DOI 10.34019/1980-8518.2020.v20.31922
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 20, n.2, p. 619-642, jul. / dez. 2020 ISSN 1980-8518
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O sistema prisional brasileiro e a Covid-19:
prevenção e desafios
Jefferson Lee de Souza Ruiz
*
Marcia Medrado Abrantes
**
RESUMO: é significativa a produção mundial de conhecimentos sobre a Covid-19. Embora com
potencial de atingir toda a população, a pandemia varia a depender de fatores como doenças pré-
existentes, condições sociais, pertencimento a determinadas classes, raças-etnias, gênero, entre outros.
ainda segmentos populacionais que, como no período pré-pandemia, têm suas demandas e
necessidades secundarizadas por parte das análises. Este artigo pretende refletir sobre os impactos e os
desafios da atual crise sanitária sobre o sistema prisional, particularmente o brasileiro.
Palavras-chave: sistema prisional; Covid-19; desencarceramento; políticas sociais.
The Brazilian prison system and Covid-19: prevention and challenges
ABSTRACT: The worldwide production of knowledge about Covid-19 is already significant. Although
it has the potential to reach the entire population, the pandemic varies depending on factors such as pre-
existing diseases, social conditions, belonging to certain classes, ethnic groups, gender and others. There
are also population segments that, as in the pre-pandemic period, have their demands and needs
secondary to the analysis. This article aims to reflect on the impacts and challenges of the current health
crisis on the prison system, particularly the Brazilian one.
Keywords: prison system; Covid-19; extrication; social politics.
*
Professor assistente da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj);
Doutorando em Serviço Social na Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
**
Graduada (licenciatura português/literatura) e pós-graduada (especialização em literatura infantojuvenil) em
Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Graduanda em Serviço Social na Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ).
Jefferson Lee de Souza Ruiz; Márcia Medrado Abrantes
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Introdução
Internacionalmente, mantêm-se incertezas sobre a Covid-19. dúvidas sobre
medicamentos eficazes à sua prevenção e/ou combate – não obstante inúmeras pesquisas sejam
desenvolvidas no Brasil
1
e no mundo. Há interpretações conflitantes sobre sintomas, o público
que a doença atinge etc.
Isto não resulta na impossibilidade de afirmações precisas e contundentes sobre o novo
coronavírus. Seus resultados, em termos de contágio e de óbito, têm recortes importantes de
classe social, raça/etnia, situação de moradia e acesso à renda e a saneamento básico. O suposto
caráter democrático da doença (há algum nível de risco para toda a população) vai se esvaindo
com a análise mais apurada dos dados oficiais disponíveis.
O Brasil persiste sendo um dos países que mais aprisiona pessoas no mundo, seja em
números absolutos ou em taxa de encarceramento
2
alguns, como os EUA (com os maiores
índices), vêm reduzindo seu ritmo de aprisionamento. Continua-se apresentando políticas de
hiperencarceramento
3
como suposta solução para profundas mazelas sociais vivenciadas por
sua população. Em um período conjuntural de retorno a políticas e discursos reacionários
4
–, a
tendência é de novamente se invisibilizar o que ocorre nos presídios nacionais com a incidência
brutal e potencialmente fatal da Covid-19.
São proposições do estilo da que defende que “bandido bom é bandido morto”. Debates
contemporâneos polarizam entre a defesa ou não de condições mínimas no aprisionamento de
1
Mesmo em conjuntura em que, como veremos, o negacionismo e a recusa à ciência são estimulados pelo governo
federal brasileiro, o boletim de 28 de maio de 2020 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa registrava a
aprovação, até aquela data, de 370 protocolos de pesquisas envolvendo coronavírus/Covid-19. Suas características
são muito distintas, envolvendo relatos de caso, ensaios clínicos, estudos epidemiológicos de base populacional e
outros procedimentos. Seus recortes, também variados, envolviam: “estudos sobre o desenvolvimento de testes
sorológicos, evolução da prevalência da infecção no país, estudo com plasma convalescente como alternativa
terapêutica, avaliação da eficácia e segurança da administração oral de hidroxicloroquina em associação à
azitromicina, métodos para minimizar a exposição ao ar durante os procedimentos, saúde mental de pacientes e de
profissionais de saúde, ensaios com uso de células-tronco mesenquimais, entre outros”. Por regiões, o Sudeste
concentrava 60,8% das pesquisas (225, das quais 157 em São Paulo), seguido do Sul (61, 16,5%); Nordeste (55,
14,9%); Centro-Oeste (18, 4,9%) e Norte (11, 3%) distribuição semelhante ao ainda brutal e desigual acesso ao
ensino superior e a atividades de pesquisa no território nacional. Apenas quatro unidades federativas não tinham
pesquisas em desenvolvimento. As instituições proponentes eram, em maioria, públicas. Cf.
<https://bit.ly/2G3n0gt>. Acesso em 20 de agosto de 2020.
2
Cf. <https://bit.ly/31ErEsk>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
3
Mesmo entre atuais supostos desafetos do governo federal, a defesa de tais políticas é tida como horizonte para
futuras eleições caso de Sergio Moro, ex-ministro de Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, e de
suas indisfarçáveis intenções de disputar a presidência da República. Cabe ressaltar que o atual ministro André
Mendonça não ofereceu qualquer saída ao combate da Covid-19 nas prisões desde a sua posse, em 29 de abril de
2020.
4
Reacionarismo e conservadorismo são perspectivas de sociedade muito distintas. Reacionários tendem à defesa
de formas de organização que já se viam supostamente superadas pela sociedade (a exemplo da defesa da eugenia,
da ditadura, do negacionismo). Para um debate acerca destas perspectivas e distintas concepções de direitos
humanos, cf. Ruiz, 2014.
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“bandidos”. Esta dicotomia esconde a necessidade de apreciação crítica do que denominamos
“crime” e “bandido”. Para Aslan (2013:44; 175), consultados registros históricos da época de
Jesus, a principal razão de sua crucificação entre dois supostos ladrões era a ameaça que ações
e pregações de Jesus significavam para o Império Romano. A palavra pela qual romanos
definiam tal comportamento era lestai (bandido, ladrão, agitador). Outra interessante referência
para apreciar a construção social/material de sentidos para crimes e bandidos é a obra de
Hobsbawm (2015).
Contexto e desafios da Covid-19 no País (julho – setembro de 2020)
Nesta seção, não teremos por centro dados estatísticos gerais acerca da Covid-19.
razões para tal escolha: (a) a rápida alteração que eles vêm sofrendo; (b) o amplo
acompanhamento feito pela imprensa, especialmente a que se baseia em dados epidemiológicos
obtidos e analisados por instituições e grupos de pesquisa, como universidades e institutos
públicos
5
; (c) a utilização de tal recurso estatístico para apreciarmos os efeitos da pandemia
sobre a população encarcerada, cujos dados e análises têm recebido atenção pública muito
menor.
Uma afirmação consensual quanto ao novo coronavírus é seu ineditismo. Ele amplia
dificuldades em torno de seu enfrentamento, ainda que haja acúmulos universais sobre a
doença. Por exemplo, é seguro que o contágio da Covid-19 tende a aumentar em áreas de grande
circulação e aglomeração humana. está constatado que o contágio não se por meio do
contato com outras espécies animais. Experiências exitosas de combate à SARS-CoV-2 vêm,
sempre, incluindo medidas de distanciamento e/ou de isolamento social.
Isto não significa que haja absoluta segurança sobre como enfrentar todas as dimensões
da doença. Um exemplo é o fato de que, diferente da incidência etária da Covid-19 em
continentes como o asiático e europeu, no Brasil cerca de 30% das mortes têm atingido pessoas
com idade inferior aos 60 anos
6
.
5
É incontestável a contribuição do equipamento público nacional no combate à pandemia. Grandes redes de
televisão têm elogiado o papel do Sistema Único de Saúde e de instituições públicas de pesquisa no Brasil frente
à disseminação mundial da Covid-19, algo inimaginável recentemente. Debilidades eventualmente existentes no
âmbito do SUS, no ensino público superior, nas instituições públicas de pesquisa vêm sendo acentuadas por
governos que, embora em níveis distintos, reduzem investimentos no serviço público nacional e promovem
políticas de aquisição e/ou de gestão privada de tais instituições.
6
O principal grupo de risco para o novo coronavírus são pessoas idosas: são altíssimos os índices de óbito dentre
a população contaminada com mais de 60 anos. Mas, no Brasil, pessoas acima desta idade compunham, em maio,
69,7% dos óbitos por Covid-19 (cf. <https://bit.ly/307adS0>. Acesso em: 04 de junho de 2020). Ou seja, cerca de
30% dos óbitos ocorriam entre pessoas não consideradas idosas, algo distinto da realidade de outros países. São
os riscos na caracterização absoluta de “grupos de risco” para doenças, como ocorrido em pandemias anteriores, a
exemplo da aids no final do século XX.
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Ainda que haja relativo consenso mundial acerca dos apontamentos acima, aqui
permanecem questionamentos ao distanciamento social como forma adequada de combate à
nova Covid. Sua origem se dá especialmente no âmbito do governo Bolsonaro
7
, que destoa das
políticas adotadas mundo afora e pela grande maioria dos estados e municípios brasileiros,
causando incertezas à população. Cenas de enfrentamento (até físico) vêm sendo recorrentes,
envolvendo pessoas que se negam a reconhecer na ciência para tais segmentos,
hipoteticamente dominada ideologicamente por perspectivas “de esquerda” a fonte de
informações e orientações de combate à pandemia. Trata-se de negacionismo: contrariam-se
fatos com base em suposta contraposição de ideias que não têm parâmetros de comparação (fé,
hipóteses afrontando dados objetivos, estatísticos, epidemiológicos etc.). O Brasil dentre os
países de maior população e território é o atual centro de tal perspectiva negacionista.
Governos de países como EUA e Inglaterra, frente ao avanço do SARS-CoV-2, reviram seus
discursos e orientações à população.
Os efeitos disso têm sido a manutenção de índices de contágio e mortes pela Covid-19
no Brasil que, ainda que relativamente estabilizados guardadas as particularidades regionais
de um país continental –, mantêm-se altos e preocupantes; tal estado de coisas pode levar ao
prolongamento do período de contato com o novo coronavírus. O governo Bolsonaro tenta se
esconder atrás de tais discursos para justificar incompetências e/ou políticas
8
que vêm sendo
classificadas (dentro e fora do País) como abertamente genocidas
9
.
Resultado: no início de agosto, superamos cem mil mortes e três milhões de pessoas
infectadas (130 mil e quatro milhões, respectivamente, nos primeiros dias de setembro), e tais
números seguem em rápido crescimento. O governo federal permanece atuando como se não
houvesse uma crise sanitária inédita em curso, promovendo falsas crises políticas e represando
gastos com o combate à doença.
Ainda que com rápidas alterações, o Brasil (junto aos EUA) é o epicentro da
enfermidade. Ele esteve localizado na China, em determinadas áreas da Europa, e atinge,
7
Postura acentuada após a indicação de um militar sem formação em saúde para o respectivo ministério, após as
divergências de dois ministros médicos – mesmo que politicamente próximos de posições conservadoras – com a
presidência da República.
8
Após três exames seguidos que confirmaram estar infectado pela Covid-19, o presidente Bolsonaro persiste
culpando o isolamento social pela grave crise de desemprego no País. Trata-se de um fenômeno anterior à
pandemia (e mesmo ao governo Bolsonaro, embora nele venha se agravando). Políticas como a aprovação da
contrarreforma trabalhista pelo Congresso Nacional têm demonstrado sua total ineficácia para os objetivos que
seus defensores lhes propunham, além de um agravamento das condições de trabalho, saúde, salário e segurança
de milhões de pessoas no Brasil.
9
Entidades representativas de profissionais de saúde com apoio de diversos segmentos sociais apresentaram
ao Tribunal Penal Internacional denúncia contra Jair Bolsonaro por crime contra a humanidade em função de sua
abordagem e das políticas de seu governo durante a atual pandemia.
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neste momento, as Américas com força significativa a América Latina é hoje, em números
absolutos, o continente com maior incidência de contágio. O continente asiático vivenciou um
retorno a índices preocupantes de contágio, quando, em semanas anteriores, tais evidências
estavam próximas de zero. O mesmo ocorre em países europeus. leituras da Organização
Mundial de Saúde de que África e/ou Índia podem ser os próximos focos centrais da pandemia,
por situações específicas (desiguais condições sociais e de saneamento, alto contingente
populacional etc.).
A evolução da Covid-19 não ocorre à parte da conjuntura mundial. Ações que visam
mercadorizar políticas públicas como saúde, educação, habitação, saneamento básico
apresentam sua conta: indicam que a perda de parcela importante da população mundial para
uma pandemia pode ser secundarizada ou vista como “gripezinha” por governos reacionários,
que sequer reconhecem os (limitados, mas importantes) avanços que remontam ao século XVIII
em torno de uma hipotética igualdade
10
de condições de vida para a espécie humana. Apreciar,
contudo, o contexto do coronavírus exige atenção para dimensões sociais que extrapolam
exclusivamente os trágicos dados da doença.
Como indicamos, é inegável que, sem o SUS, o quadro nacional de vítimas da Covid-
19 seria imensamente maior, o que evidencia a importância do equipamento público. Mas, se
apreciarmos o contexto das pesquisas em curso para uma possível cura da doença, é ilustrativo
perceber o que há por trás do investimento da grande indústria farmacêutica em torno da
descoberta de vacinas. Laboratórios norte-americanos como Pfizer, Merck e Moderna já
anunciaram publicamente sua negativa em distribuí-las a preço de custo. Evidenciam algo que
é marca do capitalismo em sua fase neoliberal: a busca por novos nichos de lucratividade à
custa da saúde e da vida humanas. Por sua vez, a anglo-sueca AstraZeneca, que desenvolve
pesquisas em parceria com a Universidade de Oxford, afirma pretender disponibilizar vacinas
ainda em 2020 a preço de custo, postura também anunciada pelo grupo americano Johnson &
Johnson
11
.
No âmbito do “mercado financeiro”, ganhos obtidos com suas ações são frontalmente
contrários ao que anuncia o discurso da crise internacional do capital e seus supostos efeitos
igualitários sobre a população mundial. Bilionários americanos acumularam, em plena
10
Várias obras apreciam criticamente o que, em geral, significam bandeiras como igualdade e liberdade do ponto
de vista da burguesia. Se, sem dúvidas, registraram expressivos avanços no tocante às relações sociais feudais, a
hegemonia capitalista não permitiu que várias destas reivindicações fossem além da formalidade jurídica.
Acredita-se que homens e mulheres seriam iguais perante a lei ou perante o deus de dadas religiões, sem que isso
se expresse na realidade objetiva vivenciada. Persistem gravíssimas distinções que podem ser de classe e/ou de
gênero, raça/etnia, orientação sexual, acesso à renda, condição física, faixa etária, dentre outras.
11
Cf. <https://bit.ly/3aeNwhz>. Acesso em: 22 de julho de 2020.
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pandemia, ganhos estimados em US$ 434 bilhões em março/2020
12
, No mesmo sentido, os
chamados “super-ricos” brasileiros (42 bilionários entre mais de 210 milhões de pessoas!)
acumularam, entre março e julho/2020, ganhos acima de US$ 34 bilhões em seu patrimônio,
segundo a Oxfam
13
. Os efeitos do novo coronavírus não são os mesmos para distintas classes
sociais e/ou segmentos populacionais etc.
Dimensões não exclusivamente econômicas do contexto atual demonstram distinções
para a população negra. As taxas de mortalidade deste segmento são maiores, mesmo quando a
diferença entre níveis de contágio não é tão grande. Quando se intercruzam com o acesso a
políticas como educação, o percentual da população negra e parda
14
brasileira com baixa
escolaridade que vai a óbito chega a 80,35%, contra 19,65% de brancos com ensino superior
15
.
Ainda que sob um governo reacionário, o Brasil também constatou o avanço da
violência doméstica. Segundo dados estatísticos destas ocorrências, tais violências são
cometidas, em geral, por pessoas do sexo masculino e de relação próxima às vítimas. Trata-se
de um dos efeitos colaterais contraditórios de promover maior convívio em casa. Evidencia
outra dimensão das políticas do “fique em casa” sendo necessário acrescentar “sempre que
possível e adequado”.
A Covid-19 evidenciou que milhões de pessoas no País não têm acesso a condições
sanitárias adequadas de vida. Insumos básicos, supostamente universais, para o combate à
doença não estão distribuídos igualmente: vide o acesso à água e a sabonete/sabão para a
higienização constante das mãos.
Não são igualitários seus impactos sobre as classes trabalhadoras. Compras pela Internet
geram superexposição de quem atua com a entrega de encomendas on-line. Não é acaso que,
em plena crise sanitária, tenha havido manifestações nacionais de quem trabalha com tais
entregas; foram denunciados a ausência de fornecimento de material de higienização por
contratantes e o pagamento de valores absolutamente irrisórios para cada corrida, dentre outras
situações cotidianas.
Medida importante e exitosa de distintos países diz respeito aos testes em massa da
população para identificar efetivo contato ou não com o novo coronavírus. iniciativas
isoladas em municípios e estados brasileiros, mas a testagem não foi adotada como política
nacional de saúde
16
. Soma-se a este fato o registro de situações em que a prática de
12
Cf. <https://bit.ly/33IDswg>. Acesso em: 04 de junho de 2020.
13
Cf. <https://glo.bo/2PBXrEG>. Acesso em: 27 de julho de 2020.
14
População negra e parda é terminologia utilizada pelo IBGE para características étnico-raciais.
15
Cf. <https://bit.ly/3fLNG1k>. Acesso em: 12 de julho de 2020.
16
Das verbas destinadas pelo Congresso Nacional para o combate ao novo coronavírus, apenas cerca de 15%
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superfaturamento de compras de medicamentos foi adotada por agentes públicos e privados.
Os efeitos da pandemia vão muito além de sua central dimensão que envolve o contágio
da doença e os óbitos diretamente gerados por ela. A organização da vida em sociedade tende a
passar por importantes alterações nos próximos anos. Pesquisas indicam que distintas empresas
e escritórios apreciam a possibilidade de ampliar significativamente o percentual de trabalho
desenvolvido virtualmente. Analisam gastos com deslocamento, aluguel, equipamentos,
alimentação. Mesmo nas classes trabalhadoras, reflexões acerca das vantagens e
desvantagens de tais processos, defendendo argumentos de que regulamentar jornadas de
trabalho em casa, custos de equipamentos utilizados e outras dimensões (como menores gastos
com vestuário e transporte), poderia fazer com que esta fosse uma medida que possibilitasse
ganhos alternativos, como maior contato afetivo com pessoas próximas, maior tempo para
dedicação a atividades esportivas, recreativas, culturais, entre outras.
outras consequências potencialmente contraditórias. Uma delas é o acesso a
tecnologias de informação em dimensões da vida para as quais ela ainda não é hegemônica.
Parece-nos evidente que o período da Covid-19 demonstrou potencialidades existentes para
debates realizados no âmbito de segmentos populares, universidades, profissões, cultura. Shows
musicais, que antigamente atingiam centenas de pessoas, hoje são apreciados por milhares,
simultaneamente. Eventos científicos que teriam determinado público viram sua capacidade de
alcance multiplicado por centenas
17
. Movimentos sociais e iniciativas populares pautaram lutas
como as relativas ao combate ao racismo com velocidade e impacto absolutamente
impressionantes acentuadas fundamentalmente pela presença direta e massiva nas ruas de
todo o mundo. Profissões viram o alcance de seu diálogo sobre dimensões do exercício
profissional chegar a centenas de pessoas para além do que haveria em atividades presenciais.
O acerto e o sucesso destas iniciativas não podem, contudo, eliminar o caráter contraditório de
um mundo potencialmente organizado virtualmente. Além de reduzir capacidades humanas de
haviam sido efetivamente gastas até meados de julho. O governo federal apresentou como argumento o fato de
que prevê uma longa duração para a doença, que não poderia ser vista como um fenômeno de curtíssimo prazo.
Contudo, suas medidas em outras áreas (como a insistente defesa de “reabertura da economia”, ainda que – como
disse o prefeito de Itabuna, na Bahia “morra quem morrer”) demonstram que este não é o centro de suas
preocupações. Tanto em relação à pandemia quanto a outros temas de interesse do debate nacional (como a
aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização de Profissionais da
Educação, o Fundeb), o governo demonstra com nitidez que pretende poupar setores capitalistas de um mínimo de
taxação mais equitativa de seus lucros e fortunas.
17
Um exemplo foi o Congresso Virtual da Universidade Federal da Bahia, que alcançou mais de 38 mil inscritos
e 638 mil visualizações das atividades dos dez dias de evento, algo inimaginável na modalidade presencial. Houve
iniciativas de menor alcance, mas igualmente importantes, como o projeto “Resgatando clássicos”, cujas sessões
estão disponíveis no YouTube, que debateu, com diversos convidados, produções nacionais e internacionais do
âmbito das ciências sociais.
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diálogo, contato, vivência de experiências, há elementos de controle social que não podem ser
desconsiderados
18
. No âmbito das profissões e do teletrabalho, se consideradas ações
profissionais como as realizadas pelas que exigem nível universitário de ensino, podem criar
repercussões prejudiciais à qualidade das políticas desenvolvidas (tais como preservação do
sigilo; redução de autonomia técnica; menores níveis de confiança para relatos pessoais/sociais
envolvidas em cada atendimento etc.).
A pandemia mostra de forma ainda mais contundente o conjunto de desigualdades
geradas pelo capitalismo neoliberal que, se é adotado como política mundial desde ao menos a
década de 1970, teve no Brasil seu ritmo histórico e intensidade mediados pela força das lutas
populares e pelas características conservadoras ou reacionárias dos governos federais pós-
redemocratização
19
.
A Covid-19 deixará rastros. Evidenciará parte do melhor e do pior da espécie humana,
como vem fazendo mundo afora.
O cenário do novo coronavírus no sistema prisional brasileiro
O sistema carcerário brasileiro, em 2015 com o julgamento da Medida Cautelar
ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) –, foi considerado pela Corte Suprema
do País, como um
‘estado de coisas inconstitucional’, diante da seguinte situação: violação
generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade
reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura;
transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma
pluralidade de autoridades.
Apenas duas cautelares (entre oito) foram deferidas no julgamento de 09 de setembro
de 2015: sobre as audiências de custódia e o Fundo Penitenciário Brasileiro. Ainda assim, houve
18
Crary (2014) alerta que lutas sociais nunca deixarão de ter sua contribuição decisiva para as distintas conjunturas
a partir das ações efetivas, concretas, tomadas por quem delas participa. Ainda que sua organização possa ter
contribuição virtual, seus reais efeitos não abrem mão da efetiva vivência em classes e/ou seus segmentos. Outro
aspecto central de sua análise é voltado para o fornecimento voluntário de informações que permitem identificar
predileções, gostos, posições políticas etc., com controle de quem detém acesso ao conjunto das informações
disponibilizadas no âmbito da internet. Não é um acaso a tensa disputa internacional, por governos que se dizem
de distintas perspectivas, em torno da produção e do acesso a dados eletrônicos.
19
Não igualamos governos federais de partidos como PSDB, PT, PSL (legenda de aluguel que elegeu Bolsonaro).
Há enormes distinções, a exemplo do tratamento destinado a segmentos populacionais (como mulheres e
população negra) ou em relação a equipamentos públicos (como a criação de novas universidades federais ou,
mesmo, o alto e contraditório investimento feito no âmbito da polícia federal), políticas de governos federais
petistas. Embora denominados por diversos analistas como “governos populares”, há que se recorrer ao discurso
do ex-presidente Lula ao afirmar que sempre governou “para todos”, como se tratar igualmente pessoas desiguais
socialmente transbordasse os limites das políticas liberais e da igualdade formal. Na conjuntura contemporânea, a
disputa central se entre conservadorismo e reacionarismo, ainda que vejamos com esperança os efeitos das
ações independentes de movimentos sociais, partidos revolucionários e outros segmentos da população.
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o reconhecimento da falência da política penitenciária nacional.
O Brasil possui a maior população carcerária do mundo. O Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) calculou, em setembro de 2019, cerca de 821,8 mil pessoas cumprindo pena no
País, e 353,2 mil mandados de prisão pendentes de cumprimento, além de 20,4 mil foragidos,
segundo o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões
20
. 1.507 unidades ativas,
perfazendo o total de 423.242 vagas no sistema carcerário
21
. Ou seja, aproximadamente 373
mil pessoas com mandados de prisão e foragidas se acercam do número de vagas ofertadas,
produzindo novamente superlotação em 18 Estados
22
brasileiros.
Dados mais recentes do CNJ expõem a dimensão da organização prisional nacional.
Cabe lembrar que a prática de subnotificações é recorrente no campo da saúde do sistema
prisional. Para Job Neto (2019:54),
O uso de dados secundários apresenta algumas limitações, ou seja, o uso de
informações contidas em sistemas como o SINAN [Sistema de Informação de
Agravos de Notificação], SIM [Sistema de Informação de Mortalidade],
INFOPEN [Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias] e
GEOpresídios [Geolocalização dos dados prisionais do Cadastro Nacional de
Inspeções em Estabelecimentos Penais/ CNJ] pode não refletir a magnitude
das doenças entre estas pessoas. O problema de subnotificação e inadequação
da integridade dos dados são conhecidos.
Há, no Cadastro Nacional de Presos, informações sobre a tipificação penal extraídas do
Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Oportuno destacar aqui dados que revelam a
conhecida teoria do etiquetamento, cujo crime é tão um rótulo sobre determinados sujeitos,
com “comportamentos desviantes”, independente do dano causado à sociedade. Teoria
criminológica ainda vigente, que contribui para a criação do estigma de “criminoso” para certos
grupos sociais. Vejamos.
De acordo com o Infopen (2017), entre os crimes atribuídos às pessoas em privação de
liberdade, mais de 60% são praticados sem violência, contra o patrimônio e relacionados à
guerra às drogas. Conforme Karam (2005:163),
Ao tornar ilegais determinados bens e serviços, como ocorre também em
relação ao jogo, o sistema penal funciona como o real criador da criminalidade
e da violência. Ao contrário do que se costuma propagar, não são as drogas
em si que geram criminalidade e violência, mas é o próprio fato da ilegalidade
que produz e insere no mercado empresas criminosas – mais ou menos
organizadas simultaneamente trazendo, além da corrupção, a violência como
outro dos subprodutos necessários das atividades econômicas assim
desenvolvidas, com isso provocando conseqüências muito mais graves do que
eventuais malefícios causados pela natureza daquelas mercadorias tornadas
20
Cf. <https://bit.ly/33KXG8D>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
21
Cf. <https://bit.ly/2PGHeOE>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
22
Cf. <https://bit.ly/3isAmAF>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
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ilegais.
que se acrescentar a tais reflexões o fato de que tal tipificação não diferencia o
pequeno comércio do tráfico de drogas, incluindo, nesta última definição, até mesmo pessoas
que portam pequenas quantidades de drogas que podem estar relacionadas a consumo
recreativo. Esta venda em pequenas quantidades certamente incide sobre o alto percentual de
aprisionamento de mulheres. As empresas criminosas citadas por Karam quase nunca se
encontram entre as enquadradas pela “guerra às drogas”, mesmo no cenário atual do
proibicionismo.
O proibicionismo e o punitivismo servem para o (super)encarceramento e a
criminalização de pobres, refletidos nos próximos dados, também do Infopen
23
de 2017:
Tipo de regime ou natureza da prisão: 33% são presos provisórios (sem condenação);
45,7% das vagas destinam-se ao regime fechado (presos sentenciados), seguido de 17,6% das
vagas para o regime semiaberto e 1,8% destas para o regime aberto. O CNJ, em 2019, apontou
que são 41,5% de presos com prisão cautelar (temporária ou preventiva) crescimento de
8,5% em apenas 2 anos. A pena de privação de liberdade, que deveria ser exceção, torna-se
regra. É preciso reforçar que a Constituição Federal (BRASIL, 1988) abriga o princípio da
presunção de inocência, segundo a qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória” (artigo 5º, LVII)
24
.
Faixa etária: 29,9% possuem entre 18 a 24 anos; 24,1% entre 25 a 29 anos; e 19,4%
entre 35 a 45 anos. O total de presos com até 29 anos de idade é de 54% da população carcerária.
Jovens não são apenas as maiores vítimas de homicídios, mas alvos fáceis do processo de
criminalização da juventude brasileira.
Escolaridade: 51,3% possuem Ensino Fundamental incompleto; 14,9%, Ensino Médio
incompleto; 13,1%, Ensino Fundamental completo; e 0,5%, Ensino Superior completo. Esse
panorama fica mais evidente com os dados relacionados a grau de instrução. A baixíssima
escolaridade, junto à crise do Estado de Mal-Estar Social,
25
aponta para a formação de uma
massa de desprovidos, com número elevado de desempregados. Desta forma, o sistema
penitenciário vem servindo como depósito da massa de desempregados
26
, cumprindo o papel
23
Sistema do Ministério da Justiça e Segurança Pública, criado em 2004, que fornece dados/estatísticas do sistema
prisional brasileiro.
24
Cf. <https://bit.ly/2XM0uyu>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
25
Conceito elaborado por Freud, que analisa a (re)produção do sofrimento psíquico humano. Posteriormente,
Marcuse ressignificou tal conceito: todo o sofrimento psíquico é social, de acordo com as formas de relação de
(re)produção da vida, e a transformação dessas relações é uma escolha e uma tarefa políticas. Cf. Antunes, 2020.
Disponível em: <https://bit.ly/2XKeWXC>. Acesso em: 13 de julho de 2020.
26
Os dados não costumam apresentar recortes relacionados ao acesso à renda e riqueza da população prisional.
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de “limpeza” e “higienização” de espaços públicos, deles retirando aqueles considerados
descartáveis à sociedade.
Número total de filhos: entre os homens, 47,2% possuem um filho; 27%, dois filhos;
12,3%, três somando 99% de presos com 1 filho ou mais. entre as mulheres, 28,9%
possuem um filho; 28,7%, dois filhos; 21,7%, três somando 99,99% de presas com 1 ou mais
filhos. Observa-se que mulheres com 3 filhos ou mais estão em maior percentual.
Em dezembro de 2018, sobreveio a Lei nº 13.769, que
acrescentou os artigos 318-A e 318-B no CPP [Código Processual Penal],
prevendo que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe
ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por
prisão domiciliar, desde que não tenha cometido crime com violência ou grave
ameaça a pessoa e que não tenha cometido o crime contra seu filho ou
dependente
27
.
Etnia/Cor: 46,2% são de cor/etnia parda; 35,4%, de cor/etnia branca; e 17,3%, de
cor/etnia preta. Somadas, pessoas presas de cor/etnia pretas e pardas totalizam 63,6% da
população carcerária muito acima de sua representação no total da população brasileira, em
torno de 50% nos últimos recenseamentos. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM) dos negros
em 2010 se equiparou ao IDHM dos brancos em 2000, revelando uma
desigualdade que precisa ser reparada [...]. Apesar disso, a diferença entre o
IDHM de negros e brancos reduziu-se significativamente no período de 2000
a 2010. Em 2000, o IDHM da população branca era 27,1% superior ao IDHM
da população negra, ao passo que, em 2010, o IDHM dos brancos passou a ser
14,42% superior ao IDHM dos negros. (PNUD/IPEA/FJP, 2017:14)
Roubo/furto e tráfico de drogas
28
, como vimos, são os crimes mais comuns atribuídos
às pessoas privadas hoje de liberdade, porquanto evidenciam a desigualdade social em que
pretos, jovens, pobres, com baixa escolaridade e com filho(s) estão socialmente inseridos. A
tipificação do crime e suas sanções revelam a seletividade penal brasileira, desde a elaboração
da nossa legislação criminal, passando pela abordagem policial, até o julgamento do processo
criminal. A pena para roubo simples é a reclusão de 04 a 10 anos em regime fechado; tráfico,
reclusão de 05 a 15 anos, também em regime fechado. Todavia, crimes de colarinho branco
Denúncias de diversas organizações que atuam com direitos humanos e/ou junto a familiares deste público
demonstram que mesmo o desemprego não é razão de aprisionamento de quaisquer indivíduos, atingindo
fundamentalmente pessoas empobrecidas.
27
Ainda assim, não costumam ter considerada a maternidade quando analisada a possibilidade de cumprimento de
penas em regime aberto em prisão domiciliar.
28
A legislação penal brasileira não distingue tráfico, consumo, pequeno comércio de drogas. Tal postura,
ideológica e política, oculta a quem realmente estão voltadas políticas repressivas como a “guerra às drogas”.
Penaliza-se pequenos comerciantes e quem faz uso de pequenas quantidades. O tráfico, indústria e comércio
organizado internacionalmente e com vastas ramificações, persiste protegido. As mais profícuas medidas de
enfrentamento a tal quadro têm passado, invariavelmente, pela legalização e descriminalização das drogas.
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lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, por exemplo imputados mais comumente a pessoas
brancas, ainda que a pena de reclusão seja de 02 a 10 anos em regime fechado, de acordo com
Castilho (2001:143-144), demonstram que “Quanto maior o status do criminoso, menor será a
chance deste ser investigado, que as ações lesivas ao sistema financeiro praticadas por
instituições financeiras com fortes relações com o poder político não são comunicadas.”
Para Malaguti (2012:19),
todas as definições da criminologia são atos discursivos, atos de poder com
efeitos concretos, não são neutros: dos objetivos aos métodos, dos paradigmas
às políticas criminais. Aqui reside o enigma central da questão criminal.
Talvez seja essa lição principal do inspirador livro de Pavarini [1983]: para
entender o objeto da criminologia, temos de entender a demanda por ordem
de nossa formação econômica e social. A criminologia se relaciona com a luta
pelo poder e pela necessidade de ordem. A marcha do capital e a construção
do grande Ocidente colonizador do mundo e empreendedor da barbárie
precisaram da operacionalização do poder punitivo para assegurar uma densa
necessidade de ordem.
Tal formação econômica e social em crises do capitalismo, segundo Forti (2010:213),
são “particularidades históricas das expressões da ‘questão social’, manifestações (atuais) da
intensificação da exploração do trabalho. Consequências da composição da ‘globalização com
o neoliberalismo’”, isto é, com ataque às políticas sociais, que “vem transformando direitos
conquistados pela classe trabalhadora em serviços prestados pelo mercado ou em filantropia
para os pobres, aqueles que não podem ser captados pelo mercado”.
Isto posto, a pandemia da Covid-19 escancarou a face deste cenário desigual e iníquo.
Dados de maio de 2020 apontavam que, com apenas 1% da população encarcerada tendo sido
testada para o novo patógeno, o Brasil era o quarto país do mundo em mortes de aprisionados/as
em decorrência da doença.
O CNJ, em 17 de março de 2020 no início da quarentena no Brasil –, sugeriu aos
tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo
coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo, cujas finalidades são:
I a proteção da vida e da saúde das pessoas privadas de liberdade, dos
magistrados, e de todos os servidores e agentes públicos que integram o
sistema de justiça penal, prisional e socioeducativo, sobretudo daqueles que
integram o grupo de risco, tais como idosos, gestantes e pessoas com doenças
crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades
preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de
saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose,
doenças renais, HIV e coinfecções;
II redução dos fatores de propagação do vírus, pela adoção de medidas
sanitárias, redução de aglomerações nas unidades judiciárias, prisionais e
socioeducativas, e restrição às interações físicas na realização de atos
processuais; e
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III garantia da continuidade da prestação jurisdicional, observando-se os
direitos e garantias individuais e o devido processo legal
29
.
Tais recomendações são corroboradas por órgãos como o Mecanismo Estadual de
Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
30
, Pastoral Carcerária
31
, Instituto Terra,
Trabalho e Cidadania
32
, Instituto de Defesa do Direito de Defesa
33
, entre outras expressivas
organizações voltadas para, sobretudo, garantir direitos das pessoas presas, violados
sistematicamente. A possibilidade do desencarceramento é peça-chave, assim como a redução
do fluxo de entrada ao sistema para enfrentar a Covid-19 nas prisões.
Em força-tarefa conjunta, com relatórios, recomendações e pressões externas a
exemplo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) –, segundo levantamento
da CNJ, entre março e maio, 35 mil pessoas foram retiradas de unidades prisionais com
cumprimento da pena em outros formatos, como prisão domiciliar ou monitoração eletrônica,
o que representa 4,6% do total de pessoas privadas de liberdade, excluídos o regime aberto e
presos em delegacias.
Segundo o Depen (2020)
34
, alguns países também tomaram medidas para o
desencarceramento diante da pandemia. As iniciativas são diversas: perdão de penas inferiores
a dois anos ou impostas por “crimes” de baixo dano social; bom comportamento; opção por
monitoração eletrônica; prisão domiciliar para idosos e doentes terminais, grávidas, mães com
filhos menores de três anos, entre outros. A tabela abaixo relaciona alguns dos resultados destas
ações.
Tabela 1. Desencarceramento em razão da Covid-19 em diversos países
População prisional total informada
35
População desencarcerada
63.851
1.000
112.085
10.000 (aproximadamente)
29
Cf. <https://bit.ly/3fMaRIT>. Acesso em: 12 de julho de 2020.
30
Órgão criado pela Lei Estadual nº 5.778, de 30 de junho de 2010, vinculado à Assembleia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro (Alerj).
31
“Com agentes presentes em todos os Estados do país, a PCr acompanha e intervém na realidade do cárcere
brasileiro de forma cotidiana”. Cf. <https://bit.ly/33IEQ1W>. Acesso em: 12 de julho de 2020.
32
“Organização de Direitos Humanos, cuja visão é erradicar a desigualdade de gênero, garantir direitos e combater
o encarceramento”. Cf. <http://ittc.org.br/quem-somos/>. Acesso em: 12 de julho de 2020.
33
“A missão do IDDD é fomentar na sociedade e em instituições do Estado a ideia de que todos têm direito a uma
defesa de qualidade, à observância do princípio da presunção da inocência, ao pleno acesso à Justiça, a um processo
justo e a cumprir a pena de forma digna”. Cf. <https://iddd.org.br/quem-somos/>, acesso em 12 de julho de 2020.
34
Cf. <https://bit.ly/3j78McB>. Acesso em: 20 de julho de 2020.
35
Os levantamentos que apreciam taxas de encarceramento no mundo se fazem a partir de dados oficiais,
informados pelos próprios governos. No Brasil, por exemplo, levantamento do Depen, realizado em 2014, alertava
para o fato de que o Estado de São Paulo não havia fornecido dados, o que certamente gerava distorção nos
números totalizados, especialmente considerando tratar-se da unidade federativa que mais aprisionava no país. A
mesma ressalva deve ser feita em relação a países como os Estados Unidos. Davis (2020) estimava, em 2003,
cerca de 2 milhões de norte-americanos encarcerados. Embora os EUA venham reduzindo percentualmente sua
população prisional, há de se considerar a hipótese de que os dados de 2020 estejam subestimados. Ainda sobre
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62.650
9.923
466.084
100.000 (aproximadamente)
270.387
30.000
240.000
85.000 (aproximadamente)
60.971
5.927
12.848
1.867
Fonte: Depen, 2020. Tabela de elaboração própria.
Estados Unidos e Reino Unido não informaram estimativas ou números precisos de
pessoas desencarceradas. O Procurador-geral dos EUA (país que mais aprisiona no mundo)
orientou liberação de condenados em presídios federais; alguns estados orientaram que delitos
menores não fossem penalizados com prisão e que fossem libertadas pessoas dos chamados
“grupos de risco”. No Reino Unido, a Irlanda sinalizou antecipação da libertação de 200 presos
nos últimos três meses de reclusão; Inglaterra e País de Gales previram libertação de
vulneráveis, como gestantes e lactantes, dentre outras medidas.
A organização Human Rights Watch afirma que cerca de 5% das pessoas deixaram as
prisões em razão da pandemia em todo o mundo
36
. Porcentagem aproximada se comparada ao
Brasil.
Levando-se em conta as sucessivas subnotificações no campo da saúde do sistema
prisional brasileiro
37
, celas superlotadas, ambientes insalubres com pouca ventilação, serviços
de saúde precários, quando existentes, pouca testagem para o novo coronavírus, espera-se que
os números sejam bem mais alarmantes que os oferecidos pelo Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas
Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça, de 24/08/2020: entre servidores e pessoas
privadas de liberdade, 27.177 casos foram confirmados (aumento de 63,9% nos últimos 30
dias); e 177 óbitos registrados (crescimento de 27,3% no mesmo período)
38
. Importante
relembrar sobre o fluxo da doença nas cadeias. De acordo com Neiva, quanto aos presídios do
Rio de Janeiro,
É uma bomba biológica. Vai explodir. E as pessoas não estão acreditando,
estão omitindo informações. A quantidade de gente contaminada é bem maior.
(...) é uma tragédia anunciada. E o judiciário carioca está se fazendo de cego.
Ele tem a coragem de afirmar que o preso está mais seguro e protegido do
este tema, Trindade (2011:312) relata como estados retomaram práticas de sequestro de “suspeitos” e tortura em
campos de concentração (juridicamente “extraterritorializados”, como Guantánamo, em Cuba; em países
ocupados; em prisões clandestinas em países coniventes ou mesmo em “inacessíveis navios de guerra fundeados
em águas internacionais”).
36
Cf. <https://glo.bo/30LK7Ea>. Acesso em: 15 de julho de 2020.
37
Realidade, infelizmente, não exclusiva do sistema prisional. Registre-se que a subnotificação tem sido apreciada
por especialistas que vêm estudando a Covid-19 como fenômeno presente em inúmeros países, a exemplo da China
e dos Estados Unidos.
38
Cf. <https://bit.ly/2YxPCV8>. Acesso em: 24 de agosto de 2020.
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Covid-19 dentro do sistema penitenciário
39
.
Nesta linha obscura, o reconhecido anticientificismo e a minimização da pandemia
perpetrados pelo presidente Jair Bolsonaro fizeram-no vetar trechos da Lei nº 14.019, de 2020,
como a obrigatoriedade das máscaras em prisões e estabelecimentos de cumprimento de
medidas socioeducativas
40
o ministro do STF Gilmar Mendes suspendeu este veto no dia 03
de agosto
41
.
Diante disso, o Partido dos Trabalhadores (PT) protocolou a ADPF 718
42
, no dia 08
de julho de 2020, a ser ainda julgada pelo STF. Consta do texto que
o caráter abusivo do exercício do poder de legislar por parte do Presidente da
República concretiza a violação à autonomia e independência entre os
poderes. Isso porque, sendo função intrínseca ao Congresso Nacional a de
produzir leis, o veto imposto além dos limites constitucionais, afronta a
prerrogativa conferida constitucionalmente ao Poder Legislativo.
Outra conduta agravadora diz respeito à Portaria 135/2020
43
, publicada por Sergio
Moro, ex-ministro de Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, que estabeleceu
padrões mínimos de conduta a serem adotados em âmbito prisional visando à prevenção da
disseminação da Covid-19. De acordo com o art. 2º, recomendam-se medidas como, por
exemplo:
1. restrição, ao máximo, da entrada de visitantes e advogados nas unidades prisionais
desrespeita a prerrogativa de assistência jurídica a encarcerados; nega a entrada de produtos
básicos para a subsistência (as famílias se responsabilizam pelo que o Estado deveria prover);
2. criação de áreas específicas para isolamento de presos acometidos de sintomas gripais
– o Depen anunciou o uso de contêineres de ferro como alternativa às unidades prisionais para
o enfrentamento da nova pandemia. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP) vetou tal medida
44
;
3. isolamento de presos maiores de 60 anos ou com doenças crônicas com “cortinas”
ou “marcações no chão”, definindo espaço de dois metros de distância dos demais custodiados,
caso não haja possibilidade de isolamento;
39
Cf. <https://glo.bo/3irgtK9>. Acesso em: 12 de julho de 2020.
40
Cf. <https://bit.ly/2PI4lYS>. Acesso em: 10 de julho de 2020.
41
Cf. <https://bit.ly/31wlqug>. Acesso em: 03 de agosto de 2020.
42
Cf. <https://bit.ly/2XMHYG8>. Acesso em: 13 de julho de 2020.
43
Cf. <https://bit.ly/2XMI54w>. Acesso em: 13 de julho de 2020.
44
Segundo Gabriel Sampaio, coordenador do programa Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, “Ao
invés de confinar presos em estruturas metálicas, o Ministério da Justiça deve acatar as recomendações do CNJ,
que já apresentam soluções viáveis para este panorama, como a revisão de penas, e observar as próprias
informações da Organização Mundial de Saúde que é enfática em afirmar que os esforços para controlar a Covid-
19 devem ser os mesmos dentro e fora dos locais de detenção”. Cf. <https://bit.ly/3gNRC2I>. Acesso em: 13 de
julho de 2020.
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4. promoção de meios e procedimentos carcerários para assepsia diária das celas;
5. promoção de campanhas educativas sobre os meios de prevenção da doença,
envolvendo servidores, visitantes e privados de liberdade – o Núcleo de Estudos da Burocracia
da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta outra fragilidade: o nível de preparo de agentes
penitenciários para lidar com a pandemia
45
;
6. suspensão de saídas temporárias de acordo com a OAB/SP, “Restringir ainda mais
os direitos dessa população vulnerável é aplicar duplamente a punição imposta, o que não é
permitido pela nossa Carta Maior. E vai mais além, é tratar como não humanas
46
as pessoas que
estão em situação de encarceramento”
47
;
7. gestões entre os órgãos competentes visando à atenção e critérios restritos na
concessão de prisão domiciliar aos privados de liberdade que se enquadrem nas hipóteses
concessivas legais e tenham estrutura familiar, com monitoramento da pena via tornozeleiras
eletrônicas e aferição do impacto possível na sobrecarga do sistema de segurança pública e
saúde – estrutura familiar é conceito altamente subjetivo, e sobrecarga já existe, com presídios
superlotados.
Moro avaliou que tais medidas poderiam controlar a situação nos presídios, sem a
necessidade da soltura de presos que estejam em grupos de risco de contágio pelo novo
coronavírus. É nítida sua tentativa de ocultar a realidade concreta do sistema prisional
brasileiro. O sítio eletrônico do Conselho Nacional do Ministério Público disponibiliza dados
que poderiam ter corrigido os protocolos propostos contraproducentes
48
. O descaso à
possibilidade de prisão domiciliar ao número ínfimo de idosos e gestantes
49
diante do
quantitativo geral com baixíssima assistência médica
50
posiciona-nos na contramão de normas
e princípios legais. À ausência do vislumbre do cumprimento das leis, Pires e Cordeiro
45
Segundo o @comunica_info, 90,7% dos agentes penitenciários no Brasil não tiveram qualquer treinamento para
lidar com a Covid-19. Apenas 32,56% receberam equipamentos de proteção individual. Cf.
<https://bit.ly/2CWwBnS>. Acesso em: 13 de julho de 2020.
46
certa naturalização de que concepções de direitos humanos sempre preveriam condições igualitárias para a
espécie humana. Mas a conjuntura recente (como a vivenciada pós-1989, com o fim da Guerra Fria) liberou forças
e perspectivas até então obstruídas pelo enfrentamento maior entre blocos capitalista x socialista. Debates
contemporâneos sobre direitos humanos têm a presença de concepções reacionárias, que sequer reconhecem a
igualdade formal prevista pelas revoluções burguesas do século XVIII. São, do ponto de vista conceitual,
concepções pré-burguesas – embora em profunda consonância com o enfrentamento da crise capitalista que assola
o mundo no século XXI. Para aprofundar estas expressões distintas acerca dos direitos humanos, cf. Ruiz (2014)
e Emmerick (2020).
47
Cf. <https://bit.ly/30I5WEj>. Acesso em: 13 de julho de 2020.
48
Cf. <https://bit.ly/33KZY7J>. Acesso em: 12 de julho de 2020.
49
Segundo o CNMP (2018), havia o total de 401 presas gestantes e de 9.606 de pessoas maiores de 60 anos em
privação de liberdade no Brasil.
50
O mesmo levantamento do CNMP em 2018 mostrava que 170 unidades da região Centro-Oeste tinham acesso
à assistência médica (73,91% das unidades), semelhante às regiões Norte (126, 72,83%), Sul (142, 73,2%) e
Sudeste (351, 70,91%) e muito superior à região Nordeste (200, 57,14%).
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(2017:27) sinalizam que
mostra-se comum que estruturas de pensamento, ideologias e edificações
profundamente arbitrárias tenham belas roupagens legitimadoras, simulacros
retóricos sobremaneira atraentes, direta ou indiretamente apostando em
símbolos como justiça e liberdade, manuseando suas indignações seletivas
para seus interesses mesquinhos.
Em artigo publicado no Estadão
51
, Bordignon e Moro, perante interesses próprios
expressados no populismo penal midiático, afirmaram que o “fique em casa”, defendido como
medida universal, para os presos deriva em ficar nas prisões, “domicílio precípuo dessa
população”, dissimulando o fato de que as prisões são também epicentros de disseminação da
doença para a população extramuro pelo fluxo de pessoas que atendem ao sistema carcerário.
São modelos fundados na criminologia tradicional – que considera o crime como ofensa
à sociedade e desconsidera as razões da representatividade do total de pessoas encarceradas no
Brasil –, que evidenciam o quanto o poder judiciário brasileiro aparenta não perceber a
gravidade e a urgência do momento da pandemia.
A herança do princípio da menor elegibilidade, oriundo da Inglaterra do século XIX
(LUCENA, 2017:69), escancara-se no sistema penal brasileiro: fazer com que até mesmo o
mais desafortunado dos indivíduos esteja mais bem instalado que qualquer outro que na prisão
se encontrar. Por conseguinte, julgar quem deve morrer ou quem deve viver na atual conjuntura
cabe aos operadores moralistas do Direito Penal afinal, uma decisão jurídica não é uma
escolha ou um dilema moral, pois não deveria haver hierarquia de vidas.
Neste quadro, o poder judiciário demonstra seu caráter de, predominantemente, ordenar
o cotidiano, as formas de (re)produção da vida, de legitimar o braço violento e controlador do
Estado capitalista. A repressão mantém subjugada a exploração mesmo que na ilegalidade, mas
mediada pelo sistema jurídico. Karam (2012:87) sentencia:
O ampliado poder punitivo, alimentado pelas totalitárias propostas de
substituição da liberdade por segurança; pelas danosas ideias que colocam a
ordem acima da dignidade e das vidas de seres humanos; pelos perversos,
inúteis e autodestrutivos desejos de vingança; pelas nocivas ilusões acerca do
sistema penal, globalmente submete mais e mais indivíduos à violência, aos
danos e às dores da prisão.
Faz-se necessário descriminalizar “condutas desviantes”, quase sempre de jovens,
pretos, das periferias brasileiras, a fim de intervir em padrões normalizados. Deixar de
“consertar” a seletividade penal que ainda produz entradas no sistema prisional, a fim de pensar
em rotas de fuga, de saídas possíveis ao desencarceramento (PIRES, 2019:14).
51
Cf. <https://bit.ly/3iozNYD>. Acesso em: 13 de julho de 2020.
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Considerações finais
A grave crise conjuntural e sanitária que atravessamos, como vimos, tem significativos
impactos sobre a situação em que se encontram os presídios brasileiros, especialmente no que
se refere à Covid-19, no período aqui analisado. Observamos a profunda relação da pandemia
com elementos históricos e conjunturais que caracterizam a formação sócio-histórica brasileira
(a exemplo de relações de classes, étnico-raciais, de gênero e outras).
A título de conclusão do presente artigo, queremos afirmar, contudo, que é necessário ir
além: é preciso apontar que a relação entre estes fenômenos não se limita ao atual momento.
O fracasso das prisões no Brasil, e no mundo, inflama o debate acerca da política de
segurança pública
52
. De acordo com o Atlas da Violência
53
(2019:95)
54
, um ponto nevrálgico
diz respeito
à mudança de ênfase do trabalho de coerção policial para um modelo baseado
fortemente em investigação e inteligência policial, em detrimento da crença
única no policiamento ostensivo e na repressão ao varejo das drogas. Enquanto
a taxa de elucidação de homicídios no país é desconhecida (porque sequer se
computa), em alguns estados que se conhece, esse índice é baixíssimo, algo
em torno de 10% a 20%. Isto para ficar apenas no caso de homicídio. [...] De
fato, o homicida contumaz ou o criminoso que causa mais danos e medo à
sociedade como exceção à regra será preso pelo policiamento ostensivo nas
ruas, mas apenas por um prévio trabalho de investigação e inteligência.
Enquanto isso, alocamos nossos recursos para prender e superlotar os
presídios com presos de baixa qualidade, geralmente nos flagrantes das ruas,
que ajudam a dinamizar as facções penais.
52
Movimentos sociais, pesquisadores e parlamentares de partidos populares no Brasil têm optado por falar em
política pública de segurança. Buscam demonstrar a responsabilidade estatal em torno da temática, que se
acentuam, na conjuntura deste início de década, proposições de que a resolução de fenômenos como a violência
se efetive via ações individuais, como as profundas alterações em curso no Estatuto do Desarmamento feitas no
Brasil pelo governo Bolsonaro. Este procedimento não é novo: o Brasil já liderava o mercado latino-americano de
serviços privados oferecidos, em tese, para garantir segurança das pessoas em 2012 (RUIZ & PEQUENO,
2015:114). Há, ao menos, uma dupla relação com a sociedade capitalista nestes processos: uma demonstra o quanto
em momentos de crise capitalista se encontram novos nichos de investimento, lucratividade e extração de mais-
valor; outra repõe na conjuntura contemporânea reflexões de Marx (2009:65) feitas em 1843, ao afirmar que o
artigo 8º da Constituição francesa de 1795 definia que “a segurança consiste na proteção concedida pela sociedade
a cada um dos seus membros para a conservação da sua pessoa, dos seus direitos e da sua propriedade”, todas
vistas em perspectiva meramente individual.
53
Ainda que reconhecendo as imprescindíveis contribuições de pesquisas e mapeamentos como as contidas no
Atlas da Violência, sugerimos atenção para a conceituação daquilo que denominamos como violento. Zizek (2014)
faz reflexões acerca de tal fenômeno: “a tirania do século XXI é aquela chamada de democracia’” (IDEM:36);
“quando percebemos algo como um ato de violência, sua definição enquanto tal é orientada por um critério que
pressupõe o que seria a situação não violenta ‘normal’” (IDEM:62); “Uma das estratégias dos regimes totalitários
é terem normas jurídicas (leis criminais) tão severas que, se as tomarmos literalmente, todo mundo será culpado
de alguma coisa” (IDEM:127, grifo original). Embora seja necessário apreciar dados estatísticos acerca de diversas
violências no Brasil e no mundo, há que se cuidar para não naturalizar tal categoria, esvaziando-a de interesses de
classes e grupos dominantes em cada sociedade.
54
ATLAS DA VIOLÊNCIA 2019. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada;
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. 115p. Cf. <https://bit.ly/3iwkm0B>. Acesso em: 18 de julho de
2020.
O sistema prisional brasileiro e a COVID-19: prevenção e desafios
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o cenário permanente e populista que capitaneia o discurso da insegurança
55
, do
medo e da impunidade para sustentar a falácia do recrudescimento das leis, da diminuição da
maioridade penal, da construção de mais prisões, de soluções simplistas ao complexo da
Segurança Pública. Somam-se a isso as variedades teóricas acerca do tema. Segundo Mingardi
(2013:11),
a segurança pública é ainda um tema em construção dentro das políticas
públicas brasileiras. Saúde e educação, por exemplo, são tratadas muito
tempo. Nessas áreas, o acúmulo de conhecimento e de concordância chegou a
níveis em que é possível discordar de uma política, mas discuti-la dentro dos
mesmos parâmetros de seus idealizadores.
A segurança pública é um campo de grande disputa, conceito “em aberto”. Contudo,
ainda que o leque seja amplo, com dissenso repleto de significados, Malaguti (2009a) versa que
“uma vontade de sujeição”
denuncia a adesão subjetiva de parte da sociedade à barbárie, com a crescente
demanda coletiva por castigo e punição. A cultura punitiva tem na figura da
vítima o seu principal dispositivo e no medo a sua mais potente metodologia.
Lopes (2009:28) tece críticas aos planos de segurança apresentados desde os anos 2000,
como estímulo a novas vigilâncias e controles, que elegem
a variedade de análises criminais e informações relevantes e confiáveis como
base para estratégias de prevenção da criminalidade, produtividade de
vigilância, intensificação de participação conta-se com registro de
ocorrência, denúncia, delação, produção de demandas etc. – e antídoto para a
proclamada insegurança coletiva. (grifo nosso)
Amplia-se o mercado da segurança, ao mesmo tempo em que expande o poder punitivo,
de forma a buscar a almejada “paz social”, por meio da eficácia das instituições do sistema de
segurança pública e justiça criminal, citada no Plano e Política Nacional de Segurança Pública
e Defesa Social, criado pelo ex-presidente Temer em final de mandato (2018), com apoio do
Banco Interamericano de Desenvolvimento
56
, do Banco Mundial e do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Segundo o documento
57
(2018:53), para elevar o nível de percepção de
segurança da população, uma das estratégias anunciadas é
Adotar medidas preventivas e repressivas voltadas a transmitir às pessoas
sinais concretos da determinação do Poder Público de se fazer presente em
55
Ainda que reconheça que o imaginário acerca da insegurança não parte do nada, Gomes (2015) defende que a
mídia contribui para construir um imaginário coletivo de vulnerabilidade. Cobrando do Estado reações oficiais,
este último adotaria políticas de confinamento, especialmente imobilização e expulsão, num ciclo vicioso e
interminável que serve tão somente para reforçar o discurso repressivo e os estigmas da criminalização” (GOMES,
2015:110). Estereótipos advindos deste processo não poupariam sequer movimentos sociais, representações
religiosas, partidos políticos e outras organizações: muitos acabariam por assumir discursos punitivos e/ou
prisionais.
56
Como se os bancos internacionais fossem grandes especialistas em todas as áreas do conhecimento.
57
BRASIL. Plano e Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social: Sistema Único de Segurança blica
(SUSP). Brasília, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/347AOjJ>. Acesso em: 31 de maio de 2019.
Jefferson Lee de Souza Ruiz; Márcia Medrado Abrantes
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lugares considerados de maior vulnerabilidade à ocorrência de eventos de
violência, de crimes contra o patrimônio e de exploração sexual, procurando
conjugar as respectivas ações com a política pública de proteção ao turista e
de fomento à indústria do turismo.
Em outras palavras, a repressão nos territórios “indesejáveis”. Não à toa,
georreferenciamentos são importantes para configurar o extermínio dos inclassificáveis. Ao
Estado, o agenciamento deste genocídio por meio de medidas de segurança pública,
covardemente mascaradas de boas intenções – o ‘bom-mocismo’ – com selo de direitos
humanos (MALAGUTI, 2009b:10).
Para analisar a conjuntura recente brasileira, Souza (2017:7) alerta:
Existem ideias velhas que nos legaram o tema da corrupção na política como
nosso grande problema nacional. Isso é falso, embora, como em toda mentira
e em toda fraude, tenha seu pequeno grão de verdade. Nossa corrupção real, a
grande fraude que impossibilita o resgate do Brasil esquecido e humilhado,
está em outro lugar e é construída por outras forças. São essas forças, tornadas
invisíveis para melhor exercerem o poder real, que o livro pretende desvelar.
Essa é a nossa elite do atraso.
O autor desmantela antigos paradigmas, toma o patrimonialismo como alvo crítico e o
retira do eixo central, produzido por intelectuais ao longo de mais de século, para focar no que
traz inegáveis particularidades à história brasileira: o efeito da escravidão que se estende até os
nossos dias. Desta forma, não há como se pensar na história das prisões do País que não esteja
sobrecarregada com a tinta dos corpos pretos, a reproduzir o modo de pensar escravagista.
Medidas de segurança pública estão atravessadas sob esse olhar, no pesar das tintas. No
cenário atual, importante acompanhar as mudanças oferecidas por Sergio Moro, com projeto
anticrime
58
pretensamente contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com
grave violência à pessoa – que, de acordo com alguns analistas, não foi baseado em estudos e
está repleto de concepções presentes no senso comum. O conhecido “pacote” que prevê 14
alterações no Código de Processo Penal, no Código Penal e na Lei de Execução Penal – foi alvo
da Associação Juízes para a Democracia
59
:
O sistema carcerário já es colapsado, num calamitoso quadro de
superlotação e precariedade, sendo justamente esse caos nos presídios que
mais tem causado desassossego a todos. Beiram a irresponsabilidade projetos
que visam assim o aumento da população prisional em caminho oposto à
tranquilidade ou segurança da sociedade.
As novas medidas de segurança pública comprometem ainda mais o falido modelo
prisional vigente atravessado pela ideia de punição. Segundo Coimbra (2009:188), “os
58
Cf. https://bit.ly/31AunTG>Peesso em 10/jul/2020.s no artigo...u computador...direita, para cada pantrato pode
desconsiderar dimensmal, que nitura dasileir. Acesso em: 20 de julho de 2020.
59
Cf. <https://bit.ly/33IGZL2>. Acesso em: 20 de julho de 2020.
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movimentos sociais acreditam e apregoam, como missionários, que a impunidade é a principal
causa da violência ontem e hoje, e pedem mais leis, aplaudindo a rigidez e a dureza da Lei
Maria da Penha, por exemplo”
60
. A tal e pertinente chamada “esquerda punitiva”
61
se assombra
com a impunidade de número ínfimo de pessoas fora da lei que não pertencem a classes e
segmentos subalternizados. A sede por “justiçamento” obnubila a realidade do perfil de pessoas
privadas de liberdade, apontado anteriormente. Ou seja, essas classes e segmentos
subalternizados serão severamente impactados pelo endurecimento do Código Penal e/ou pelo
surgimento de novas leis.
Davis apresenta uma questão potente: reformar ou abolir o sistema prisional? Lembra-
nos de que, aos olhos do senso comum, “a prisão é encarada como um aspecto inevitável e
permanente de nossa vida social” (DAVIS, 2018:9). A autora examina o conceito de
encarceramento como punição, modelo que reproduz o modo de pensar escravagista que
vigorava até a abolição
62
. Tão próximo à realidade brasileira, como apontam significantes
movimentos negros: “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Para ela, não cabe a
reforma desse sistema prisional, desumano e ineficaz: é necessário buscar alternativas ao
cárcere. Traça-se o paralelo entre movimentos antipunitivista, antiprisional e abolicionistas a
desmantelar as estruturas que condenam tantos a uma vida de miséria e de sofrimento.
Falar sobre punição remete a reflexões de Foucault (2014) sobre a evolução histórica da
legislação penal e os respectivos métodos e meios coercitivos/punitivos adotados pelo Estado
na repressão aos autores de atos infracionais, séculos. O sistema judiciário, em sociedades
com distintas perspectivas políticas, viabiliza a construção de leis penais que legitimam a
violência física – seja pelo suplício ao corpo (como salvação da alma do condenado), seja pelas
violações de direitos constantes do sistema prisional.
Para o Direito Penal moderno, a aparente recuperação de criminosos, sob o falso manto
da ressocialização, ocorre a fim de adaptá-los ao mundo e torná-los “mais dóceis e úteis”,
independentemente da natureza das medidas correcionais. O castigo qualquer que seja ele,
importa que ele exista como motor da honradez humana. O tipo de pensamento reverberado
60
A Lei Maria da Penha prevê inúmeras medidas protetivas a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
Ainda assim, discursos punitivistas e/ou prisionais, persistentes na conjuntura contemporânea, faz com que a maior
visibilidade de suas previsões seja conferida exatamente à pena de privação de liberdade.
61
Esta expressão foi formulada por Maria Lucia Karam, cuja ideia se articula em torno da irreflexão ou reflexão
superficial, até ingênua (palavra da autora), de amplos setores da esquerda acerca do papel do sistema penal: um
dos mais expressivos instrumentos de manutenção e reprodução da dominação e da exclusão social, haja vista que
a pena é pura e simples manifestação de poder e de controle, “necessária e prioritariamente dirigida aos excluídos,
aos desprovidos deste poder”. Cf. <https://bit.ly/3aoFL9f>. Acesso em: 20 de julho de 2020.
62
Davis é conhecida por articular dimensões como gênero, raça e classe. Na obra citada, ela qualifica a prisão
como complexo industrial-prisional, demonstrando o quanto estratégias de hiperencarceramento são servis à gica
da sociedade capitalista contemporânea.
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pelas principais mídias televisivas e impressas brasileiras, que distorcem direitos, pois, para o
capital, é importante representar conflitos sociais por meio de criminalizações. Nasce a
sociedade do entretenimento, do crime como espetáculo midiático, que manipula inclusive os
que são seus principais e potenciais alvos. Tais mídias compactuam com a situação dos
contingentes humanos marginalizados pela economia neoliberal.
Baratta (2014:207) adverte sobre o sistema totalizador de repressão de controle do
desvio adotado por Estados-nação, não só capitalistas, e pondera:
Nós sabemos que substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente
poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma melhor,
mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta
ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à
transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal
burguês.
Para o autor, a sociedade deverá se reapropriar do próprio desvio e administrar
diretamente seu controle. Trata-se, a nosso ver, de enfrentar o fenômeno do hipercarceramento
(que se materializa de forma radical e crescente na atualidade), ao invés de assimilar a
proposição de que após o fim de uma estrutura organizada sob os moldes do capital, esta
bandeira deveria assumir centralidade e teria alguma viabilidade
63
.
Há, de fato, qualquer possibilidade de humanização nos cárceres brasileiros? Se ainda
engatinhamos na discussão sobre as possíveis atuações nas unidades prisionais, como iremos
avançar na problematização da cultura (super)encarceradora e/ou na construção de outra
realidade, não direcionada ao ajustamento dos sujeitos, sua adaptação ou ressocialização?
A privação de liberdade não é natural ao ser humano, é opção política. As sequelas em
ambientes degradantes, em sua maioria, adoecem e atingem a todos nós. Políticas de
desencarceramento, com vistas à supressão das prisões, precisam entrar em marcha simultânea
às lutas pela construção de uma sociedade efetivamente justa. Diante deste cenário, criou-se,
durante a pandemia, o movimento global chamado World Without Prisons, a fim de se pensar
um mundo sem prisões, campos e centros de detenção, asilos, fronteiras e quaisquer outras
formas de cativeiro
64
.
63
É importante registrar a existência de países que, mesmo com formações sócio-históricas bastante diversas das
do Brasil, e em condições de desigualdade também distintas, vêm promovendo a redução do encarceramento a
níveis próximos do traço estatístico. A argumentação, mesmo de setores democráticos, de que a relação entre prisão
e desigualdade social interna a cada país impediria nações como o Brasil de enfrentar a temática não se sustenta.
Países de economia muito inferior à brasileira, mas com índices de desigualdade bastante próximos, mantêm taxas
de encarceramento significativamente inferiores.
64
Para ver essa declaração traduzida em outros idiomas, assim como a lista de organizações signatárias e outros
textos da coalizão, cf. o sítio eletrônico do World Without Prisons, ou <https://bit.ly/3iCrTL7>.
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