DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21. 33457
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 134-148, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
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Os projetos em disputa do direito à saúde no
Brasil: reflexões a partir de Gramsci
Projects in dispute over the right to health in Brazil: reflections
from Gramsci
Maria José da Silva
*
Resumo: O ensaio trata do direito à saúde no
Brasil a partir do pensamento de Gramsci, com
destaque para o conceito de hegemonia. Assim,
apresentamos os projetos em disputa em torno
deste direito e as determinões que
influenciam no fortalecimento de um ou outro
projeto. Dessa forma, evidenciamos os projetos
da reforma sanitária, o projeto privatista e o
projeto da reforma sanitária flexibilizada. Trata-
se de uma pesquisa bibliográfica. O processo
investigativo revelou a importância do
pensamento gramsciano para compreender
como o construídos os processos de
hegemonia em uma dada estrutura social, e
demonstrou a hegemonia do projeto privatista
em relação ao direito à saúde no Brasil, sendo
necessária a construção de processos contra-
hegemônicos vinculados ao projeto da reforma
sanitária dos anos 1980, com a finalidade de
fortalecer o direito à saúde enquanto direito
público e de cidadania.
Palavras-chave: direito à saúde; reforma
sanitária; hegemonia; contra-hegemonia; Brasil.
Abstract: The essay deals with the right to
health in Brazil based on Gramsci's thought,
highlighting the concept of hegemony. Thus, we
present the projects in dispute around this right
and the determinations that influence the
strengthening of one or the other project. In this
way, we highlight the health reform projects, the
privatist project and the flexible health reform
project. This is a bibliographic research. The
investigative process revealed the importance of
Gramscian thought to understand how the
processes of hegemony are built in a given
social structure, and demonstrated the
hegemony of the privatist project concerning
the right to health in Brazil, pointing to the need
to build counter-hegemonic processes linked to
the health reform project of the 1980s in order
to strengthen the right to health as public and
citizenship right.
Keywords: right to health; health reform;
hegemony; counter-hegemony; Brazil.
Recebido em: 23/02/2021
Aprovado em: 04/05/2021
*
Assistente social na Secretaria de Saúde da Prefeitura do Recife, Especialista em Saúde Mental pela Universidade
de Pernambuco e Mestranda no Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de
Pernambuco.
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Introdução
Ao refletirmos sobre as políticas e os direitos sociais no modo de produção
capitalista, é necessário que levemos em consideração a natureza contradiria de tal
relão, visto que ao mesmo tempo em que os direitos representam conquistas no âmbito
da emancipação política e da reprodução social das classes subalternas, também
contribuem para o processo de expano e acumulação do capital, sendo assim elemento
fundamental para a manuteão das suas relações sociais de produção.
Quando particularizamos a discuso no âmbito do direito à saúde no Brasil,
constatamos a presença de distintos projetos que disputam o direcionamento que será dado
ao mesmo. Desse modo, temos o projeto da reforma sanitária, o projeto privatista e o
projeto da reforma sanitária flexibilizada (BRAVO, 2009). Am disso, ao analisarmos o
processo hisrico, evidenciamos como a estrutura e a superestrutura se articulam para dar
base de sustentação aos projetos que em determinado período foram hegemônicos,
constatando assim uma significativa vantagem para os projetos que estiveram vinculados
aos interesses do capital, difundindo uma concepção de direito à sde como mercadoria.
Nesse sentido, partindo da compreensão das disputas que ocorrem em torno das
conceões de mundo e consequentemente de direitos sociais, que possuem como terreno
material a sociabilidade capitalista e suas limitões, objetivamos refletir sobre a
constituição do direito à sde no Brasil a partir do pensamento de Gramsci, com destaque
para os conceitos de hegemonia em relação a construção de uma contra-hegemonia. Para
que, com as reflees tecidas, possamos contribuir com o fortalecimento do projeto da
reforma saniria brasileira dos anos 1980, a expansão da consciência saniria no país e
uma concepção de direito à saúde aventada na não de direitoblico e de cidadania .
Os projetos em disputa do direito à saúde no Brasil
Nestepico, trataremos sobre a constituão do direito à saúde no Brasil, tendo por
base a discuso que problematiza os projetos em disputa em torno da sua real efetivação.
Portanto, realizaremos uma historicidade do processo, procurando apreender as
determinações centrais que permitiram o fortalecimento de um ou outro projeto ao longo
do tempo.
A década de 1970 no Brasil foi marcada pela intensificação dos ditames da autocracia
burguesa às forças democráticas que se posicionavam contrárias às suas arbitrariedades e
violências (FERNANDES, 1975). Posteriormente, em meados da década de 1970 e início da
cada de 1980, observamos o princípio do período de erosão do regime ditatorial, sob um
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processo de transição lenta, gradual e segura, bem como, presenciamos a efervescência política
forjada pelos movimentos sociais que lutavam pela democracia e melhores condições de vida
para a população, inclusive, pautando bandeiras anticapitalistas. Nesse contexto, temos o
processo de redemocratização da sociedade brasileira, quem tem como um dos marcos cruciais
a Assembleia Constituinte, culminando com a aprovação da Constituição Federal (CF) de 1988.
Dentre os avanços que foram conquistados nesse período, destaca-se a conquista dos direitos
civis e políticos por toda a sociedade, mas, sobretudo, a universalização dos direitos sociais a
toda população, haja vista o histórico brasileiro de negações de direitos às classes subalternas.
Nessa perspectiva, ressaltamos o Movimento de Reforma Sanitária Brasileira (MRSB),
que emerge na cada de 1970 e, em toda sua multiplicidade e diversidade de estratégias,
também foi uma força potente nas lutas contra a autocracia burguesa. Considerando a ausência
de processos efetivamente democráticos no país, que é permeado por características de uma
democracia restrita típica (FERNANDES, 1975), devemos enfatizar que o ato realizado por
Sérgio Arouca na 8° Conferência Nacional de Saúde (1986), ao proferir a frase “Democracia é
saúde”, demonstra a construção de um processo democrático e popular, incluindo a participação
de inúmeros sujeitos políticos nesse evento que representa um marco na luta pela conquista do
direito à saúde.
Podemos afirmar que o grande feito desta conferência foi ter articulado setores
populares que lutavam pelo direito à saúde orientando-se por uma perspectiva político-
emancipatória. A concepção de saúde do MRSB partia da determinação social, pensando além
do acesso aos serviços de saúde propriamente ditos, enfatizando as determinações inerentes às
relações sociais capitalistas, marcadas pela desigualdade e pela alienação, adversas a uma vida
sauvel” (ROSADO; FREITAS, 2020: 371).
Portanto, este direito está entre os que foram conquistados e universalizados legalmente
nesse processo, pois, é a partir do art°196 ao art°200 da CF de 1988, que ele passa a integrar o
sistema de seguridade social brasileiro, sendo reconhecido como direito de todo cidadão e
cida, tendo o Estado como o principal responsável pela sua efetivação, com um modelo
organizativo pautado na descentralização e a garantia da participação social nos processos
consultivos e deliberativos.
Entretanto, segundo Rosado e Freitas (2020), é necessário ressaltar que antes de possuir
as características inscritas na CF de 1988, a política de saúde no Brasil era pautada por uma
concepção previdenciária atrelada ao viés do seguro, assistencialista e filantrópica, destacando-
se um modelo de ateão à saúde centrada na assistência médica individual, sob uma lógica
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privatista. Em outros termos, os contribuintes/segurados
1
da previdência social tinham acesso
aos serviços blicos de saúde e medicação pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS); as ações do Estado destinadas à coletividade ficavam restritas
às campanhas e muitas vezes reproduziam uma orientação higienista; e as outras parcelas das
classes subalternas, que não estavam na condição de segurados, eram atendidas por iniciativas
filantrópicas.
As políticas públicas no modo de produção capitalista o frutos de embates entre as
classes sociais e possuem natureza contraditória, visto que ao mesmo tempo em que expressam
avanços para as classes subalternas no âmbito da emancipação política
2
, também favorecem os
interesses do capital, no sentido de reprodução da força de trabalho. Concordamos com Rosado
e Freitas (2020) que, para analisar o direito à saúde na sociedade capitalista contemporânea, é
preciso considerar as contradições inerentes à sociabilidade do capital. Haja vista que nesse
modelo de sociabilidade é impossível a plena expansão dos direitos sociais, por sua própria
lógica de funcionamento, que se funda na propriedade privada e impõe a todas as esferas da
vida um caráter de valor de troca, demonstrando assim a incompatibilidade com a lógica dos
direitos sociais sustentados numa perspectiva de cidadania. Mas, como expresso anteriormente,
para a conservação desse sistema, é necessário que se garantam níveis mínimos de
sobrevivência às classes subalternas, para que se atenuem os conflitos e seu potencial
revolucionário, bem como, também se garanta minimamente viva a força de trabalho para
expansão dos seus lucros e acumulação.
As relações sociais forjadas pelo modo de produção capitalista implicam diretamente
nas condições de saúde e de adoecimento dos sujeitos, de modo que, é fundamental
compreender o processo saúde-doença-cuidado sustentado na concepção da determinão
social, pois, a depender de qual classe social o sujeito pertença, esta será uma determinação
1
“Tal condição abrange os assalariados com carteira assinada, os quais contribuem compulsoriamente para a
previdência social; os trabalhadores sem vínculo empregatício inscritos na previdência social como
contribuintes individuais, os que não têm renda, mas optam por pagar contribuição (segurado facultativo), além
de algumas categorias (trabalhadores rurais e pescadores artesanais) que foram incluídas como segurados
especiais, independente de pagamento de contribuição” (ROSADO; FREITAS, 2020: 370).
2
Karl Marx (2010: 54), reconhece a importância da emancipação política à luta das classes subalternas, mas
também aborda as suas limitões na sociabilidade do capital. Visto que “toda emancipação é redução do
mundo humano e suas relações ao próprio homem. A emancipação política é a redução do homem, por um
lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente, e, por outro, a cidadão, a pessoa
moral. Mas a emancipação humana estará plenamente realizada quando o homem individual real tiver
recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ente genérico na qualidade de homem individual na sua vida
empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver reconhecido e
organizado suas “forces propres” [forças próprias] como forças sociais e, em consequência, não mais separar
de si mesmo a força social na forma da força política”.
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fundamental que influenciará em suas formas de adoecimento, assim como o acesso ou não aos
bens e serviços produzidos pela humanidade que influenciam diretamente na saúde e qualidade
de vida.
A conceão acima está inscrita na CF de 1988 e regulamentada pela Lei Orgânica da
Saúde (LOS) 80.080/90, que reconhece os fatores biológicos inerentes à saúde, mas recusa-se
a reiterar práticas e concepções biologizantes da vida, defendendo que “a saúde resulta, dentre
outros fatores, das condições de alimentação, moradia, saneamento, meio ambiente, trabalho,
renda, educação, atividade física, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais”
(ROSADO; FREITAS, 2020: 373). Além disso, o Art. 2° da LOS 80.08/90 afirma que:
A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § O dever do Estado de
garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e
sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no
estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às
ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL,
1990, s/p.).
É inegável que o direito à saúde, materializado sobretudo no Sistema Único de Saúde
(SUS), é fruto de um importante momento de luta da classe trabalhadora brasileira e expressa
uma concepção emancipatória de saúde e direito social. No entanto, é justamente esta
perspectiva inscrita nos princípios e diretrizes do sistema de sde que o torna alvo de ofensivas
desde a sua regulamentação. Posto que, na sociabilidade do capital as necessidades humanas e
todas as dimensões da vida assumem a forma mercadoria, ou seja, é necessário que a saúde
também se torne um bem mercantilizado, para que assim o capital obtenha todo seu potencial
lucrativo. Isto vem ocorrendo, principalmente, através da venda e da compra direta de serviços
de saúde, a exemplo dos planos privados de saúde, ou através da medicalização da vida. Em
ambos os processos a saúde está sustentada numagica curativa e medicalizante (ROSADO;
FREITAS, 2020).
Nessa trilha histórica, entramos no período inaugurado pelo retorno ao regime
democrático e as expectativas para que se materializassem as conquistas inscritas na CF 1988.
Porém, o que observamos a partir dos anos finais de década de 1980 e início dos anos 1990, foi
uma conjuntura mundial marcada por mais uma etapa da crise estrutural do capitalismo
(MÉSZAROS, 2009), culminando no processo de reestruturação produtiva sustentada na
acumulação flexível (HARVEY, 1993) e no advento da hegemonia do neoliberalismo como
doutrina econômica, política e ideológica dos Estados. Além disso, presenciamos a derrocada
dos Estados de bem-estar social nos países de economia central como mais uma expressão da
crise do capitalismo, e a queda do Muro de Berlim, em 1989, expressando uma vitória
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ideológica do capitalismo em relação às experiências socialistas (ROSADO; FREITAS, 2020)
(ANTUNES, 1998). Dessa forma, seria questão de tempo para que os impactos de tais
mudanças da geopolítica internacional chegassem aos países periféricos e dependentes da
América Latina, a exemplo do Brasil.
Desse modo, o Consenso de Washington, em 1989, é um marco econômico-político que
impôs a adoção do receituário neoliberal aos países dependentes, necessitando de sujeitos
políticos que o implementasse. No Brasil, o porta-voz inicial desse processo foi o ex-presidente
da reblica Fernando Collor de Melo (1990-1992) afastado do cargo por um processo de
impeachment, seguido por Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que durante seus oito anos
de governo aplicou rigorosamente a agenda dos organismos mundiais, expressa,
principalmente, na contrarreforma do Estado (BEHRING, 2003), de cunho neoliberal, proposta
pelo Plano Diretor da Reforma do Estado de 1995.
O ideário neoliberal, congregado no Estado brasileiro, tem a justificativa de
realizar uma revisão na organização e no escopo da máquina estatal, alegando
ser necessário promover algumas reformas para possibilitar certa estabilidade
econômica do Estado. Incentiva-se, assim, o alargamento da iniciativa privada
e as desregulamentações em direitos que atingem as políticas públicas e
afetam, principalmente, a classe trabalhadora que mais necessita utilizar os
bens e serviços públicos (ROSADO; FREITAS, 2020: 378).
Em relação à saúde, Bravo, Pelaez e Pinheiro (2018) identificam três projetos distintos
e antanicos que disputam a orientação da política de saúde no Brasil até o presente momento.
De modo que, o projeto da Reforma Sanitária, formulado a partir das cadas de 1970 e 1980
por diversos sujeitos políticos, congregava as lutas populares e posicionamentos políticos
críticos ao modelo médico assistencial previdenciário, hegemônico no país até a construção do
SUS. Este projeto tinha apoio das universidades e entidades que pensavam a saúde coletiva no
Brasil (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde CEBES e a Associação Brasileira de Saúde
Coletiva – ABRASCO); também foi influenciado pelo processo da reforma sanitária italiana; e
“pelo novo pensamento em saúde latino-americano, que, por essa época, discutia e formulava
um novo referencial para a explicação do processo saúde-doença, o modelo da determinação
social” (BRAVO; PELAEZ; PINHEIRO, 2018: 9).
O projeto privatista, fortalecido no período da ditadura civil-militar, possui uma
lógica que compreende a sde como fonte de lucros a ser explorada pelo mercado,
congregando setores privados nacionais e internacionais através da articulação em torno
de um amplo complexo financeiro industrial médico, hospitalar, farmacêutico e de insumos”
(BRAVO; PELAEZ; PINHEIRO, 2018: 10). A partir da cada de 1990, os contornos que
caracterizam a contrarreforma do Estado e o projeto privatista na política de saúde,
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perpassam a atuação do setor privado na gestão e execução dos serviçosblicos de sde.
Dessa forma, este formato nomeado de “Novos Modelos de Gestão”, expressos através das
Parcerias Público-Privadas (PPPs), Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIPS) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
(EBSERH), entre outros, expõem formas de expropriação que através de subvenções e
isenções fiscais, avança sob o fundo público como uma nova forma de garantia de acumulação
de capital” (BRAVO; PELAEZ; PINHEIRO, 2018: 10).
O último projeto identificado denomina-se de projeto da reforma saniria
flexibilizada, neste é feito um rearranjo das propostas elaboradas pelo projeto da reforma
sanitária dos anos 1980, articulando-os às exigências impostas pela política
macroeconômica difundida pelo Consenso de Washington, ou seja, impõe uma nova forma
estatal de regulamentação da economia, desmonte progressivo e subfinanciamento das políticas
blicas, culminando com a implementação de um SUS possível”. Este projeto se destacou
nos governos petistas, embora, também nesses mesmos governos, tenha havido avanços
substanciais na política de saúde (BRAVO, 2009). As características desse projeto pautam-se
em:
Arranjos institucionais, mecanismos gerenciais e responsabilização dos
profissionais para a adequação da política de saúde às exigências de uma
política de rebaixamento da proposta inicial do Projeto da Reforma Sanitária,
mesmo que isso envolva concessões que contrariam os interesses dos
trabalhadores e o pleno usufruto do direito à saúde (BRAVO; PELAEZ;
PINHEIRO, 2018: 10).
Enfatizamos que esses projetos o são implementados de forma linear ou contínua,
o que constatamos é uma hegemonia histórica do projeto privatista, com um curto momento
de hegemonia do projeto da reforma sanitária flexibilizada.
No entanto, destacando-se o momento desencadeado a partir do golpe institucional
midtico
3
orquestrado em 2016, que destituiu Dilma Rousseff do cargo de presidenta da
reblica, temos observado um avanço desenfreado de ataques aos direitos da classe
trabalhadora, dentre eles, o direito à saúde. Essa conjuntura também nos revelou a
emergência de um conservadorismo reacionário de cater filo-fascista na sociedade
brasileira (MOTA; RODRIGUES, 2020). As autoras também sustentam a tese da
funcionalidade ideopolítica desse conservadorismo ao processo de intensificação do
3
De acordo com Mascaro (2018: 8), o golpe de 2016 além de revelar os limites da forma política na hegemonia
da forma mercadoria, “trouxe à tona um governo de homens brancos ricos, sem representação de mulheres, negros,
nem minorias, que passou diretamente a uma agenda neoliberal de choque, com ataques frontais aos direitos dos
trabalhadores, à previdência social, aos sindicatos, à educação, à saúde, empreendendo privatizações e arrochos,
com recessão e desemprego”.
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ultraneoliberalismo no gerenciamento da crise estrutural do capital.
Concordamos com Soares (2018) ao afirmar que o processo de contrarreforma da
política de sde é posto em marcha desde os anos 1990, levando em consideração as
características mencionadas anteriormente. Todavia, a voracidade regressiva que vem
ocorrendo após o golpe de 2016, sob o governo de Michel Temer, coloca em cheque
princípios basilares do SUS. Acrescentamos ainda que nessa fase da contrarreforma há uma
explicitação da articulação efetiva com o setor empresarial de saúde” (BRAVO; PELAEZ;
PINHEIRO, 2018: 16), de modo que, o Estado brasileiro foi instrumentalizado em favor dos
interesses privatistas da saúde, suprimindo o compromisso com a construção de uma política
de saúde voltada para a coletividade.
Outro aspecto a ser destacado do governo Temer é a aprovação da Emenda
Constitucional (EC) 95, em 2016, que impôs um:
“Novo Regime Fiscal”, e estabeleceu um limite para as despesas primárias por
um período de 20 anos, cujo montante no oamento será o do ano anterior,
corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
- IPCA. Ao definir um teto para despesas discricionárias, impede aumento de
recursos para investimentos, saúde, educação, ciência e tecnologia,
infraestrutura. Além de vetar a abertura de crédito suplementar ou especial,
também implodiu a regra de vinculação orçamentária de aplicações mínimas
nas áreas de saúde e educação. Como o teto não pode atingir as despesas
obrigatórias como previdência social e benefício de prestação continuada
(BPC), o draconiano ajuste fiscal quer aprovar a contrarreforma da
previdência, desvincular os benefícios e reduzir seu valor, além de ampliar o
tempo de contribuição e suprimir os direitos para cortar os gastos (TEIXEIRA;
BOSCHETTI, 2019, s/p).
De fato, podemos afirmar que no governo Temer houve uma intensificação da
contrarreforma do Estado, expressa sobretudo nos documentos “Uma Ponte para o Futuro”
(2015), “Travessia Social” (2016) e na aprovação da EC 95. No que se refere ao direito à saúde,
aprofundou-se o antagonismo em relação ao projeto da reforma sanitária, permanecendo a
hegemonia dos interesses privatistas e seu processo de espoliação dos bens públicos, em que a
mediação articulada deixa de ser o acesso pela via do direito público para o fortalecimento da
cidadania pelo consumo (MOTA, 1995).
Bravo, Pelaez e Menezes (2020) ao analisarem o projeto de governo de Jair Bolsonaro
na época das eleições de 2018, e realizando um breve balanço do primeiro semestre do seu
mandato no que se refere ao setor saúde, afirmam que permanece o projeto de aceleração das
contrarreformas ultraneoliberais iniciadas no governo Temer, subordinando ainda mais o SUS
aos interesses do mercado. Destaca-se ainda o extremo liberalismo econômico; temor das
mobilizações; e desprezo pela participação da maioria, ou seja, pela democracia, com ataques
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às instâncias de participação e controle social” (BRAVO; PELAEZ; MENEZES, 2020: 195).
Além disso, é neste governo que foi aprovada a contrarreforma da previdência, em 2019.
De modo geral, as reflexões das autoras acima evidenciam a defesa aberta e irrestrita do
projeto privatista na saúde do atual governo, no entanto, tamm revelam as inconsistências do
mesmo para abordar a complexidade da política de saúde nacional. Essa falta de
aprofundamento é demonstrada desde o programa de governo, que dedicou apenas quatro
ginas ao tema, sem sequer mencionar o SUS, bem como, nos desdobramentos seguintes
enquanto grupo dominante. Merece destaque a fala do ministro da saúde Henrique Mandetta,
em 2019, ao pronunciar-se em defesa da responsabilidade estatal na garantia do direito à saúde,
ao mesmo tempo em que tratava das necessáriasarticulações com o setor privado. Sendo
assim, concordamos com Bravo, Pelaez e Menezes (2020: 200):
Se, por um lado, a afirmação de que não haverá retrocessos na máxima
constitucional do direito de todos e dever do Estado na saúde pode ser avaliada
positivamente, a defesa de um setor privado forte e a não proposição de mais
recursos orçamentários para o SUS são preocupantes, pois não contribuem
para o fortalecimento do SUS e seu componente público e estatal. A primeira
afirmação o diferencia do ministro Barros, no governo Temer, para o qual o
SUS não cabia na Constituição, mas a defesa de um setor privado forte e a não
ampliação de recursos orçamentários o aproximam deste.
Por fim, ao longo deste tópico refletimos sobre a constituição do direito à saúde no
Brasil, expondo os projetos que estão em disputa em torno do mesmo, sustentando tamm a
tese de que a saúde constitui-se como uma mercadoria altamente rentável para capital e, por
isto, suas constantes investidas a partir de diversas frentes para a continuidade da hegemonia
do projeto privatista no setor. De modo que, é no reconhecimento dessa hegemonia que se
abrem possibilidades de construir uma contra-hegemonia, que esteja conectada com o projeto
da reforma sanitária hegemônico nos anos 1980.
O pensamento de Gramsci e suas contribuições ao fortalecimento do projeto da reforma
sanitária
Neste tópico, refletiremos sobre como as formulações de Antônio Gramsci (1891-1937)
podem contribuir com a construção de uma contra-hegemonia alinhada ao fortalecimento do
projeto da reforma sanitária brasileira dos anos 1980 e, consequentemente, do direito à saúde.
Destacamos que as reflexões do pensador sardo partem da compreensão de que a estrutura
econômica da sociedade, ou seja, as relações de produção, irão incidir diretamente nas demais
relações sociais, isto é, na reprodão social, determinando certo tipo de superestrutura jurídica,
estatal e política, afinal, toda relação de produção é uma relação social (GRUPPI, 1980).
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Ademais, salientamos que o pensamento gramsciano insere-se hegemonicamente no
terreno da política e da ideologia, de forma que, sua teoria do Estado ampliado ou integral
(sociedade política, sociedade civil, hegemonia, ditadura, coerção, consenso, dominação,
direção, entre outros aspectos) nos permite refletir sobre uma diversidade de temas, sem que
percamos de vista as determinações estruturais em sua relação dialética com a superestrutura.
Nesse sentido, para fins analíticos do presente ensaio, nos detemos a refletir sobre o
conceito de hegemonia do autor, compreendendo que esta:
Caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de
modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao
contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da
maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública- jornais e
associações-, os quais, por isso, em certas situações, são artificialmente
multiplicados (GRAMSCI, 2007: 95).
Em outras palavras, o conceito de hegemonia refere-se a capacidade que um grupo social
tem de influenciar culturalmente outros grupos com suas concepções de mundo e valores. Para
tal, é necessário situar a sociedade política como classe dominante que “exerce seu poder e sua
dominação por uma ditadura através dos “aparelhos coercitivos de Estado (MONTÃNO;
DURIGUETTO, 2010: 46), bem como, a sociedade civil, em que o “exercício do poder ocorre
por intermédio de uma relação de hegemonia que é construída pela direção política e pelo
consenso (MONTÃNO; DURIGUETTO, 2010: 46). Nesse sentido, o utilizadas tanto forças
coercitivas, em que a manunteão do status quo pelos usos dos aparelhos coercitivos do
Estado (aparato militar, direito etc), como de estratégias de consenso, sejam eles ativos ou
passivos, por meio dos aparelhos privados de hegemonia, a exemplo dos grandes partidos e
sindicatos de massa, escolas, organizações culturais, movimentos sociais, mídia, etc.
Com o exposto, podemos afirmar que o terreno de disputa pela hegemonia está
localizado, sobretudo, na sociedade civil, devido a maior permeabilidade da disputa pelas ideias
e concepões de mundo. A sociedade política pode ser classe dominante, mas precisa que a sua
legitimidade esteja presente entre as classes subalternas, para tornar-se também classe dirigente.
Segundo Coutinho (2011), nas palavras de Gerratana, Gramsci elaborou uma “teoria
geral da hegemonia, que situa as disputas que envolvem o processo de busca pela hegemonia
vinculados tanto aos interesses proletários, quanto aos burgueses, visto que toda classe para
tornar-se dominante e dirigente deve possuir a hegemonia em determinando tempo histórico.
Assim, a hegemonia em Gramsci é um conceito estratégico e analítico, pois possibilita analisar
as diferentes formas com que as classes tornam-se dirigentes em cada tempo histórico, mas
também é um conceito central para pensar sua estratégia de transição para a sociedade regulada.
Maria José da Silva
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Além disso, reiteramos que, para Gramsci, a hegemonia do proletariado e a hegemonia da
burguesia não possuem as mesmas formas, nem os mesmos instrumentos, pois:
Partindo da noção de que hegemonia em Gramsci implica o consenso (ou seja,
dirão e não dominação), Gerratana desenvolve ulteriormente essa
formulação, ao afirmar que a principal distinção entre as duas formas de
hegemonia é que, enquanto a burguesa se baseia num consenso passivo (ou
manipulado), a do proletariado tem necessidade de um consenso ativo
(COUTINHO, 2011: 145).
Um componente fundamental nas formulações gramscianas sobre hegemonia refere-se
à função da ideologia, visto que esta também tem o papel de estabelecer o consenso das classes
dominantes entre as classes subaltenas, que de forma geral possuem interesses antanicos, mas
os interesses do primeiro grupo aparecem como interesses gerais, pela hegemonia que possuem.
Assim, a ideologia é “o grande cimento do bloco histórico (GRUPI, 1980: 82). Tal coesão
edifica-se em um processo de hegemonia que é disseminado pelos intelectuais orgânicos e sua
função pedagógica, visto que estes, a partir do reconhecimento de sua inserção e vinculação a
algum grupo na sociedade, cumprem a uma função educativa para manter ou criar relações de
hegemonia a partir dos interesses de uma determinada classe. Dessa forma, “toda relação de
‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica (GRAMSCI, 1991: 37) e necessita de
sujeitos que tratem de elaborar e difundir a concepção de mundo que articula dialeticamente a
estrutura e superestrutura a que se vincula.
É a partir desta compreensão ideopolítica que afirmamos a importância de avaarmos
na construção de uma contra-hegemonia à hegemonia do projeto privatista na política de saúde
brasileira. No primeiro tópico constatamos como os elementos da estrutura, ou seja, da
produção, em seu momento de crise estrutural, sob os ditames da agenda ultraliberal, impõem
uma concepção privatista e mercantilizada do direito saúde.
A difusão dessa concepção na saúde se por diversas vias, mas destacamos a máxima
difundida no terreno da sociedade política, de que o preconizado na CF de 1988 e nas leis
orgânicas da saúde é impossibilitado de ser efetivamente implementado, pois não cabem no
orçamento do Estado. Recordemos o discurso falacioso do ministro da saúde do governo Temer,
Ricardo Barros, que logo ao assumir a pasta, afirmou que o país o teria capacidade financeira
de garantir o acesso universal à saúde, sendo necessário repensar os direitos garantidos
constitucionalmente. Enfatizamos que este ministro teve sua campanha para deputado federal
financiada por um consórcio de planos privados de saúde, bem como, uma de suas primeiras
propostas enquanto ministro se relacionava a criação de planos de saúde populares (BRAVO;
PELAEZ; PINHEIRO, 2018). Nota-se o papel desse sujeito enquanto difusor da hegemonia
do projeto privatista na saúde, utilizando-se do espaço que ocupava na sociedade política
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para ampliar o consenso em torno da disseminação da cultura política da crise (MOTA,
1995).
Nesse processo, acrescenta-se também o papel da mídia hegemônica, que rotineiramente
veicula imagens de um SUS sucateado, precário e superlotado, que submete a população à
condições degradantes de atendimento, contribuindo assim para o fortalecimento de uma
concepção de direito à saúde que oculta seu caráter universal e o expõe como destinado apenas
aos paupérrimos que não conseguem acessá-lo pela via do consumo. Ao apresentar somente as
problemáticas do SUS, a mídia oculta a questão central do subfinanciamento estrutural do
sistema, bem como, a amplitude e complexidade do mesmo, que é composto o pela
assistência à sde, mas por uma amplitude de ações e programas de promoção e prevenção à
saúde vinculadas à vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, vigilância ambiental e saúde
do trabalhador, sob organização de redes de ateão à saúde descentralizadas e hierarquizadas,
entre outros.
Em relação a isto, Gramsci indicava o papel da mídia na formação da opinião pública
vinculada à hegemonia política dos grupos dirigentes (GRAMSCI, 2001), que, nesse caso
articula-se à difusão de um sistema de saúde blico que não consegue atender as necessidades
da população, quando, na verdade, o que está implícito é a divulgação de interesses vinculados
ao setor privatista na saúde. o obstante, tamm destacamos o fortalecimento das dias
contra-hegemônicas e vinculadas aos interesses das classes subalternas
4
.
Diante do exposto acima, torna-se urgente a construção de processos contra-
hegemônicos à hegemonia privatista na política de saúde. Visto que a compreensão de que a
reforma sanitária brasileira está em construção, demonstram-se possibilidades de seguir na
trilha da ampliação da consciência sanitária e efetivação do direito à saúde, atuando tanto na
sociedade civil, quanto na sociedade política. Dessa forma, se na atual conjuntura a
permeabilidade dos interesses das classes subalternas nas vias institucionais encontram-se
limitadas em virtude da dominação exercida pela sociedade política hegenica e seu
conservadorismo, é fundamental que no terreno da sociedade civil o se recue na defesa de
uma saúde 100% pública, estatal e de qualidade.
Assim, enfatizamos a necessidade do fortalecimento de estratégias que articulam a
defesa do direito à saúde enquanto direito de cidadania, desde as que se vinculam diretamente
aos espaços de controle social democrático institucionalizados, bem como as que são
construídas nos espaços das associações locais e comunitárias. Destacamos a importância dos
4
Para mais informações é possível acessar o site do Mapa do Jornalismo Independente (PÚBLICA, 2021) e
conhecer diversos grupos que constroem uma contra-hegemonia à mídia hegemônica.
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diversos movimentos sociais e coletivos que pautam a saúde a partir de sua determinação social
e à relacionam com suas pautas. Salientamos ainda a defesa da participação social a partir de
uma concepção de educação popular em saúde, ou seja, conectada com a consciência crítica
das contradições sociais e seus impactos na saúde, assim como, articulada com os saberes e
práticas elaborados pelas classes populares e subalternas ao longo da história.
Para finalizar, pontuamos o papel fundamental que a Frente Nacional Contra
Privatização da Saúde vem desempenhando na defesa do direito à saúde e do projeto da reforma
sanitária. Assim:
Esta Frente é um importante mecanismo de articulação dos movimentos
contrahegemônicos na saúde. Tem o caráter anticapitalista e suprapartidário,
e tem articulado a ela vinte e três (23) fóruns ou frentes de saúde estaduais,
além de entidades, movimentos sociais, centrais sindicais, sindicatos, partidos
políticos e projetos universitários, que objetivam defender o SUS blico,
estatal, gratuito e para todos, além de lutar contra a privatização da saúde e
pelos princípios da Reforma Saniria dos anos 1980 (BRAVO; PELAEZ;
MENEZES, 2020: 205).
Acrescenta-se ainda que na construção dessa contra-hegemonia inserem-se uma
diversidade de propostas que materializam a luta deste movimento, das quais comungamos a
defesa, assim reiteramos a:
Revogação imediatista das contrarreformas e retrocessos do governo Temer:
Contrarreforma Trabalhista, Terceirização Irrestrita e Emenda Constitucional
95/2016 - que institui o Novo Regime Fiscal e congela por vinte anos os gastos
sociais - e retirada da PEC 287 da Reforma da Previdência Social; [...]- Pela
estatização completa do sistema de saúde com a proibição do capital
estrangeiro na saúde, o fim dos subsídios públicos aos serviços privados de
saúde e a revogação das leis que instituem e regulamentam as Fundações
Públicas de Direito Privado, as Organizações Sociais, as OSCIPS, Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares -EBSERH e as parcerias público-privadas;
Pela ampliação imediata do financiamentoblico do SUS, em todas as suas
áreas de atuação. Nesta direção, tem-se defendido a utilização de no mínimo
10% do Produto Interno Bruto (PIB) Para a saúde por parte da união, além do
cumprimento do gasto de no mínimo de 12% de arrecadação por parte dos
estados e de 15% de arrecadação por parte dos municípios, garantindo o
investimento público e financiamento exclusivo da rede pública estatal de
serviços; [...] - Inversão do modelo de saúde com valorização da promoção e
prevenção, garantindo a defesa das unidades sicas de saúde bem equipadas
com equipes completas e resolutivas e atendimento a todas as pessoas por
local de moradia e/ou trabalho assegurando encaminha para unidade de maior
complexidade sempre que necessário; - Contra a mercantilização da educação
e da formação em saúde, com defesa do ensino público, gratuito e de qualidade
que garanta formação em saúde alinhada a um projeto voltado a atender aos
interesses da classe trabalhadora a partir de um entendimento crítico do
projeto da Reforma Sanitária (BRAVO; ANDREAZZI, 2019: 432-3).
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Considerações Finais
As reflexões tecidas neste ensaio nos possibilitaram problematizar a historicidade da
constituição do direito à saúde no país a partir da demonstração dos projetos em disputa. O
projeto privatista tornou-se hegemônico a partir da autocracia burguesa e foi incorporando
distintas características ao longo do tempo, no entanto, em nenhum momento deslocou-se da
ofensiva à concepção de direito público e de cidadania, destacando-se na atualidade por estar
conectado com a voracidade da agenda ultraneoliberal e conservadora para os direitos sociais e
trabalhalistas. O projeto da reforma sanitária flexibilizada teve destaque nos governos petistas
e caracterizou-se pela incorporação de algumas demandas do MRSB, mas que de forma geral
refuncionalizou a perspectiva radical emancipatória, presente na proposta inicial do
movimento, inclusive, incorporando ao governo sujeitos políticos de referência para o
movimento, explicitando uma posição de transformismo. Já, o projeto da reforma sanitária dos
anos 1980, em que pese sua concepção emancipatória de direito à saúde, o protagonismo no
processo de redemocratização do país e a inserção dos seus principais princípios no arcabouço
legal, ainda necessita da construção de muitas mediações para efetivar-se no terreno da
sociedade política e na sociedade civil.
Em síntese, concluímos com a defesa da construção de uma contra-hegemonia,
conforme o pensamento gramsciano, ao projeto privatista na saúde, para assim fortalecermos o
projeto da reforma sanitária dos anos 1980, que na realidade ainda caminha para conseguir fixar
sua concepção de direito à saúde no país. Por fim, por compreendermos que a história está
sempre em construção, todo tempo é precioso e de tarefas aos que sabem que o “velho precisar
morrer, para o novo nascer.
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