DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.33426
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.2, p. 590-607, jul. / dez. 2021 ISSN 1980-8518
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Serviço Social e mundo do trabalho: tendências
do debate
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Social Work and the world of work: debate trends
Hiago Trindade*
Resumo: Este texto pretende oferecer um panorama
do acúmulo teórico e das tendências do debate sobre
o mundo do trabalho produzidas pelo Serviço Social
brasileiro. Para tanto, realizamos pesquisa
documental, a partir da análise de 127 artigos
publicados nos anais do ENPESS (2018) e da
JOINPP (2019). Concluímos atestando que a
produção intelectual sobre a temática do trabalho,
elaborada pelos pesquisadores vinculados ao Serviço
Social, está alinhada com problemáticas observadas
na realidade contemporânea, além de apontar alguns
desafios ao estudo nesse campo temático.
Palavras-chave: Serviço Social; mundo do trabalho;
pesquisa.
Abstract: This text intends to offer an overview of
the theoretical accumulation and trends of the debate
on the world of work produced by the Brazilian
Social Service. To this end, we conducted
documentary research, based on the analysis of 127
articles published in the annals of ENPESS (2018)
and JOINPP (2019). We conclude by attesting that
the intellectual production on the theme of work,
developed by researchers linked to Social Work is
aligned with the dilemmas and challenges observed
in contemporary reality, in addition to pointing out
some challenges to study in this thematic field.
Keywords: social service; world of work; search.
Recebido em: 17/02/2021
Aprovado em: 28/05/2021
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Este artigo apresenta dados parciais do projeto de pesquisa intitulado “Serviço Social e Trabalho: o precariado e
a contrarreforma trabalhista em foco”, desenvolvido pelo Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Trabalho,
Lutas Sociais e Serviço Social (GETRALSS), vinculado a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). O
referido projeto contempla, ainda, a análise dos anais do Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS),
cujos dados se encontram em processamento.
* Vínculo Institucional: Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Título Acadêmico: Doutor em Serviço
Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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Introdução
Sistematicamente, o Serviço Social brasileiro vem promovendo e/ou participando de
importantes eventos científicos, espaços nos quais é socializada a produção intelectual da
categoria profissional. Dentre esses eventos, destacam-se o Encontro Nacional de
Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS) e a Jornada Internacional de Políticas Públicas
(JOINPP) . Os anais desses encontros revelam uma multiplicidade de temas, deslindados a
partir de uma rica diversidade de pesquisas empíricas, recortes e análises, inclusive no que se
refere a compreensão das múltiplas determinações do mundo do trabalho no Brasil.
Não temos dúvidas: entender a realidade do trabalho e dos trabalhadores é uma tarefa
da maior relevância, sobretudo nesses tempos de predominância do capital financeiro, em que
se desdobram sucessivos processos de reestruturação produtiva, responsáveis por
complexificar, cada vez mais, os modos de gestão, organização e exploração da força de
trabalho, a partir de fenômenos como a uberização e a walmartização, para citar apenas alguns
exemplos. Além disso, são tempos de contrarreformas trabalhistas, de perda de direitos
historicamente conquistados e de muitos açoites sociopolíticos à classe trabalhadora, como vem
apontando Antunes (2018).
Como se nota, o mundo do trabalho está em ebulição”, e as determinações econômicas,
sociais e políticas dele derivadas impactam significativamente a classe trabalhadora: seus
modos de vida, suas estratégias de sobrevivência e as bandeiras de luta erguidas ante as
inúmeras expressões da “questão social” a se reproduzirem- e a se agravarem com o próprio
aprofundamento da crise capitalista.
Assim sendo, a correta assimilação desse universo é fundamental para conseguirmos
produzir uma leitura correta da realidade, tendo em vista, sempre, sua transformação. Por isso,
“[…] a agenda de estudos e pesquisas [do Serviço Social] se constrói atenta à preocupação em
desvelar a configuração da nova morfologia do trabalho e as repercussões que daí podem
derivar para a sociedade, em geral, e para a profissão, em específico (TRINDADE, 2020, p.
253).
Partindo desse entendimento, este artigo busca construir um levantamento das
formulações teóricas produzidas pelo Serviço Social brasileiro acerca dos temas relacionados
ao mundo do trabalho, extraindo as principais tendências que dinamizam as elaborações da área
nesse campo temático, no tempo recente.
Do ponto de vista metodológico, realizamos pesquisa documental, a partir da
recorrência aos anais do ENPESS, realizado em 2018, e da JOINPP, realizada em 2019. A
eleição e análise dos 127 textos se deu mediante observação do resumo e das palavras-chave,
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elegendo aqueles que apresentaram como expressões: “trabalho”, “precariado”,
“contrarreforma trabalhista”, “reestruturação produtiva”, “precarização do trabalho”,
“transformações no mundo do trabalhoou similares. Os dados produzidos foram tratados a
partir de indicadores estatísticos, acompanhados das análises qualitativas construídas a partir
da incorporação de elementos teóricos significativos ao debate.
Esperamos que este texto possa oferecer uma aproximação às principais tendências a
dinamizarem os debates teóricos e políticos desenvolvidos pelos pesquisadores vinculados ao
Serviço Social brasileiro no tempo recente, além de apontar alguns desafios à produção de
conhecimento na área.
ENPESS: tendências do debate
A partir da análise dos anais do ENPESS, agrupamos os artigos selecionados em cinco
eixos principais, a saber: a) Serviço Social e saúde do trabalhador; b) Categorias da crítica da
economia política; c) Transformações no mundo do trabalho e rebatimentos/incidências para o
trabalho profissional do assistente social d) Precarização do trabalho; e) Contrarreforma
trabalhista. Nesse sentido, ao longo deste item discorreremos sobre cada um deles, a partir dos
principais aspectos sistematizados pela pesquisa.
Serviço Social e saúde do trabalhador
Observando os resumos dos trabalhos publicizados no ENPESS (2018), percebemos a
expressiva quantidade de pesquisas e textos que buscam desvelar a relação entre saúde e
trabalho. Ao todo, contabilizamos 22 artigos (31,88%) que problematizam o referido tema,
sendo frequente o aparecimento da expressão “saúde do trabalhador” como palavra-chave
desses textos. Por certo, o significativo número de artigos que versam sobre a temática da saúde
do trabalhador nos anais desse encontro demonstra um reconhecimento da relevância do tema,
bem como atesta sintonia entre as pesquisas realizadas no âmbito da profissão e as questões e
dilemas que envolvem o mundo do trabalho na realidade contemporânea.
Como sabemos, nos marcos da sociedade capitalista a feição que o trabalho assume e as
características que o norteiam transformam a força de trabalho em simples mercadoria a ser
explorada nas maiores intensidades e níveis possíveis, tendo em vista a produção de vultuosas
taxas de mais-valia (MARX, 2011). Assim, ao passo que se desenvolve o modo de produção
orquestrado pelo capital, o processo de degradação do trabalhador avança, expresso na elevada
quantidade de acidentes de trabalho, de enfermidades que comprometem a saúde física e mental
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desses sujeitos e, inclusive, nos casos de suicídios registrados em decorrência das atividades
laborais desenvolvidas.
Em se tratando mais diretamente dos textos extraídos dos anais do ENPESS (2018),
observamos uma diversidade no direcionamento do debate, pois contemplou a análise da
relação entre saúde e trabalho a partir de pesquisas com trabalhadores de diferentes regiões do
país e de diversos ramos empregatícios, a exemplo do setor calçadista, de confecções e dos
portos. Dessa forma, entendemos que esses temas e textos dão continuidade ao esforço que o
Serviço Social tem estabelecido para descortinar as determinações e as contradições que
atravessam a saúde do trabalhador e da trabalhadora no capitalismo contemporâneo, como bem
demonstra Lourenço (2016).
Outrossim, parafraseando Oliveira, poderíamos afirmar que as investigações
desenvolvidas por docentes, discentes e profissionais da área demonstram “[…] o protagonismo
do Serviço Social na produção científica de estudos sobre a saúde dos trabalhadores e das
trabalhadoras no Brasil e, ao mesmo tempo, [reflete] a atuação profissional sobre os efeitos
nefastos da organização e condição de trabalho contemporâneo” (OLIVEIRA, 2016, p. 23).
Nessa direção, no que se refere aos textos versando sobre o campo temático da saúde do
trabalhador socializados no âmbito do ENPESS (2018), observamos duas tendências principais
a nortear o debate, quais sejam: 1) a problematização dos adoecimentos laborais partir do
trabalho desenvolvido nas Empresas Brasileiras de Serviços Hospitalares (EBSERH) e das
residências em saúde; 2) o agravamento das condições de saúde dos assistentes sociais.
No que se refere especificamente à EBSERH, sabemos que a avaliação crítica no que
tange a essas empresas sempre dinamizou os debates da profissão, contudo, acreditamos que o
interesse por esse tema vem se alargando entre os pesquisadores da área, tendo em vista as
adesões e/ou reestruturações nos modelos de gestão implementados pelos hospitais, a partir de
uma perspectiva privatista. Tais mudanças têm significado, para os trabalhadores da saúde, em
geral, e para os assistentes sociais, em específico, um conjunto de alterações regressivas que
vão desde as inseguranças e instabilidades (existentes mesmo entre os servidores concursados),
como atesta a pesquisa de Teixeira et al. (2019), até a intensificação do trabalho e redução da
jornada de trabalho (TORRES, 2018).
Além disso, também são problematizados, nos artigos do referido eixo, o processo de
adoecimento laboral dos assistentes sociais. Em nossa concepção, esse constitui um esforço da
maior importância, pois, assim como os demais trabalhadores, os assistentes sociais também
sofrem as inflexões do processo de crise e reestruturação produtiva que invade a totalidade da
vida social, provocando a degradação das condições e relações de trabalho a que estão
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submetidos. Destarte, corroboramos com Raichellis (2011) quando enfatiza a necessidade de
considerar o assistente social como sujeito vivo desse processo, como profissionais “[…] que
sofrem e adoecem a partir do cotidiano de seu trabalho e da violação de seus direitos”
(RAICHELIS, 2011, p. 426).
Categorias da crítica da economia política
Outra tendência observada a partir dos anais do ENPESS (2018) diz respeito ao estudo
de importantes categorias da obra de Marx e da Crítica da Economia Política, de modo geral.
Em nossa análise, identificamos que aproximadamente nove trabalhos (13,04%) se erguem com
essa preocupação. Dentre as categorias problematizadas pelos textos, ressaltamos: pauperismo,
trabalho improdutivo, trabalho intelectual, exploração, alienação, trabalho abstrato e
superexploração da força de trabalho. Todas as categorias mencionadas são complexas e, quase
sempre, travejadas por polêmicas no âmbito da própria tradição marxista. Apenas a título de
ilustração, podeamos indicar os debates que giram em torno da noção de trabalho
produtivo/improdutivo. Alguns setores da tradição marxista sugerem ser o debate permeado por
inúmeras incompreensões, lacunas e equívocos (MANDEL, 1985; MARINI, 2012;
CARCANHOLO, 2007; et al.). Em contraposição, outros analistas buscam extrair as
potencialidades dessa mesma categoria para avançar na assimilação da realidade, a exemplo do
sociólogo Ricardo Antunes (2018), que vem desenvolvendo a tese segundo a qual os
trabalhadores inseridos no setor de serviços podem ser qualificados como produtivos.
Nesse sentido, entendemos que o interesse dos pesquisadores do Serviço Social pelas
categorias supramencionadas expressa uma investida da maior importância, pois pode oferecer
novas pistas para ampliar e enriquecer os debates que vêm ganhando terreno na profissão,
especialmente a partir da teoria social marxiana, afirmando contribuições mútuas entre
marxismo e Serviço Social, tal como enfatiza Netto (2017). Ademais, como destacou Ricardo
Lara:
Ganham relevâncias as pesquisas de assistentes sociais que, em determinadas
temáticas, extrapolam as “divisas internas” do debate endógeno da área e
estabelecem interlocuções significativas com as ciências sociais. Diante disso,
consideramos que as assimilações das categorias da crítica da economia
política (ainda em andamento no Serviço Social e com longo caminho de
aprimoramento pela frente) são avanços no atual cenário das ciências sociais,
pois estas, na atualidade, em alguns casos, buscam eliminar ou reduzir as
pesquisas sobre a exploração da força de trabalho e sua condição de
mercadoria especial produtora de valor (LARA, 2016, p. 210).
Corroborando com a posição de Lara (2016), a pesquisa de Silva (2016) demonstra a
importância de compreender as dimensões macroestruturais da sociedade, a partir da
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assimilação dos conceitos e categorias que propiciam tal entendimento, pois, em sua análise,
mesmo quando os estudos e investigações não versam diretamente sobre o Serviço Social,
apresentam relevância para a profissão.
Nessa direção, cumpre frisar algo importante: dentre os trabalhos classificados nesse
eixo, apenas dois deles são de autoria de estudantes de graduação, possibilitando-nos inferir
que o debate mais aprofundado sobre essas categorias tem ocorrido no âmbito da pós-
graduação. De fato, entendemos que a pós-graduação constitui um espaço importante para o
aprofundamento dos estudos e leituras, sobretudo dos textos e dos autores clássicos, contudo,
acreditamos que é válido encontrar formas de estimular a investigação dessas categorias
também no âmbito da graduação, o que poderia ocorrer mediante a formação de grupos de
estudo e da proposição de projetos de pesquisa.
Tal esforço é interessante porque o entendimento dessas categorias nos ajuda a explicar
as determinações da realidade contemporânea e, igualmente, possibilitam-nos situar
corretamente o Serviço Social na malha das relações contraditórias estabelecidas na sociedade
capitalista.
Transformações no mundo do trabalho e rebatimentos/incidências para o trabalho
profissional do assistente social
Esse eixo reúne um total de 17 artigos (24,63%), sendo uma das temáticas mais
expressivas nos anais do ENPESS (2018), em termos quantitativos. Tais artigos podem ser
organizados em dois blocos principais, a saber: oito desses textos (11,59%) problematizam,
numa perspectiva mais ampla, as transformações no mundo do trabalho, indicando seus
rebatimentos para o Serviço Social; os nove artigos restantes (13,04%) discutem mais
diretamente o trabalho profissional do assistente social na cena contemporânea.
Nesse sentido, o primeiro bloco dos artigos está centrado no entendimento crítico das
mutações no mundo do trabalho ocorridas a partir dos múltiplos processos de reestruturação
produtiva do capital, no contexto de aprofundamento da crise capitalista e da busca de saída
para recomposição das taxas de lucro do capital. De modo geral, os textos chamam atenção para
as mudanças nas formas de organização e gestão do trabalho mediante os impactos provocados
pelo desenvolvimento tecnológico, para os impactos no mercado de trabalho assim como para
os níveis de degradação do trabalho e pauperização da classe trabalhadora.
Nessa direção, podemos afirmar que um esforço, por parte dos pesquisadores da área,
em dar continuidade ao acúmulo que tem sido realizado no âmbito do Serviço Social brasileiro
para demonstrar como as determinações mais amplas se traduzem no cotidiano de trabalho do
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assistente social, a partir da exponenciação da precarização de suas condições e relações de
trabalho, esforço esse que tem nas obras de Freire (2015), Raichelis, Vicente e Albuquerque
(2018) e Mota (2014) contribuições fundamentais, ainda que as mesmas não esgotem os debates
nesse campo temático.
Ainda no que se refere ao primeiro bloco de artigos, é recorrente a demarcação que os
autores fazem para pensar o Serviço Social como trabalho. Como sabemos, esse é um debate
permeado por polêmicas assentadas nas distas concepções que dinamizam os debates
protagonizados pelos intelectuais da área. Essas polêmicas e concepções se fazem visíveis nos
textos analisados, ainda que a maioria deles assuma a posição expressa no âmbito do núcleo de
Fundamentos do Trabalho Profissional das Diretrizes Curriculares da ABEPSS, a qual: “[...]
considera a profissionalização do Serviço Social como uma especialização do trabalho e sua
prática como concretização de um processo de trabalho que tem como objeto as múltiplas
expressões da questão social” (ABEPSS, 1996, p. 12).
No que tange ao segundo bloco dos textos, ou seja, aos nove artigos que versam sobre
o trabalho profissional do assistente social nos mais diversos campos sócio-ocupacionais,
observamos uma tentativa de apresentar os dilemas, desafios e contradições que marcam o
cotidiano das atividades desempenhadas pelos assistentes sociais, inclusive a partir de relatos
de experiência. Esse esforço corrobora as indicações feitas pelo Grupo Temático de Pesquisa
(GTP) “Serviço Social: fundamentos, formação e trabalho profissional”, que vem indicando,
como desafio da produção de conhecimento na área e a realização de estudos mais aprofundados
sobre o tema.
Precarização do trabalho
Como sabemos, o fenômeno da precarização do trabalho ganha contornos e
direcionamentos específicos a partir das configurações assumidas pelo modo de produção
capitalista. Nesse sentido, a depender do momento histórico vivenciado e de como se
estabelecem as relações e disputas entre capital e trabalho a precarização pode se expressar em
maior ou menor intensidade. Como enfatiza o mexicano Adrián Valencia (2016), nos marcos
do modo de produção capitalista se vive uma condição de precariedade que é fruto da lógica de
valorização do valor e das características assumidas pelo trabalho assalariado. a precarização
“[…] corresponde à reposição e atualização [da precariedade] e o cristaliza em leis, instituições,
normas e regulamentos trabalhistas, efetuando-se geralmente após um período de crise e
mediante reestruturações dos processos de produção e organização do trabalho” (VALENCIA,
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2016, p. 100).
No que se refere especificamente à realidade brasileira, a precarização do trabalho
sempre foi uma constante em nosso processo de formação sócio-histórico, e desde a ocorrência
da contrarreforma trabalhista, consolidada em 2017, temos presenciado um aviltamento das
condições e relações de trabalho, a partir da constante retirada de direitos sociais e trabalhistas
e da regulamentação de modalidades contratuais precárias, alçando o país a um novo patamar
de precarização estrutural do trabalho, nos termos de Trindade (2019).
Nesse percurso, se entendemos que a classe trabalhadora é ampla, heterogênea e
complexa, tal como nos faz crer Antunes (2018), é possível afirmar que a precarização atinge
os segmentos de classe com determinadas especificidades. O estudo sobre esses distintos
segmentos de classe comparece em pelo menos 17 textos (24,63%) publicados nos anais do
ENPESS (2018). Mais especificamente, comparecem discussões acerca da precarização do
trabalho no âmbito da produção de roupas, dos trabalhadores informais e ambulantes, dos
trabalhadores refugiados, dos denominados trabalhadores “offshore”, do “precariado” e de
segmentos profissionais específicos, a exemplo dos agentes de segurança penitenciária.
Como se nota, os textos publicizados pelos pesquisadores do Serviço Social nos anais
do ENPESS (2018) se debruçam sobre os mais distintos segmentos de trabalhadores, revelando,
assim, uma preocupação com o entendimento das condições de vida e existência dos homens e
mulheres que necessitam vender sua força de trabalho para sobreviver. Além disso, também é
possível afirmar que, em maior ou menor intensidade, esses estudos contribuem com o esforço
de perceber como se configura a estrutura de classes no Brasil.
Por fim, dentre os textos relacionados ao referido eixo, três problematizam, a partir de
diferentes angulações, a relação entre trabalho, questão social e encarceramento. Assim, cremos
que esse tema pode despontar como um campo investigativo interessante aos pesquisadores da
área.
Contrarreforma trabalhista
No ENEPSS (2018) registramos poucos trabalhos abordando os aspectos relacionados
à contrarreforma trabalhista ocorrida no Brasil. Dentre os artigos observados, apenas quatro
deles (5,79%) remetem ao tema, sendo que destes, um aborda a realidade mexicana e o outro
trata de maneira mais lateral sobre o assunto. Sendo assim, apenas dois trabalhos se debruçam
mais diretamente sobre a temática.
A escassez de trabalhos sobre esse tema pode se justificar pelo fato de as legislações que
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alteraram substancialmente o universo laboral brasileiro, a saber: Lei n.º 13.429/2017 (permite
a terceirização para atividades fins) e Lei n.º 13.469/2017 (institui, dentre outros aspectos, o
trabalho intermitente), terem sido sancionadas apenas em 2017 e, nesse sentido, quando o
ENPESS se realizou ainda existiam poucas pesquisas e estudos sobre o tema.
Por outro lado, é mister ressaltar que um número expressivo de trabalhos problematiza
as novas modalidades de trabalho a se expandir pelo Brasil, com ênfase na terceirização. Nessa
direção, ainda que a contrarreforma trabalhista não seja abordada mais diretamente,
acreditamos que as pesquisas apresentam a potencialidade de acompanhar os dinamismos e as
mudanças verificadas na estruturação do mercado de trabalho brasileiro, muitas vezes a partir
de estudos empíricos e de relatos de experiência interessantes.
Contudo, vale recordar: além da terceirização, as relações de trabalho no Brasil vêm se
apoiando fortemente no trabalho intermitente e no trabalho autônomo (com destaque para o
fenômeno da “pejotização”). Nesse sentido, é imperativo que as pesquisas da área busquem
contemplar a investigação das modalidades contratuais supramencionadas, descortinando as
reais condições de trabalho estabelecidas no Brasil e observando as múltiplas expressões da
questão social que atingem os trabalhadores.
JOINPP: tendências do debate
A partir da análise dos anais da JOINPP, agrupamos os artigos em seis eixos principais,
a saber: a) Transformações no mundo do trabalho e Serviço Social; b) Trabalho e saúde; c)
Contrarreforma trabalhista d) Diversidade da classe trabalhadora; e) Trabalho docente; f)
Precarização do trabalho. Nesse sentido, ao longo deste item discorreremos sobre cada um
deles, a partir dos principais aspectos sistematizados pela pesquisa.
Transformações no mundo do trabalho e Serviço Social
Ao nos debruçarmos sobre os anais da JOINPP (2019), detectamos um quantitativo de
vinte e dois artigos (37,93%) com escopo no debate sobre as transformações no mundo do
trabalho, sendo a temática com maior número de textos. Nessa direção, os artigos registrados
nesse eixo versam sobre a compreensão das determinações econômicas, sociais e políticas que
dinamizam o mundo do trabalho, buscando aprofundar o entendimento sobre as crises, as
reestruturações produtivas e os realinhamentos do Estado no tempo recente. No mesmo
movimento, intentam detectar como essas transformações societárias acarretam rebatimentos
particulares para as profissões, suas áreas de intervenção, seus suportes de conhecimento, etc.,
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nos termos de Netto (1996).
Assim, tomando um direcionamento muito próximo daquele verificado no âmbito do
ENPESS (2018), nos anais da JOINPP (2019) se pode atestar o interesse em observar como as
transformações macroestruturais se traduzem no cotidiano de trabalho dos assistentes sociais,
nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais em que esses sujeitos se inserem. Mais
especificamente, pelo que pudemos depreender da análise dos anais da JOINPP (2019), os
textos abordam as configurações do trabalho e o processo de precarização que acomete os
assistentes sociais nos campos: sociojurídico, em empresas privadas, em hospitais e no âmbito
da previdência social – Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Assim sendo, podemos observar contribuições importantes para desvelar os desafios,
entraves e potencialidades do trabalho dos assistentes sociais na contemporaneidade, a partir
dos estudos (muitas vezes com dados empíricos interessantes) empreendidos pelos
pesquisadores da área. Por conseguinte, esse esforço pode contribuir para melhor caracterizar
a nova morfologia do trabalho do assistente social, expondo “[…] novos modos de ser do
trabalho e da classe trabalhadora na era da precarização estrutural do trabalho em tempo de
crise mundial do capital” (RAICHELIS; VICENTE; ALBUQUERQUE, 2018, p. 16).
Trabalho e saúde
Na mesma direção dos trabalhos publicados nos anais do ENPESS (2018), no âmbito
da JOINPP (2019) também é significativa a quantidade de artigos que problematizam a relação
entre o trabalho e os processos de adoecimento dos trabalhadores na sociedade contemporânea.
A temática saúde do trabalhador comparece em oito artigos (13,79%) da JOINPP (2019).
Mas, é preciso ter algo em conta: há uma expressiva quantidade de textos que, embora não
tratem diretamente sobre o tema, fazem referência ao conjunto de expressões da questão social
vinculadas à relação trabalho-saúde nos marcos do capitalismo.
Entendemos que a constante recorrência a esse tema demonstra uma sintonia com as
determinações e com as questões a interpelarem a realidade hodierna. Como elucidam
importantes estudiosos da área:
Por um lado, [convivemos com] a incorporação, ao cotidiano do mundo do trabalho, de
novas enfermidades, típicas das recentes formas de organização do trabalho e da produção. Por
outro, fruto da nova divisão internacional do trabalho, [presenciamos] a disseminação de
práticas que articulam os pressupostos da liofilização organizacional (Antunes, 2010), da
empresa enxuta (lean production) a condições de baixa (ou nenhuma) proteção do trabalho
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(ANTUNES; PRAUN, 2015, p. 411).
No caso específico dos artigos circunscritos a essa temática nos anais da JOINPP (2019),
a maioria versa sobre diferentes aspectos que envolvem a situação de saúde dos assistentes
sociais, sobretudo a partir de sua inserção, enquanto trabalhadores, no âmbito das políticas que
conformam a Seguridade Social brasileira, com maior ênfase para a Assistência Social.
Ao produzir um levantamento sobre as condições de trabalho dos assistentes sociais que
atuam no âmbito dessas políticas, a professora Edvânia Souza (2019) nos fornece um conjunto
de pistas e indicações acerca de como os processos de trabalho podem comprometer a saúde
física e mental desses profissionais. Dentre as pistas por ela apresentadas, poderíamos indicar
o sentimento de impotência e/ou frustração ante a ausência de recursos objetivos para realizar
os atendimentos dos usuários no contexto marcado pela ausência/insuficiência de
financiamento das políticas sociais e o comprometimento das condições éticas e cnicas para
o desempenho do trabalho profissional aspectos esses que, inclusive, também são apontados
pelos autores dos textos analisados nos anais da JOINPP.
Todas essas reflexões endossam o entendimento segundo o qual, na medida em que o
modo de produção avança, com sua lógica incontrolável e com suas contradições insuperáveis,
degrada as condições de vida e existência dos trabalhadores que necessitam vender sua força
de trabalho para sobreviver. De fato, como destacam Antunes e Praun (2015), estamos inseridos
na sociedade dos adoecimentos no trabalho, na qual os imperativos do capital podem se
realizar a partir da desefetivação do ser social que trabalha, incluídos os assistentes sociais.
Por isso, é fundamental que os pesquisadores da área continuem empreendendo esforços para
avançar no entendimento crítico dessa realidade.
Contrarreforma trabalhista
Na JOINPP (2019), sete trabalhos (12,06%) se dedicaram a problematizar a
contrarreforma trabalhista ocorrida no Brasil. Em 2019 ano de ocorrência do evento ,
decorridos quase dois anos desde a promulgação das leis, a preocupação sobre o tema aumentou
entre os assistentes sociais brasileiros, sobretudo tomando como comparação a incidência dessa
problemática no ENPESS, em que apenas dois trabalhos versaram mais diretamente sobre o
tema, conforme explicitamos no item anterior.
Nessa direção, um dado importante a ser mencionado: a leitura do resumo dos artigos
indicava que a maioria dos trabalhos publicizados nesse evento eram fruto de pesquisas que, à
época, ainda se encontravam em desenvolvimento, portanto, os textos cristalizavam resultados
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parciais dessas investidas. Do ponto de vista metodológico, a maioria deles se constitui a partir
de pesquisa documental, quer analisando os discursos dos sujeitos e entidades que apregoavam
a defesa da imprescindibilidade de garantir a “reforma”, quer se debruçando sobre a legislação
que dá materialidade às alterações produzidas no universo laboral brasileiro.
Dentre os artigos analisados, apenas um teceu relações entre a contrarreforma e o
trabalho profissional do assistente social, indicando, por isso mesmo, que aprofundar os estudos
sobre essa questão constitui um desafio para a profissão.
Outro dado importante sobre os textos em tela diz respeito ao fato de que alguns deles
se debruçaram, apenas, sobre a Lei n.º 13.467/2017, responsável pela alteração de mais de uma
centena de pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conhecida como “Lei da
Reforma Trabalhista”. Contudo, para nós, a contrarreforma contemporânea precisa ser pensada
a partir da articulação entre a lei supramencionada e a Lei n.º 13.429/2017. Pensar os efeitos
que essas legislações produzem, em conjunto, articuladas, é fundamental para compreender
mais profundamente as alterações regressivas registradas no mercado de trabalho brasileiro, em
um movimento que antecede e que supera, ao mesmo tempo, as leis supramencionadas.
Da mesma forma, também identificamos como um desafio a proposição de estudos e
pesquisas de caráter empírico, observando como a contrarreforma tem impactado os
trabalhadores dos diversos ramos da sociedade, apontando as expressões da questão social que
os estão impactando mais fortemente. Tal tarefa é fundamental para sintonizar os assistentes
sociais com os novos tempos, permitindo-lhes uma sólida base de entendimento e interpretação
da realidade.
Diversidade da classe trabalhadora
Como sabemos, a classe trabalhadora é dinamizada por um conjunto de sujeitos
unificados pelo fato de estarem alijados dos meios fundamentais de produção. Todavia, a
despeito desse aspecto em comum, o proletariado desde as formulações estabelecidas por
Marx deve ser compreendido a partir de um conjunto de características e especificidades
situadas a partir das diferentes posições socioeconômicas, das formas mais ou menos intensas
de opressão, do acesso a bens e serviços, dentre outros aspectos.
Recentemente, o historiador Marcelo Badaró Mattos (2019) construiu reflexões que
atestam esse entendimento. O autor traça uma demarcação entre operariado e proletariado para
enfatizar que, nos escritos de Marx, a noção de proletariado deve ser enquadrada como um
segmento amplo, capaz de absorver, portanto, diferentes frações da classe trabalhadora,
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inclusive os estratos que surgem e/ou se remodelam a partir dos constantes processos de
metamorfoses verificados ao longo da história do modo de produção capitalista.
Dessa forma, na contemporaneidade, precisamos entender a conformação da classe
trabalhadora a partir das dimensões de complexidade e heterogeneidade. A fim de compreender
a morfologia da classe trabalhadora no Brasil, Ricardo Antunes (2011) formulou a noção de
classe-que-vive-do-trabalho, a qual procura dar amplitude ao ser social que trabalha, pois
incorpora o conjunto dos trabalhadores que necessitam vender sua força de trabalho para
sobreviver, independentemente dos ramos, funções e posições que ocupam no processo
produtivo de mercadorias. Nesse sentido – e ainda em consonância com esse intelectual:
Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória
que, de um lado, reduz o operariado industrial e fabril; de outro, aumenta o
subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços.
Incorpora trabalho feminino e exclui os mais jovens e os mais velhos. Há,
portanto, um processo de maior heterogeneização, fragmentação e
complexificação da classe trabalhadora (ANTUNES, 2011, p. 47).
A partir da citação transcrita, depreendemos que a classe trabalhadora não se insere de
igual forma no mercado de trabalho brasileiro, posto que determinadas características podem
condicionar uma inserção mais precária e subalterna desses sujeitos no universo laboral, como
ocorre, de modo recorrente, com as mulheres, negros/as e a população de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Transsexuais, Queer, Intersexuais e demais (LGBTQI+).
Nesse contexto, os dez trabalhos (17,24%) contidos no referido eixo expressam bem
essa diversidade da classe trabalhadora a partir de análises e de recortes interessantes,
envolvendo as dimensões de sexo, raça, geração, território, dentre outras. Nesse sentido, o
processo de precarização do trabalho foi abordado nos anais da JOINPP (2019) observando o
trabalho feminino, de jovens e crianças, de pessoas com deficiência, de idosos, das formas de
trabalho marcadas pela informalidade, dos trabalhadores rurais (com ênfase nas especificidades
regionais) e, ainda, do que a sociologia do trabalho vem denominando como “precariado”.
É interessante que os estudos e pesquisas sobre essa diversidade da classe trabalhadora,
produzidos por pesquisadores vinculados ao Serviço Social, façam-se visíveis a partir da análise
dos anais da JOINPP (2019), pois, em verdade, tratam-se de segmentos acometidos por
inúmeras expressões da questão social e com os quais os assistentes sociais lidam diretamente.
Nesse sentido, seguir elaborando esses estudos corrobora a indicação de Marilda Iamamoto,
segundo a qual é fundamental:
[…] avançar no conhecimento da população a quem se dirigem os serviços
profissionais: o estudo das classes sociais no Brasil e, em especial, das classes
subalternas, com suas condições materiais e subjetivas, considerando as
diferenças internas e aquelas decorrentes de relações estabelecidas com os
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distintos segmentos do capital […] (IAMAMOTO, 2015, p. 101).
Destarte, os temas e segmentos sociais problematizados nos artigos da JOINPP (2019)
são interessantes e cruciais para entendermos os desafios teóricos e políticos que se apresentam
aos pesquisadores interessados nos estudos sobre o mundo do trabalho.
Trabalho docente
Dentre os trabalhos que compuseram o eixo analisado, quatro deles (6,89%) abordaram
a temática da precarização do trabalho docente. De fato, é preciso ter em vista que os
professores, enquanto trabalhadores inseridos na divisão social e cnica do trabalho,
vivenciam, com os ritmos e os modos que caracterizam seu espaço laboral, o conjunto de
determinações sociais, econômicas e políticas que vem reconfigurando o mundo do trabalho
(TRINDADE, 2013).
Nessa direção, os artigos inscritos nesse eixo se esforçam em demarcar as condições de
trabalho dos professores inseridos em instituições públicas e/ou privadas, de distintas regiões
do país e sob diversas formas contratuais (efetivos e substitutos, sobretudo). Assim, os artigos
procuram abordar, a partir de pesquisas empíricas e documentais, a situação de instabilidades,
inseguranças ou, em síntese, as diversas expressões da precarização do trabalho docente, em
geral associadas às pressões por produtividade, à sobrecarga laboral (decorrente, dentre outros
fatores, do reduzido quadro de professores), ao contingenciamento de recursos, à perseguição
ideológica e às vertentes críticas de abordagem da realidade social, etc.
Nesse contexto, Denise Silva (2018) aponta que a precarização social do trabalho afeta,
de maneira significativa, o trabalho docente do ponto de vista econômico e social, pois, além
dos processos que se desdobram no âmbito laboral a partir da flexibilização e terceirização, há
também uma face da precarização social, expressa no fato de que o “[o trabalho] invade a vida
pessoal [dos professores] comprometendo o equilíbrio entre esses espaços da vida” (SILVA,
2018, p. 63).
Por todos os aspectos anteriormente mencionados, entendemos que a temática da
precarização do trabalho docente representa um campo profícuo para investigação dos
pesquisadores da área do Serviço Social, haja visto que a temática permite formular reflexões
importantes sobre as (re)configurações do mundo do trabalho, mas também sobre os limites e
desafios impostos à universidade, sobretudo no contexto de avanço das contrarreformas
educacionais e das constantes tentativas de imprimir uma lógica mercadológica e empresarial
nesse espaço com todas as consequências que daí derivam para toda a comunidade acadêmica.
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Precarização do trabalho
A partir da análise dos textos da JOINPP 2019, detectamos sete artigos (12,06%)
tratando do complexo fenômeno da precarização do trabalho, em suas diversas formas de
expressão. Dentre esses textos, encontramos debates sobre o sentido dos processos trabalhistas,
sobre as condições de trabalho no âmbito da construção civil, além de algumas reflexões
metodológicas acerca da temática. Contudo, ganharam maior evidência as discussões com foco
no trabalho escravo e no papel das tecnologias para conformação das condições laborais na
cena contemporânea.
O tema das formas de trabalho análogo à escravidão é da maior importância no atual
tempo histórico, pois, de um lado, cresce o número de denúncias de trabalhadores (inseridos
nos mais diversos ramos de trabalho e regiões do país) submetidos a essa condição laboral, e,
associado a isso, os setores dominantes realizam investidas no sentido de desconstruir as
legislações e os órgãos responsáveis pela fiscalização das irregularidades trabalhistas.
O outro campo temático mencionado se volta para pensar a situação das tecnologias.
Entendemos que a compreensão da atual fase de acumulação capitalista, na qual se sobressai a
chamada indústria 4.0, reivindica a correta assimilação do papel exercido por essas tecnologias,
sobretudo ante a disseminação das inúmeras plataformas digitais, que se expandem no mesmo
movimento em que se observa a precarização das condições e relações de trabalho, de que é
prova o alastramento do que vem sendo denominado como uberização (ABILIO, 2017; SLEE,
2017).
Esse cenário nos defronta com um quadro de agravamento da exploração do trabalho e,
como corolário, da degradação das condições de vida e existência dos trabalhadores, essas cada
vez mais exponenciadas e, por isso, esse campo se mostra profícuo para investigações.
Considerações finais
A análise dos trabalhos publicizados nos anais do ENPESS (2018) e da JOINPP (2019)
revelam uma diversidade importante de temas e debates. Constituem, por certo, um esforço
significativo para desvendar as múltiplas determinações que constituem a complexa realidade
social na qual estamos inseridos e, especialmente, aquelas relacionadas ao mundo do trabalho.
Esse esforço é importante porque, a partir desse balanço, será possível construir uma
agenda de estudos e pesquisas sintonizadas com as requisições do atual tempo histórico,
endossando o esforço estabelecido pela ABEPSS e, mais particularmente, pelo GTP intitulado
“Trabalho, Questão Social e Serviço Social”.
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No que se refere especificamente à análise dos anais do ENPESS (2018) e da JOINPP
(2019), podemos observar que existem eixos temáticos que comparecem na produção de ambos
os eventos, a exemplo da compreensão das transformações no mundo do trabalho e seus
impactos para os assistentes sociais, da saúde do trabalhador e das formas de expressão da
precarização social do trabalho. Contudo, mesmo que existam similaridades, também é possível
registrar algumas especificidades: no ENPESS (especificamente no eixo acerca da precarização
do trabalho) verificamos uma incidência no trato com a temática do encarceramento (em sua
mediação com o trabalho e com a questão social). Por seu turno, no âmbito da JOINPP o
trabalho docente despontou como um tema expressivo.
Outro dado digno de registro diz respeito ao aumento do interesse, entre os
pesquisadores da área, pela temática da contrarreforma trabalhista, a qual vem sendo
desenvolvida a partir de pesquisas no âmbito dos cursos de graduação e de pós-graduação. A
análise dos dados nos revela, contudo, que a maioria desses textos abordam questões de ordem
mais geral sobre o tema, constituindo um desafio e um campo de pesquisa profícuo para a
categoria profissional estabelecer como e de que forma a contrarreforma trabalhista está
impactado o mercado de trabalho dos assistentes sociais na realidade brasileira.
Ainda sobre os desafios, também gostaríamos de reforçar o empreendimento de esforços
e iniciativas com vistas ao aprofundamento do entendimento das categorias da crítica da
economia política, sobretudo no âmbito da graduação em Serviço Social.
Dito isso e a despeito das especificidades apontadas –, é possível constatar que a
produção intelectual dos pesquisadores vinculados ao Serviço Social vem mobilizando temas
de estudo e pesquisa relevantes e, além disso, demonstra sintonia com as próprias demandas e
requisições que emergem da realidade.
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