DOI 10.34019/1980-8518.2021.v21.31709
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
214
Tecnologias de vigilância na assistência social: o
velho sob o manto do novo
Surveillance Technologies in Social Assistance: The Old under the Mask of
the New
Gabriele Gomes de Faria
*
Resumo: O artigo problematiza as novas
tecnologias enquanto instrumentos gerenciais
que adentram no âmbito da assistência social,
demarcando traços sutis de controle sobre os
mais pobres. Assim, o estudo objetiva adensar o
debate sobre um possível chamado do serviço
social à operacionalidade destes mecanismos
que se avolumam num cerio de tendências
regressivas em ações manipuladoras,
fiscalizadoras que envolvem a profissão e que
impactam escolhas e organizam a dominação
por meio de estratégia passível de reproduzir
uma conduta e um pensamento capazes de
potencializar a vigia e a dominação.
Recorremos à tradição marxista por meio de
pesquisa bibliografia, bem como da análise
documental, em que se percebe que, diante das
evidências de uma clara ideologia
conservadora, elementos nem sempre explícitos
colocam requisições constrangedoras, acríticas,
apoiadas em tecnologias cuja aderência a
práticas retrógradas se afirmam como trato à
questão social.
Palavras-chaves: assistência social, novas
tecnologias; controle da pobreza.
Abstract: The article discusses new
technologies as management tools that engage
in social assistance, delineating subtle traits of
control over the poorest people. Thus, it aims at
broadening the debate on a possible call for
social service to operating these mechanisms
that grow in a scenario of regressive tendencies
in manipulative, supervisory actions that
involve the profession and impact choices and
organize domination by means of a strategy
capable of reproducing a conduct and thought
capable of strengthening surveillance and
domination. The Marxist tradition has been
used by means of bibliographical research, as
well as documental analysis, in which it is
perceived that, in view of the evidence of a clear
conservative ideology, elements that are not
always explicit place embarrassing, uncritical
requests, supported by technologies that adhere
to retrograde practices as dealing with the social
question.
Keywords: social assistance; new technologies;
poverty control.
Recebido em: 21/08/2020
Aprovado em: 17/01/2021
*
Doutoranda do Programa de Pós-graduação ESS/UFRJ, mestre em Política Social-UFF, assistente social da
Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro e assistente social da Prefeitura de Armação dos Búzios.
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
215
ARTIG0
Introdução
Pensar as políticas sociais para além da mediação de conflitos implica referenc-las
como processo de disputa política pelo excedente econômico e pela redução das manifestações
mais agudas da pobreza. Assim estão postas as necessidades que a sociedade capitalista tem
apontado, reiterando o que ora se coaduna com a realidade brasileira, adestrada pelo
pensamento conservador e reacionário que estigmatiza os indivíduos que estão “pobres” como
irresponsáveis, com tendência a serem “fraudulentos”, “negligentes” e “mentirosos”.
Tal movimento reflete um modelo de sociedade construído com redundâncias e ausência
de mediações teóricas que forjam determinações político-econômicas e sócio-históricas
particulares e envolvem representações morais e classificações que não se o naturalmente,
mas atravessadas por um conjunto de interesses das classes dominantes, em que as intervenções
carregam cariz limitado, uma perspectiva de reforma moral com vistas a manter presente a
submissão de uma classe pela outra.
Tal submissão garantiu(te) mecanismos de subsistência à classe trabalhadora, refletindo
uma concepção da realidade posta no Brasil sob condições indignas e bastante vinculadas ao
histórico escravista e às gradações de transição para o capitalismo. Nele, o homem livre é
coagido a vender o único produto que lhe resta sua mão de obra sob pena do estigma da
vagabundagem sobre os resistentes, restando ao escravo a troca de sua força de trabalho por
comida e moradia. Em última instância, caso não o fizesse, nem “homem” seria considerado,
ademais, seria perseguido por capitães do mato; hoje em dia, perseguidos pela viatura da
polícia, que “tem o aval” para exterminar o pobre e o preto (SOUZA, 2017: 83).
Nesta perspectiva, ao longo de sua formão, a sociedade brasileira foi atravessada por
enorme concentração de renda, reiterando, portanto, ano após ano, fantasmas do passado, quer
nos privilégios concedidos às minorias, quer no acesso a direitos, a exemplo da configuração
das políticas sociais, que portam, ainda hoje, características restritivas, setoriais e emergenciais,
com traços conservadores e tangenciados por práticas fragmentadas e subalternizadas.
Assim, apesar da gradativa expansão das intervenções no campo social entre as décadas
de 1930 e 1990, os diferentes mecanismos de dominação e estigmatização destinados aos
pobres, aos doentes, aos miseráveis e aos necessitados sempre se fizeram presentes. Estes
elementos são fundamentais para a compreensão da limitada inclusão posta no processo de
construção da cidadania na sociedade brasileira, denotando paras o quanto tais mecanismos
o assegurar a produção do capitalismo, sem, contudo, deixar de mencionar as oportunidades
punitivas deflagradas por certas concessões à classe trabalhadora.
A alteração deste quadro histórico por outro mais aproximado do campo dos direitos
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
216
ARTIG0
previstos na Constituição federal de 1988 pode ser considerada um movimento novo, mas logo
tencionado pela agenda capitalista, que encontrou no espaço estatal um grande guardião das
condições de valorização do capital que, sob a justificativa de conter a crise, promove um desvio
de direção do Estado social, desregulamentando conquistas.
Contudo, num movimento contraditório ao cerio, observa-se que, no campo da
assistência social, o governo vem implementando, desde a cada de 1990, Programas de
Transferência de Renda (PTRs) enquanto estratégias de enfrentamento da extrema pobreza.
Entretanto, o marco para esta política foi em 2004, período em que se avança na consolidação
de um Sistema Único de Assistência Social (SUAS), ainda com algumas orientações de nítido
caráter conservador, especialmente no que tange às vigilâncias que incidem na localização, no
conhecimento e no monitoramento das formas de vulnerabilidade da população presente nos
diversos territórios (PNAS, 2005: 93), recolocando-se, assim, a possibilidade de práticas
ideologicamente velhas.
A criação de diversos PTRs cujo objetivo é a seleção dos mais pobres — aponta para
uma intervenção passível de questionamentos, com programas concorrentes sobrepostos e com
ausência de coordenação. Contrapondo-se a essa lógica, o governo federal criou o Cadastro
Único para Programas Sociais
1
, base exclusiva e obrigatória para a concessão de programas do
governo federal e principal referência para a identificação das famílias em situação de pobreza
no Brasil.
Nessa empreitada, há um incremento de modernas tecnologias de informação que
cruzam seus dados com os do Cadastro Únicoo apenas no que tange ao registro de pessoas,
mas no tocante ao monitoramento, controle automatizado no campo de diversas políticas,
sobretudo, no campo da assistência social, via Consulta, Seleção e Extração de Informações do
CadÚnico (CECAD)
2
, que, ao lançar mão de tal base de dados como instrumento e fonte de
informação para a vigilância socioassistencial, cumpre a fuão, no âmbito do SUAS, de
definição, identificação e mensuração de fatores de vulnerabilidade específicos (BRASILIA,
2008 p.14).
Estes mecanismos ora adotados para a focalização e classificação dos mais pobres traz
1
O Cadastro Único é uma base de informações que pode ser usada pelos governos municipal, estadual e federal
para obter o diagnóstico socioeconômico das famílias cadastradas, possibilitando a análise das suas principais
necessidades, além de evitar a sobreposição de programas (Decreto nº 3.877, de 24 de Julho de 2001).
2
Ferramenta que possibilita a consulta da realidade socioeconômica das famílias cadastradas no CadÚnico,
contendo informações do núcleo familiar e dos seus integrantes, das características do domicílio e das formas de
acesso a serviços públicos essenciais e também dados de cada um dos componentes da família. Permite a consulta
às várias formas por meio de tabulação cruzada de variáveis, frequência simples ou busca por nome ou Número
de Identificação Social (NIS) (BRASIL, 2015: 52).
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
217
ARTIG0
à baila a tarefa do monitoramento de um grupo específico que, a exemplo do CadÚnico, vai ser
mapeado e vigiado a partir da operacionalização da vigilância socioassistencial. Contudo, os
termos “vigilância” e “monitoramento” não se apresentam como uma completa novidade, visto
que, no âmbito da saúde, havia uma preocupação precedente de vigilância epidemiológica
que inicialmente se destinava à observação sistemática e ativa de casos suspeitos ou
confirmados de doenças transmissíveis e de seus contatos (BRASILIA, 2002: 11). Nesta feita,
a vigilância e o monitoramento nos termos da saúde pressupunham a patrulha dos indivíduos.
Na década de 1990, este conceito se altera em consonância aos princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS) por meio da Lei n
o
8.080/90:
conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção
de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde
individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas
de prevenção e controle das doenças ou agravos (BRASILIA, 2002: 12).
Deste modo, ficam evidentes protocolos de controle, recomendações de
operacionalização aos fatores condicionantes, em territórios específicos, a populações
determinadas, tendo como base conhecer o comportamento ou a história das doenças, bem
como detectar ou prever alterações de seus fatores condicionantes.
Já, no sistema de Vigilância Socioassistencial, a busca ativa se incumbe dos mais pobres,
que devem integrar o cadastro específico do seu perfil, para que, então, sejam diretamente
observados. Nesta feita, a realidade vivenciada não necessariamente garantirá o acesso aos
direitos, mas a reiteração das distinções sociais de cunho tradicional a favor da manutenção da
ordem e moralização nas intervenções, as quais possivelmente se colocam ao profissional de
serviço social, que, enquanto o de obra requisitada no campo da assistência social, pode estar
operando instrumentos necessários à organização vigente, mesmo que sob o discurso de
garantia de direitos ao qual hegemonicamente somos chamados. Tal mandato é, portanto,
tencionado neste cenário permeado por novas condições que nos colocam em uma crise de
legitimidade, posto os múltiplos mecanismos consensuais que se erguem.
Nossas hipóteses partem, então, das seguintes questões, que serão problematizadas à luz
de autores, legislações, instruções normativas e operacionais: estas novas tecnologias
alimentam a base de dados que mapeia a pobreza e que se assenta numa perspectiva de controle?
Estaria o serviço social administrando tal processo e reforçando normas e modos de pensar
necessários?
Nesta gica, pretendemos, na primeira sessão, analisar a relação entre o
conservadorismo ideológico da formão brasileira e como este permeia as ações de
enfrentamento da pobreza. Na segunda sessão, apresentamos a lógica que orienta o
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
218
ARTIG0
enfrentamento da pobreza no campo da política de assistência social e de que modo
instrumentos gerenciais a exemplo do Cadastro Único e do sistema de Vigilância
Socioassistencial mediante o advento tecnológico da área têm trazido à cena mecanismos
para mapear, identificar e vigiar os mais pobres por meio do refino da focalização e chave de
acesso aos programas sociais, isto com o pretenso discurso de desenvolver os objetivos inscritos
na Constituição federal de 1988, que garantem o acesso aos direitos. Todavia, entendemos que
estes buscam definir qual é a “cara da pobreza” no Brasil, dinamizando, assim, mecanismos de
gestão e controle da pobreza sob bases informatizadas do governo. Na sessão seguinte,
buscamos identificar como tais instrumentos deixam brechas para a identificação da pobreza
como um problema social”, de modo a naturalizar as relações sociais assentadas no
antagonismo entre classes, tratando as expressões daquestão social” como uma doença a ser
controlada por meio de conteúdos políticos presentes no caldo da cultura brasileira e
perceptíveis em instrumentos ambíguos postos em um contexto de austeridade, de elementos
fascistas, em que o Estado vem endurecendo sua intervenção com traços punitivos. Já, na última
sessão, pretendemos, a partir destes novos mecanismos, refletir sobre o papel do serviço social
diante deste chamado. Por fim, não menos importante, apresentamos a síntese e pontuamos
dilemas.
Enfrentamento da pobreza
A instituição da proteção social no Brasil vinculou-se determinantemente ao ideal de
desenvolvimento e crescimento econômico do País, não tendo demonstrado qualquer
preocupação com as populações excluídas
3
desse processo. Neste cenário, o WelfareState”
brasileiro, que figura entre as décadas de 1930 e início de 1960, é caracterizado por políticas
sociais populistas atravessadas pelo corporativismo e incapazes de uma atuação reivindicatória
mais consistente para a melhoria do sistema protetivo (VIANNA, 2000: 55).
Mesmo com as transformações operadas pela Constituição federal de 1988, o rao
histórico em tais processos faz-se presente via controle para o desenvolvimento. Isso porque a
tendência no Brasil é a manutenção das desigualdades e da pobreza, que se aloca nas alises
de Jessé Souza (2017) como referência de uma sociedade que, montada na escravidão, o fazia
distinção clara de quem era e de quem não era gente, naturalizando, portanto, a miséria.
3
Sem espaço aqui para as discussões sobre “exclusão social” e suas polêmicas, nos cabe ressaltar, no entanto, a
importância de uma análise que leve em consideração o processo de produção capitalista, em que as expressões da
questão social não são novas neste sistema, que tem por base a exploração do trabalho e a apropriação privada dos
meios de produção, em que o capital em sua lei tendencial, de um lado, acumula riqueza, de outro, aglutina a massa
de trabalhadores despossuídos (MARANHÃO, 2009).
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
219
ARTIG0
Pensando a natureza político-cultural da pobreza, Netto (2007: 142) sinaliza que esta
o é só tangenciada pelo ecomico; o autor defende que, nos diferentes pades de formação
econômico-social, a desigualdade e a pobreza estiveram presentes como protoformas
insupríveis da dinâmica capitalista. Alinhados a este pensamento, Barros, Henriques e
Mendonça (2000: 124) pensam a viabilidade do Brasil na erradicação da pobreza. Em suas
análises, os autores definem pobreza como “situações de carência em que os indivíduos não
conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente com as referências socialmente
estabelecidas em cada contexto histórico. Tais autores confirmam, inclusive, a ideia de Netto
(Idem) de que os exames sobre pobreza e desigualdade não se esgotam ou se reduzem a aspectos
socioeconômicos, ao contrário, devem ser vistos considerando diversos elementos político-
culturais que as vinculam, sendo a produção capitalista polarizadora da riqueza e da pobreza.
Sendo assim, a tese de que, por meio do crescimento econômico, o pauperismo seria
enfrentado é refutada por Netto (2007: 144), tendo em vista que, para isso acontecer, teríamos
que ter combinado um crescimento longo, expressivo, com políticas distributivistas e inflação
baixa. Dessa forma, poderíamos observar efeitos consubstancias na redão da pobreza.
Outrora, assim como Barros, Henriques e Mendoa (2000), o autor apresenta ser o Brasil
campeão mundial da desigualdade de distribuição de renda, sendo este um fator determinante
e imediato da pobreza (BARROS; HENRIQUES; MENDONÇA, 2000: 138).
Segundo Guimarães (2008: 203), a estrutura de renda brasileira está vinculada
sobremaneira à estrutura de poder, em que pese a renda ser distribuída de maneira desigual, o
que pressupõe a existência de uma estrutura de poder que se utiliza de artifícios de opressão e
violência para se sustentar — tal como percebemos na sociedade outrora escravista — e que se
perpetua ao longo da história mediante compromissos firmados entre público e privado. Assim,
coube ao público tornar factível o projeto do setor privado via uso da violência, não apenas no
sentido de crime hediondo, mas de crime no mundo desenvolvido. Isto pressupõe o aumento do
desemprego, da exploração, dos ganhos ilícitos, mecanismos que implicam em delito, mas que
são legitimados via pedagogia da hegemonia”
4
, que, nos termos de Neves e Sant`Anna (2005),
engendra estratégias de dominação via força, consentimento ou restrição, estimulando a
pequena política em detrimento da grande política. Essa discussão implica no olhar para trás,
4
Com inspiração Gramsciana, Neves e Sant´anna (2005) lançam mão deste conceito ao analisar como o sistema
capitalista, pelo aumento da exploração do trabalho, recria a realidade sob sua direção, já que os fundamentos da
ordem social não podem e nem devem ser postos em xeque. Para isso, uma série de mecanismos ideológicos
legitima o fortalecimento desta hegemonia que busca e com sucesso optem, consentimento e adesão das classes
subalternas em torno de ideias e práticas postas através de uma nova relação entre Estado e sociedade, para dar
curso a políticas vinculadas aos interesses capitalistas; entre elas, a mais cara a classe trabalhadora, quer seja: a
desmobilização de sujeitos políticos coletivos.
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
220
ARTIG0
pois é desta naturalização da sociedade que a tradição conservadora retira respostas ético-
morais, que, segundo Netto (2006: 50), vão individualizar as manifestações da questão social”,
descolando-as da gica cultural e das tendências econômico-sociais próprias da ordem
monopólica
5
. Estas tenncias convivem no mesmo espaço, dando consistência às intervenções
do projeto burguês, que apresenta as sequelas da chamada “questão social” nos indivíduos como
fruto da preguiça, o que justifica um saudosismo a velhas práticas de moralização, apologia ao
eugenismo, militarização nacionalista, posturas autoritárias e antidemocráticas ora tomadas em
nome do progresso.
Em vista destes elementos – determinantes para o entendimento de como a pobreza foi
vista na formão histórica –, Barros, Henriques e Mendonça (2000: 139) entendem que a
redão das desigualdades deve ser a prioridade das políticas de combate à pobreza no País,
haja vista que a miséria, segundo argumento dos autores, reage melhor aos esforços de
igualdade do que aos de aumento do crescimento econômico, opção contrariada na experiência
brasileira, que indica acreditar na segunda hipótese.
Neste meandro sinuoso, a Constituição federal de 1988 pretendeu promover algum
esforço de igualdade via mecanismo de universalização de direitos. Apesar de previstos, os
dispositivos legais o falavam por si ”, portanto precisavam de projetos de lei que deveriam
torná-los um direito real de fato, mas que, em fuão das inúmeras resistências conjunturais,
o se hesitou em descumpri-lo. Assim, a assistência social concedida e executada
assemelhava-se mais à caridade do que a um direito a1993, quando, depois de movimentos
de resistência de sujeitos sociais, aprovou-se a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Nesta, a política é reconhecida como direito do cidadão e dever do Estado. Contudo, o
neoliberalismo à brasileira seguiu um padrão clássico de retirada estatal, acendendo processos
privatizantes, cortes unidimensionais nos gastos sociais, apoio à filantropização, ao
voluntariado, à satanização do setor público que enraíza velhas práticas de parceria entre Estado
e sociedade, que engendramnovas estratégias da pedagogia da hegemonia (NEVES;
SANT`ANNA, 2005). Aqui com o apoio ativo da sociedade consolidou-se o projeto
neoliberal por meio da criação de condições ideais para a reprodução de interesses burgueses.
Partindo deste princípio, a assistência social, que, historicamente, foi a política
renegada, a partir de 2004, com a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, passa a ser pensada em
5
Comte e Durkheim dão o tom daquilo que a ordem monopólica utiliza enquanto discurso científico para legitimar
o tratamento ou o “não tratamento” das expressões da questão social em âmbito público e privado afiançando
problemas sociais em questões morais, disfunções” que, portanto, devem se localizar na coesão e controle,
postulados fundamentais para a estratificação social (NETTO, 2006: 51).
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
221
ARTIG0
grande medida como estratégia de enfrentamento à pobreza; com isso, ganha evidente
relevância em contexto de crise. Evidencia-se, portanto, uma função posta a tal política bastante
vinculada à reprodução da força de trabalho e de manutenção da população não trabalhadora,
logo, corretora da “questão social” inserida na órbita do fetiche tal qual demarcado por Mota
(2009: 31-32) —, ou seja, como objeto inanimado que assume o protagonismo no
enfrentamento das desigualdades, transformando cidadão em consumidor; trabalhador em
empreendedor; desempregado num cliente da assistência social.
Deste modo, para além das novas roupagens da própria definição de “questão social”,
seu enfrentamento também implica na introdução de outras modalidades via políticas
compensatórias, empurrando sujeitos desempregados ou subempregados para o campo da
assistência social, como se esta situação fosse resultante de comportamentos “ociosos” e
“vadios”, associando a condição social em que estão inseridos — fruto da contradição
capital/trabalho a uma decisão voluntária. Entendemos este como um dos componentes da
ideologia colonial presente ainda nos dias atuais, que, segundo Guimarães (2008), deixa à
mostra o rao, ainda atual ao público, da política de assistência social, em que se reproduz o
mito de atrelar uma ação vinculada a um direito social ao assistencialismo, caracterizado por
intervenções políticas e sociais nebulosas perpassadas por vários interesses em disputa.
Do lugar sombrio de subjugação clientelista e paternalista que historicamente marcou
as intervenções neste campo, tal política se expande, sobretudo pelos PTRs, com a clara função
econômica e social de reabilitar aqueles mais pobres e evitar que assumam impulsos violentos
via coesão, integração e controle, num claro movimento reacionário. Neste desenho, toma vulto
uma estratégia destinada a impactar o consumo e o acesso aos mínimos sociais de subsistência
para a população pobre, ao passo que o trabalho assalariado deixa de ser o principal meio de
acesso às necessidades básicas.
Tal orientação põe em pauta a polêmica relação da pobreza apenas à má distribuição de
renda, negando seu conteúdo de classe. Nesta dialética, o que ora está posto é a gica que
integra a racionalidade da reprodução e a acumulação do capital, logo, permeada por tensões e
conflitos à medida que vai integrar funções econômicas, políticas e ideológicas. A partir desta
polêmica, Pastorini (2014: 212) vai pensar as políticas sociais como concessões do Estado e,
na mesma proporção, conquistas por parte da classe trabalhadora. Assim, a fuão que se debate
o é somente a de reprodão do capital, mas, pegando o gancho da concessão”, a sua
racionalidade instrumental para a coesão e aceitação da ordem estabelecida por meio da
autorresponsabilização dos indivíduos por seu “fracasso.
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
222
ARTIG0
Mecanismos de enfrentamento e mapeamento da pobreza
A implementação de PTRs no Brasil seguiu orientações de organismos internacionais e
ganhou notoriedade em terras tupiniquins com o projeto de Lei n
o
80/1991, do então senador
Eduardo Suplicy, que apresentou a proposta do Renda Mínima com vistas a garantir o direito
mais elementar, o direito à vida. Sem prioridade, a discussão sobre renda mínima foi retomada
somente em 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso, apresentando uma proposta de
ação distributivista em nível nacional, mas com contornos liberais. Em 2003, no governo Lula,
unificaram-se PTRs, entre eles, quatro principais programas existentes no governo
precedente: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio Gás
6
e, compondo o carro-chefe, o
Programa Bolsa Família (PBF), que, neste processo de unificação, inclui o Canico como
meio de gerenciamento e otimização dos recursos por parte do governo federal. Tal cadastro é
processado pela Caixa Ecomica Federal, que, além de operar o recurso dos programas de
transferência de renda, atribui um mero de identificação, o mero de Identificação Social
(NIS), a cada pessoa da família.
Toma vulto, então, o PBF, focalizado nas falias que vivem em situação de pobreza. O
Programa pensado de modo descentralizado constituiu-se em uma política intersetorial,
criando bases de cooperação entre os entes federados corresponsáveis pela implementação e
pelo controle desta PTR. O PBF teve como contrapartida o cumprimento, pelas famílias, de
condicionalidades para a permanência no Programa, o que ainda hoje é assunto polêmico,
que o acesso a serviços de saúde e a permanência na escola são mecanismos insuficientes para
o rompimento do processo aviltante em que os sujeitos se encontram, artifício este vinculado
às estruturas social e econômica desiguais desta sociedade e que pressupõem a garantia de
outros elementos, tais como: transporte, saneamento, habitação, educação de qualidade,
emprego.
Além disso, tal exigência torna-se ainda mais polêmica se considerarmos que essas
condicionalidades estão postas via acesso a serviços previstos constitucionalmente, mas que,
apesar de o serem, seguem deficitários, enquanto as transferências de renda acontecem sem
qualquer vinculação salarial, sendo, portanto, pífias, porém ocorrendo mensalmente. Isso
6
Bolsa Escola: destinava-se às crianças e aos adolescentes de 6 a 15 anos de idade, e cada família tinha o direito
de receber R$ 15,00 por criança até, no máximo, três filhos. Bolsa Alimentação: implantado em 2001, objetivava,
por meio de uma complementação da renda familiar, criar uma rede de proteção com vistas à redução de
deficiências nutricionais e mortalidade infantil entre os grupos mais pobres. Auxílio Gás: criado em 2002 para
atender famílias pobres com uma transferência de R$ 7,50 por mês, cujo repasse ocorria bimestralmente. Cartão
Alimentação: instituído em 2003 para combater a fome e as suas causas estruturais, configurava uma ão no
âmbito do Fome Zero estratégia adotada pelo governo federal com o objetivo de assegurar o direito à alimentação
adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos, ou seja, a populão mais vulnerável à fome.
Disponível em SECRETARIA ESPECIAL DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL (2018).
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
223
ARTIG0
implica em pensar sobre o compromisso com serviços parcos e pauperizados para a população
mais pobre, além da sua total vinculação aos ajustes econômicos recomentados pelo Banco
Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, os quais orientam o enlace do Estado e, nele, o
fundo público aos interesses capitalistas.
É importante destacar que, ao longo dos anos, o desenho operacional do PBF foi sendo
aprimorado, e sua focalização, refinada a um blico bem específico, no qual ocorre um
processo classificatório da pobreza que, segundo Kerstenetzky (2006), tem relação com
compensar algo que falta, o que reitera nossa análise de que o pensamento conservador se
reatualiza
7
naturalizando a não universalização e explicando o focal pelo viés do uso eficiente
dos pargos recursos, demarcando ainda um caráter minimalista que, segundo Boschetti (2016:
164), não previne ou supera a situação de pobreza, além de configurar-se como uma armadilha
que pode impedir inclusive que os beneficiários melhorem seus rendimentos. Nesta dinâmica,
o CadÚnico, ao acompanhar o amadurecimento deste novo modelo de enfrentamento da
pobreza, figura como ferramenta que caracteriza as famílias de baixa renda, além de ser o
principal instrumento de seleção destas para os programas federais.
Com a entrada de tais informações em bases informatizadas por cruzamento com
outros bancos de dados e a verificação da ausência de informações dos cadastrados no
Programa de Integração Social (PIS), no Programa de Formação do Patrinio do Servidor
Público (PASEP) e no Contribuinte Individual (CI), gera-se então, um NIS junto à Caixa
Econômica numa nítida tentativa de pegar em flagrante” aqueles com algum vínculo produtivo
que por ventura não o tenham informado ou aqueles que não estão no perfil dos diversos
programas para que possam integrar o CadÚnico
8
. Sendo assim, fica latente a referência aos
registros no mercado de trabalho fazendo-nos supor que caberá um NIS àqueles desempregados
nunca regulamentados, como se o fato de o terem um emprego formal fosse escolha do
próprio sujeito.
O CadÚnico irá, assim, abrigar informações individuais, do grupo familiar e das
condições de vida daqueles mais pobres, dados estes coletados nos Centros de Referência da
Assistência Social (CRAS) porta de entrada do SUAS que disponibilizam sua estrutura
física e de recursos humanos para a execução do Cadastro. Logo, cabe ao CRAS cadastrar,
7
Com base nessa perspectiva eivada de um pragmatismo de viés conservador, cabe destacar que o direito é
concebido como outorga, além de acompanhar a residualidade dos recursos, as ações figuram como
compensatórias abandonando o debate da universalização em face do “discurso de crise” que toma o fundo público,
já a acumulação permanece predatória, o lucro central e a democracia torna-se incomoda. Tais determinações tem
alimentando, sobretudo via instrumentos operativos, ações de cunho integrador que incidem sobre personalidades
e individualiza problemas sociais, sendo a ordem, o eixo das intervenções (NETTO, 2006: 51).
8
Tais programas serão apresentados mais à frente.
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
224
ARTIG0
remeter, arquivar, recadastrar os usuários, porém sem qualquer ingerência sobre o processo de
seleção das famílias.
Identificadas e caracterizadas as famílias de baixa renda, o governo pode então traçar o
“mapa da pobreza”, utilizar tais informações para implementar políticas blicas, bem como
conceder acesso aos benefícios de Tarifa Social de Energia Elétrica (via desconto na tarifa dos
cadastrados); à inclusão no Programa Minha Casa Minha Vida que auxilia na compra da casa
própria –; à inserção no Benefício de Prestação Continuada, vinculado à política de assistência
social e destinado a portadores de necessidades especiais e idosos com renda per capita de ¼
do salário mínimo; à Carteira do Idoso, que possibilita desconto de, no mínimo, 50% em
passagens interestaduais; à isenção da taxa de inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM); entre outros.
Tais programas nascem com um foco vinculado à população de baixa renda, coadunando
com esta unicidade cadastral que inferimos converter-se em “identidade da pobreza” e/ou
credencial para acessar programas, serviços e benefícios. Isto traz à baila a perspectiva de
controle e monitoramento dos pobres via CadÚnico, o que limita as suas potencialidades
enquanto instrumento que pudesse subsidiar políticas eficazes, porém com potencial
mecanismo de vigilância. Vale salientar que o cruzamento destes dados com outros já existentes
e confiáveis a exemplo do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
(DATASUS); do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED); do Censo
Demográfico; da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD); e o recente cadastro
para o auxílio emergencial
9
que cruza seus dados com o CadÚnico põe em cena um novo
paradigma para entender, monitorar e localizar socialmente uma determinada população, ora
amplamente datificada
10
e, por que não, vigiada?
No caso específico do CadÚnico, ao integrar uma nova orientação tecnológica de gestão
conforme aponta o manual para o SUAS (BRASÍLIA, 2006), ele tenciona mapear um grupo
desfiliado nos termos de Bourdieu ([1979] 2008), fazendo deste estado social” uma
característica individual, passível de formas de classificação e dominação. Nesta gica, para
além de empenhado em prestar “assistência necessária” e descobrir os pobres”, está,
sobretudo, o interesse em monitorar a trajetória de vida sob pretexto de acompanhar o
desenvolvimento das famílias via “doutrina da conciliação (GUIMARÃES, 2008: 219).
9
O auxílio emergencial configura-se em um benefício financeiro destinado a trabalhadores informais, autônomos
e desempregados, e tem por objetivo fornecer proteção emergencial no período de enfrentamento à crise causada
pelo novo coronavírus (COVID-19), totalizando 107 milhões de cadastrados. Disponível em DATAPREV (2020).
10
A datificação diz respeito à nova tendência de transformação da ação social em dados quantificados com
informações pessoais do cidadão, com vistas ao monitoramento e à análise preditiva (DJICK, 2017).
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
225
ARTIG0
Tal conceito mostra como a conciliação se coloca como uma estratégia fulcral adotada
secularmente para manter compromissos das minorias sobre as maiorias; ou seja, neste caso
específico, acanhadas concessões se fazem necessárias para então manter determinados
privilégios e protótipos de poderes. Assim, sobretudo aqueles mais pobres são envolvidos pelo
canto da sereia por meio de práticas políticas que envolvem pensamento e ação para alcance do
controle e dominação.
De tal modo, para além de ter seu espo institucional atravessado por novas tecnologias
gerenciais, a política de assistência social tem a possibilidade de conhecer as demandas e efetuar
cruzamento de dados por meio de aplicativos da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informão
(SAGI) e da REDESUAS, entre os quais merecem destaque os Relatórios de Informações
Sociais, que contêm informações do Bolsa Família, das ões e dos serviços da assistência
social; o DataSUAS, que possui dados sobre equipamentos, recursos humanos e
institucionalidade da assistência; o MI Social, que possibilita a organizão dos programas e
serviços; e o Identificação de Localidades e Famílias em Situação de Vulnerabilidade (IDV),
que agrega indicadores de pobreza. Tais ferramentas, ao lado do CadÚnico, pretendem mapear
e caracterizar a pobreza. subsidiando, assim, o sistema de Vigilância Socioassistencial.
A Vigilância Socioassistencial prevista na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei
12.435/11) ganha presença no conteúdo da Norma Operacional Básica do SUAS de 2012,
marcando espaço entre as três funções da política de assisncia social: Proteção Social;
Vigilância Socioassistencial; e Defesa de Direitos. A partir de uma abordagem específica para
a produção de conhecimentos aplicados ao planejamento, a Vigilância pretende organizar
esforços para:
A produção, sistematização de informações, indicadores e índices
territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que
incidem sobre famílias/pessoas nos diferentes ciclos da vida (crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos); pessoas com redução da capacidade
pessoal, com deficiência ou em abandono; crianças e adultos, vítimas de
formas de exploração, de violência e de ameaças; vítimas de preconceito por
etnia, gênero e opção pessoal; vítimas de apartação social que lhes
impossibilite sua autonomia e integridade, fragilizando sua existência;
vigilância sobre os padrões de serviços de assistência social em especial
aqueles que operam na forma de albergues, abrigos, residências,
semirresidências, moradias provisórias para os diversos segmentos etários.
Os indicadores a serem construídos devem mensurar no território as
situações de riscos sociais e violação de direitos (BRASIL, 2005: 39-40).
As fuões da Vigilância Socioassistencial pressupõem prerrogativas de
monitoramento, mapeamento e aprimoramento dos serviços, ao passo que intencionam incluir
indivíduos ou famílias, além de ambicionar identificar quem, quantos o e por que não estão
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
226
ARTIG0
incluídos. Fica, assim, responsável pela geração dos dados primários da assisncia social, bem
como pela prerrogativa de conhecer a pobreza instrumentalizada também pelo CadÚnico, que
é uma referência para mapeamento das desproteções.
O que vem norteando o nosso exame é a indagação de se tais instrumentos se configuram
apenas como parte do processo inovador de gestão, objetivando melhores resultados, haja vista
alguns indícios que nos remetem a traços conservadores que permeiam a política de assistência
social. Entre os elementos sinuosos estão: 1- as metas estabelecidas tanto para usuários, via
condicionalidades de critérios excludentes, quanto para trabalhadores do SUAS (via cobraa
de produtividade). Tais tendências vão abrir lacunas para o juízo de valores, cujas expressões
da “questão social” são apreendidas como “vagabundagem” e “falta de comprometimento”, de
maneira a culpabilizar os sujeitos por suas trajetórias; e 2- o mapeamento da pobreza nos
territórios, clássica tendência de estigmatização dos destinatários dos programas em que
“vulnerabilidade e riscofazem ressurgir a ideia do gueto como cus do perigo. Ou seja, a
condenação já se dá automaticamente pelo território de residência que, em grande medida, vai
imprimir nesta dinâmica moralizações, reproduzindo ideias conservadoras dos usuários dos
programas sociais como pessoas com tenncias desviantes, desintegradas e perigosas, tal qual
denota a fala do ministro Paulo Guedes, na reunião ministerial do dia 9 de junho de 2020,
quando, ao apresentar estratégicas econômicas utilizadas pelo governo no cenário pandêmico
da COVID-19, revela fala tendenciosa aos beneficiários datificados pelo Auxílio Emergencial
do governo federal: Hoje são 40 milhões de brasileiros sem garantias. Sabemos quem eles são!
Digitalizamos CPFs e temos o endereço de cada um. (BRASIL, 2020).
As novas tecnologias digitais que emergiram nas duas últimas décadas demarcam,
segundo Bezerra (2017), a presea de um “germeque obstaculiza potencialidades e denuncia
formas opressoras e controladoras presentes nelas e admitidas pela população em nome do
acesso, imprimindo uma relação dialética entre proteção e opressão, sobretudo, no
enfrentamento da questão social.
Ao analisar o potencial da tecnologia da informação, Veloso (2011: 74) nos dá pistas
para a compreensão de que a inovação tecnológica é difundida como algo que potencializa a
eficácia do trabalho, que traz resolutividade às possíveis limitações. Contudo, em geral, há um
ocultamento do seu conteúdo ideológico, bem como da base social na qual essa inovação se
desenvolve, que a simplifica com abordagens apressadas, reducionistas, que não ponderam o
contexto em que se desenvolvem e nem para o interesse de quem. Deste modo, torna-se salutar
estar atento às “maravilhas tecnológicas” que integram hoje os processos de trabalho e que
trazem em seu bojo ideias conservadoras que em grande medida vão responsabilizar os
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
227
ARTIG0
indivíduos por sua má sorte.
As alises empreendidas demonstram que a utilização de novos procedimentos
protetivos assinala um discurso de maior cuidado com os fatores sociais sob a perspectiva da
eficiência e efetividade, mesmo em um cerio em que a política social sofre fortes
desregulamentações. Outrossim, importa estarmos atentos para processos sociais não tão
comprometidos com a “qualidade”, quer seja para encobrir, quer seja para ignorar o real,
indicam traços de uma organicidade para dominação capaz de influenciar comportamentos
individuais, sobretudo no cenário que se descortina de ideias alienantes, de construção de
culpabilizações desumanizantes que rechaçam o diferente e exacerbam o ódio.
A retomada do conservadorismo na assistência social
É notório o crescimento exponencial da assistência social nos últimos anos. Igualmente,
a mesma notoriedade segue acompanhada de problemas, haja vista que, por muitas vezes, o
papel da assistência social tem ficado subjugado aos programas de transferência de renda. A
visibilidade da assistência social e do CadÚnico tem nítida vinculação com a expansão do Bolsa
Família, por meio do uso do insulamento burocrático da assistência social, conforme apontaram
os estudos de Faria (2011) reiterados pelo Censo Suas 2014, o qual assinala que 60% dos CRAS
realizam cadastramento e atualização do Cadastro. Destes, 52,6%, no próprio óro gestor da
assistência e 29%, nos domicílios das famílias (BRASÍLIA, 2015), em muitos casos,
negligenciando as propostas do SUAS — cujas ações firmam novas perspectivas para a política
de assistência social.
De todo modo, tais atos, hoje acompanhados de mecanismos gerenciais, aparecem
enquanto responsabilidades descritas na PNAS 2004 e na NOB/SUAS 2012, as quais
pressupõem que tais informações produzidas fam sentido, ou seja, potencializem a proteção
dos sujeitos que utilizam os serviços, programas e benefícios socioassistenciais. Assim, os
sistemas tecnológicos são tomados neste campo como mecanismos centrais, com contornos
normativos, que, a priori, indicam o uso da tecnologia voltada para a defesa dos direitos, mas
que trazem em seu bojo uma mística que impede o reconhecimento do real escamoteando,
disfarçando o ato de vigiar, de classificar que nos remete ao conservadorismo. Isso, sobretudo,
se considerarmos o cenário político e ecomico de orientações recessivas centradas no
equilíbrio fiscal, com cortes constantes das despesas ameaçando conquistas, portanto não
correspondente a esta intenção primeira, quer seja, qualificar e ampliar o acesso.
Nesta feita, a verdadeira política social que se apresenta é coadjuvante da eficiência
econômica, bastante vinculada à orientação mercadológica que, por sua vez, afasta-se da noção
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
228
ARTIG0
de universalização de direitos, desvincula-se da equidade e da redução das desigualdades,
devido à sua natureza focalista. Para isso, se reaqua às políticas sociais com vistas a criar
condições ao projeto conservador e de austeridade. Sendo assim, o ponto nefrálgico seria ter
claro quem se pretende atender através de informões, classificações e vigilância dos grupos
marginalizados, logo, público-alvo do controle e mapeamento dos dados produzidos pelos
diversos instrumentos presentes no sistema de informação.
Estas tenncias gerenciais, para além de inovadoras neste campo também são
acompanhadas de um caráter regressivo que retoma na política de assistência social o lugar da
o política, numa gica histórica de controle dos pobres e moralização da pobreza, via um
padrão normativo tradicional da ideologia do mando, em que aqueles mais pobres são alvos
fáceis. Segundo Boschetti (2016 p. 165), ao que tudo indica, a assistência social, ao lado de
outras prestações, vai reabilitar a atividade econômica e tornar os pobres mais produtivos e
menos perigosos por meio de sua institucionalidade endógena, ou seja, direcionada por uma
progratica ultraneoliberal em ascensão, num campo inesgotável do tradicionalismo apoiado
em discursos e velhas práticas, valendo-se ainda da religião, de padrões de família para
conservar antigas hegemonias e um modelo de sociedade funcional ao capital.
Rotineiramente, o direito neste campo se constitui como outorga, e as antigas formas de
julgar os pobres os fazem culpados por sua precária situação, como se pobreza fosse sua opção
(COUTO, 2015). Nesta dinâmica, ideias de mapeamento, controle, identificação e vigilância
assentam-se como termos pejorativos que remetem à invasão de privacidade e à punição de
seguimentos, que parecem não ter direito a ter a vida salvaguardada. os quais precisam ter
comportamentos supervisionados e moldados nos equipamentos da assistência social, que
rotineiramente trabalha regras homogeneizadas, oferta de atividades tangenciadas pela
padronização comportamental e que, por meio de tabulação cruzada, materializa a vigilância.
Assim sendo, há notoriamente uma relação de complementariedade entre as ões
assistenciais e de controle das populações mais empobrecidas, em que se dará maior
fiscalização do poder público, o com vistas a ofertar medidas protetivas, mas, de acordo com
Wacquant (2001), de propagar o “senso punitivo” pela vinculação da pobreza à violência.
Diante de um conservadorismo latente, a condução da política de assistência social tem indicado
abrir brechas para subserviência a um modelo velho sob o manto do novo, que tenta
homogeneizar a vida na sociedade pelo percurso da estigmatização dos destinatários dos
programas assistenciais, considerados “desintegrados” à ordem e com tendências desviantes”.
Destarte, o foi possível o SUAS isolar-se das contrarreformas, tampouco é possível
atingir prerrogativas de um sistema único sem a materialidade necessária para sua incorporação
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
229
ARTIG0
na agenda política da sociedade civil e de lutas dos usuários, sobretudo, a partir da PEC
241/16, a qual prevê o congelamento dos gastos por 20 anos, e que sinaliza 35% de queda do
orçamento desde a implantação do regime fiscal. Assim, a política de assistência social traveste-
se de desesperança num cerio fragilizado, em que, com frequência, é ocupada de conceitos
gerenciais, focalizados e ultraconservadores. Tais conceitos colocam-se como um perigo real
para tal política que intentou legitimar elementos de uma política pública via conquistas postas
pelo SUAS, mas que, diante do panorama que se descortina de crise ascendente e aumento da
extrema pobreza, insiste em não garantir provisões, bem como em apresentar-se com
características voluntarista, fragmentada e amenizadora de conflitos por meio da integração
pelo consumo.
O Serviço Social diante deste chamado
Soluções barbarizantes para a vida social se alocam no atual cenário, no qual, em nome
da “modernidade”, refuncionalizam-se estratégias para a legitimidade do capital financeiro, que
encontra no Estado um parceiro importante. Ao disponibilizar o fundo público a interesses
particularistas, o Estado inviabiliza direitos, mercantiliza acessos e trata de produzir um
mascaramento bastante eficiente com a ampliação e a manutenção de arranjos próprios de uma
sociedade dividida em classes. Nesta sociedade, interesses dominantes tratam de promover
indões ideológicas que, nos termos de Meszáros (2014: 65), impõem uma forma de
consciência social que tratará de equalizar e conduzir tendências em que dominados são vistos
como percursores do caos e da desordem. Nesta lógica, a gestão da pobreza direciona-se para a
extrema indigência via mecanismos sutis de controle e criminalização dos pobres.
O assistente social chamado a intervir nas expressões da questão social tem nos serviços
sociais sua retaguarda material para o exercício profissional. Nesta gica, depara-se com um
cenário de demandas crescentes, difíceis de serem resolvidas, tendo em vista o haver serviços
plenos. Ainda assim, nossos usrios precisam desses serviços para sobreviver, mesmo que em
condições aviltantes. Tudo isso faz deste profissional, nesta era desumanizante, um potencial
administrador da miséria, nos termos de Netto (2007), quer seja pelas novas condições de
trabalho, quer seja pelo salário, quer seja pelo uso de instrumentos que auxiliam e subsidiam a
organização vigente a partir daquilo que interessa à racionalidade liberal via ações estatais nos
moldes de uma cidadania burguesa de legitimidade formal do direito de todos. Na prática,
em-se em pauta atuações que autorresponsabilizam indivíduos e que impactam a divisão
sociotécnica do trabalho no qual se insere o assistente social, por meio da generalização de
tarefas, do abandono da razão, numa lógica reducionista e procedimental. Essa gica reforça
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
230
ARTIG0
possibilidades de interpretações conservadoras, naturalizando papéis demarcados de gênero,
apropriando-se do tempo das mulheres, reiterando, portanto, a passivação, causando
estranhamento do trabalho profissional, logo, a exumação de aspectos que acreditávamos
estarem superados entre a categoria e que dizem respeito à despolitização da questão social ante
o crescimento do tradicionalismo via políticas repressivas, apoiadoras da ideia de “Nação”,
moralistas e segregadoras.
Ao se apresentarem nas políticas sociais, entre elas, a de assistência social, estas
complexas determinações presentes em face do movimento de reestruturação capitalista de
cunho neoliberal — sobretudo no setor de serviços, mais mercadorizado pela lógica do capital
e no qual se inserem os assistentes sociais avolumam requisições de trabalho para este
profissional diametralmente tencionadas por aquilo que Sposati (2017: 52) caracterizou
(tomando emprestado o termo cunhado por Ricardo Antunes) como a nova morfologia do
trabalho dos assistentes sociais”, cuja desproteção, insegurança, assédio moral e exigências
cada vez maiores - justificadas por vezes pela sofisticação da gestão - se vinculam ao controle
e aos cortes dos gastos públicos.
Esta nova racionalidade empresarial
11
— orientada pelo mercado e por uma moralidade
subserviente articulada à globalização financeira do capitalismo transforma o Estado em
uma grande empresa capitalista isenta de responsabilidades, deixando os sujeitos expostos a
riscos dos quais o podem escapar. Isso é emblemático para pensar a política de assistência
social e, nela, o controle de condicionalidades, a lógica produtivista da atualização cadastral,
cuja autoexploração e a culpabilização se estabelecem com o intuito de reforçar o controle e de
justificar o subfinanciamento que desafia a materialidade do SUAS, ressignificando um
ambiente de ideias regressivas ora atravessadas por modernas tecnologias reveladoras de uma
ofensiva ideopolítica. Tais tecnologias submetem os profissionais a estratégias sutis de
intensificação do trabalho, num modelo de gerenciamento que opera com quadro técnico
reduzido, com vínculos frágeis de trabalho, refreados pela rotinização, pela ausência de
criatividade posta por uma padronização procedimental que, apesar do potencial para produzir
informações estratégicas aos profissionais, pode estar conduzindo os trabalhadores aos dilemas
da alienação e do estranhamento.
Ainda nesta linha, Veloso (2014: 93) nos dá pistas nessa direção ao apresentar os
11
Dardot e Laval (2016: 191) destacam que as políticas neoliberais em curso refuncionalizam o poder
governamental, imprimindo uma nova racionalidade vinculada à mundialização e à financeirizão do capital, em
que o Estado se impõe como fonte de autoridade articulada a “novas bases, novos métodos, novos objetivos”
impregnados em uma racionalidade política e social de estilo gerencial denominado pelos autores de “governo
empresarial”.
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
231
ARTIG0
resultados preliminares da pesquisa “Cadastro Único: o potencial da tecnologia da informação
para o acesso ao Programa Bolsa Família”, na qual demonstra que o CadÚnico — apesar de ser
parte do trabalho dos assistentes sociais e gerador de informações que podiam potencializar a
gestão não possibilita aos profissionais entrevistados nesta pesquisa filtrar esses dados
cadastrados, denotando um fazer vinculado à digitação ou à mera produção de dados, trazendo
à baila a ameaça do assistente social como tarefeiro e mero executor. Outrossim, como
instrumento de seleção das famílias mais pobres, dinamiza a entrada destas em ões que, na
prática, denotam um caráter controlador, fiscalizador e moralizador via atividades
desenvolvidas, como oficinas, cursos ou quando precisam cumprir condicionalidades para se
manterem nos programas.
Conforme apontamos, o revestimento que porta esta racionalidade, via novas
tecnologias presentes no processo de trabalho do assistente social, direciona determinados
mecanismos que mantêm as condições de desigualdades ao passo que reiteram a manipulação
de condutas, triagem, seleção dos mais pobres entre os pobres, denotando o quão imersa em
contradições encontra-se a prática profissional, que aprisiona seus agentes a políticas
focalizadas, orientadas por perversos critérios de elegibilidade particularizando o processo de
hegemonia do capital, em que a atuão que deveria emplacar resistência vem aceitando, em
nome da instabilidade, o uso de ferramentas gerenciais para otimização do tempo, eficácia dos
recursos” sem apreensão do viés dominante e residual, mas empreendendo julgamentos
arbitrários ao lançar mão de procedimentos imediatos que aviltam processos emancipatórios e
reforçam modos de pensar necessários a dominação burguesa, exacerbando produtivismos e
reprodução ideológica de um ideário conservador, no qual para manter determinado status se
conserva determinadas sociabilidades, ora mediadas por novas tecnologias, operadas muitas
vezes por assistentes sociais.
Considerações Finais
Os traços herdados da formação social brasileira demostram, segundo apontamentos de
Braz (2017: 102), que, para além da intolerância racista, o que está posto é o ódio aos pobres.
Na mesma direção, sse Souza (2017: 66) vai dizer que a ralé brasileira” que antes compunha-
se de negros, mestiços, mulatos, hoje configura-se por negros e mestiços de todas as cores,
mostrando que a antiga “raça condenada” transforma-se em “classe condenada”, objeto de
políticas com tendência de focalização da focalização (SOUZA, 2017).
Estas políticas também são atravessadas por um imperioso residualismo e
conservadorismo reacionário que conspira contra os avanços democráticos para determinar um
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
232
ARTIG0
lugar social para as pessoas mapeadas, identificadas e classificadas a partir de números e
lugares, preferencialmente aqueles estratos mais inferiores.
Diante deste reverso, a política de assistência social em tempos de um SUAS
altamente minimizado para todos os serviços tipificados encontra nas novas tecnologias a
possibilidade de moralização, estratificação social e predição comportamental. Assim, imprime
uma ideologia do possível no enfrentamento da pobreza com vistas apenas a mitigar os impactos
das expressões da questão social, sobretudo no contexto que ocorria durante o fechamento deste
trabalho, no qual, em vista da crise exacerbada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19)
que atinge a população de forma desigual —, desponta um aprofundamento de uma “recidiva
assistencialista” que refilantropiza a assistência social, recoloca debates acerca da precarização
de seus trabalhadores, da entrega de cestas básicas com viés clientelista, eleitoreiro, além de
trazer à cena um blico desconhecido que o frequentava os equipamentos antes da pandemia
dando visibilidade à informalidade e ao discurso ideogico do empreendedor e que,
portanto, não integravam o mapeamento produzido pelo CadÚnico, mas que passam a ser
mapeados via solicitação de auxílio emergencial. Este auxílio assinala, no auge da pandemia, a
proeminência do mapeamento rápido de um público que precisa ser vigiado e que, ao engrossar
as demandas desta política sucateada, cheia de rearranjos, com estrutura fragilizada mas
atravessada por modernas tecnologias , pode deparar-se com uma ão de profissional
despolitizada, passível de reprodução do controle, exclusão, enquadramento da população e
manutenção da ordem via sutis mecanismos conservadores de produção de convencimento
como importantes e necessários para todos.
Estes elementos pprios desta dinâmica ultraneoliberal em curso em em
escalada um conservadorismo reacionário cujos traços penetram a profissão e colidem com um
horizonte progressista, restaurando um tradicionalismo pautado em argumentos modestos, de
pouco trato intelectual. Tal fato desdobra um arsenal cultural imperativo ao tratamento das
expressões da questão social com viés culpabilizador e responsabilizador dos sujeitos pelas suas
necessidades concretas, em que as novas tecnologias de vigilância sob aparente neutralidade
imprimem direção, ocultando as reais intenções, rotineiramente burlando aspectos éticos,
independentemente de consentimentos, influenciando condutas profissionais e legitimando
valores conservadores.
Diante de um cerio amedrontador em que muitos recuam, o desvendamento do
cotidiano torna-se fundamental para apreender a dinâmica social e encontrar alternativas, tendo
em vista que um apreender parcial pode ser evitado pela prática política. Assim, avaar
junto à vanguarda profissional que não recua é uma exigência ética e de luta política para
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
233
ARTIG0
tencionar os novos tempos, para desvendar o uso das tecnologias e para reivindicar uma
tecnologia aditiva, criadora potencial de uma gica democrática que satisfaça necessidades
sociais, e na qual o assistente social se insira enquanto executor e planejador de ações
condizentes com aquelas inscritas no projeto ético-político da profissão.
Referências
BARROS, R. P. de; HENRIQUES, R.; MENDONÇA, R. Desigualdade e pobreza no Brasil:
retrato de uma estabilidade inaceitável. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo,
vol.15, n. 42, p. 123-142, fev. 2000.
BEZERRA, Arthur Coelho. Vigilância e Cultura Algorítmica no novo regime global de
mediação da informação In: Perspectivas em cncia da Informação vol. 22 n. 4 Belo
Horizonte out./Dec. 2017 Disponível: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
99362017000400068&script=sci_arttext&tlng=pt> acesso em 19/7/2020
BOSCHETTI, Ivanete. Assistência social e trabalho no Capitalismo. São Paulo: Cortez, 2016
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre,
RS: Zouk, 2008.
BRASIL. Decreto n. 3.877 de 24 de julho de 2011 Institui o Bolsa Família. Diário oficial da
República federativa do Brasil. Brasília. DF 25/7/2001, P. 68.
BRASIL. Decreto nº 6.135 de 26 de junho de 2007. Dispõe sobre o Cadastro Único. Diário
oficial da República federativa do Brasil. Brasília. DF 27/6/2007, P. 3
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. CapacitaSUAS Caderno
n.3. Vigilância Socioassistencial: Garantia do Caráter Público da Política de Assistência
Social. Brasília, 2015.
BRASIL. Lei 12.435 de 6 julho de 2011- Dispõe sobre a organização da Assistência Social.
Diário oficial da Reblica federativa do Brasil. Brasília DF 7/7/2011.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Censo SUAS 2014:
análise dos componentes sistêmicos da política nacional de assistência social - Brasília, DF:
MDS, Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação; Secretaria Nacional de Assistência
Social, 2015. 176 p. ISBN: 978-85-60700-96-7.
BRASÍLIA. Política Nacional de Assistência Social/PNAS 2004. Brasília: MDS, Brasília, nov.
2005.
BRASILIA. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações técnicas
da Vigilância Socioassistencial. Ministério de Desenvolvimento Social. 2008.
BRASÍLIA. Norma Operacional Básica do SUAS: Construindo as bases para a implantação do
Sistema único da Assistência Social. Brasília: MDS, 2005
BRASILIA. Trabalho Social com famílias do Serviço de Proteção e Atendimento Integral
PAIF. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Brasília-DF, 2012.
BRASIL-MDS, 2007.
BRASILIA. Guia de vigilância epidemiológica / Fundação Nacional de Saúde. 5. ed. Brasília:
FUNASA, 2002.
BRAZ, Marcelo. O golpe nas ilusões democráticas e a ascensão do conservadorismo
reacionário. In: Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 128, p. 85-103, jan./abr.
2017.
COUTO, Berenice Rojas. Assistência Social: Direito Social ou Benesse? In: Serviço Social e
Sociedade n˚124. Out./dez. 2015 Cortez: São Paulo
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
Gabriele Gomes Faria
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
234
ARTIG0
DATAPREV. Dataprev e Ministério da Cidadania lançam portal de consulta da situação do
auxílio emergencial. Disponível em https://portal2.dataprev.gov.br/dataprev-e-ministerio-
da-cidadania-lancam-portal-de-consulta-da-situacao-do-auxilio-emergencial. Acesso em 15
de jul. 2020.
DIJCK, JoVan. Cofiamos nos dados? As implicações da datificação para o monitoramento
social. In: MATRIZes, São Paulo, v. 11, n.1 p. 39, abr. 2017,
FARIA, Gabriele. A implementação do Programa Bolsa Família e suas repercussões na Política
de Assistência Social de Armação dos zios. Dissertação apresentada ao curso de Mestrado
em Política Social da Universidade Federal Fluminense, 2011
GUIMARÃES, Alberto Passos. As classes perigosas: banditismo urbano e rural. Editora UFRJ.
Rio de janeiro, 2008
KERSTENETZKY, Celia Lessa. Políticas Sociais: focalização ou universalização? Economia
Política, vol. 26, nº 4 (104), pp. 564-574, outubro-dezembro/2006
MARANHÃO, César Henrique. Acumulação, trabalho e superpopulação crítica ao conceito de
exclusão social. In: O mito da assistência social: ensaios sobre Estado, Política e sociedade.
3 ed. São Paulo: Cortez, 2009
MARSHALL, Thomas Humprey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro. Zahar, 1967.
MARX, Karl. Sobre a Questão Judaica. São Paulo, Boitempo, 2010.
MDS-SNAS-SENARC. Orientações para o acompanhamento das famílias beneficiárias do
Programa Bolsa Família no âmbito do SUAS. Minisrio do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), Brasília-DF, jun. 2006.
MÉSZÁROS, István. O poder da Ideologia. Tradução Magda Lopes e Paulo Cezar Castanheira.
São Paulo: Boitempo, 2014.
MOTA, Ana Elisabete (Org.) O mito da assistência social: ensaios sobre Estado, Política e
sociedade. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009
NETTO, JoPaulo Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo. 2006
______. Desigualdade, pobreza e Serviço Social In: Revista em Pauta - Revista da Faculdade
de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. n˚19, 2007.
NEVES, cia Maria Wanderley; SANT'ANNA, Ronaldo. Introdão: Gramsci, o Estado
educador e a nova pedagogia da hegemonia. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley. A nova
pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. o Paulo: Xamã,
2005.
RAICHELIS, Raquel. Serviço Social: trabalho e profissão na trama do capitalismo
contemporâneo. In: RAICHELIS, Raquel; VICENTE, Damares; ALBUQUERQUE, Valéria
(Orgs.). A nova morfologia do trabalho no Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2017.
SANTOS, L. G. dos. A informação as a virada cibernética. In: SANTOS, L. G. dos et al.
Revolução tecnológica, internet e socialismo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
p. 9–35.
SECRETARIA ESPECIAL DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL (2018). Conheça o programa
Bolsa Família. Dispovel em http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e. Acesso em
20 fev. 2018.
SILVA. Maria Liduína (org) Serviço Social no Brasil: Hisria de Resistências e de ruptura com
o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016.
SOUZA. Jessé. A elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017
VELOSO, Renato. Serviço Social, Trabalho e Tecnologia da Informação. In: Revista em Pauta
n.27 v.9 p.71-90 jul. 2011
______. A centralidade do cadastro único na proteção social brasileira. Brasil. Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. In: Avaliação de políticas públicas: reflees
acamicas sobre o desenvolvimento social e o combate à fome, v.2: Transferência de renda.
Brasília, DF: MDS; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2014.
Tecnologias de vigilância na assistência social: o velho sob o manto do novo
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 21, n.1, p. 214-235, jan. / jun. 2021 ISSN 1980-8518
235
ARTIG0
WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Tradução, André Telles Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed. 2001.
VIANNA. Maria Lucia Teixeira. A americanização (perversa) da Seguridade Social no Brasil:
Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan: UCAM, IPUERJ, 1998.