DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.32142
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Mercado de trabalho no Brasil:
particularidades da formação social e
econômica e a universalidade sistêmica do
capital
Labor Market in Brazil: particularities of social and economic formation
and the systemic universality of capital
Mariana Costa Carvalho
*
Resumo: Este artigo discute os elementos
principais da formão social e econômica
brasileira reproduzidos no mercado de trabalho,
com ênfase no fim do regime escravista e
constituição da força de trabalho livre. Trata-se
de pesquisa qualitativa de base documental,
reunindo triangulação de dados primários e
secundários, abarcando revisão bibliográfica e
apreciação de elementos histórico-concretos do
mercado de trabalho, tendo como fonte órgãos
oficiais de produção de indicadores sócio-
econômicos. Na fase atual, de financeirização e
crise de realização do valor, as principais
marcas do trabalho envolvem maior expressão
de informalidade, precarização e flexibilização
das relações. Somam-se os elementos
estruturantes da formação social e econômica
brasileira que aprofundam a superexploração do
trabalho e recaem, mais fortemente, na
população negra.
Palavras-chaves: Formão Social e
Econômica; Sistema Escravista; Força de
Trabalho; Informalidade; Mercado de Trabalho.
Abstract: This article discusses the main
elements of Brazilian social and economic
formation reproduced in the labor market, with
an emphasis on the end of the slavery regime
and the constitution of the free labor force. It is
a qualitative research based on documents,
bringing together triangulation of primary and
secondary data, encompassing a bibliographic
review and an appreciation of historical and
concrete elements of the labor market, based on
official bodies that produce socio-economic
indicators. In the current phase, of
financialization and the crisis of realization of
value, the main marks of work involve a greater
expression of informality, precariousness and
flexible relations. The structuring elements of
Brazilian social and economic formation are
added, which deepen the overexploitation of
work and fall, more strongly, on the black
population.
Keywords: Social and Economic Formation;
Slave System; Workforce; Informality;
Labormarket.
Recebido em: 15/09/2020
Aprovado em: 24/11/2020
*
Doutora em Serviço Social pela UERJ. Professora do Magistério Superior do Quadro Efetivo no Curso de Serviço
Social - Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Mercado de trabalho no Brasil
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ARTIG0
Introdução
A discussão deste artigo integra pesquisa de doutorado em Serviço Social na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
1
e seu objetivo é entender as particularidades
históricas brasileiras reproduzidas no mercado de trabalho.
Como supostos teóricos partimos: 1) do reconhecimento das diferenças entre o
desenvolvimento capitalista originário e o desenvolvimento capitalista na América Latina,
dando relevo à crítica dos conceitos de subdesenvolvimento e dependência na divisão
internacional do trabalho; 2) da relação entre “padrão de produção” e “forma de regulação do
trabalho”, em que a mudaa do padrão de produção de valor nos ciclos capitalistas provoca
reviravoltas no trabalho, aprofundando a exploração da força de trabalho e o estranhamento do
trabalhador; e 3) embora a precarização
2
das relações de trabalho e o desemprego sejam
tendências mundiais, os impactos recaem mais fortemente sobre os países periféricos e
dependentes, como é o caso dos países na América Latina, dada a histórica desestruturação de
seu mercado de trabalho e a dependência de capital estrangeiro.
Como principais expressões fenomênicas do mercado de trabalho brasileiro na
atualidade situamos o aumento expressivo do desemprego, informalidade
3
crescente,
precarização e flexibilização das relações de trabalho. Sendo que a informalidade e a
precarização se apoiam na diminuição dos custos da produção (tempo gasto e custo com
trabalhador), a partir da flexibilização das relações do trabalho.
O que a pesquisa apontou é que o avanço do processo de precarização do trabalho recai,
mais fortemente, sobre a população negra, dada a herança colonialista e racista do Brasil,
reforçando que o processo social impingiu uma particularidade na transição da força de trabalho
livre no Brasil e ressaltando a relação entre a particularidade da formação social e econômica e
a universalidade sistêmica do capital.
O artigo está organizado em duas partes: resgate histórico dos elementos principais da
formação social ecomica brasileira que se relacionam, em especial, com a formação de um
mercado de força de trabalho livre no Brasil; e análise sucinta das principais expressões
fenomênicas do mercado de trabalho no Brasil entre 1980 e 2018, possibilitando a identificação
1
Tese intitulada “Trabalho no Brasil: tendências históricas e as novas exigências de realização do valor”, defendida
em julho de 2019 e realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil
(CAPES).
2
Chamamos de precarização o processo de “institucionalização” da instabilidade do trabalho caracterizado pelo
crescimento da informalidade. Segundo Pochmann (2002), chama-se de precarização do trabalho a qualidade dos
trabalhos criados a partir dos anos 1980 e 1990, no contexto das dificuldades de realização do valor.
3
A informalidade refere-se à atividade laborativa realizada pelo trabalhador sem direitos trabalhistas e sem
proteção social. De acordo com Amaral (el ali), refere-se ao trabalho precário, ou seja: parcial, tempo determinado,
não registrado, não-regulamentado.
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Seção
da reprodução das heranças históricas.
A economia agroexportadora escravista e a transição para a força de trabalho livre:
heranças históricas para a formação do mercado de trabalho no Brasil
As formações coloniais americanas como integrantes da reprodução do sistema
capitalista, a partir do século XVI, engendrou formas típicas de trabalho, entre elas, o regime
escravista que alimentou a expansão mercantil do capitalismo europeu, significando que a
colonização do Brasil e o sistema de escravidão comem um processo amplo e complexo de
produção e reprodução do capital.
De cordo com Mello (1998), o nascimento do capitalismo na América Latina, relaciona-
se com o surgimento das economias exportadoras organizadas com o trabalho assalariado,
portanto, a economia colonial organiza-se para cumprir a fuão de instrumento de acumulação
primitiva de capital.
No final do século XIX, inaugura-se nova etapa do desenvolvimento da América Latina,
a partir da constituição das “economias primário-exportadoras”. As exportações representariam
o único crescimento autônomo da renda e, por isso, o setor externo constitui-se como o centro
de dinamização da economia local. É um modo de “crescimento para fora”, que aponta para as
economias latino-americanas com o modelo primário-exportador”, caracterizado pela
especialização dos setores externo (fonte de dinamismo) e pelo setor interno dele dependente
4
.
Não obstante, para o aprofundamento e expansão do desenvolvimento do modo de
produção capitalista no Brasil, houve a necessidade de superar o regime de trabalho escravista
em favor do trabalho livre no sentido de viabilizar as possibilidades de extração de mais-
valor.
Kowarick (1994) destaca que uma condição para o surgimento do capitalismo urbano-
industrial típico, é a geração de lucros atras da confecção de bens para o mercado, a partir da
apropriação privada dos meios e instrumentos de prodão. Mas, para que se concretize, os
processos de produção devem estar articulados de forma que se crie excedentes mediante
modalidade específica de subjugação do trabalhador livre e socialmente expropriado de bens.
4
Visão difundida pela CEPAL desde 1960 que alcançou variados intérpretes dos destinos nacionais, merecendo
crítica, já que estas análises cepalinas não questionaram a natureza capitalista das economias exportadoras.
Segundo Mello (1998), a differentia specifica entre a economia primário-exportadora e a economia colonial era
no modo de inserção das economias nacionais latino-americanas na nova divisão internacional do trabalho que se
vai estruturando a partir da Revolução Industrial. Torna-se necessário rejeitar o formalismo proposto pelo
paradigma cepalino, que diagnostica o Brasil com duas e não com uma economia primário-exportadora: a apoiada
no trabalho escravo; e a organizada com o trabalho assalariado (MELLO, 1998: 30, grifos do autor).
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A formação de um mercado de força de trabalho livre, no Brasil, foi um percurso
histórico longo e tortuoso, sendo que a transição ensejou muitos conflitos e resistência. O
trabalho escravo mostrou-se inviável, não tanto pela ausência de uma população expropriada,
mas para impedir que o contingente de indivíduos pobres utilizasse sua liberdade para
reproduzir-se de forma autônoma (KOWARICK, 1994).
Barbosa (2008) destaca que o Brasil colônia possuiu, entre 1531 e 1855, cerca de 4
milhões de escravos, se incluirmos os escravos nascidos no país, o número chega a 12 milhões.
O tráfico funcionava como crédito, pois assegurava a rentabilidade do negócio organizado pelos
europeus. “Terra e trabalho não funcionavam aqui como variáveis independentes, que eram
acionados pelas forças motrizes do capitalismo concorrencial” (BARBOSA, 2008: 36).
No regime escravista existia oferta de trabalho elástica a ponto de exceder, fato que seria
impossível num mercado de trabalho strictu sensu, ou seja, a existência de demanda sem a
criação de desemprego. Nessa direção, Barbosa (2008) coloca a questão da dificuldade de
compatibilizar a existência dessa oferta elástica de trabalho, inserida na produção de
mercadorias (de valor de troca), com a inexistência da possibilidade de geração de mais-valor
relativo, de fluxo de renda e de uma ética para o trabalho.
As estratégias econômicas levaram a rios padrões de relações sociais entre senhores
e escravos. Estes o se constituíam como vendedores e compradores de força de trabalho,
assim, era inviabilizada a construção deestratégias racionais de mercado”, por isso, considera
Barbosa (2008) não se conformou um espaço público de manifestação dos interesses dos grupos
sociais; aos proprietários de escravos, o interessava aumentar a oferta potencial de força de
trabalho; a mercadoria não aparece fetichizada e, sim, como produto alienado do trabalho; o
custo da reprodão da força de trabalho escrava era determinada por características
fisiológicas, não contando com interferências políticas; e os escravos não se aproveitavam de
possíveis condições favoráveis de demanda.
Sobre esse aspecto, Oliveira (2013) ressalta que o escravismo passa a constituir, em
verdade, um entrave para a industrialização, devido ao elevado custo da reprodução do escravo.
Então, a industrialização significará a tentativa de acabar com o custo da reprodução do escravo,
que era um bem de produção, pois era propriedade dos dominantes.
Nessa direção, a reprodão da força de trabalho surge como uma preocupação, pois no
escravismo as unidades produtivas estão condenadas à produção extenuante de excedente,
apropriado pela esfera comercial. Ou seja, enquanto na formação social capitalista cria-se uma
superpopulação relativa, na formão social escravista há tendência de diminuição absoluta da
população escrava, o que impõe obstáculos a sua expansão (BARBOSA, 2008).
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Seção
Após 1880, o regime de trabalho escravo se mostra estreito para realizar uma
acumulação que demandava, de forma crescente, um mercado de trabalho volumoso e fluido.
Nesse processo de transição para o trabalho livre, existe uma condição prévia ao acesso à terra.
A partir do início da crise do sistema escravocrata, torna-se necessário impedir que os homens
livres tenham acesso à propriedade da terra, tendo sido promulgada a Lei de Terras, de 1850,
que restringia a aquisição de terras devolutas através da compra. o por coincidência, a Lei
de Terras é promulgada no mesmo período do fim do tráfico negreiro (KOWARICK, 1994).
Dessa forma, expropriar os meios de produção, ou as terras comuns, era uma das condições de
limitar a autonomia dos indivíduos, induzindo à procura por trabalho livre.
Barbosa (2008) destaca que de forma paralela ao mundo do trabalho escravo, forma-se
uma “massa amorfa e inorgânica de homens livres”, a massa popular”, “os desclassificados,
inúteis e inadaptados”, que eram indivíduos não inseridos no cleo da economia
5
. Nessa
pesquisa, pudemos conhecer uma interpretação muito interessante de Pochmann (2002), que
sugere, hipoteticamente, a possibilidade desses desgarrados serem os ancestrais dos
trabalhadores informais de viração, que tocam a vida pulando de uma atividade desqualificada
para outra nos serviços das cidades, como agregados, distantes do núcleo da economia.
Num longo processo, desenvolvido ao culo XIX, foram criadas as condições para
o salto do capitalismono Brasil, desembocando em duas linhas orientadoras, “[...] uma que
convergia o senhor agrárioem marginal e depois o transformava em sujeito das transações
econômicas e outra que aproveitava da autonomização política e da criação, ao menos potencial,
de uma economia, de um Estado e de uma sociedade nacionais” (BARBOSA, 2008: 43).
Na formação social na colônia, o comando do escravismo era por senhores de terras e,
lentamente, isso foi alterado por transformar-se num entrave para o pleno desenvolvimento das
formas capitalistas de prodão, sendo no final do culo XVIII, a população residente no Brasil
de quase 3 milhões, sendo quase a metade formada por livres e libertos. O traço comum dos
libertos era a “desclassificação em relação às necessidades da grande propriedade
agroexportadora (KOWARICK, 1994: 27) e eram desclassificados porque a ordem
escravocrata impediu que surgissem alternativas que os fixassem produtivamente.
Com a escravidão materialmente condenada a partir de 1850, o empreendimento
cafeeiro buscou substituir o trabalho cativo sem, entretanto, apoiar-se da desacreditada força de
5
No período colonial, o “pertencimento à pobrezacaracterizava-se pelo ato de implorar pela caridade, sendo o
assistencialismo voltado, exclusivamente, para os incapacitados para o trabalho. Os demais eram considerados
“vagabundos” ou “preguiçosos” e o eram por escolha e não devido a estrutura produtiva e social. Nesse contexto,
a ação do Estado, era a de disciplinamento para o trabalho (BARBOSA, 2008).
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trabalho nacional. Era mais viável importar trabalhadores que já eram expropriados – material
e culturalmente, do que subjugar trabalhadores livres e libertos. Assim, a equação elaborada foi
importar força de trabalho empobrecida da Europa
6
livre (KOWARICK, 1994).
Inicia-se a chamada “parceria de endividamento”, em que o empreendimento cafeeiro
adiantava os custos da passagem e o custeio inicial (KOWARICK, 1994), sendo que,
paulatinamente, o Estado absorvia responsabilidades nesse processo, providenciando, portanto,
a socialização dos custos da mobilidade dessa força de trabalho, a despeito do crescente número
de trabalhadores livres e libertos nacionais, deixados ao léu.
Somente nesta pesquisa pudemos compreender esse processo de formação do exército
ativo e inativo para o trabalho no país, na particularidade da experiência histórica nacional, que
se distingue daquela estudada por Marx, na Inglaterra. A lei de terras de 1850 foi nossa lei
sanguinária à semelhaa do cercamento dos campos ingleses, porque forjou coletivo de força
de trabalho. A violência do escravismo não foi atenuada com o acerto da dívida social, nem na
República; nem no ciclo de substituição das importações, a partir de 1930, que marca, de fato,
a constituição do mercado de trabalho nacional. Os negros e descendentes continuam, em sua
maioria, vagando pelas cidades nas piores ocupações, relações e condições de trabalho, mesmo
que incluídos, a partir dessa segunda fase, no exército industrial de reserva.
Foi criado um aparato legal para coagir os colonos a cumprirem os contratos de trabalho
e a utilização da força de trabalho estrangeira foi equacionada com o intuito de levar o
trabalhador ao endividamento. O sistema legal, somado ao domínio quase-senhorial, reforçava
a violência necessária para essa relação que se estabelecia. O trabalhador estrangeiro, mais
fácil e lucrativo, poderia ser transformado, por meio da imigração subsidiada, em mercadoria
para o capital” (KOWARICK, 1994: 72).
A abundância de força de trabalho propiciada pela imigração, materialmente e
culturalmente expropriada, possibilita a deterioração dos salários. E, mais ainda, cria condições
de desarticulação da resistência da força de trabalho, que acirra a concorrência entre os
trabalhadores.
Após 1857, a parceria cedeu lugar a outras modalidades para a contratação da força de
trabalho, particularmente com o salário mensal. Outras modalidades foram o pagamento por
contrato de ajuste, regime de colonato e o transporte de trabalhadores endividados oriundos,
6
Entre 1872 e 1881, entraram no Brasil cerca de 218 mil imigrantes e as principais nacionalidades eram: alemães
(37%), portugueses (32%) e italianos (28%). Entre 1884 e 1887, entraram no país 146 mil imigrantes, sendo que
53 mil foram para São Paulo, região que concentrava as grandes fazendas cafeeiras. Entre 1888 e 1890, vieram
304 mil imigrantes (KOWARICK, 1994).
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principalmente, da China e da Índia (BARBOSA, 2008).
Existia reservatório de força de trabalho não-escrava. Mas, inexistia lei que incitasse
esses trabalhadores livres a serem contratados. Soma-se, ainda, ‘[...] a crea por parte dos
fazendeiros – certamente infundada, embora componente essencial de sua ideologia – de que o
elemento nacional era essencialmente “vadio” e “preguiçoso”’ (BARBOSA, 2008: 106-7).
A força de trabalho imigrante já se mostra abundante, e um aspecto importante é que “a
liberdade de trabalho não poderia se confundir com direitos coletivos, na acepção dos
formuladores da nova política trabalhista”. Aliás, essa visão laissez-fairiana estava presente
na constituição de 1824” (BARBOSA, 2008: 137).
Nesse sentido, pudemos apurar que o processo de construção do mercado de trabalho
no Brasil não ocorreu de forma espontânea ou linear e carregou a heraa da escravidão, mesmo
que com características distintas entre as regiões do país. Contou, ainda, com a dura intervenção
do Estado e o autoritarismo dos quase-empregadores (BARBOSA, 2008).
Curiosamente, os livres e libertos, no Brasil, o participaram do trabalho regular e
disciplinado nas fazendas de café a1888. Após esse período, foram absorvidos em áreas
em que os imigrantes não estiveram presentes. E esse processo social impingiu uma
particularidade na transição da força de trabalho livre, no Brasil: a heterogeneidade da
composição da força de trabalho, incluindo a continuidade na absorção da força de trabalho
estrangeira. O dado é alarmante, pois no início do século XX, em São Paulo, 92% dos
trabalhadores na indústria eram estrangeiros (KOWARICK, 1994).
Kowarick destaca que “[...] reproduziu-se o quadro da exclusão social para o braço
nacional, de modo especial para o negro e o mulato, que tinham estampadas na pele todas as
arraigadas pechas que se concentravam na sua imprestabilidade para o trabalho(KOWARICK,
1994: 114-5).
As novas demandas dos países cêntricos deu novos rumos à economia nacional,
exatamente porque, agora, a requisição passava pela produção de alimentos e matérias-primas
em massa pelo conjunto das periferias, porque a produção em massa gera preços baixos. Esse
objetivo exige das periferias a generalização das relações mercantis, ou seja, a mercantilização
das forças de trabalho e, gradativamente, de suas formas de vida social. E, só o trabalho
assalariado poderia significar a ampliação dos mercados e, ao mesmo tempo, produção
mercantil complementar em massa (MELLO, 1998: 45).
Para Neto (2015), a instauração dessas relações, genuinamente capitalistas, mediadas
pelo capital industrial, aprofundaria a necessidade de subordinar a consciência operária ao
processo de produção, fato que não implicou no desconhecimento da possibilidade
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doproletariado avançar do desenvolvimento da consciência de classe.
A ideologia difundida de que a classe industrial paulistana brotou do
trabalhador que soube administrar bem suas finanças não passava de
mecanismo ideológico para amortecer a luta de classes. Isso em parte brota do
fato de que a grande indústria no país também passou pela mediação da
manufatura e das pequenas oficinas, ou seja, a existência de pequenos setores
de manufatura, em que os produtos vinham ao mundo pela mediação do
envolvimento de toda a família no processo produtivo. Isso servia para
difundir a ideologia de que o patrão era também operário (NETO, 2015: 201-
2).
Aqui, basta chamar atenção para a ideologia presente, que “chama” o trabalhador para
uma participação mais direta no processo produtivo, difundindo falsa ideia de que o operário
possui as mesmas condições que o patrão. Outro aspecto refere-se à participação ativa do Estado
que, na fase analisada por Neto (2015), coube aos seus aparelhos institucionais o forte auxílio
do financiamento da imigração e a propagação e fortalecimento da ideologia “empreendedora”.
De acordo com Neto (2015), a exploração do trabalho escravo e do colono possibilitou
uma acumulação que transformou o fazendeiro em industrial e o banqueiro estrangeiro no
principal agente do processo de industrialização.
A ótica de Neto (2015) sobre esse aspecto da imigração foi muito fértil para a pesquisa,
pois pudemos entender que a relação entre indústria e imigrante acaba por colaborar para forjar
um exército de reserva que possibilita que o capital controle a força de trabalho existente: a
força de trabalho nativa, caracterizada pela acusação de vadiagem e mendicância; e a força de
trabalho imigrante. Juntas, forneciam as bases para o advento do trabalho assalariado.
Isso nos levou a entender a ilação de Barbosa (2008), quando diz que a constituição de
um mercado de trabalho, no Brasil, foi uma atividade complexa que exigiu a elaboração de
políticas públicas relacionadas à regulação da aquisição de terra, desescravização e, de forma
paulatina, a regulamentação do trabalho livre, além do incentivo à importação de força de
trabalho, entre outras práticas de natureza pública e privada.
Chama a atenção dos estudiosos do tema a presença marcante e decisiva do Estado em
todas as etapas da construção do mercado de trabalho no país. Sobre as muitas ações vale
destacar: decretou o fim do tráfico de escravos; assegurou a desescravização de forma paulatina;
financiou a imigração de força de trabalho estrangeira; enveredou na defesa do liberalismo
federalista; e tomou para si a questão social, o que retirou a desigualdade social do confronto
direto das classes, sem eliminá-la, mas, permitindo a reprodução ampliada do capital em escala
nacional (BARBOSA, 2008).
De acordo com Fernandes (2005), a lentidão das mudaas deita raízes no fato histórico
de que uma nação se constitui numa trajetória não linear, mas por “ziguezagues”. No Brasil,
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o foi diferente e o processo abrangeu duas fases: “1º) a ruptura da homogeneidade da
‘aristocracia agrária’; 2º) o aparecimento de novos tipos de agentes econômicos, sob a pressão
da divisão do trabalho em escala local, regional ou nacional” (FERNANDES, 2005: 45).
Os senhores rurais, nas palavras de Fernandes (2005), aburguesaram-se e
desempenharam uma função que ele considera análoga à função de alguns segmentos da
nobreza europeia, no período da expansão do capitalismo. Sendo os representantes mais
característicos do espírito burguês”, os negociantes a varejo e por atacado, funcionários
blicos, banqueiros, empresários da indústria nascente e artesãos por conta ppria. Esses
estratos possuíam uma identificação superficial com o mundo moral da aristocracia agrária ou,
ainda, baseavam-se em situações de lealdade pessoal ou de interesse. São esses os homens que
projetaram “os toscos móveis capitalistas do velho ‘senhor rural’ no horizonte cultural da
‘burguesia emergente e que iriam encarnar, portanto, o ‘espírito burguês’” (FERNANDES,
2005: 46).
Eles se afirmam, num primeiro momento, pelo élan de “modernizador”,
compondo-se assim, através de compromissos tácitos, com as elites da
“aristocracia agrária”. Mais tarde, pom, evoluem para opções mais definidas
e radicais, embora dissimuladas, pelas quais tentam implantar no Brasil as
condições econômicas, jurídicas e políticas que são essenciais à plena
instauração da ordem social competitiva. Em nenhum dos dois momentos esse
“espírito burguês” exige a defesa implacável dos direitos do cidadão
(FERNANDES, 2005: 46).
A Independência, pondera Fernandes (2005), foi a primeira revolução social ocorrida
no Brasil, marco definitivo do fim da “era colonial” e de inauguração da “época da sociedade
nacional”. O autor considera a Independência uma transação política pafica, inteligente e
segura, instaurando a formação de uma sociedade nacional, com elementos revolucionários e
conservadores, sendo peculiar o descaso com direitos sociais na construção da nação.
O liberalismo no país era peculiar, pois, respondia a uma clara função de mobilização
de consenso de classe para dinamização econômica, mas de costas para a autonomia do
processo de dominação interno. Tratavam-se de “requisitos ecomicos, sociais e poticos que
condicionavam a associação livre, mas heteronômica do Brasil às nões que controlavam o
mercado externo e as estruturas internacionais de poder” (FERNANDES, 2005: 54). Isso dará
contornos especiais ao mercado de trabalho e à proteção social pública no país, reproduzindo,
historicamente, uma estruturação limitada.
A democracia restrita será medular na dinâmica política e social da nação, ao longo da
sua história republicana. As mudanças ocorridas entre a sociedade colonial e a sociedade
imperial, em primeiro lugar, na diferenciação no papel político do senhor que passa a ser senhor-
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cidao, pressupondo nova dimensão de poder, cujas possibilidades de mando do senhor
transcenderão os limites anteriores do seu domínio, alcançando o poder político; paralelamente,
desencadeia o surgimento de formas de socialização que transformam privilégios sociais
comuns em solidariedade social e associação política; o que, em conjunto, provoca a redução
do espaço social em que as garantias sociais estabelecidas de forma legal poderiam ter vigência.
Esses elementos impõem as limitações históricas da Independência, desdobrando-se numa
dominação senhorial sobre a não o que explicaria, a nosso ver, as consequências sobre o
mercado de trabalho.
A democracia é um recurso necessário para o equilíbrio e continuidade da dominação
do Estado, não se constituindo em condição geral da sociedade. Destarte, para a construção da
ordem social nacional, era necessária a extinção do estatuto colônia; ao mesmo tempo, a
sociedade nacional não se constituiria sem agregar a herança colonial mencionada. O
patrimonialismo, que se constituiu em domínio do Estado, possibilitou que os estamentos
senhoriais tivessem a oportunidade de ter privilégio político e prestígio social. Assim, domínio
e nação mesclaram-se de forma estrutural na sociedade brasileira. O Estado nacional
independente era liberal somente nos fundamentos, pois, na prática, era instrumento de
dominação patrimonialista. Portanto, da colônia para a nação, houve garantia do monopólio de
poder político aos estamentos – patrimonialismo.
Nessa realidade, o Estado garantirá a eficácia da dominação política dos estamentos
senhoriais, visível em dois sentidos: vai orientar-se para o fortalecimento da iniciativa privada
(liberalismo econômico); e assumirá importantes encargos para a garantia da força de trabalho
escrava que, naquele momento, eram relevantes para a formação de uma estrutura econômica
para uma sociedade nacional. Temos, dessa forma, os elementos que gestarão uma economia
urbana nacional, que é estruturada sobre um sistema ecomico agrário, escravista e
dependente. Os mesmos fatores que condicionaram a transformação dos senhores rurais em
aristocracia agrária, constituirão e delimitarão o mercado nacional.
A presença do trabalho escravo e sua importância histórica para a viabilidade
simultânea da produção agrária e da ordem estamental, porém, condicionam e
determinam evoluções inexoráveis. O trabalho livre não nasce, aqui, sob o
signo de um mercado que divide e opõe, mas, ao mesmo tempo, valoriza e
classifica. Surge como expressão das conveões e das regularidades
imperantes na sufocante ordem social escravocrata e senhorial brasileira. Em
vez de fomentar a competição e o conflito, ele nasce fadado a articular-se,
estrutural e dinamicamente, ao clima do mandonismo, do paternalismo e do
conformismo, imposto pela sociedade existente, como se o trabalho livre fosse
um desdobramento e uma prolongação do trabalho escravo (FERNANDES,
2005, p 228).
Diante dessa sagaz compreensão de Fernandes (2005) associada às contribuições de
Mariana Costa Carvalho
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Kowarick (1994), Oliveira (2013 a), Mello (1998), Barbosa (2008) e Neto (2015) - esperamos
estarem entendidas as referências da pesquisa sobre os elementos centrais da formão social e
econômica brasileira, que atravessam as relações de trabalho, no país.
Seguidamente, demonstraremos alguns dos desdobramentos desses fundamentos sobre
o delineamento histórico do mercado de trabalho brasileiro.
Expressões fenomênicas do mercado de trabalho brasileiro entre os anos 1980 e 2018
Na literatura sobre os estudos do trabalho, é consensual que os anos de 1980 marcam o
período de consolidação do mercado nacional urbano de trabalho brasileiro. A partir daí,
proliferam-se novas formas de trabalho, caracterizadas pela flexibilização das relações de
trabalho e alargamento da informalidade, além do aumento expressivo do desemprego. Por isso,
tornou-se relevante, para a pesquisa, tomar a década como um marco para a coleta de dados e
análise comparativa sobre os desdobramentos posteriores, em especial, pelos intensos
desdobramentos da crise mundializada do capital e seus fortes impactos para o trabalho.
Recorremos a dados de óros oficiais de pesquisa e afins, para identificar linhas
centrais da evolução do trabalho no país, no referido período, identificando as características
principais, e comparando a evolução, nos três decênios e um octênio: 1980-1989; 1990-1999;
2000-2009; 2010-2018. Esta alise possibilita apreender as particularidades das conjunturas
brasileiras e a sua relação com ciclo de acumulação capitalista, em termos sistêmicos.
As fontes dos dados primários utilizadas foram o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística IBGE, Pesquisa de Emprego e Desemprego PED (realizada pela Fundão Seade
e DIEESE) e RAIS (realizada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social).
No denio 1980 a 1989, o padrão de desenvolvimento do capitalismo está na fase
particularizada pela financeirização do capital e crise de realização do valor, que impõe a
necessidade, imperiosa, de cortes de investimentos nas políticas sociais e de novas regulações
para o trabalho. Em conjunto, essas medidas intensificam o aumento das desigualdades
estruturais do país.
Esse período caracteriza-se por profunda crise econômica; alto endividamento externo;
permanência de forte fluxo migratório do campo para cidade; curva demográfica em estágio
avançado; aumento do desemprego e da informalidade; aumento da desigualdade da renda do
trabalho; crescimento das mulheres no mercado de trabalho; início do declínio do setor da
indústria (desindustrialização) e, concomitante, aumento de vagas no setor de serviços e
comércio (sem aumento dos ganhos para os trabalhadores). Em síntese, o decênio marca o
esgotamento do período desenvolvimentista no Brasil (1930 a 1979).
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O gráfico 01 traz as taxas de desemprego entre os anos de 1985 e 2013 da região
metropolitana de São Paulo, ficando visível o crescimento, na segunda metade dos anos 1980:
Gráfico 01- Taxas de Desemprego, segundo tipos, da Região Metropolitana de São Paulo
(1985 a 2013)
Fonte: PED, 2013.
Os dados sobre a distribuição da força de trabalho, a partir dos grandes setores de
atividade econômica, demonstram que, no início da cada de 1990, houve queda do setor da
indústria e elevão no setor de comércio, sendo a queda no setor da indústria um forte sinal da
crise, que é o primeiro atingido pelas crises. A evolução desses dados, e dos outros setores
entre 1960 e 2010, pode ser verificada na tabela 01 abaixo:
Tabela 01 - Distribuição da força de trabalho, segundo os grandes setores de atividade
econômica (em %) – Brasil (1960-2010)
Setores de atividade econômica
1960
1970
1980
1991
2000
2010
Agricultura, pesca e pecuária
55,2
45,4
30,0
22,8
18,7
11,3
Construção civil
3,3
6,0
7,6
6,7
7,1
8,1
Indústria, mineração e utilidades
públicas
10,1
12,8
17,9
16,5
14,4
14,7
Comércio, transporte, comunicação
e hospitalidades
14,4
14,9
17,7
20,5
24,3
26,2
Financeiro, imobiliário e negócios
1,7
2,2
5,7
6,6
6,5
9,2
Administração pública e defesa
3,1
4,3
4,4
4,9
5,4
6,0
Educação, saúde e assistência social
2,5
4,4
6,1
8,0
9,7
10,6
Serviços domésticos
4,2
8,3
6,1
6,8
7,7
7,7
Outros serviços
5,5
1,7
4,5
7,2
6,2
6,1
Fonte: COMIN, 2015.
Os dados acima sinalizam que, como modo de vida, a sociedade brasileira universalizou
o trabalho (tipicamente capitalista), generalizando a mercantilização da prodão e da
reprodução social. Fazem isso, sem, no entanto, contar pelos dados anteriores de desemprego e
garantir o emprego para todos os expropriados dos meios de trabalho, ao longo desses cinquenta
anos.
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Particularmente à questão da diferenciação de cor, no âmbito da força de trabalho,
reforça o perverso legado da escravidão no período da colonização e a posterior segregação
imposta aos o brancos
7
, na medida em que se verifica marcas profundas na hierarquia da
estrutura ocupacional, materializada na histórica inserção subalternizada dos não brancos no
mercado de trabalho.
Por outro lado, a questão do sexo ganha proeminência, nessa transição histórica da força
de trabalho, pois, o crescimento das mulheres no mercado de trabalho é relevante, sendo reduto
feminino as ocupações mais baixas (trabalho doméstico) legado do patriarcado, enquanto o
reduto masculino é, e continua sendo, o emprego industrial moderno. Nos anos 1960, mais de
95% dos técnicos e supervisores do trabalho manual eram homens; ao longo de 5 cadas, a
participação feminina pouco aumentou nessa área, não chegando a 15%, em 2010 (COMIN,
2015).
O decênio 1990-1999 é marcado pela intensificação das contrarreformas do Estado
brasileiro, da reestruturação produtiva e do neoliberalismo do capital, sob o regime da
acumulação flexível; abertura ao fluxo de comércio e capitais internacionais; alto volume de
privatizações de empresas públicas; transferência de execão de funções públicas para esfera
privada; forte recessão entre 1990 e 1992, sendo esse processo revertido entre o final 1993 e
1997 (sem recomposição da dinâmica dos anos 1970); crescimento do trabalho por conta
própria, do emprego sem carteira assinada e das organizações do terceiro setor; sinais de um
componente estrutural para o desemprego e a informalidade; e intensificação do fenômeno da
redão do emprego industrial e aumento do emprego nos setores de comércio e de serviços.
As taxas de desemprego aberto dos primeiros anos da cada de 1990 não foram mais
elevadas que as taxas do início dos anos 1980, entretanto, o desemprego aberto começou a dar
sinais de um componente estrutural importante.
A busca pela valorização do valor leva ao aumento da produtividade do trabalho e esse
aumento da produtividade precisa ser realizado com um gasto de tempo cada vez menor,
repercutindo, diretamente no preço da força de trabalho; na quantidade de emprego; e na
qualidade das relações de trabalho. Os custos do deslocamento dos fatores da crise de realização
do valor são absorvidos pela força de trabalho, dado o aprofundamento dos mecanismos de
7
Optamos por trabalhar com a categoria “não brancos”, que as instituições pesquisadas utilizam categorias
distintas, assim, essa escolha deve-se a necessidade de optar por uma categoria que abarque as distintas formas de
abordagem das instituições. Cabe ressaltar que a categoria “não brancos”, nesta pesquisa, não desconsidera a
discriminação racial existente, principalmente pela população negra. A cor é uma variável bastante relevante para
a análise, pois, de se considerar a centralidade que os elementos particulares da formação social e econômica
brasileira possuem para esta tese, sendo a escravidão uma dessas marcas.
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exploração.
A partir do levantamento de dados do mercado de trabalho, observamos que as soluções
para a crise envolveram: a diminuição do ganho real do trabalho; o aumento do desemprego; e
a precarização dos vínculos de trabalho.
A lógica imanente desse processo envolve a diminuição do tempo de trabalho pago que,
no emprego formal celetista envolve considerar os gastos do capital com a remuneração e os
direitos trabalhistas convencionais (férias, descanso semanal, jornada diária, hora extra,
auxílios doença, indenizações, entre outros quesitos). Ao fim, a crise expressa, na recessão
econômica e no desemprego, favorecendo o disciplinamento em torno da aceitação do aumento
da apropriação do trabalho não pago.
No decênio 2000-2009, há a diminuição do fenômeno identificado nos períodos
anteriores dos fluxos migratórios e desemprego que, conjuntamente com aceleração moderada
do crescimento econômico, execução de políticas redistributivas sobre o mercado de
trabalho e políticas sociais, levam à relativa redução das desigualdades sociais; um
significativo crescimento econômico entre 2004 e 2010 (que se estende até 2014) sem,
entretanto, romper com a desestruturação do mercado de trabalho e a estrutural concentração
de renda; o crescimento dos empregos formais ocorreram de forma concomitante ao
crescimento do trabalho informal, sendo este superior ao primeiro, demonstrando o crescimento
mais elevado da informalidade que dos empregos formais; permanência da queda nas taxas de
fertilidade; expansão do ensino formal; crescimento das mulheres no mercado de trabalho e
maior escolaridade, porém, com a persistência dos salários mais baixos que dos homens; e boom
de commodities (principalmente, soja e minérios).
Os dados e estudos consultados, na pesquisa, mostram que o período de 2004 a 2008
teve intenso aumento do emprego formal. E em 2007, houve um fato inédito, desde o início da
elaboração das estatísticas da RAIS, em 1985: o mero de empregos formais criados, em 2007,
foi superior a 2 milhões.
O gráfico 02, abaixo, ilustra a geração de empregos, no Brasil, no total de atividades
entre o período de 2003 a 2007:
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Gráfico 02 - Evolução da Geração do Emprego (2003 a 2007)
Fonte: RAIS/MTE, 2007
Importante observarmos que no período com maior número de empregos criados no
país, mais da metade o possuíam vínculo empregatício, reforçando os aspectos de fragilidade
e precariedade da situação para o trabalhador.
O octênio 2010-2018, por sua vez, caracteriza-se pela intensificação do desemprego,
informalidade, ausência da regulação pública e intensa automação no trabalho; revisão da
legislação trabalhista para flexibilizar as relações de trabalho; apesar do curto período de
manutenção de taxas mais positivas na economia – entre 2010 e 2014 (iniciada em 2004) – o
houve aumento dos ganhos do trabalho, nem de direitos trabalhistas; a partir de 2014, tivemos
crescimento do número de trabalhos precários e regressão dos direitos trabalhistas
conquistados; forte recessão entre 2015-2016; e, a partir de 2017, há redução das taxas
negativas. Todavia, muitas das vagas ocupadas são marcadas pela precarização e flexibilidade
das relações de trabalho; permanece o crescimento dos setores de serviços e corcio e o
decréscimo do setor da indústria.
O país chegou, no mês de maio de 2019, com o assustador número que 5,2 milhões de
pessoas procurando trabalho há um ano ou mais, sendo que esse grupo representa 38,9% dos
13,4 milhões de desempregados no país (IBGE, 2019).
Aspectos do mercado de trabalho, reproduzidos do decênio anterior ganharam expressão
nesse último período, são eles: precarização; terceirização; ausência de regulação pública e
intensa automação no trabalho.
Uma dinâmica nova no mercado de trabalho é representada pelas atividades baseadas
na “economia compartilhada”, que envolvem o uso de aplicativos na rede internacional de
computadores (internet) para comprar e vender serviços, invisibilizando relações de trabalho.
Isso ganhou expressão com o transporte de pessoas, serviços de entrega e variados
outros serviços que podem ser acionados por meio de aplicativos, localizando o prestador na
região em que o consumidor se encontra; já existem serviços estéticos, dicos e de cuidados
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veterinários desse porte
8
.
Os dados deste octênio, 2010-2018, sinalizam que os índices mais elevados de
desocupação atingiram a população mais jovem (entre 14 e 17 anos), com ensino médio
incompleto, não brancos. As mulheres continuam sendo mais afetadas pelo desemprego e com
salários mais baixos que os homens, ainda que possuam maior escolaridade e que tenham tido
maior incremento de emprego, em 2014.
As taxas de desocupação, com recorte de cor, sinalizam que, no trimestre de 2017,
63,8% dos desocupados, no país, eram não brancos (sendo que 11,9% respondiam por pretos),
enquanto os brancos representavam 35,6%. O gráfico 03 abaixo mostra essa evolução:
Gráfico 03 - Taxa de Desocupação por Cor ou Raça no Brasil
Fonte: IBGE, 2018.
Sobre as taxas de desocupação por sexo, esse levantamento da PNAD (IBGE, 2018)
demonstra que as mulheres continuam sendo maioria na taxa de desocupados, ainda que tenha
ocorrido aumento dos homens, conforme demonstra o gráfico 04 abaixo, com dados nacionais:
8
O fenômeno vem sendo chamado de “uberização do trabalho”, em referência à primeira e mais pujante empresa
transnacional norte-americana, nomeada Uber, que possui milhões de motoristas cadastrados que trabalham de
forma autônoma e precarizada, encobrindo relações de trabalho.
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Gráfico 4 - Taxa de Desocupação das Pessoas de 14 anos ou mais de Idade, na semana de
Referência, por Sexo, segundo as grandes Regiões (4º trimestre de 2017)
Fonte: IBGE, 2018.
Novamente, os dados confirmam uma situação que persiste no mercado de trabalho
brasileiro: ainda que haja períodos de aumento de vagas de trabalho, as ofertas continuam
priorizando os níveis mais baixos de escolaridade, assim como, perpetuam a diferea salarial
entre homens e mulheres, em detrimento de ganho mais elevado para o primeiro grupo, ainda
que a inseão das mulheres, no mercado de trabalho, seja maior.
Outro aspecto muito importante, refere-se ao aumento de empregos formais para não
brancos (em especial, pardos e pretos, respectivamente), demonstrando um forte recorte de sexo
e cor para o preenchimento das vagas criadas: homens não brancos. Isso não é tão relevante, se
considerarmos a qualidade das relações de trabalho e renda dessas ocupações.
Outros elementos verificados, na composição da força de trabalho na atualidade no
Brasil, são o gradual processo de envelhecimento e a trajetória de elevação da escolaridade,
apontando que os postos formais de trabalho m absorvido uma força de trabalho mais
qualificada. Contudo, sem elevação salarial. O que demonstra que a precarização também
atinge os postos formais mais escolarizados.
Outras considerações apontadas, na pesquisa, referem-se às reformas propostas no
governo Temer, com destaque para a aprovação da Lei da Terceirização (Lei 13.429/2017),
a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e a proposição da Reforma da Previdência. Em
conjunto, significam a diminuição das garantias do Estado e a maior fragilização dos vínculos
de trabalho, reforçando as negociações individuais e impactando severamente na organização
dos trabalhadores (ação dos sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, entre outros).
Isso posto, na fase pesquisada, houve aumento da precarização do trabalho, intensificada
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pela execução de um projeto societário que materializou a flexibilização das relações e a
significativa retração do Estado na regulação do trabalho. o houve diminuição da
desigualdade e concentração de renda, muito menos garantia de direitos à população, que
possibilitasse encontrar condições de sobrevivência no mercado de trabalho. Ao contrário,
houve intensificação das contradões existentes, reforço dos elementos particulares da
formação social e econômica e mobilização do Estado para a criação de aparato legal que
respondesse não à demanda dos trabalhadores, mas o imperativo dagica do valor.
Chegamos na consideração de que o Brasil economia dependente e periférica , a
partir da década de 1980, é atingido pela crise do capital, caracterizada pela crise de realização
do valor que se constitui, nas palavras de Marx (2013), no movimento característico do modo
de produção capitalista: “Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro”. Como desdobramentos
dessa crise, há intenso desemprego e as formas de trabalho existentes e os postos criados passam
a ser, fortemente, caracterizados pela informalidade, precarização e flexibilização das relações.
Soma-se a esse quadro, a apropriação dos elementos históricos principais da formão
social e econômica brasileira como aportes da intensificação da superexplorão do trabalho e
do rebaixamento do valor da força de trabalho.
Considerações Finais
A pesquisa possibilitou conhecer melhor as relações entre padrão de produção de valor
e reviravoltas no trabalho, além de identificar as formas históricas particulares reproduzidas no
mercado de trabalho, em fase de financeirização do capital e crise de realização do valor. A
partir do argumento da modernização do trabalho, há a defesa da flexibilização das relações de
trabalho que, em verdade, materializam o aumento do desemprego e da precarização, assim
como, a diminuição dos direitos trabalhistas.
Consideramos a formação capitalista brasileira como dependente e periférica, que
conferiu características de intensificação da superexploração do trabalho e, consequente,
rebaixamento do valor da força de trabalho – conforme tese de Marini (2001). Somam-se, nesta
análise, aspectos como os tradicionais acordos e arranjos políticos entre as elites das classes
dominantes e o papel ativo do Estado legado do patrimonialismo –, que possibilitam a
manutenção da dominação; a propagação da ideologia empreendedora; patriarcado; e, que os
impactos dos processos históricos de precarização do trabalho recaem, mais fortemente, na
população negra – legado da escravidão.
No Brasil, a trajetória do trabalho foi construída por regimes assentados na lógica da
informalidade e precarização, com aparato legal para a flexibilização das relações de trabalho
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existentes e criando outras, abarcando experiências de trabalho com formas de produção
distintas e as tornando funcionais à manutenção da lógica de busca pelo valor.
Os anos recentes, no Brasil, materializam o projeto iniciado na década de 1980: o
esgotamento do período desenvolvimentista no Brasil 1930 a 1979, intensificada pela
execução de um projeto societário que perseguiu a retração do Estado na regulação do trabalho
e na flexibilização das relações. Projeto desenvolvido em sentido contrário da redução das
desigualdades sociais e da concentração de renda, reforçando as históricas contradições do país
e reproduzindo os elementos particulares da formação social e econômica.
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