DOI 10.34019/1980-8518.2020.v20.32971
Revista Libertas, Juiz de Fora, v.20, n.2, p. VIII-XXII, jul. / dez. 2020 ISSN 1980-8518
EDITORIAL
O museu de grandes novidades: reemergência
do conservadorismo no Brasil e o imperativo de
seu enfrentamento pelo Serviço Social
Alexandre Aranha Arbia, Carina Berta Moljo, Ronaldo Vielmi Fortes
A revista Libertas, em seu Vol. 20, N. 2, propôs-se o desafio de abordar um dos temas
contemporâneos mais candentes, no mundo e no Brasil: a nova ofensiva conservadora, que se
impõe em espectros amplos e avança contra os mínimos civilizatórios conquistados a duras
penas pelos trabalhadores. Este é o espírito do dossiê Os desafios do Serviço Social ante a
escalada do conservadorismo, que conta com importantes contribuições que nos ajudam a
compreender os diversos aspectos do problema. Neste número, homenageamos também os
duzentos anos do nascimento de Friedrich Engels e o centenário de Florestan Fernandes
contundentes críticos da sociedade burguesa e, por conseguinte, do conservadorismo.
O pensamento conservador é tão antigo quanto a sociedade moderna; um subproduto da
época que pariu os ideários de liberté, egalité, fraternité. Edmund Burke, em suas Reflexões
sobre a Revolução Francesa, firmou suas bases ainda no século XVIII. Membro da aristocracia
inglesa, Burke foi a voz de uma ordem social em decadência. Assistiu impotente à derrocada
da aristocracia europeia na aurora da ordem burguesa e, sobrevivendo, adaptou-se a ela.
Enquanto pôde, combateu o ideário da Revolução Francesa. Defendeu de modo ferrenho a
aristocracia – a única, em sua visão, capaz de dirigir prática e espiritualmente o destino nacional
–, baluarte da preservação da sociedade civilizada contra a ascensão de um terceiro estado
bárbaro. Burke desprezava os jacobinos e nada reconhecia de positivo no modo de vida do
terceiro estado. Para ele, a degeneração inerente a este estamento geraria, necessariamente, caos
e destruição (em suas Reflexões..., a França foi alçada à confirmação empírica de suas
impostações). Burke nutria ideais anti-iluministas e irracionalistas.
Seu desprezo pelas classes populares e pela pequena burguesia também produziu em
seu pensamento uma forte repulsa pela democracia e pelas formas modernas de governo.
Ferrenho defensor da monarquia, Burke atacou a participação do terceiro estado na composição
parlamentar. Por um lado, as práticas burguesas em seu exasperado espírito mercantil
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despertavam-lhe desconfiança e censura. Por outro, os membros dos estratos mais baixos da
população aqueles não diretamente vinculados às camadas tradicionais lhe eram tidos por
“homens feitos para serem instrumentos e não para exercerem o controle” (BURKE, 1982, p.
77). A própria composição do parlamento francês ganhou, em suas palavras, a definição de
“império da chicana” (BURKE, 1982, p. 77). Burke terminou, na débâcle da antiga ordem, por
antever de modo opaco, melancólico, enviesado e impotente as consequências da generalização
do espírito mercantil burguês no âmbito da coisa pública.
Seu destino não deixa de ser peculiar: reabilitado pela própria burguesia inglesa ainda
em vida, pôde usufruir uma aposentadoria vitalícia, o que pode ter contribuído para refrear o
ímpeto de sua crítica e acelerado sua adaptação à nova sociedade. Burke, o irracionalista
antidemocrático, elitista e medieval, errou em vários sentidos. Sua crítica aristocrática da
revolução burguesa e seu pavor da democracia apenas testemunharam a consolidação de uma
ordem que, mutatis mutandis, pôs, no lugar dos antigos, novos privilégios – dos quais o próprio
Burke pôde usufruir.
Ainda que Burke pudesse haver despertado algum interesse na Alemanha do séc. XIX,
a discussão nos círculos ilustrados estava pautada pelas ideias de outro homem, que,
diferentemente do conservador inglês, viu nas revoluções burguesas – e na francesa, em
particular, cujo imperador trazia em si o espírito do mundo – a aurora de um novo tempo, cuja
força disruptiva ultrapassava e se impunha a simples vontade dos homens: era chegada a hora
de o espírito abandonar a velha forma e prosseguir em sua jornada pela apropriação de si. Foi
na riqueza desse debate das ideias de Hegel que se inseriram dois jovens intelectuais
alemães. Juntos iriam marcar o pensamento ocidental do século XX.
Marx, como se sabe, fez poucas alusões a Burke e, quando o fez, demonstrou desprezo
1
.
Não há, até onde é de nossa lembrança, referências de vulto ao conservador inglês nos Livros
II e III dO Capital, n’A Ideologia Alemã ou mesmo nos Grundrisse: as alusões aparecem no
Livro I de modo extremamente marginal. É possível que as ideias de Burke, no início do
1
poucas passagens no Livro I. Das mais emblemáticas, é a que reproduzimos a seguir: “Esse sicofanta, que a
soldo da oligarquia inglesa desempenhou o papel de romântico contra a Revolução Francesa, exatamente como
antes, nos primeiros momentos das agitações na América, atuara como liberal, a soldo das colônias norte-
americanas, contra a oligarquia inglesa, não era senão um burguês ordinário: ‘As leis do comércio são as leis da
natureza e, por conseguinte, as leis de Deus’, E. Burke, Thoughts and Details on Scarcity, Originally Presented to
the Rt. Hon. W. Pitt in the Month of November 1795, cit., p. 31-2. Não é de admirar que ele, fiel às leis de Deus e
da natureza, tenha sempre vendido a si mesmo a quem pagasse melhor! Nos escritos do reverendo Tucker – apesar
de pároco e tory, Tucker era, quanto ao mais, um homem correto e competente economista político – encontramos
uma boa caracterização desse Edmund Burke durante seu período liberal. Diante da infame falta de caráter que
hoje em dia impera e da crença mais devota nas ‘leis do comércio’, é um dever estigmatizar repetidamente os
Burkes, que se distinguem de seus sucessores por uma única coisa: talento!" (MARX, 2018, p. 930 - Nota 248).
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século XIX, tenham-se mostrado demasiado simplórias frente à sofisticação do idealismo
alemão em geral e de Hegel em particular. Mas não queremos tratar de Marx neste editorial – a
quem amplas referências são realizadas justa e sistematicamente. Nossa homenagem é, por uma
razão especial, ao seu parceiro intelectual, cujas elaborações nem sempre receberam um
tratamento minucioso e aprofundado por parte dos estudiosos do marxismo.
Engels foi, definitivamente, um revolucionário, ainda que responsabilidades tão
discrepantes lhe sejam atribuídas: da paternidade do reformismo a idealizador teórico de
ditaduras corruptas. Tamanha confusão talvez se deva ao fato de que “Engels, em particular,
[tenha] escrito sobre a revolução em diferentes tons e diferentes tempos” (JACOB, 2020, p. 56).
Ou seja, “Engels não criou uma teoria estática da revolução, mas tentou ajustar seus
pensamentos durante um longo período de tempo para corresponder às pré-condições
existentes” (JACOB, 2020, p. 53), o que pode haver contribuído para baralhar o entendimento
acerca de suas postulações políticas e, consequentemente, estratégicas e táticas. Como pontuou
Netto (2017, p. 18), ao colocar-se como o “segundo violino”, Engels, “com suas costumeiras
generosidade e honestidade, (...) colaborou para dificultar a apreciação tanto de seu próprio
valor intelectual quanto da contribuição teórica que ofereceu ao desenvolvimento de Marx”.
Mas, como complementa Netto (2017, p. 18), retomando as palavras de Florestan Fernandes,
Engels “era um pensador de luz própria”.
Friedrich Engels viveu intensamente os conflitos de seu tempo. Trabalhou arduamente,
teórica e praticamente, pela causa operária; posicionou-se – em que pese o fato de ser herdeiro
de indústrias em Manchester – pelo fim da propriedade privada e do capital. Angariou inimigos
em sua própria classe. Frequentou, desde a juventude, as áreas e os espaços organizativos do
proletariado. Descreveu magistralmente as condições de vida dos trabalhadores ingleses em seu
A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (1845) obra que influenciou Marx tão
profundamente, que os ecos ainda podem ser sentidos nas descrições que se seguem no Cap.
XXIII do Livro I de O Capital.
Controvérsias a respeito do modo como teria lidado com a dialética ou com o legado de
Hegel, suas intervenções “a quente” nas questões de seu tempo, sua coragem em não se furtar
frente aos conflitos, tanto de classes quanto intraclasse, tudo isso, antes de diminuir, aponta para
a estatura de Engels enquanto um pensador original, cuja obra estabelece diálogo direto com a
de Marx, encontra-a, muitas vezes, e expressa autenticidade em muitas outras
2
. E nada disso
2
Engana-se quem imagina Engels em concordância servil com Marx. Cf. Jacob (2020, p. 52), “Engels também
permaneceu o primeiro e provavelmente o mais importante crítico de seu amigo”. E, citando Oscar J. Hammen,
conclui: “Engels, frequentemente, foi crítico das descobertas de Marx, mas não há evidências de um perturbador
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obnubila o fato de que, de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (1845), passando
por Princípios do Comunismo (1847), alcançando o Manifesto Comunista (1848), A guerra
camponesa na Alemanha (1850), os artigos escritos para o New York Daily Tribune (muitos dos
quais assinados por Marx, em comum acordo de divisão de tarefas), até o complicado prefácio
de 1895, aportado a As lutas de classe na França, 1848 - 1850, assim como seu esmero em
amealhar páginas e páginas de manuscritos, trazendo à luz os Livros II e III de O Capital, é fato
incontroverso que a luta dos trabalhadores em todo o mundo tem em Engels um de seus
principais pilares, e que o filósofo de Barmen jamais vacilou em relação à sua posição na luta
de classes. Assim, prestando uma modesta homenagem aos duzentos anos do seu nascimento
(28 de novembro de 1820), esta edição se encerra com um texto inédito em língua portuguesa
deste empedernido combatente do capitalismo, de que faremos referência ao final desse
editorial.
No Brasil, o conservadorismo teve seus rebatimentos. Talvez, pela peculiaridade do
desenvolvimento do capital pela via colonial, o que implicou, por aqui, não a defesa de uma
aristocracia, mas a manutenção de privilégios de uma restrita camada social em uma nação que,
determinada pela acumulação externa, enfrentou dificuldades estruturais de desenvolver um
capitalismo autônomo. Muito antes da associação do pensamento conservador com as ideias
neoliberais, intelectuais como José Bonifácio de Andrada, Visconde do Uruguai (Paulino José
de Souza), Alberto Torres e Oliveira Viana procuraram dar forma a um pensamento conservador
brasileiro.
A facilidade de metamorfosear-se, subproduto de seu irracionalismo imanente, confere
ao pensamento conservador uma funcionalidade produtiva para as diferentes camadas
dominantes, adaptando-se assim, com facilidade, às novas conjunturas históricas. Capacidade
presente em José Bonifácio Andrada, por exemplo, de influenciar Pedro II, em que pesem
suas próprias convicções republicanas (cf. Monteiro, 2020), contribuindo assim para moldar a
monarquia brasileira e sendo essenciais para o sucesso do Segundo Reinado.
Paulino José de Souza, o Visconde de Uruguai, o primeiro a sistematizar o
pensamento conservado brasileiro, publicou, em 1862, seu Ensaio sobre o Direito
Administrativo. Souza preocupou-se em indicar caminhos para que a institucionalidade
brasileira se estruturasse a partir da peculiaridade nacional. Mantinha a convicção de que as
instituições nacionais deviam amoldar-se às nossas peculiaridades, e não apenas importar ideais
conflito de pontos de vista. Marx, por sua vez, nunca hesitou em alterar ou rejeitar o rascunho de um artigo de
Engels” (JACOB, 2020, p. 52). Vê-se, pelo fragmento, a relação fraterna, mas também crítica, entre ambos.
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e modos de funcionamento alheios ao nosso desenvolvimento social próprio. Esse
nacionalismo, posto desde José Bonifácio, ganha um contorno explícito no Visconde de
Uruguai e marcará maior parte da trajetória do pensamento conservador no Brasil. A favor desse
desenvolvimento na particularidade nacional, ponderava que
o estudo das nossas instituições tem-me convencido de que, felizmente, as
largas e liberaes bases em que assentão são excelentes. Quantas nações se
darião por muito felizes, possuindo a metade daquillo com que nos favoreceu
a mão amiga da Providencia. O desenvolvimento que temos dado áquellas
instituições, mais theorico do que práctico, he que tem sido defectivo, inçado
de lacunas, pouco accommodado mesmo, a certas circumstancias (algumas
temporarias) do paiz (VISCONDE DO URUGUAI, 1862, p. XV)
A ideia de Souza de formar um pensamento público convergente com a
institucionalidade parte do pressuposto de que, quando esclarecida, a opinião pública converge,
naturalmente, para o aprimoramento e reforma da institucionalidade. Subjaz aqui que o
esclarecimento a respeito da vida política e institucional nacional produz, como efeito racional,
uma convergência em torno do fortalecimento dessa institucionalidade e da própria vida social.
Estava convencido de que, no Brasil, “pela escassez de estudos e de conhecimentos
administrativos não está uma grande parte da nossa população em estado de formar uma opinião
conscienciosa sobre quaesquer reformas que sejão intentadas” (URUGUAI, 1982, p. XVIII).
Isso produziu em Souza a defesa de um federalismo centralizado, vez que nutria severas
reservas em relação ao exercício do poder político nas esferas municipais, consideradas eivadas
de “vicios e grandes vicios” em suas organizações, dotadas de ações e meios insuficientes e
“em demasia peadas pela estreita tutela em que vivem” (VISCONDE DO URUGUAI, 1982, p.
XXI).
Alberto Torres, que viveu entre 1865 e 1917, aproximou decisiva e explicitamente o
conservadorismo do nacionalismo. Para ele, a Nação serviria de amálgama a um país tão diverso
e territorialmente disperso; nela convergiriam tanto os ideais espirituais e morais quanto a vida
concreta do povo. A ideia de Nação, de Torres, como convergência política, institucional e
social em prol do crescimento e da autonomia nacionais, colocava em segundo plano um dos
problemas estruturantes da formação do capitalismo no Brasil: o modo violento e não
resolvido – como se deu a relação entre as classes desde as nossas origens. Sua compreensão a
respeito do povo brasileiro, em O Problema nacional brasileiro, afirma a ideia de uma
democracia social vivenciada por um povo idílico,
Sensível, generoso, nobre, hospitaleiro, probo, trabalhador, o homem
genuinamente brasileiro, fiel ao nosso espírito e sentimento tradicional, que
não deturpou o caráter na confusão cosmopolita das grandes cidades, mostra,
logo à primeira vista, no sorriso aberto e na palavra mansa e serena, onde a
ociosidade a que foi habituado põe uns laivos de desânimo a inteligência
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viva e aguda, um raro senso da realidade, um engenho curioso e hábil
(TORRES, 2020, p. 66-67).
No capítulo “Em prol das nossas raças”, vemos Torres realizar uma incisiva crítica das
concepções eugenistas. Associa a emergência do eugenismo alemão à sua ascensão
imperialista: superioridade étnica como justificativa para a expansão econômica e política
internacional. Sua condenação do imperialismo desborda na condenação cultural dos novos
colonizadores:
Quais são as nações cultas, os focos da civilização, em todas as suas faces,
senão os próprios países que representam a força militar? São eles os
portadores das luzes da nossa era, foram deles as civilizações de Roma e da
Grécia. Depositários do espólio da cultura humana, herdeiros do melhor de
seu sangue, fortes pela disciplina, pelas instituições e poder militar,
quem com eles competirá na direção do mundo, na superintendência do
progresso? (TORRES, 2020, p. 79)
3
.
Tratando da formação da população brasileira, Torres faz uma inflexão, procurando
valorizar tanto as características dos colonizadores europeus, de diferentes nacionalidades
(portugueses, holandeses, alemães etc.), quanto as habilidades dos habitantes ao sul do equador
(negros e indígenas). Torres exalta a confluência de raças como valor intrínseco do povo
brasileiro. É verdade que o autor não deixa de acusar discrepância entre o modo de vida das
elites que colaboram com o estrangeiro e a massa do povo (cf. TORRES, p. 115 ss.), mas, ainda
assim, sua ideia de Nação pugna pela improvável utopia de uma conciliação nacional.
Podemos considerar que o equívoco de tentar unificar, sob a bandeira de um projeto
nacional, classes que se constituíram em uma relação real de violência e desconfiança mútua,
combinada, no plano da reprodução social, a um individualismo predatório e selvagem, é
resultado da particular leitura de Torres da realidade brasileira, que será superada algumas
décadas depois: no campo conservador, Oliveira Viana realizará uma leitura mais realista que a
de seu antecessor e, no outro espectro, Florestan Fernandes irá demonstrar inviabilidades
estruturais onde Torres imaginava encontrar saídas. Portanto, mesmo que essa convergência
entre as classes, que Torres imaginava poder organizar em torno da Nação, possa hoje soar
ultrapassada, suas ideias não deixam de ter interesse à medida que influenciaram, no campo
conservador, Oliveira Viana e Plínio Salgado.
No segundo caso, sabemos quais foram seus efeitos. Expressão de um particular tipo de
violência de classe, muitas vezes associado ao fascismo ou mesmo descrito como uma
derivação tropical do fascismo, o integralismo de Plínio Salgado, em sua reafirmação do
3
Não é difícil encontrar aqui os germes daquilo que se apresentará como um extremado nacionalismo em Plínio
Salgado.
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ruralismo como autêntica essência da sociedade brasileira, sua extrema valorização do
“nacional”
4
, suas aspirações pequeno-burguesas e sua sanha por autoridade”, em todas essas
características combinadas, seria vislumbrável em um país de passado latifundiário e de
escravismo recente, de ausência de uma revolução digna do nome, de industrialização hiper-
tardia e de desenvolvimento econômico heterodeterminado e ao saltos. A curta vida pública do
integralismo não pode nos enganar a respeito da existência de lastro social para seu
desenvolvimento ou que seus ideais não pudessem haver-se mantido mais ou menos
preservados no submundo ideológico das frações pequeno-burguesas.
Mas, mais que Plínio Salgado, cuja crítica foi realizada larga e incisivamente por amplos
setores, mais à esquerda que à direita, merecem destaque as elaborações de Oliveira Viana
cuja produção intelectual influenciou o próprio Salgado – e que representou aquilo que de mais
estruturado e consistente produziu o conservadorismo brasileiro.
Francisco José de Oliveira Viana foi, em muitos aspectos, herdeiro intelectual direto do
Visconde do Uruguai e de Alberto Torres ao apontar o imperativo de elaboração de uma teoria
que desse conta de compreender a realidade brasileira em sua especificidade, assim como em
relação ao seu nacionalismo. Para concretizar seu objetivo, Oliveira Viana defendeu a
“metodologia objetiva dos sociólogos (...), dos Durkheim, dos Wissler, dos Redfield”
(OLIVEIRA VIANA, 1999, p. 398). Tornou-se conhecido por sua empedernida defesa de um
nacionalismo autoritário, uma vez convencido da impotência da sociedade civil brasileira de
resolver, de per si, os problemas nacionais; assim, exaltou o Estado corporativo como elemento
de força e de criação da nação. Sua influência política foi muito mais decisiva que a de seus
antecessores ou mesmo de seu sucessor, Plínio Salgado, deixando marcas profundas diretas no
Estado Novo e no ideário do governo Geisel (1974-1979). Pode-se dizer que sua obra, que
atingiu o ápice entre as décadas de 1930 e 1940, influenciou a própria estruturação institucional
do período militar. Seu legado sobreviveu a sua morte (em 1951), marcando de modo decisivo
as ideologias do Brasil moderno.
Oliveira Viana defendeu a incompatibilidade entre o liberalismo e a sociedade brasileira.
Como argumentou em O Idealismo da Constituição (1927), em Problemas de política objetiva
(1930) e voltou a afirmar em seu Instituições políticas brasileiras, “o erro dos nossos
reformadores políticos tem sido querer realizar aqui no meio desses nossos rudimentarismos
de estrutura e de cultura política uma democracia de tipo inglês. É um ideal absolutamente
4
A saudação tupi “Anauê”, empregada pelos integralistas, é apenas um diminuto exemplo dessa extrema
valorização do nacional.
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inatingível, pura utopia” (OLIVEIRA VIANA, 1999, p. 465). Para ele, o individualismo
exacerbado pelo qual se constituiu o povo brasileiro o fazia incapaz de exercitar a solidariedade
social
5
, produzia fragmentações entre a população e dificultava o surgimento de um interesse
público genuíno
6
. Sua sociologia, em muitos aspectos, não deixa de estabelecer um diagnóstico
mais realista que o de Torres, mas ainda captura de modo oblíquo as consequências sociais
diretas da violência de classes no Brasil.
Esse individualismo sem peias, que fazia com que cada cidadão brasileiro se movesse
apenas pelo auto-interesse, colocava, para Oliveira Viana, a impossibilidade de uma democracia
de massas no Brasil, da representação política, do sufrágio universal e dos partidos. Oliveira
Viana defendeu assim, abertamente, posições autoritárias. Por consequência, a importação das
estruturas institucionais não poderia funcionar no Brasil e o Poder Legislativo tinha importância
secundária em sua elaboração. Para o sociólogo fluminense, era imperativo pensar a
particularidade brasileira, construindo uma institucionalidade condizente com o “espírito” do
povo brasileiro. Este “espírito” ou “alma” do povo brasileiro estaria vinculado às suas
características de formação as influências do meio geográfico e do processo de colonização.
O elitismo de sua concepção explicita-se à medida em que uma formação rigorosa de elites
dirigentes torna-se uma questão de vida ou morte para a sobrevivência de um projeto nacional.
Nessa busca, Oliveira Viana envida todos os esforços para demonstrar a existência de
dois Brasis distanciados entre si: um Brasil real e um Brasil legal. Intelectuais, legisladores e
elites nacionais, afastados da realidade nacional, cultivariam uma espécie de idealismo utópico,
responsável pela fragilidade das instituições brasileiras. Enquanto não tomassem consciência
disso, as elites nacionais continuariam reproduzindo modelos estrangeiros, que mais
obstaculizavam que contribuíam para a construção de um projeto nacionalista e autônomo.
Concluiu Oliveira Viana (1999, p. 359) que: “o que realmente denuncia a presença do idealismo
utópico num sistema constitucional é a disparidade que há entre a grandeza e a impressionante
eurritmia da sua estrutura teórica e insignificância do seu rendimento efetivo”.
Seu pensamento antiliberal e fortemente corporativista não sofreu a influência do
5
Em Populações meridionais do Brasil, afirmou: “Este o caso do povo brasileiro em geral. Como assinala
genialmente Saint-Hilaire, aqui não há sociedade; quando muito, existem certos rudimentos de sociabilidade. Este
grande agente de gregarismo a luta contra o inimigo comum não se exerce nem sobre os vários grupos regionais,
nem sobre a totalidade da massa nacional. Daí a solidariedade objetiva se reduzir aqui ao simples clã rural. Daí a
solidariedade subjetiva se reduzir aqui, de fato, à quase pura solidariedade familiar” (OLIVEIRA VIANA, 2005,
p. 237 – itálico do original).
6
Em Populações meridionais do Brasil, afirmou ainda: “São escassíssimas as instituições de solidariedade social
em nosso povo. Em regra, aqui, o homem vive isolado dentro dos latifúndios ou do seu círculo familiar. O âmbito
da solidariedade social é restritíssimo” (OLIVEIRA VIANA, 2005 p. 231).
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antagonismo de classes do marxismo; antes, bebeu da solidariedade entre classes de Durkheim.
A conciliação de classes favoreceria a coesão nacional e devia ser fomentada a partir de ações
corporativas que ultrapassassem o individualismo liberal. Este, pois, o espírito de sua convicção
corporativa: “no que toca, por exemplo, à organização profissional das classes urbanas: é certo
que elas vão tomando gosto pela cooperação e pela solidariedade. Estão abandonando o seu
atomismo tradicional – e vão caminhando para o sindicalismo com uma espontaneidade
crescente” (OLIVEIRA VIANA, 1999, p. 467).
Oliveira Viana defendia, em resumo o estabelecimento de uma democracia corporativa,
com elites bem formadas, capazes de conduzir e manter um processo de unificação nacional,
centralização burocrática e um Estado forte. Como “aqui não sociedade; quando muito,
existem certos rudimentos de sociabilidade” (OLIVEIRA VIANA, 2005, p. 237), a saída estaria
na
instituição de um Estado centralizado, com um governo nacional poderoso,
dominador, unitário, incontrastável, provido de capacidades bastantes para
realizar, na sua plenitude, os seus dois grandes objetivos capitais: a
consolidação da nacionalidade e a organização da sua ordem legal. Esta é a
solução racional, orgânica, essencialmente americana do problema da nossa
organização política. Solução prática e concreta, em que se refletem todas as
nossas necessidades nacionais (OLIVEIRA VIANA, 2005, p. 404).
Como demonstrou Vieira (2010), Oliveira Viana manteve praticamente intacta sua
concepção de Estado das primeiras às suas últimas obras: uma concepção de Estado “estática”,
eivada de lacunas, tendo por foco o fortalecimento do Poder Executivo e, subsidiariamente, do
Poder Judiciário (VIEIRA, 2010, p. 141). A participação social abandona o plano individual
como nas democracias liberais e passa a ser dada pelas organizações corporativas, como os
sindicatos e conselhos profissionais. Nisto reside, pois, o caráter tecnocrático de sua concepção
administrativa: sindicatos profissionais, conselhos e uma elite burocrática e jurídica consistente
figuram como a organização política da sociedade, articuladas em torno de um Estado
fortemente centralizado. Como conclui Vieira, “para Oliveira Viana, o Estado Corporativo fará
nascer a democracia, ou seja, o verdadeiro regime democrático brasileiro surgirá da ditadura”
(VIEIRA, 2010, p. 144).
É inegável que o pensamento conservador brasileiro, em sua abordagem mais
consequente, procurou compreender a particularidade da formação sócio-histórica nacional e
propôs resolver seus dilemas conferindo acabamento político-institucional compatível com seus
interesses. Mas, foi noutra ponta, diametralmente oposta, que as questões que obstaculizam o
desenvolvimento social no Brasil ganharam análise mais refinada e realista.
Esta edição, assim, também presta sua homenagem ao avesso desse pensamento. Um
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XVII
sociólogo que, na busca por compreender os grandes dramas e gargalos nacionais denunciou,
sem perder densidade científica, as raízes do conservadorismo de nossas elites: sua “resistência
sociopática” à mudança social (FERNANDES, 2008, p. 52).
Recordamos, em 2020, os 100 anos do nascimento de Florestan, um intelectual que, a
exemplo de Engels, procurou compreender as razões e as formas de superação das duras
condições de vida enfrentadas pelos “de baixo”. Diferentemente de Engels, Florestan teve
origem humilde. Filho de empregada doméstica, Florestan foi, por algum tempo, “Vicente”, por
obra e graça da patroa de Maria Fernandes (sua mãe) que, sua madrinha de batismo, entendia
tratar-se “Florestan” de nome muito rebuscado, indicado para filhos de alta classe, não para
filhos de lavadeiras (cf. CERQUEIRA, 2009, p. 12). Trabalhou como engraxate na infância,
vendeu produtos dentários e peças de automóveis durante a graduação (CERQUEIRA, 2009, p.
30-1). Cursou bacharelado em Ciências Sociais na USP, entre 1941 e 1944. Em 1951,
doutorava-se e em 1953 atingia a livre-docência. Sua excelência intelectual revelou-se na
excelência profissional. Florestan galgou muito rapidamente todos os degraus da docência na
USP. Preso em 1964 e expulso da USP, foi para o exílio, lecionou na Universidade de Toronto
(Canadá) e como professor visitante na Universidade de Columbia (Nova Iorque, EUA).
Retornando ao Brasil ainda antes do fim da ditadura, atuou na PUC-SP entre 1977 e 1979.
Autor notável, Florestan iniciou suas aproximações do marxismo pelo trotskysmo,
aderiu ao leninismo e a Marx. Foi o “fundador da sociologia crítica no Brasil” (Ianni, 2011, p.
28). Atuou como constituinte na redemocratização; foi um empedernido defensor da educação
pública. Deixou um legado teórico que se coloca entre a melhor tradição interpretativa da
formação social brasileira. Diversamente dos pensadores conservadores que citamos, Florestan
manteve um olhar acurado para os dilemas estruturais do Brasil e não hesitou, confirmando
suas convicções marxistas, em apontar que os grandes dilemas vividos pelas massas
trabalhadoras brasileiras poderiam ser resolvidos pelo socialismo. Florestan, que faleceu a
10 de agosto de 1995, mantém-se vivo por seu legado e assim se manterá, enquanto suas
palavras premonitórias encontrarem eco: “O que me mantém vivo é a chama do socialismo que
está dentro de mim” (apud CERQUEIRA, 2009, p. 175).
Portanto, se o pensamento conservador sempre se prestou à preservação das condições
desfrutadas por uma elite econômica, política e social, procurando explicar o mundo a partir
dessa perspectiva, ainda quando reproduzido pelos “de baixo”, foi contra essa natureza que
Engels e Florestan se embateram. Seus embates servem de inspiração para as lutas que se
travam contemporaneamente contra (neo)conservadorismo, que, se não mais se alimenta do
nacionalismo de Torres e Oliveira Viana, abraça, em seu oportunismo metamórfico, o
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antinacionalismo e as ideias neoliberais de um Jouvenel, um Rothbard ou um Mises.
Não apenas no que diz respeito aos aspectos neoliberais, de esvaziamento das políticas
sociais, recrudescimento das ações coercitivas do Estado e moralização no trato das refrações
da questão social, o (neo)conservadorismo se apresenta ainda pelas interpretações
antiteológicas, anárquicas e vulgares do Antigo Testamento, realizadas por certas denominações
cristãs. Ainda que as instituições brasileiras tenham sido forjadas, no continuum que vai da
autocracia burguesa à redemocratização, tendo por pano fundo as interpretações de Oliveira
Viana sobre o Brasil e o povo brasileiro, podemos perceber, no cenário cotidiano e na ação
discricionária de determinados agentes públicos que agem na porosidade institucional, o avanço
de um conservadorismo moralizante, descentralizado, anárquico, violento, anti-humanista e
cristão-fundamentalista.
Assim, a questão que hoje se impõe ao Serviço Social é a de discernir entre rupturas e
continuidades neste conservadorismo renovado. Conforme destacou Netto (2011), na sua
origem, o Serviço Social foi marcado por traços anti-modernos e profundamente conservadores.
Será na virada dos anos 1960, no Brasil, que o Serviço Social tradicional enfrentará sua erosão
(Netto, 2015), e o processo de Renovação inserirá os traços modernos e racionais para a
profissão. Ainda que não desaparecendo por completo, será a partir deste período que a
interlocução com o marxismo possibilitará ao Serviço Social a ruptura das amarras do
conservadorismo, apresentando uma direção, denominada por Netto (2015), como de Intenção
de Ruptura com o tradicionalismo (e conservadorismo) hegemônico até então. Na passagem
dos anos 1960 aos 1980, o Serviço Social vivenciaa laicização da profissão, inserindo-se nos
debates das ciências sociais e construindo uma cultura profissional de esquerda, humanista,
vinculada aos interesses emancipatórios da classe trabalhadora. Como área de produção de
conhecimento (Motta 2013), a profissão construiu importante acervo intelectual que ultrapassa
suas fronteias. Agora, tornamos a deparar, neste século, com a irrupção de uma nova onda
conservadora, que apresenta novos componentes em relação àquele conservadorismo clássico.
Parte dos rebatimentos dessas novas expressões do conservadorismo e as relações e
enfrentamentos que se estabelecem com Serviço Social podem ser observados nos textos que
este volume traz em seu dossiê. Assim, convidamos os leitores e as leitoras a conferirem de
perto os artigos da sessão temática, com a qual iniciamos este número.
Abrindo este número e a sessão temática, temos o texto de Maria Carmelita Yazbek, Os
fundamentos do Serviço Social e o enfrentamento ao conservadorismo. Entendendo a profissão
a partir de sua inserção social nos dilemas e confrontos entre as classes sociais a autora
resgata as dimensões contraditórias que perpassam o Serviço Social, reafirma o Projeto Ético-
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XIX
Político Profissional, demonstra a dimensão dos nossos gargalos de desigualdade, para alcançar
a face político-cultural da crise contemporânea, pela qual vem à luz a ofensiva conservadora
em seu irracionalismo, obscurantismo, preconceitos, naturalização das desigualdades, racismo,
feminicídio, homofobia, violência e barbárie. Por meio de uma reflexão abrangente, Maria
Carmelita Yazbek nos conduz pelas problematizações mais candentes que dizem respeito aos
desafios do Serviço Social ante a escalada do conservadorismo”. Em Renovação do Serviço
Social brasileiro: um continuum à ofensiva conservadora, Mirla Cisne, Luciana Batista de
Oliveira Cantalice e Luciene Araújo empreendem, por meio de uma análise marxista, uma
instigante pesquisa bibliográfica e documental para propor que o processo de “renovação” do
Serviço Social se apresenta como um continuum permanente de enfrentamento ao
conservadorismo, em suas antigas e novas expressões, na constante reafirmação de seu Projeto
Ético-Político. As autoras realizam a crítica ao pensamento pós-moderno e oferecem uma
resposta às “23 teses” elaboradas por Edson Oliveira. Dando sequência à abordagem crítica do
Serviço Social clínico, Angely Dias da Cunha e Ariadna Nunes, em Aspectos do
conservadorismo higienista no Serviço Social clínico, por meio de pesquisa bibliográfica e
valendo-se do argumento crítico, identificam o fortalecimento e a reatualização das posições
higienistas, presentes desde os inícios da profissão, nessa modalidade de intervenção
profissional. O artigo apresenta conclusões interessantes para pensarmos a retomada do
higienismo como forma de manter o controle e a subordinação dos trabalhadores. Já Raquel
Sant’Ana e José Fernando Siqueira da Silva, em Recrudescimento conservador no Brasil: bases
ontológico-concretas e expressões no Serviço Social, revisitam as bases do conservadorismo
para demonstrar como seus ideais vão se reorganizando e se tornando mais recrudescidos, tanto
no contexto de crise geral do capital quanto em um país dependente como o Brasil. Para os
autores, embebido por elementos reacionários, o conservadorismo contemporâneo revela-se
sobremaneira refratário a qualquer reforma social, confrontando as perspectivas do Serviço
Social brasileiro. Cristiane Luiza Sabino de Souza, em Racismo, conservadorismo e Serviço
Social, empreende estudo bibliográfico com ênfase nas categorias do colonialismo, do racismo
estrutural e do capitalismo dependente, para demonstrar o racismo como determinação
fundamental de manifestação do conservadorismo no capitalismo dependente e os impactos que
racismo e colonialismo trazem para o Serviço Social na reafirmação de seu Projeto Ético-
Político. Cláudio Henrique Miranda Horst, em Serviço Social e a temática família: renovação
e conservadorismo na produção do conhecimento, expõe resultados de pesquisa realizada em
artigos publicados no ENPESS entre 2004 e 2012, que tiveram por temática a família. Em seu
trabalho, categoriza as concepções de família apresentadas pelos/as assistentes sociais, para
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defender a ruptura com as concepções conservadoras de família. Fechando o dossiê, Ana Lúcia
Suárez Maciel, em As requisições conservadoras para o trabalho dos assistentes sociais,
discute resultados de uma pesquisa sobre mercado de trabalho de assistentes sociais no Rio
Grande do Sul. Por meio de uma investigação minuciosa, a autora localizará descompasso entre
o Projeto Ético-Político Profissional e as requisições do mercado de trabalho que reatualizam
caracteres conservadores no exercício profissional.
Na sessão de artigos de fluxo contínuo, refletindo mais diretamente sobre o exercício
profissional em suas variadas inserções sócio-ocupacionais, Gabriela Abrahão Masson, Onilda
Alves do Carmo, Bruna Alexandra Silva e Brigo, em Trabajo Social em Cuba: níveis
formativos, trabalho comunitário e tendências teóricas, refletem a respeito do Serviço Social
no país caribenho, através de um rico relato construído a partir do intercâmbio institucional na
Universidade de Havana. Em O trabalho do/da assistente social na Assistência Estudantil: a
experiência das universidades públicas estaduais do Nordeste, Edna Medeiros do Nascimento
e Moema Amélia Serpa Lopes de Souza refletem sobre a atuação de assistentes sociais na
assistência estudantil, com enfoque nas universidades públicas estudais, mostrando os desafios
que se colocam à profissão em um contexto de retração das políticas sociais e de redução dos
recursos para a política de educação de um modo geral e aqueles destinados à permanência de
estudantes nas universidades, de modo particular. Também refletindo sobre Serviço Social e
educação, Ingrid Barbosa Silva, Adriana Freire Pereira Ferriz, Eliana Bolorino Canteiro
Martins, em A produção do conhecimento em Serviço Social na educação: análise dos artigos
publicados na revista Serviço Social & Sociedade (1979-2019), apresentam resultados de ampla
pesquisa a respeito da atividade profissional de assistentes sociais na educação, refletindo sobre
os dilemas da profissão nesse espaço sócio-ocupacional. Ainda tratando da profissão em sua
relação com espaços sócio-ocupacionais específicos, o artigo de Bismarck Oliveira da Silva e
Nilmar Santos, Expressões teórico-filosóficas em disputa na instrumentalidade do Serviço
Social e as nuances na área sociojurídica, discutirá a instrumentalidade do Serviço Social em
meio às tensões que se impõem para as dimensões teórico-filosóficas e ético-políticas da
profissão no campo sociojurídico.
Tratando ainda de temas de interesse direto para a profissão, espaços onde se efetivam
políticas sociais que contam com atuação direta de assistentes sociais, temos o texto A
Contribuição do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para o envelhecimento
ativo, de Thiago Prisco, que reflete, valendo-se de pesquisa bibliográfica e documental, sobre
como o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos contribui para um
envelhecimento ativo de idosos socialmente vulneráveis, à medida em que fortalecem suas
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capacidades de organização social ativa. E ainda, de Rodrigo Barbosa e Silva, Denise Rodrigues
Vieira da Silva, em Entre carências, incertezas e violências da vida contemporânea, o
encarceramento feminino no Brasil, analisam o significado das prisões na sociedade
contemporânea, com enfoque para o encarceramento de mulheres no Brasil, cuja função,
conforme o argumento dos autores, tem sido a simples punição das encarceradas e o resultado
a reiterada violação de direitos humanos.
No último bloco de artigos de fluxo contínuo, quatro artigos tratam das determinações
do capitalismo. Três deles, focalizam a particularidade das realidades latino-americana e
brasileira. No primeiro, Subordinação e dependência na América Latina: apontamentos para
pensar a “questão social”, Waldez Cavalcante Bezerra e Larissa Martins de Almeida
investigam, a partir da incorporação de elementos da teoria marxista da dependência, os
aspectos gerais e particulares à formação da “questão social” na América Latina. Em Notas
sobre a superexploração da força de trabalho no Brasil no século XXI, Anderson Martins Silva
e Ednéia Alves de Oliveira, também incorporando elementos da teoria marxista da dependência,
em especial a elaboração de Ruy Mauro Marini, realizam pesquisa bibliográfica e documental,
investindo na exposição e análise de dados recolhidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, ao Sistema de Contas Nacionais e ao Instituto Latino-Americano de Estudos
Socioeconômicos para defender a persistência da superexploração do trabalho no Brasil no
século XXI. em Ascensão e declínio da Nova República (1988-2018), Alexandre Aranha
Arbia rastreia elementos, do governo Geisel à eleição de Bolsonaro, para defender a polêmica
tese de esgotamento da Nova República e, conjuntamente, de sua máxima expressão político-
jurídica, a Constituição Federal de 1988. O texto de Fabrício Fontes de Andrade, Considerações
sobre a crítica marxista à dinâmica da pobreza na sociabilidade capitalista e seu caráter
estrutural, onde o autor discute a funcionalidade estrutural da pobreza à sociedade capitalista
de modo geral, perscruta sua dinâmica e argumenta como as saídas de moldes liberais são
incapazes de atingir o cerne de sua reprodução. Encerra este bloco e a sessão o texto de Jefferson
Lee de Souza Ruiz e Marcia Medrado Abrantes, O sistema prisional brasileiro e a Covid-19,
onde os autores refletem sobre o modo como a COVID-19 impacta as diferentes classes sociais,
a partir dos recortes de raça e gênero, com enfoque privilegiado para a população carcerária.
Encerrando este número, como fizemos referência, na sessão Tradução dos Clássicos,
trazemos o Progresso da reforma social no continente, de Friedrich Engels, em homenagem
aos seus duzentos anos, com tradução inédita para o português de Ronaldo Vielmi Fortes e
revisão de Elcemir Paço-Cunha. E, na sessão de entrevistas, trazemos uma conversa com
Lesliane Caputi e Diego Tabosa, coordenadores colegiados da Rede Mineira de Grupos de
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Estudos sobre Fundamentos do Serviço Social, na qual expõem sobre questões como a
importância sobre o debate dos Fundamentos e sua particularidade no cenário mineiro,
esclarecem a respeito da Rede, fazem um balanço do primeiro ano de atividades e prospectam
os desafios futuros.
Que os exemplos de Engels e Florestan inspirem os/as assistentes sociais
comprometidos com a luta por uma sociedade emancipada, plural, democrática e diversa a
enfrentarem com coragem essa nova ofensiva do conservadorismo que, ao que tudo indica, está
apenas no início. Desejamos uma boa leitura!
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