DOI 10.34019/1980-8518.2020.v20.32166
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Trabajo Social
1
em Cuba: níveis formativos,
trabalho comunitário e tendências teóricas
Gabriela Abrahão Masson
*
Onilda Alves do Carmo
**
Bruna Alexandra Silva e Brigo
***
RESUMO:
A partir de pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
e intercâmbio institucional na Universidade de Havana, esta reflexão teórico prática situa algumas
particularidades sócio históricas da trajetória de profissionalização e institucionalização do Trabajo
Social em Cuba, os níveis formativos existentes e o chamado trabajo comunitario. A partir do legado
revolucionário socialista anti-imperialista problematizamos as tendências teóricas em curso e atuantes
no Trabajo Social e no processo de formação das (os) trabajadores sociales no contexto cubano.
PALAVRAS-CHAVE: tendências teóricas; trabalho social; trabalho comunitário.
Social Work in Cuba: training levels, community work and
theoretical trends
ABSTRACT:
Based on research financed by the São Paulo State Research Support Foundation (FAPESP) and
institutional exchange at the University of Havana, this theoretical and practical reflection situates some
socio-historical particularities of the trajectory of professionalization and institutionalization of Social
Work in Cuba, the levels existing training courses and the so-called community work. Based on the
1
O presente artigo se propõe a trazer as particularidades do Trabajo Social em Cuba e é fato que o processo
revolucionário de Cuba se constituiu por um longo período como horizonte para muitos de nós nas décadas de
1970 e 1980, neste sentido não como comparar a construção da profissão no Brasil com o processo de
construção do Trabajo Social na Ilha, ainda que podemos encontrar alguns pontos de intersecção. Assim, nesta
reflexão teórico prática utilizaremos em todo o texto a expressão Trabajo Social.
*
Doutora em Serviço Social pela Unesp/Franca (2016). Professora no Departamento de Serviço Social da UFTM
e atuação na Residência Multiprofissional em Saúde da UFTM. Coordena o Programa Interdisciplinar de Extensão
“Fortalecendo a Agricultura Camponesa” em Uberaba (Facu), na UFTM.
**
Possui graduação em Licenciatura Em Matemática pela Faculdade Riopretense de Filosofia Ciências e Letras
(1974), graduação em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social de Lins (1981), mestrado em Ciências
Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e doutorado em Serviço Social pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2008). Pós-doutorado na Facultad de Filosofia e Historia
Universidad de La Habana - Departamento de Sociologia (2012). Atualmente é professor assistente doutor - da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
***
Formada em Curso Técnico em Meio-Ambiente pela Etec Pedro Badran em 2013. Graduanda em Serviço Social
pela Universidade Federal do Triangulo Mineiro - UFTM. Atualmente é membro bolsista do Programa de
Educação Tutorial Conexões de Saberes Licenciaturas e Serviço Social da UFTM e compõe o Grupo de Estudo e
Pesquisa em Fundamentos, Formação e Exercício Profissional em Serviço Social (GEFEPSS).
Gabriela Abrahão Masson, Onilda Alves do Carmo, Bruna Alexandra Silva e Brigo
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socialist revolutionary legacy, we problematize the current theoretical trends that are active in Social
Work and in the process of training social workers in the Cuban context
KEYWORDS: social work; community work; theoretical trends; social works.
__________
Introdução
A análise das tendências teóricas
2
em curso e atuantes no Trabajo Social
3
, no processo
de formação de trabajadores(as) sociales em Cuba, além de reclamar uma aproximação sócio
histórica da conjuntura econômica, política e social da Ilha Caribenha, implica no
(re)conhecimento dos distintos sujeitos ou atores - nos termos das autoras cubanas - envolvidos
na institucionalização do mesmo, bem como dos níveis de formação diversos e do chamado
trabajo comunitário/trabalho comunitário nas políticas públicas.
Nesta direção, esta reflexão teórico prática socializada é resultado de pesquisa realizada
em Cuba no mês de fevereiro de 2019, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP), por meio do Projeto de Pesquisa Serviço Social e América
Latina: tendências teóricas atuais (2017-2019)
4
”, e também de estudos e reflexões
2
Na realização da pesquisa que subsidiou este artigo entende-se por “tendências teóricas como orientações teórico-
práticas gerais que sustentam o pensar e o fazer dos profissionais, militantes ou profissionais/militantes,
hegemonicamente vinculadas à determinada matriz teórica existente no campo das ciências sociais e humanas.
3
Apesar de tratarmos Serviço Social e Trabajo Social; Assistentes Sociais e trabajadoras sociales como uma
unidade na tessitura da escrita, não objetivamos estabelecer nenhum modelo comparativo, até mesmo porque não
é possível afirmar que são profissões análogas, pois estão inseridas em uma estrutura e superestrutura diversas, e
sobretudo distintas. Neste sentido a análise do Trabajo Social em Cuba se difere consideravelmente dos países
estudados na pesquisa que originou essa reflexão, tendo em vista o processo sócio histórico de revolução socialista
anti-imperialista que em grande medida reconfigurou o mesmo, sobretudo após a revolução de 1959.
4
O projeto inscrito no processo da FAPESP de n. 2017/14497-5 foi coordenado Prof. Drº José Fernando Siqueira
da Silva, do Departamento de Serviço Social na UNESP de Franca/SP. A realização do mesmo envolveu
universidades brasileiras como UNESP, Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade de
Brasília (UNB), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Pontifícia Universidade Católica (PUC/ São
Paulo) e de outros países da América Latina e do Caribe, como Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Costa Rica e
Cuba. O objetivo foi a análise das tendências teóricas em curso e decisivamente atuantes no processo de formação
profissional dos assistentes sociais nestes seis países latino-americanos, perquirindo as influências teóricas
presentes no Serviço Social em cada um destes países, seus traços comuns, diferenças, particularidades e
estratégias. Participamos do mesmo, enquanto pesquisadoras associadas coordenando a Equipe de Cuba que
também foi composta por estudantes do Curso de Serviço Social da UFTM e UNESP.
Trabalho Social em Cuba: níveis formativos, trabalho comunitário e tendências teóricas
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realizadas a partir do Projeto: “O Serviço Social no Brasil e Cuba: trabalho e formação
profissional a partir da década de 1960” (2011-2014)
5
.
Durante o Intercâmbio em Cuba realizamos pesquisa bibliográfica e documental nas
obras “mestras” de autores (as) cubanas; visitas institucionais, encontros e discussões com
os(as) professores(as) e outros profissionais do Departamento de Sociologia da Universidade
de Havana, da Universidade de Camaguey Ignácio Agramont Loynaz e do Centro de
Investigação Psicológicas e Sociológicas; e observação participante no chamado trabajo
comunitario, realizados nos Tallers de Havana, e a partir do trabalho de trabajadoras(es)
sociales de Camaguey, ambos em políticas públicas.
Discutir as tendências teóricas do Trabajo Social em Cuba, tendo como horizonte a
perspectiva crítica, além de demandar uma análise das particularidades sócio históricas que
perpassam o país em destaque, exige ética para que não incorramos em categorizações e a
mesmo comparações pejorativas entre realidades distintas e diversas. O movimento que
empreendemos é uma aproximação a partir da produção cientifica acumulada e pesquisa
empírica nesta realidade, e parte da realidade concreta deste país latino americano que tem sido
cenário de processos revolucionários “fora da ordem”, nos termos de Fernandes (2009), e que
se expressam na vida do povo cubano com o horizonte a emancipação humana.
O Trabajo Social em Cuba seus “atores”, níveis formativos e o trabalho
comunitário nas políticas públicas
Com base no referencial teórico das/os autores/as cubanas, na produção brasileira
acumulada na área e da pesquisa realizada em 2019, é necessário e evidente uma re
(institucionalização) do Trabajo Social na Ilha. Para tanto, estudos e pesquisas sobre o mesmo
têm sido empreendidos por grupos diversos que problematizam a relevância da profissão,
sobretudo a partir de 1990 diante da crise econômica que impôs ao estado cubano novos
desafios no enfretamento de problemáticas sociais que surgiram e foram acirradas. (MUÑOZ
GUTIÉRREZ; URRUTIA BARROSO, 2016; GÓMEZ CABEZAS, 2015).
Segundo as cubanas Urrutia Barroso; Muñoz Gutiérrez (2004) muito são os actores
sociales (atores sociais) envolvidos na construção, institucionalização do Trabajo Social a
partir de intencionalidades, objetivos e lógicas formativas muito diversas e heterogêneas.
A contradição, enquanto categoria do método dialético é parte constitutiva deste processo que
5
O Projeto foi financiado pela CAPES durante o período de 2011- 2014. Pesquisa UNESP em Cuba: (Convênio
CAPES/ Ministério da Educação Superior de CUBA nº 98/2010).
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ainda possui muitas questões/problemáticas no que diz respeito a teoria, métodos, práticas, e
também à própria organização dos sujeitos envolvidos, conforme afirmam: Gutiérrez
(2004:46),
[...] El proceso de construcción de esta disciplina cientifica en el país, está
siendo contradictorio y hay muchas interrogantes por resolver em todos sus
niveles, léase em la teoría, los métodos, las prácticas, la relación entre
educación e investigación; la relación entre todos los actores sociales
interesados en impulsionar ese proceso. (URRUTIA BARROSO; MUÑOZ
GUTIÉRREZ, 2004:46)
Neste contexto, estudos cubanos apontam problemáticas relacionadas ao que
denominam de desvantajas sociais (desvantagens sociais) acirradas na Ilha, após a derrota do
socialismo no Leste Europeu, e a crise econômica da década de 1990 que impôs ao Estado
cubano e aos (as) trabajadores(as) sociais o desafio deste “novo” tempo histórico. O Trabajo
Social cubano como já apontou Garcia Garcia (2012); Carmo; Muñoz Gutiérrez, Urrutia
Barroso; Maria Voghon (2012); Gómez Cabezas (2015); Silva e Carmo (2015); Silva (2019)
reclama uma urgente “reinstitucionalização”, para que os/as trabajadores/as sociales tenham
uma formação profissional articulada a um referencial teórico metodológico, ético-político e
técnico-operativo, atinentes à uma leitura crítica e enfrentamento de uma realidade social que
progressivamente é pauperizada.
O Trabajo Social e trabajador/a social em Cuba, segundo Carmo; Muñoz Gutiérrez;
Urrutia Barroso; Maria Voghon (2012); Silva; Carmo (2015) e Silva (2019) possui significados
históricos abrangentes. Estão majoritariamente e dialeticamente relacionados à prática
militante, comprometida com a continuidade ideológica do legado revolucionário socialista,
nesta direção ética política, bem como ao trabalho/atuação - eminentemente prático
interventivo - apreendido, entendido e estudado pelos/as cubanas/os como trabajo
comunitario, e desenvolvido por diversos profissionais, dentre eles e em grande medida a/o
trabajador/a social. Estes significados não são excludentes, mas constituem parte de um
todo na apreensão das tendências teóricas em curso e decisivamente atuantes no processo de
formação profissional dos assistentes sociais em Cuba. Assim, na atualidade a atuação deste/a
trabajador/a é de cunho eminentemente prático interventivo, nas políticas públicas, com ênfase
no chamado trabajo comunitario que historicamente está alinhado ao direcionamento ético
político de direção socialista e anti-imperialista.
Tendo em vista a prática interventiva nas políticas públicas o trabajo comunitario
também é uma particularidade na apreensão do trabajo social, está relacionado à programas e
projetos, métodos e metodologias de trabalho junto às políticas públicas, com ênfase no
Trabalho Social em Cuba: níveis formativos, trabalho comunitário e tendências teóricas
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desenvolvimento. A partir da estrutura socialista do modo de produção cubano, o
desenvolvimento é entendido como processo de ampliação de oportunidades, aquisição de
conhecimentos para o acesso a recursos necessários para alcançar um nível de vida decente,
com foco no ser humano. (DAVÁLOZ DOMINGUEZ, 2004).
Nas províncias de Cuba, o trabajo comunitario é uma relevante área de organização,
mobilização popular socialista, investigação/pesquisa/atuação das Ciências Sociais Humanas,
e de trabalho do/a trabajador(a) social. Acompanhamos nas vistas institucionais
trabajadores(as) sociales que desenvolvem ações de cunho educativo, remuneradas ou não, por
meio do trabajo comunitario nos denominados Tallers que se converteram em espaços de
investigação de temáticas relevantes para o desenvolvimento local do Trabajo Social. Desta
forma, os Tallers
6
enquanto espaço público, também conta com o trabalho voluntário de
sujeitos, profissionais diversos, dentre eles os/as trabajadores(as) sociales para a realização de
atividades voltadas a todos segmentos populacionais de Cuba.
Segundo Goméz Cabezas (2012, 2015); Silva e Carmo (2015) e Silva (2019), os níveis
formativos
7
da profissionalização do Trabajo Social em Cuba são muito diversos e
heterogêneos, desde técnico; técnico de nível médio; superior por meio da licenciatura em
sociologia com especialização (saída) em Trabajo Social, à pós-graduação com ênfase no
trabajo comunitario. Tais níveis envolvem instituições governamentais e o governamentais,
sendo a comunidade o espaço de intervenção. Cabe destacar que em Cuba não instituição
privada de ensino, todas os cursos são públicos.
Apesar de todos os níveis formativos serem públicos, a diversidade dos mesmos e a
expansão do Trabajo Social na Ilha não corroboraram para uma unidade de concepção do
Trabajo Social em Cuba, conforme Garcia Garcia (2012:18) afirma:
En Cuba no existe una definición unívoca del trabajo Social. Se aprecia una
marcada dispersión em la visión de la problemática del trabajo social actual.
Desde posiciones del creado Programa de Trabajadores Sociales y su
respectivo proceso de habilitación, era defendida la posibilidad de asumir el
rol de trabajador social desde cualquier profesión socio-humanista.
6
Segundo Daváloz Dominguez (2004) os Tallers surgiram no final da década de 1980 em Havana como espaços
de práticas transformadoras em um contexto de agravamento de problemáticas vivenciadas pela população cubana,
agravadas pela crise econômica. Para Courceiro (2015) são espaços sociais, culturais e políticos circunscritos nas
províncias de Cuba a partir de uma divisão territorial que corresponde a uma comunidade, que possui antecedentes
históricos, população, instituições que atendem a comunidade, desenvolvimento cultural e tradições populares.
7
Perquirir os níveis formativos do trabajo social em Cuba permite uma aproximação com o atual cenário em que
se insere a formação profissional na Ilha, tendo em vista que até o momento não existe diretrizes gerais pra a
formação de trabajadores(as) sociales. Neste artigo não discutimos as especificidades e os sujeitos destes níveis
formativos, pois segundo referências citadas, tais reflexões foram empreendidas. Para maiores análises consultar
Silva e Carmo (2015) e Silva (2019).
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O resultado deste processo é um arsenal teórico prático significativamente eclético, uma
formação profissional descontínua, debates teóricos práticos suscitados e conduzidos por
especialistas de diferentes áreas do saber, dentre eles: filósofos(as), sociólogos (as),
antropólogos(as), psicólogos(as), economistas e engenheiros(as), inexistência de um projeto
profissional do Trabajo Social e organização ou entidade da categoria de trabajadores(as)
sociales em Cuba. Segundo Silva (2019) tal realidade se expressa no Trabajo Social através de
um caldo eclético, sistêmico e pós-moderno e de cunho neoconservador.
O modo de produção em Cuba é socialista com direção anti-imperialista, ainda assim a
população da Ilha convive com problemáticas atinentes a pobreza, desemprego, marginalidade
e violência, resultantes da questão social que possui particularidade distinta na Ilha, que foi
capitalista. Desta forma, a experiência do processo revolucionário revela a necessidade de
um(a) trabajador(a) social, com formação específica articulada à investigação e intervenção
em situações concretas e históricas que incidem na vida de milhares de cubanos (as). Afinal,
Cuba não é um território apartado da totalidade social, que tem o capitalismo como modo de
produção e reprodução vigente. Reflexo direto, é a política de bloqueio sofrido pela Ilha, que
em grande medida acentua cada vez mais seu processo de pauperização
A autora cubana Garcia Garcia (2012) problematiza de forma crítica que na atualidade
o principal objeto de trabalho do Trabajo Social são as manifestações históricos concretas da
questão social
8
, e esta precisa ser discutida na formação de trajadores(as) sociales, enquanto
situações ocasionadas pelas transformações de cada época histórica. Salienta que Cuba não
pode continuar sendo a exceção latino americana com relação à profissionalização da profissão,
uma vez que estudos e pesquisas que apontam para a necessidade premente de
desenvolvimento e (re) institucionalização do Trabajo Social
A profissionalização do Trabajo Social em Cuba: sua gênese e tendências
teóricas
Conforme discutimos, historicamente o Trabajo Social em Cuba ainda galga uma (re)
institucionalização, conforme Gómez Cabezas (2015) probelmatiza em sua tese de
doutoramento, Fundamentos básicos para uma práxis professional de trabajo social en
Cuba, e outros(as) autores (as) cubanos (as) como Urrutia Barroso, Muñoz Gutiérrez
(2004,2016); Dalavóz Domínguez (2004) e Garcia Garcia (2012), também apontam.
8
Destacamos que a referência a questão social é da própria autora.
Trabalho Social em Cuba: níveis formativos, trabalho comunitário e tendências teóricas
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Tais problemáticas envolvem a teoria, o método, a prática, a relação entre a educação e
investigação, incidem na identificação e apreensão de tendências teóricas que nos aproximamos
através de obras mestras, que são referências para a formação profissional na Ilha, tendo em
vista os níveis formativos diversos, ausência de uma diretriz nacional para formação e
dificuldades de organização profissional. Neste sentido, empreendemos a análise destas
tendências a partir de obras produzidas a partir da pesquisa de campo realizada na Ilha em
2019.
O diálogo com a obra, El Trabajo Social en Cuba: retos de la profesión en el siglo
XXI, permite a apreensão da gênese do Trabajo Social na Ilha, que assim como em diversos
países colonizados teve uma profissionalização
9
atrelada a Igreja Católica e Associações
Benevolentes, por meio de um conjunto de serviços para o amparo as pessoas que estavam em
desvantajas sociales. Em Cuba desde século XVI existiram instituições de benevolência, asilos
e hospitais, as associações de imigrantes de diversas regiões da Espanha, e associações de
trabalhadores, que surgiram na perspectiva de ajuda mútua. (GARCIA GARCIA; GÓMEZ
CABEZAS; CABALLERO RIVACOBA, 2012).
Nos séculos XVIII e XIX o processo de industrialização capitalista produziu
problemáticas que o estado espanhol foi pressionado a intervir, a Lei Geral de Beneficência
Social (1849) foi criada para regular a assistência social pública, com parco investimento de
recursos de recursos públicos e gestada por instâncias privadas e eclesiais, sob diversas formas.
Neste contexto, surgiram as Sociedades de Socorro Mútuo, que eram organizações que
agrupavam artesões e jornaleiros com objetivo de socorrer seus membros em situações de
doenças e mortes na família. Um exemplo destas sociedades em Cuba é a Sociedad de Socorros
Mutuos de Cajistas de la Havana (Sociedade de Socorros Mútuos de Oficias da Imprensa de
Havana).
Segundo Garcia Garcia (2012) é evidente que as Sociedades de Socorro tuo não eram
as formas mais coerentes de enfrentamento da exploração capitalista, mas sem dúvida foram
importantes para o despertar da consciência com relação a solidariedade entre os(as)
cubanos(as) e as condições sócio históricas de desigualdade social impostas pelo modo de
produção capitalista. Já no século XX diante da condição de neocolônia dos Estados Unidos da
América (EUA), a benevolência também foi impulsionada por instituições privadas e pela
Igreja Católica. A conhecida Mary Richmond, investigadora norte-americana, foi uma das
9
As autoras entendem por profissionalização o processo pelo qual são qualificados os membros de uma profissão
para a utilização de práticas, conhecimentos e habilidades, para promover serviços, valores e Código de Ética.
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pioneiras do reconhecimento e necessidade de uma preparação técnica e específica para o
desempenho da assistência e Trabajo Social em Cuba.
A partir da década de 1930 se intensificaram os esforços e a preocupação com a
formação das pessoas para o trabalho nas entidades cívicas, religiosas, particulares e oficiais na
perspectiva do “tratamento individual” dos diversos problemas sociais estruturais - e
“reajuste”. Neste sentido, em 1938 foi fundado o Patronato de Assistência Social por iniciativa
da Sociedade de Lyceum com fins benevolentes e culturais. A promulgação de Constituição de
Cuba de 1940 expressou pela primeira vez a responsabilidade do Estado na garantia dos direitos
sociais e com a institucionalização da assistência social, enquanto política pública.
Na sequência em 1943 há a criação da primeira Escuela de Servicio Social pelo
Patronato de Assistência Social com o apoio e atrelada a Escola da Educação de Havana, que
ofereceu uma cooperação por meio do local e apoio dos professores. Em 1945 esta escola passa
a ser Instituto de Servicio Social de la Faculdad de Ciencias Sociales y Derecho Público na
mesma universidade. As ações sociais empreendidas neste período foram fundamentalmente
assistencialistas, com marcada influência norte americana em função dos interesses dos
governantes no momento. (MUÑOZ GUTIÉRREZ; URRUTIA BARROSO, 2004, 2016;
GARCIA GARCIA, 2012). Os requisitos para ingresso na Escola de Serviço Social eram:
Características de índole pessoal e respeito à dignidade humana,
Título de Bacharel em Letras, tulo de High School, concedido por escolas
norte-americanas erradicadas em Cuba ou nos EUA; ou comprovação de
ingresso na graduação em enfermagem.
A formação era de dois anos divididos em 4 semestres, as asignaturas (componentes do
plano de estudos) cursadas eram: psicologia e sociologia, e princípios básicos das Ciências
Médicas e de Direito relacionado com a assistência social. Essa formação evidencia que o ethos
biomédico foi predominante no surgimento da profissão, os níveis de intervenção previstos
na formação em Trabajo Social eram individual, grupal e comunitário, conforme a influência
norte americana que também foi referência em muitos países latino americanos.
Conforme complementam Muñoz Gutiérrez; Urrutia Barroso (2004) na obra: Trabajo
Social em Cuba y Suecia, naquele momento a compreensão da questão social estava
relacionada a uma compreensão individual e moral de responsabilização dos sujeitos pelos
problemas e contradições sociais da época. Assim, a solução destas contradições estaria no
próprio sujeito e não na sociedade. A análise realizada pelas autoras em 19 teses encontradas
na Biblioteca da Faculdade de Filosofia e História de Havana abarcou estudos e pesquisas do
início do curso até 1960, concluíram que os trabalhos careciam de fundamentação teórica,
Trabalho Social em Cuba: níveis formativos, trabalho comunitário e tendências teóricas
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inclusive sobre a própria concepção de Trabajo Social. As produções investigadas são
descritivas e as referências são médicas, não há menção à concepção metodológica de
intervenção, às situações de desvantages sociales eram apreendidas como produto de condições
e características individuais, sendo caracterizadas como patologia social e enfermidades
sociales que necessitam de um profissional, no caso o médico social para a cura.
Ainda segundo Muñoz Gutiérrez; Urrutia Barroso (2004) o Trabajo Social como
profissão em Cuba teve sua origem e institucionalização a partir de uma forte relação com a
medicina, inclusive sendo uma profissão auxiliar desta e com caráter limitado, conforme
afirmam. Os estudos em Trabajo Social foram interrompidos e a Escola de Serviço Social da
Universidade de Havana foi fechada em 1956 durante o regime ditatorial estadunidense de
Fulgêncio Batista, assim como outras áreas acadêmicas. Em 1959 quando se iniciam novos
estudos universitários a partir do triunfo revolucionário foram abertas vagas para aqueles (as)
que tiveram a formação interrompida na ditadura. A prioridade do estado socialista foi a
Reforma Universitária realizada em 1962, e a abertura de carreiras técnicas que contribuíam
para o desenvolvimento socioeconômico acelerado do país, desta forma a reabertura da Escola
de Serviço Social foi interrompida, assim como o processo de formação profissional, conforme
também afirma Gómez Cabezas (2015).
Assim, a tradição histórica herdada pela gênese do Trabajo Social cubano é alicerçada
em tendências teóricas norte americanas de cunho positivista, que se traduziram em
compreensões imediatistas das relações sociais e do ser social, restringindo-se a fragmentação
do homem e sociedade. A orientação funcionalista, também presente, se traduziu na
construção de um ethos profissional eminentemente técnico alinhado ao assistencialismo e no
discurso ideológico de que as situações de carência eram produtos de condições e
características individuais.
Com o triunfo da Revolução Cubana em 1959, as circunstâncias da conjuntura
econômica, política e social mudaram radicalmente, e consequentemente novas estratégias de
desenvolvimento do nascente Estado revolucionário e socialista foram requisitadas, e novos
desafios foram impostos a formação e exercício do Trabajo Social em Cuba. O Estado criou o
Ministério do Bem Estar Social, o que contribui para uma articulação entre os organismos
estatais, centralizando desta forma a assistência social e o Trabajo Social neste ministério.
Neste contexto surgem diferentes organizações de massa que passaram a executar o
Trabajo Social na perspectiva da militância já apontada -, o que segundo Garcia Garcia(2012)
possibilitou a participação comunitária da população na resolutividade de suas problemáticas.
Essas organizações tinham como objetivo o apoio as transformações sociais em curso alinhadas
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a defesa do legado revolucionário socialista anti-imperialista, como por exemplo, os Comitês
de Defesa da Revolução e a Federação das Mulheres Cubanas (FMC) que é uma organização
não governamental autofinanciada por suas afiliadas, mulheres cubanas maiores de 14 anos,
mais de 92% das mulheres de Cuba são federadas na atualidade. Foi criada em 1961 por
movimentos feministas radicais e sufragistas com objetivo de atenção e prevenção junto às
problemáticas mulheres e suas famílias em situações de desvantage social. A guerrilheira Vilma
Espín de Castro foi a primeira referência e dirigente da FMC comprometida com a Revolução
Cubana. Neste contexto o Trabajo Social racionalizado junto FMC se estendeu à instancia
comunitária, e a atuação destas federadas - trabajadoras sociales por meio trabajo
comunitario voluntário, que passou a ser o horizonte profissional da FMC.
Goméz Cabezas (2015) afirma que o projeto emancipador da Revolução Cubana
necessitava de um trabalho educativo que não contribuísse, mas sustentasse ideologicamente
o legado socialista, esta necessidade foi captada e materializada pela FMC que em parceria com
o estado desenvolveu importantes e numerosos programas sociais vinculados a emancipação da
mulher em Cuba.
Na atualidade a formação continua técnica e com poucas referenciais teóricas do
Trabajo Social, a destacar que a organização tem várias estruturas em todas as circunscrições,
onde blocos de delegação em cada quadra nos 159 municípios cubanos, em 16 províncias.
As chamadas “federadas” realizam trabalhos educativos e de orientação nas Casas de
Orientação da Mulher e da Família organizadas em nível nacional, provincial e local nos 159
municípios cubanos. Nestas casas há cursos a partir das problemáticas encontradas nos
territórios, como por exemplo de inglês, corte e costura, economia doméstica, violência
doméstica, etc.
Segundo Garcia Garcia (2012) em 1961 o Ministério do Bem Estar foi extinto, e o
Trabajo Social foi pulverizado em outras instituições como a Junta Central de Coordenação,
Execução e Inspeção (JUCEI), Ministério da Educação (MINED), Ministério da Saúde Pública
(MINSAP), Ministério do Interior (MINIT), etc. Com o fortalecimento do governo cubano
empreenderam-se mudanças nas políticas sociais, a saúde por sua vez foi priorizada neste
contexto com uma das áreas de investimento e como maior demandante do Trabajo Social,
devido aos investimentos do Estado no Sistema Nacional de Saúde
Assim, o Estado socialista por meio do Ministério de Saúde Pública em 1971 criou a
primeira escola para formação de técnicos médios em Trabajo Social em Camaguey, e em 1972,
criou a mencionada Escuela de Trabajadores Sociales de Psiquiatria anexa ao Hospital
Psiquiátrico de Havana. Até 2004 existiam cerca de 11 escolas de nível técnico médio
Trabalho Social em Cuba: níveis formativos, trabalho comunitário e tendências teóricas
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integradas ao sistema de capacitação do Ministério de Saúde Púbica pelo Ministério e pela
Escuela de Trabajadores Sociales de Psiquiatria e até 1998 foram as únicas instituições que
formavam esses especialistas.
As tendências teóricas de cunho positivista, funcionalista e sistêmico se expressavam
por meio de uma formação com cerca de 85% do tempo dedicado a temas relacionados a saúde,
em uma orientação teórico prática biomédica, psicologizante e de cunho educativo. O título
concedido era generalista permitindo aos egressos a atuação em diferentes setores como
educação, habitação, trabalho e seguridade social e prevenção social, além de uma formação
insuficiente em Trabajo Social, que no contexto latino americano vivenciava o processo de
Reconceituação.
Muñoz Gutiérrez; Urrutia Barroso (2004) destacam o significativo papel desta escola
no fortalecimento de profissionais que se agruparam na organização cientifica da chamada
Sociedad Cubana de Trabajadoras Sociales de la Salud que historicamente organiza
congressos no país e fomenta o intercâmbio com profissionais da América Latina e outros
países, nesta perspectiva. A Escuela de Capacitación de la Federación de Mujeres Cubanas
também capacitou suas ativistas/militantes para o Trabajo Social, o que evidencia que o estado
cubano a partir de suas diversas demandas - priorizou historicamente a ocupação destes
trabalhadores em detrimento da formação dos mesmos, a prática em detrimento a formação,
conforme Garcia Garcia aponta (2012).
A crise econômica da década de 1990: o impulso a formação de
trabajadores/as sociales
No período de 1959 a 1989 foi implementado em Cuba o projeto de transição socialista,
por meio da aliança anti-imperialista com a União Soviética (URSS), alicerçada no Pacto de
Varsóvia. Como sabido, o socialismo a partir de 1962 até o momento é a direção política,
econômica e ideológica hegemônica na Ilha, ou nos termos de González Mastrapa, Izquierdo
Quintana (2016) un modelo de desarrollo. A partir desta realidade diversas reformas foram
empreendias na Ilha como a urbana, agrária e educacional que inclusive erradicou o
analfabetismo.
Na década de 1990 a derrocada da URSS e do bloco socialista liderado por ela teve
impactos sem precedências para a Ilha, as problemáticas já vivenciadas pelos(as) cubanos(as)
foram agravadas diante o recuo do Estado no que diz respeito ao financiamento, continuidade
ampliação dos programas e serviços sociais. As questões estavam relacionadas ao crescimento
do déficit habitacional; insuficiência do transporte coletivo; aumento do desemprego;
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insuficiência produção de alimentos para cobrir necessidades da população; crescimento dos
grupos vulneráveis e crescimento das migrações do Oriente ao Ocidente de Cuba. Uma das
estratégias para o enfrentamento da crise foi a implementação de um grupo de programas sociais
de amplo alcance para crianças, jovens e idosos. (MANSSON; PROVEYER CERVANTES,
2004).
Para o enfrentamento desta crise o Estado cubano deu início a um conjunto de medidas
que se alinharam as transformações socialistas ocorridas na Ilha. Dentre essas medidas,
destacam-se a abertura do país ao capital estrangeiro para grandes investimentos privados no
setor do turismo e por meio o desenvolvimento de uma política internacional de turismo em
Cuba; reformas do setor agropecuário por meio da desintegração da maioria das terras estatais
e reestruturação da indústria açucareira. Os primeiros traços de recuperação da economia foram
percebidos em 1994 com um crescimento de 0,2% do PIB. (GONZÁLEZ MASTRAPA,
IZQUIERDO QUINTANA, 2016).
Assim, desde início da década de 1990 Cuba tem experimentado profundas
transformações, como consequência da derrocada do Leste Europeu, recrudescimento da
política de bloqueio dos EUA e do enfraquecimento do campo socialista na conjuntura mundial.
Em Cuba a crise econômica trouxe grandes consequências ao campo social com novas
problemáticas sociais, sobretudo para os(as) jovens.
Diante este contexto em 1995 objetivando também sanar a carência de formação
profissional dos(as) trabajadores(as) sociales, o Departamento de Ciências Sociais da
Universidade de Camaguey fundou o Mestrado em Trabajo Social. Neste contexto é organizado
o Grupo Nacional de Trabajo Social com representantes de diferentes organismos, instituições,
organizações objetivando elaborar um programa de formação, sem no entanto lograr êxito neste
sentido. Este processo teve repercussões e resultou na reabertura de estudos universitários em
Trabajo Social e criação do Curso de Licenciatura em Sociologia com saída em Trabajo Social
em 1998/99 no Departamento de Sociologia da Universidade de Havana, viabilizado por
profissionais da sociologia a partir do entendimento acerca da necessidade de uma formação
para trabajadores (as) diante aos desafios da realidade social. A formação era sustentada na
sólida base de teoria sociológica, priorizando a atividade de investigação, contando com mais
de 16 disciplinas atinentes ao perfil profissional do Trabajo Social. (MUÑOZ GUTIÉRREZ,
URRUTIA BARROSO, 2004; GARCIA GARCIA, 2012).
Segundo Muñoz Gutiérrz e Urrutia Barroso (2004, 2016) em 1995 de todas as pessoas
que procuravam emprego 60% eram jovens, e o país possuía uma questão a ser enfrentada com
relação a formação superior dos mesmos. O Programa Escuelas Emergentes de Trabajadores
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Sociales idealizado e criado por Fidel Castro em 2000 com vigência até 2011 teve como
proposta uma formação militante para defesa e manutenção do legado da Revolucionário
cubano, por meio de um conjunto de procedimentos, instrumentos e técnicas que fortaleciam o
movimento revolucionário a partir do processo conhecido como “Batalha de Ideias
10
”. Neste
contexto, o Trabajo Social e outras profissões foram acionados para a intervenção junto à
comunidade calcada em princípios de justiça e igualdade social. A formação não era
necessariamente cientifica, porém comprometida eticamente e politicamente com o legado
revolucionário socialista.
A primeira escola foi criada em Havana em 2000 e se estendeu da Zona Central ao
Oriente do país, os objetivos da formação versavam sobre a contribuição na formação de jovens
por meio do desenvolvimento de conhecimentos e habilidades específicas para o exercício do
Trabajo Social, com objetivo de respostas as demandas de emprego por parte dos jovens. A
criação do Curso foi orientada pela criação de nove disciplinas
11
com atividades práticas
simultâneas e finalização com um projeto de diagnostico ou uma intervenção.
Durante o Intercambio na província de Camaguey estivemos com trabajadores(as)
sociais formadas pela Escola Emergente e licenciados (as) em diversas áreas como estudos
sócio culturais, comunicação, línguas estrangeiras. Os desafios relatados dizem respeito
sobretudo, a uma formação profissional muito aligeirada e tecnicista que não possibilita o
aprofundamento em referenciais teóricos e consequentemente a transformação da realidade tão
cara à concepção do programa. A formação pouco possibilitou um conjunto de habilidades para
atuação em todas as dimensões da profissão, sendo que necessidade de formação e
capacitação continuada para aprofundamento de conteúdo, bem como articulação entre
formação, investigação e prática. Muñoz Gutiérrz e Urrutia Barroso (2004) complementam
nesta direção a necessidade premente de uma formação com solidez teórica, ética e política para
uma postura emancipatória junto à população.
Diante ao exposto apreendemos que o Programa Escuelas Emergentes de Trabajadores
Sociales criado nos anos 2000 buscou estrategicamente a formação de jovens para atuação em
uma realidade que progressivamente sofre com impactos de uma crise econômica. A ação do
10
Segundo Gómez Cabezas (2012) em dezembro de 1999, em Cuba e inicia uma batalha pela libertação de um
menino cubano sequestrado e mantido em Maiami por uma máfia anticubana. Este processo foi nominado por
Fidel Castro como Batalha de Ideias. Seus objetivos transcenderam o motivo inicial e a partir de então surgiram
dezenas de novos programas de Revolução orientados a elevar a cultura e contribuir para a qualidade de vida da
população.
11
Introducción al Derecho; Introducción a la Psicología; Psicología Social Y Comunitaria; Trabajo Social
Comunitario; Sociología Urbana y Prevención Social; Comunicación Social. Sociedad Socialista Cubana Actual;
Cumputación; Idioma Inglês.
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Estado cubano sem dúvidas capacitou muitos jovens, sobretudo mulheres que também foram
progressivamente inseridas em espaços públicos de políticas e serviços sociais, no espaço
comunitário, no entanto tal Programa pouco logrou uma formação em Trabajo Social com
solidez teórica, ética e política.
As tendências teóricas do Trabajo Social em Cuba: apontamentos para uma
(re) institucionalização crítica da profissão
O Trabajo Social na Ilha se particulariza e diferencia no âmbito latino americano, por
não vivenciar o processo de Reconceituação, propriamente dito, e os países latino americanos
se diferem da realidade cubana por não terem empreendido uma revolução estrutural, socialista
e anti-imperialista. Assim, seu desenvolvimento histórico enquanto profissão é fortemente
travejado e consubstancialmente determinado, pelo processo Revolucionário de 1959, que
redefine a formação e redireciona a atuação dos(as) trabajadores(as) sociales.
Tal realidade gera rebatimentos nas tendências teóricas entendidas como orientações
teórico práticas que sustentam o pensar e o fazer dos(as) trabajadores(as) sociales cubanas -
que se constituem a partir de referenciais escassos e diversos entre si, dando a margem para a
pulverização do ecletismo que é ainda, sobreposto pela ênfase técnica operativa, que se encontra
muito evidente no “fazer profissional” desde o surgimento da profissão e no trabajo
comunitario na atualidade.
Frente ao exposto, algumas categorias adquirem relevância nesta discussão
pluralismo, ecletismo e sincretismo e aqui são discutidas a partir do real - para uma
aproximação com a complexidade que envolve o Trabajo Social em sua dinâmica sócio
histórica.
Segundo Coutinho (1991), o pluralismo fundamenta-se em duas dimensões: enquanto
fenômeno social e político na construção do conhecimento. Em relação a primeira, o autor
aponta que este se constitui enquanto um fenômeno próprio da sociedade moderna burguesa,
relacionado de forma direta com a visão individualista do homem e ao processo de reprodução
do modo de produção capitalista. Contudo, apresenta-se imprescindível para uma sociedade
democrática. Em relação a segunda dimensão apresentada, temos o pluralismo como:
[...] sinônimo de abertura para o diferente, de respeito pela posição alheia,
considerando que essa posição, ao nos advertir para nossos erros e limites, e
ao fornecer sugestões, é necessária ao próprio desenvolvimento de nossa
posição e, de modo geral, da ciência. (COUTINHO, 1991:14).
A partir da segunda dimensão, o pluralismo se configura a partir do debate entre as
ideias, o pressuposto para o convívio e diálogo entre diferentes posições e pensamentos, e não
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a simples tolerância ao que não é consensual. Muito menos, se configura enquanto o debate
entre questões que são inconciliáveis entre si, portanto, se torna possível dentro do campo
democrático. É a partir desta compreensão que intentamos essa discussão.
O pluralismo na construção de conhecimento necessita ser abordado com compromisso
teórico, pois pode tender ao ecletismo, que se constitui através da articulação entre estilos,
perspectivas antagônicas, criando a aparência de uma harmonização entre filosofias e teorias
de naturezas completamente diferentes, tendo em vista a conciliação de ideias para a defesa de
um determinado fim sem posicionamentos teóricos. Isso nos remete a discussão sobre
sincretismo, que segundo Souza (2014) é a expressão mais evidente do ecletismo e de uma
“captura” indiscriminada de referências teórica.
Assim, a partir das considerações tecidas com relação a particularidade do Trabajo
Social cubano, com vistas à análise das tendências teóricas, percebemos a tendência de
ecletismo com diálogos diversos e pouco discriminados junto a teorias positivistas,
funcionalistas e sistêmicas que orientaram o surgimento e institucionalização da profissão.
A partir das reflexões teórico práticas realizadas, podemos inferir que, em boa medida,
mas não só,
12
o Trabajo Social em Cuba possui particularidades de sincretismo religioso, e
apreendê-lo implica revelar a influência significativa do humanismo caritativo, benevolente e
cristão a partir do espanhol Juan Luis Vivies
13
e da popular Martha Abreu
14
que nasceu e viveu
em Santa Clara. A autora cubana Garcia Garcia (2012) na obra El Trabajo Social en Cuba:
retos de la profesión en el siglo XXI problematiza a necessidade de estudos que aprofundem
na história, as formas concretas de ayuda social em Cuba, para inclusive identificar a influência
que os antecedentes do Trabajo Social na Espanha pudessem ter em Cuba. Após o surgimento
da primeira escola de Trabajo Social em Cuba na década de 1940 percebemos a influência da
raiz humanista cristã fundada no referencial positivista norte americano de Mary Richmond,
que se traduziram historicamente em tendências para a formação e atuação profissionais de
cunho funcionalista tecnicista e biomédico
12
Cabe destacar que no processo histórico da construção e constituição da formação dos trabajadores (as) sociales,
estão imbricadas diversas perspectivas, entre elas, a perspectiva revolucionária.
13
Segundo Garcia Garcia (2012) Juan Vives (1492-1540) foi uma figura importante de Humanismo em España y
em Europa, foi pioneiro na organização da benevolência em Cuba. Sua principal obra foi “Tratado del socorro a
los pobres” como primeira sistematização do modo de atuar na ajuda aos necessitados a partir da explicação da
origem e necessidade da miséria humana.
14
Marta Abreu de Estévez (1845-1909) foi uma das figuras mais influentes de seu tempo em Cuba, especialmente
em sua cidade natal e província de Santa Clara, onde ainda é muito rememorada. Existem na cidade diversas
homenagens como ruas, bancos de praça, um busto na praça central, a Universidade de Santa Clara “Martha Abreu
de La Villa” também leva seu nome em sua homenagem. Por sua constante ajuda aos pobres, suas doações à cidade
e a guerra da independência, ela ganhou o título de "o grande benfeitora", contribui para a construção de “asilos”,
estações, e teatro como “La Caridad” no Centro de Santa Clara.
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Considerações Finais
Conforme orientação teórico metodológica da pesquisa, “tendências teóricas”, não é um
termo fechado, estático (puro), ao contrário é dinâmico, composto de orientações que
reproduzem perspectivas heterogêneas, também sincréticas ou ecléticas ou ambas. Nesta
direção a estrutura sincrética do Trabajo Social em Cuba, assim como em muitos países latino
americanos, esteve atrelada em sua gênese a racionalidade cristã com seu viés colonizador
espanhol - que se dinamizou ao longo do processo de institucionalização do Trabajo Social em
tendências teóricas de cunho positivista, funcionalista e sistêmica, por meio de um
direcionamento prático biomédico, psicologizante e educativo. Estas tendências teóricas
estiveram presentes na formação através do Ministério da Saúde de Cuba e pela Escuela de
Trabajadores Sociales de Psiquiatria, e estão presentes em algumas províncias e se manifestam
no trabajo comunitario, através da rede comunitária e políticas públicas.
A partir deste caldo histórico o Trabajo Social cubano na contemporaneidade está
inscrito em uma dinâmica eminentemente prática interventiva e instrumental com expressão
mais evidente no trabajo comunitario.
Estas reflexões não objetivam pejorar o Trabajo Social em Cuba, que o mesmo integra
um complexo imprescindível que envolve diversas políticas públicas, sobretudo as sociais e
tem contribuído significativamente e historicamente com a equidade, justiça social e
direcionamento ético político implicado com o legado revolucionário socialista e anti-
imperialista. Nesta direção percebemos, na Ilha percebemos a influência marxista- heterogênea
- na trajetória mais recente em Cuba a partir do legado que orientou, a partir da década de 1960,
a formação das militantes-voluntárias pela FMC e no final da década de 1990 o Departamento
de Sociologia da Universidade de Havana, e recentemente os cursos de Diplomado também
resultado de diálogos com brasileiros (as).
Os actores sociales envolvidos e comprometidos com estas últimas formações em
Trabajo Social, têm posto em movimento um processo de qualificação para o mesmo em Cuba,
por meio da militante defesa de uma (re)institucionalização do Trabajo Social na Universidade
de Havana, com forte viés sociológico como área do conhecimento consolidada nas Ciências
Humanas.
A vivência, o estudo e a pesquisa em Cuba foram desafiadores tendo em vista a
particularidade deste país não na América Latina, mas na geopolítica mundial. A
sociabilidade cubana não é só diversa, mas rica da cultura e do povo aguerrido, que vive e luta
diariamente por sua autonomia. O trabajo comunitário, o trabajo social são fruto de um
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processo sócio histórico, e além de contraditórios fazem parte de um todo articulado com
direção emancipadora socialista e anti-imperialista.
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