emergência para tornar elementos conservadores instituídos, aponta-se alguns caminhos
possíveis para que se possa fugir do messianismo e do fatalismo: o recurso aos fundamentos da
profissão, a compreensão de suas contradições, realização de densa análise da realidade, recurso
ao estudo e materialização dos valores que balizam nosso projeto ético-político, assim como à
dimensão investigativa da profissão, além da construção de objetivos profissionais numa
Serviço Social, Assistência Social e a pandemia da COVID-19: desafios e apontamentos
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direção ético-política crítica e baseados na análise crítica da realidade, expostos e negociados
por meio de projeto de intervenção ou plano de trabalho.
Para enfrentamento à conjuntura, aponta-se como caminhos a participação em espaços
coletivos de atuação e articulação com sujeitos que realizem defesas na mesma direção ética e
política emancipatória. Não há outro caminho se não o do movimento e da coletivização.
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