1) Geisel e o limite do milagre
Como é de conhecimento comum, o esgotamento da ditadura civil-militar torna-se
evidente a partir do governo de Geisel. O modelo econômico da autocracia burguesa, que
consistia em estabelecer uma política industrial que se orientasse para atender a um mercado
interno restrito específico, capaz de absorver parte da produção de bens de consumo,
especialmente os duráveis, e em uma política de incentivo às exportações destes mesmos bens
de consumo, decola no pós-1968 justamente por conseguir aproveitar a capacidade instalada
ociosa produzida pela recessão de 1962/67 (Cf. OLIVEIRA, 2011, p. 103).
Mas havia no modelo um elemento que entravava seu desenvolvimento sustentável. Esta
espécie de vício de origem manifestou-se no descompasso entre os Departamentos I e II. Em
outros termos, a aceleração da produção de bens de consumo não foi acompanhada pela
produção de bens de capital. Isso condenava o modelo ao fracasso, a partir da incapacidade da
autocracia burguesa de equacionar os distintos ritmos de aceleração dos Departamentos.
Chasin (2000), já ao final dos anos 1970, chamava atenção para o caráter autofágico do
modelo: quanto maior a aceleração do Departamento II, sobretudo da produção de bens de
consumo duráveis, maior se tornava o fosso entre sua expansão e as capacidades produtivas do
Departamento I. Manter a aceleração econômica implicava encontrar saídas para o
estrangulamento interno do setor de produção de bens de capital, o que foi feito abrindo-se as
importações. A desproporção no valor agregado entre exportações e importações, cedo ou tarde,
teria de levar a um desequilíbrio na balança comercial. Entre 1966 e 1970, as importações de
bens de capital saltaram de US$ 405,6 milhões para US$ 1,07 bilhões (OLIVEIRA, 2011, p.
103); em 1974, por exemplo, enquanto as exportações aumentaram 28,2%, as importações
cresceram 104% (SKIDMORE, 1988, p. 353). Esse desequilíbrio iria se refletir no aumento do
déficit do balanço de pagamentos, que atingiu, no mesmo ano, US$7,3 bilhões (SKIDMORE,
1988, p. 354). Para não frear o crescimento, a saída foi o endividamento. Em 1974, o país
praticamente duplicou a dívida externa, passando de US$ 6,2 bilhões para US$11,9 bilhões
(SKIDMORE, 1988, p. 353) e, em 1978, no fim do governo, alcançou os US$43,5 bilhões
(SKIDMORE, 1988, p. 403). O II PND (1975) expressa justamente a tentativa de conter a crise,
em meio a um cenário em que nenhum dos parceiros do regime aceitava arcar com o ônus (Cf.
CHASIN, 2000, p. 87). A tentativa de desacelerar a crise impunha a Geisel uma drástica redução
nas importações e a ênfase na produção de bens de capital e de insumos via empresas estatais
(NETTO, 2014, p. 188). Se, em 1974, Geisel havia sobrevivido à crise dobrando a dívida
externa e queimando as reservas cambiais, a saída sustentável exigia, agora, uma reversão no
quadro da balança comercial: as exportações subiram de US$ 7,8 bilhões, em 1974, para