DOI 10.34019/1980-8518.2020.v20.30452
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 20, n.2, p. 561-578, jul. / dez. 2020 ISSN 1980-8518
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Notas sobre a superexploração da força de
trabalho no Brasil no século XXI
Edneia Alves de Oliveira
*
Anderson Martins Silva
**
RESUMO: Este artigo objetiva analisar a relação entre a superexploração da força de trabalho no Brasil
e a acumulação de capital. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e documental através de
dados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo Sistema de Contas
Nacionais (SCN) e pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE). Os
resultados obtidos nos permitem constatar que a superexploração da força de trabalho no país, nas
primeiras décadas do século XXI, é um fenômeno que se manifesta pela via da permanência do arrocho
salarial, da alta carga tributária sobre a classe trabalhadora e nas mudanças em curso na legislação
trabalhista implementadas para contra-arrestar a queda tendencial da taxa de lucro e garantir a
acumulação capitalista.
PALAVRAS-CHAVE acumulação capitalista; superexploração da força de trabalho; Brasil.
Notes on the super-exploitation of the labor force in Brazil in the 21st
century
ABSTRACT: This article aims to analyze the relationship between the super-exploitation of the labor
force in Brazil and the accumulation of capital. The methodology used was bibliographic and
documentary research through data obtained by the Brazilian Institute of Geography and Statistics
(IBGE), the System of National Accounts (SCN) and the Latin American Institute of Socioeconomic
Studies (ILAESE). The results obtained allow us to verify that the super-exploitation of the labor force
in the country, in the first decades of the 21st century, it is a phenomenon that manifests itself through
the permanence of the wage squeeze, the high tax burden on the working class and in the ongoing
changes in the labor legislation implemented to counter the tendency for the profit rate to fall and to
guarantee the capitalist accumulation.
KEYWORDS: capitalist accumulation; super-exploitation of the labor force; Brazil.
*
Doutora em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora da Faculdade de Serviço
Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Coordenadora do Grupo de pesquisa Trabalho, Mercado de
Trabalho e Serviço Social (CNPq) e do grupo de pesquisa dýnamis – Grupo de Estudos em Teoria Social e Crítica
da Economia Política (CNPq).
**
Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP-Marília). Mestre e doutorando em
Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Membro do grupo de pesquisa dýnamis – Grupo
de Estudos em Teoria Social e Crítica da Economia Política (CNPq). Bolsista CAPES.
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Introdução
Nosso objetivo neste artigo é introduzir de forma sumária a relação entre a
superexploração da força de trabalho e a acumulação capitalista em curso no Brasil nos últimos
anos. Nas obras Subdesenvolvimento e Revolução (2013), Dialéctica de la dependencia (1991)
e do diálogo com as reflexões de Osório (2013; 2018), Carcanholo (2013; 2019) e Luce (2012)
acerca da problemática da dependência, encontramos um amplo material para subsidiar o debate
que será travado nesse artigo. A categoria da superexploração da força de trabalho,
desenvolvida por Ruy Mauro Marini nos anos de 1970, tem sido utilizada por alguns autores
para explicar o processo de atraso nas economias ditas periféricas, caso do Brasil. Embora os
estudos de Marini sejam de décadas passadas, entendemos que suas análises encontram
elementos para explicar o movimento de acumulação capitalista em curso e suas tendências e
contra tendências de queda da taxa de lucro apontadas por Marx (2017). Tal afirmação pode ser
elucidada pelas diversas mudanças nas leis trabalhistas e também na permanência do arrocho
salarial sobre grandes frações da classe trabalhadora no país.
Para corroborar nossa hipótese nos debruçamos sobre dados fornecidos pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo Sistema de Contas Nacionais (SCN) e pelo
Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE). Com base nesses dados
procuramos apresentar indícios de que a superexploração da força de trabalho particularmente
a apropriação de parte do fundo de consumo dos trabalhadores pelo capital conformou-se
como um dos fundamentos da acumulação capitalista no Brasil nessas primeiras décadas do
século XXI. Ou seja, nas últimas décadas observamos uma avassaladora entrada de preceitos
capitalistas denominados de neoliberalismo, neodesenvolvimentismo ou ultraliberalismo que
constituem-se como mecanismos do capital para contra-arrestar a queda tendencial da taxa de
lucro sob a justificativa de reduzir custos sociais do trabalho e flexibilizar leis trabalhistas como
forma de recuperar a renda e o emprego, além de sobretaxar a classe trabalhadora com impostos
diretos e indiretos para gerar o decantado superávit primário. O resultado tem sido por um lado,
a subordinação e dependência do país aos ditames do capital internacional e suas agências
internacionais representadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM)
e, por outro, a manutenção de altos níveis de pobreza.
A superexploração da força de trabalho na teoria marxista da dependência
A teoria marxista da dependência (TMD) foi desenvolvida a partir dos anos 1960,
notadamente por Theotônio dos Santos (1983), Vania Bambirra (2012) e Rui Mauro Marini
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(1991; 2013) com o objetivo de apreender a particularidade do desenvolvimento histórico do
capitalismo dependente na América Latina (AL). Tratava-se, por um lado, de um acerto de
contas com as análises marxistas mecanicistas, que procuravam enquadrar o desenvolvimento
particular das economias dependentes nas “fórmulas” extraídas da análise do desenvolvimento
do capitalismo inglês levada a cabo por Marx e, por outro, de submeter a crítica à teoria do
desenvolvimento produzida no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL) ao longo dos anos 1950-1960. No bojo de tais formulações, Marini desenvolveu a
categoria da superexploração da força de trabalho como fundamento do capitalismo
dependente.
Como indica Carcanholo (2013), não é casual o resgate a partir da segunda metade dos
anos 1990 e mais intensamente a partir dos anos 2000 da TMD. Esse período sinaliza o
momento em que há um aprofundamento da dependência das economias dos países periféricos,
em boa medida pela adoção de um modelo cujas premissas baseiam-se na implementação do
ideário neoliberal. É importante salientar que entendemos por neoliberalismo a definição
adotada por Carcanholo (2019), que atesta ser este apenas uma fase do capitalismo que visa à
reprodução ampliada na sua escala mais elevada, resgatando primórdios do capitalismo cuja
máxima é a extração da mais valia absoluta e relativa e a alta concentração e centralização da
riqueza, que, nessa fase, se expressam, sobretudo, na esfera do capital financeiro, portador de
juros.
De acordo com Marini em Subdesenvolvimento e Revolução (2013), a AL se insere no
sistema capitalista mundial em formação a partir da expansão mercantilista da Europa no
século XVI. A decadência posterior dos pioneiros Portugal e Espanha deu lugar à dominação
Inglesa e a imposição de sua hegemonia sobre a região. Nos três primeiros quartos do século
XIX, momento em que o capitalismo industrial se consolidava na Europa – particularmente na
Inglaterra as economias latino-americanas foram convocadas a ter uma “participação mais
ativa no mercado mundial, como produtora de matérias-primas e como consumidora de uma
parte da produção leve europeia” (MARINI, 2013: 48). Destacamos que a ruptura do monopólio
colonial ibérico e o desenvolvimento do processo de independência política na América Latina
encerrado ao final do século XIX propicia a expansão dos mercados consumidores e mais ainda
a criação de mercado interno nesses países permitindo a ampliação do mercado mundial. Desse
momento em diante passou a ocorrer a integração dinâmica dos novos países latino-americanos
ao mercado mundial.
Merece destaque o advento dos Estados Unidos da América (EUA) e da Alemanha como
potências imperialistas também nesse período, impondo novas formas de conceber as relações
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comerciais e de trabalho, exigências típicas de um capitalismo alicerçado em mudanças
contínuas para garantir o processo de acumulação de capital em consonância com sua expansão
territorial. Na esfera comercial, a influência norte-americana foi notável, na medida em que
passou a manifestar-se nos países da região, particularmente no Brasil, uma tendência ao
direcionamento das exportações para os EUA.
No ensaio Dialéctica de la dependencia (1991), Marini analisa que a criação da grande
indústria moderna teria enfrentado fortes obstáculos sem a participação dos países dependentes.
Sem acesso aos bens-salário fornecidos pelos países da periferia, a industrialização da Europa
dependeria apenas de sua produção agrícola interna, bloqueando, desse modo, a capacidade
produtiva que a industrialização desses países já tornava evidente. Assim, a expansão da classe
operária industrial, das indústrias e dos serviços verificadas ao longo do século XIX nos países
industriais não ocorreria sem os meios de subsistência de origem agropecuária, proporcionados
de forma considerável pelos países latino-americanos. De acordo com Marini (1991) a
ampliação da oferta de meios de subsistência pelas economias dependentes teve como efeito a
redução do valor da força de trabalho nos países industriais, incrementando a produtividade e
elevando as taxas de mais valia. Essa foi a base que permitiu a especialização dos países
industriais na produção de manufaturados.
Para além do fornecimento de bens salários aos países industriais, a AL também
contribuiu para a conformação de uma fonte de matérias-primas industriais, importante para a
consolidação da grande indústria nascente e crescente. Conforme salientou Marini (1991) a
exportação de matérias-primas se revelaria como a tendência mais duradoura nos países da AL.
Porém, a contribuição da AL não se limitou ao aumento da quantidade de bens salário e
matérias-primas fornecidas aos países industriais, sua participação no mercado mundial
contribuiu decisivamente para que o “eixo da acumulação na economia industrial se desloque
da produção de mais-valia absoluta para a de mais-valia relativa”, como bem destacado por
Marini (1991: 11-12, tradução nossa). Ou seja, passa a ser cada vez mais central para
acumulação capitalista o desenvolvimento da tecnologia e sua utilização na grande indústria
como forma de extrair mais-valor da classe trabalhadora (MARX, 2013).
Ainda seguindo nas análises de Marini (1991), na troca entre as economias dependentes
e as industriais, dada a maior produtividade do trabalho nas últimas, estas se apropriam de parte
da mais-valia produzida nas primeiras, configurando-se uma troca desigual. As nações afetadas
por essa troca desigual não procuraram corrigir o desequilíbrio entre os preços e o valor das
mercadorias exportadas, optando por compensar as perdas sofridas nas relações comerciais
internacionais por meio de uma maior exploração da força de trabalho. Isto é, a “apropriação
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do valor realizado encobre a apropriação de uma mais-valia que é gerada mediante a exploração
do trabalho no interior de cada nação” (MARINI, 1991: 21, tradução nossa).
Com o objetivo de compensar a perda de mais-valia decorrente da troca desigual com
os países industriais, as economias dependentes reagiram, a partir do plano da produção interna,
implementando a superexploração da força de trabalho por meio do aumento da intensidade do
trabalho, do prolongamento da jornada de trabalho e, por fim, convertendo o fundo de consumo
dos trabalhadores em fundo de acumulação do capital. Os três mecanismos destacados
“configuram um modo de produção fundado exclusivamente na maior exploração do
trabalhador, e não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva” (MARINI, 1991: 24,
tradução nossa). Em tais circunstâncias, a produção nas economias dependentes se fundamenta
no uso intensivo e extensivo da força de trabalho, permitindo a diminuição da composição
orgânica do capital, que combinada à intensificação da exploração da força de trabalho resulta
numa elevação considerável das taxas de mais valor e de lucratividade do capital. Deste modo,
temos que,
nos três mecanismos considerados, a característica essencial, está dada pelo
fato de que são negadas ao trabalhador as condições necessárias para repor
o desgaste de sua força de trabalho: nos dois primeiros casos, porque lhe é
obrigado um dispêndio de força de trabalho superior ao que deveria
proporcionar normalmente, provocando assim seu esgotamento prematuro, e
no último, porque lhe é retirada inclusive a possibilidade de consumir o
estritamente indispensável para conservar a força de trabalho em estado
normal. Em termos capitalistas, esses mecanismos (que ademais podem se
apresentar, e normalmente se apresentam, de forma combinada) significam
que o trabalho é remunerado abaixo de seu valor e correspondem, portanto, a
uma superexploração do trabalho (MARINI, 1991: 24-25, tradução e grifos
nossos).
Osório (2013) salienta que a superexploração da força de trabalho é particularidade que
consiste na violação do valor dessa força de trabalho. No bojo da Teoria Marxista da
Dependência (TMD) tal categoria, a superexploração da força de trabalho, “constitui o eixo de
uma proposta teórica central para tornar inteligíveis os processos e relações que operam no
capitalismo dependente em sua imbricação com o sistema mundial capitalista” (OSÓRIO,
2013: 49). Dentro dessa perspectiva encontramos uma rica análise de Carcanholo (2013: 76),
quando afirma que a “(super) exploração da força de trabalho, antes de ser uma ideia exclusiva
do plano subjetivo, teórico e conceitual, é uma determinação real da forma como o modo de
produção capitalista se desenvolve”. Portanto, podemos considerar que na análise dos autores
supramencionados, a superexploração da força de trabalho consiste, para além das
particularidades, subjetividades e análises conceituais, como uma determinação concreta e
objetiva da acumulação do capital.
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Cabe ressaltarmos que tal forma de exploração da força de trabalho foi considerada por
Marx (2017: 274) no livro III d'O Capital ainda que apenas empiricamente e não como uma
categoria uma das “causas mais importantes de contenção da tendência à queda da taxa de
lucro”. Na perspectiva de análise da teoria social de Marx, a tendência de queda da taxa de
lucro pode ser amenizada quando se reduz o valor dos salários, quando se introduz maior
tecnologia ou ainda quando se utiliza de jornadas mais intensas e extensas ou todos estes fatores
combinados como vem ocorrendo desde os anos de 1970 em diversos países do centro e mais
acentuadamente em países da periferia capitalista.
Osório (2018) sinaliza que em Marx, o valor da força de trabalho deve levar em
consideração os meios de vida necessários para assegurar a subsistência do trabalhador e que o
modo de satisfazer suas necessidades e de sua família (alimentação, moradia, saúde, educação,
descanso e lazer), são produzidos historicamente. O prolongamento e a elevação da intensidade
da jornada de trabalho na esfera da produção, rebatem no valor total da força de trabalho e nas
condições de vida futuras, permitindo que o capitalista possa comprar essa força de trabalho
por um salário abaixo de seu valor. No capitalismo dependente, prossegue Osório (2018),
existem as condições objetivas para que o mecanismo fundamental de exploração do capital se
manifeste na forma da superexploração.
O autor chileno (2018) destaca três fatores que compõem essa dinâmica. O primeiro
seria a ruptura do ciclo de capital presente nos padrões de reprodução ocorridos desde os
processos de independência em que se destacam a vocação exportadora e a estrutura produtiva
que impede que os trabalhadores participem da realização dos bens produzidos. O segundo
fator seria as perdas de valor no mercado mundial sofridas pelo capitalismo dependente por
meio de transferências e intercâmbio desigual. Esse processo representa respostas do capital
mediante a apropriação presente do fundo de consumo dos trabalhadores e que impacta
futuramente nos anos de trabalho e de vida desses trabalhadores, devido a ampliação e
intensificação das jornadas de trabalho. O terceiro fator é a abundante força de trabalho
existente nos países de capitalismo dependente que favorece a pressão dos baixos salários e de
condições precárias de trabalho.
Para os autores que analisam a TMD, a superexploração da força de trabalho constituiu-
se como fundamento da economia dependente. Segundo Marini (2013), a industrialização em
condição de dependência, particularmente a partir de 1930, estava voltada fundamentalmente
para a substituição de importações necessárias ao consumo das camadas médias e altas da
sociedade. Para propagar a dinâmica deste segmento populacional no mercado consumidor,
subtraiu-se das outras frações da classe trabalhadora a renda que permitia sua inserção nesse
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mesmo mercado consumidor, seja através de salários muito baixos ou ainda pela ausência de
políticas de renda para sua inserção no consumo. Nesse sentido, o cenário era perfeito para a
realização da superexploração da força de trabalho, pois parte significativa da classe
trabalhadora desses países ficavam com o ônus do arrocho salarial e da ausência de políticas de
renda, o que privilegiava o consumo de frações muito específicas da classe trabalhadora.
Acrescemos ainda o fato de que nesses países já nos anos pós primeira guerra mundial,
quando acelera-se a pressão por crescimento industrial, houve um fluxo enorme de
trabalhadores do campo para as cidades a fim de formar uma massa sobrante o que gerou uma
superpopulação relativa nas três fases destacadas por Marx
1
(2013). Nesse sentido o
desemprego nas cidades se torna um fato presente nessas economias, respeitando a
particularidade de cada país latino americano, mas que combinado à crescente importação de
tecnologias modernas de produção contribuiu para agravar a situação dos trabalhadores mais
pauperizados e com baixa qualificação, na medida em que, expandia acentuadamente o
desemprego e subemprego, sem o qual não seria possível manter a superexploração da força de
trabalho.
No Brasil data de 1930 o maior impulso à industrialização. É também nesse período que
assistimos a uma crescente expulsão do trabalhador rural para a cidade formando um exército
industrial de reserva. Para Oliveira (2017), a expulsão dos trabalhadores do campo associada a
inexistência de legislações trabalhistas e/ou políticas de renda permitiram a formação de uma
massa sobrante apta a se inserir no mercado de trabalho em condições muito precárias, com
salários abaixo do poder de compra do mínimo necessário para as reais necessidades das
famílias e com direitos trabalhistas reduzidos ou inexistentes. Frederico (2009) acrescenta que
para os trabalhadores do campo que aportavam nas cidades a condição de trabalho, embora
precária, era muito superior à realidade vivida na zona rural em que os meios de consumo e
serviços sociais eram inexistentes ou de difícil acesso. Isso favoreceu, inclusive, o baixo poder
reivindicativo e organizativo da classe trabalhadora brasileira, favorecendo à dinâmica da
superexploração.
Com o avanço da industrialização no país, tal quadro pouco se alterou, apesar de
existirem algumas legislações trabalhistas e benefícios como previdência social,
regulamentação de férias e jornadas de trabalho, estes se restringiam a determinadas categorias
1
Marx (2013) divide a superpopulação relativa em três segmentos. O primeiro ele denomina de latente e refere-se
a trabalhadores da que migram de um trabalho a outro em decorrência dos momentos de crise e expansão da
produção. A segunda é denominada de flutuante e caracteriza os trabalhadores do campo que buscam trabalho na
cidade e a terceira a estagnada, formada por indivíduos que não encontram emprego no mercado de trabalho, seja
pelas suas condições físicas ou pela falta de qualificação para tal.
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de trabalhadores, em especial aqueles inseridos nos setores chaves para o funcionamento da
indústria nascente. Soma-se ao contexto o fato de que os negros, parte considerável da
população brasileira, ocupavam postos de trabalho em que a superexploração da sua força de
trabalho era mais acentuada que a dos brancos, corroborando a lógica exposta por Marini
(2013)
2
. Mesmo com a chegada das empresas transnacionais, durante o período
desenvolvimentista, a situação não se alterou, prevalecendo os melhores salários e condições
de trabalho aos segmentos médios e com maior grau de instrução e os baixos salários e escassos
serviços sociais aos trabalhadores que não possuíam tais características. Ou seja, continuou
como marca do nosso desenvolvimento econômico e social a subtração de renda dos mais
pobres para garantir renda e consumo aos mais ricos, além das longas e intensas jornadas de
trabalho e o fundo de consumo dos trabalhadores sendo apropriado para fins de acumulação do
capital.
Nos períodos subsequentes em que vigorou a ditadura civil-militar, a situação não se
reverteu. A continuidade da política de industrialização por meio de substituição de importações
- vigente entre os anos 1930 e 1964 - nos governos civis-militares aprofundou os mecanismos
de superexploração da força de trabalho. O ingresso de capital estrangeiro e o não investimento
em tecnologias para alavancar a produção industrial e o consumo interno reforçou os rasgos da
nossa formação sócio histórica. O alto endividamento externo, mecanismo utilizado para
recuperar as taxas de lucro dos países industrializados, serviu como mais um elemento para
imposição de um arrocho salarial à amplos setores da classe trabalhadora e a limitação de nosso
mercado interno aos estratos médios e altos da classe trabalhadora, além da tendência à alta
informalidade e desemprego que permaneceu ao longo dos 21 anos do regime ditatorial.
O resultado é que no Brasil, desde o início da industrialização, assim como em outros
países latino americanos, foi negado a grande parcela dos trabalhadores as condições de
reprodução “normal” de sua força de trabalho, ocasionando o seu esgotamento prematuro. Tal
foi a solução encontrada pelas classes dominantes das economias dependentes para compensar
a transferência de mais-valia – troca desigual - para os países industriais e garantir seus lucros.
Assim, da perspectiva de Marini (2013, p. 52), a “superexploração do trabalho [superexploração
da força de trabalho, N.A] constitui [...] o princípio fundamental da economia subdesenvolvida”
com todas as mazelas sociais “baixos salários, falta de oportunidades de emprego,
analfabetismo, subnutrição e repressão policial” – que marcam o capitalismo dependente.
2
Para uma análise mais aprofundada da influência do europeu colonizador nas relações de trabalho na América
Latina ver Quijano (2005).
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Superexploração da força de trabalho e acumulação: concentração e
desigualdade social no Brasil no século XXI
Segundo Arcary (2014), a reabertura democrática no Brasil ocorreu em meio a duas
décadas (1980-1990) de estagnação econômica. Os problemas relacionados a inflação
enfrentados pelo país na década de 1980 foram resolvidos pelos governos neoliberais da década
de 1990 por meio de um “arrocho social regressivo” que teve como resultado a conformação
de uma economia periférica de baixo crescimento. Tal movimento minou a possibilidade das
reformas graduais, características do reformismo social democrata, de modo que, as limitações
estruturais do capitalismo mundial, assim como da particularidade brasileira pós década de
1970, sugerem o agravamento da superexploração da força de trabalho pela via do arrocho
salarial, do aumento do desemprego e do crescimento exponencial dos quadros de pobreza da
população brasileira.
No mesmo sentido, Carneiro (2002) sugere que a política econômica de preservação da
estabilidade monetária implementada nos anos 1990 – particularmente a partir do Plano Real –
no Brasil, tem como elemento central o caráter restritivo do gasto público que, combinado com
as privatizações, desregulamentação do mercado de trabalho, dependência, vulnerabilidade
externa e dominância do capital financeiro, contribuiu para a conformação ao fim da década de
um baixo dinamismo na economia brasileira.
Embora o baixo dinamismo da economia nacional, a classe trabalhadora brasileira
obteve ganhos no início do Plano Real em relação ao seu poder de compra. Contudo, tais ganhos
não lograram em uma ruptura com a lógica da superexploração da força de trabalho. As medidas
adotadas pelo governo FHC orientaram-se no sentido da criação de um plano de estabilidade
econômica combinado com um ajuste estrutural para atender as diretrizes do Fundo Monetário
Internacional (FMI) resultando em uma contenção de gastos públicos em especial em áreas
sociais como saúde e educação. Ou seja, o legado dos anos ditatoriais associado aos governos
Sarney, Collor/Itamar e FHC evidenciaram que a retomada da economia a partir de pressupostos
neoliberais sinalizava para uma perspectiva de garantir o interesse de nossos credores -
pagamento da dívida externa – por meio da realização sistemática do superávit primário.
As análises de Filgueiras e Gonçalves (2007) apontam para a continuidade da política
de matiz liberal ao longo dos governos do PT, sugerindo a ocorrência no período da
consolidação do modelo liberal periférico caracterizado pela liberalização, privatização,
desregulamentação das relações de trabalho, subordinação, vulnerabilidade externa estrutural e
dominância do capital financeiro. Soma-se a isso o aumento do desemprego estrutural, da
alteração de leis trabalhistas para favorecer o capital, resultando, nas palavras de Oliveira
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(2017), num processo de precarização desprotegida e dos investimentos em programas
assistenciais de baixo custo e caráter focalizado em detrimento do investimento em políticas de
caráter universal, além do desarme da classe trabalhadora (IASI, 2012).
Como destaca Costa (2013), não houve ruptura dos governos do PT com as políticas
neoliberais. Ou seja, a partir de 2003 manteve-se o núcleo duro da proposta neoliberal vigente
no Brasil ao longo dos anos 1990. Os governos do PT utilizaram a articulação entre empresas,
bancos públicos, fundo público e fundos de pensão dos trabalhadores, para impulsionar um
amplo movimento de concentração e centralização de capital nas esferas financeira e produtiva,
contribuindo para o fortalecimento internacional de importantes grupos nacionais. Nesse
sentido, permaneceu como uma das características fundamentais do capitalismo brasileiro na
primeira década do século XXI o alto grau de concentração do capital. Concomitantemente, a
social democracia retardatária não implementou as medidas características do reformismo
social democrata europeu. o que se presenciou nesse período foi a retirada de renda das ditas
classes médias para transferir para os segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora
(CARVALHO, 2018). Em um sentido próximo, Netto (2017, p. 86) chama a nossa atenção para
a conjugação no Brasil da era PT do “minimalismo assistencialista” com a “repressão
extraeconômica às camadas pauperizadas”.
Observando a política fiscal iniciada durante os governos de Fernando Henrique
Cardoso e mantida durante os governos de Luís Inácio Lula da Silva, percebe-se que esta foi
orientada pelas recomendações estabelecidas nos acordos firmados entre o governo brasileiro e
o Fundo Monetário Internacional (FMI). Uma perspectiva presente desde 1988 de modo a
favorecer o capital financeiro. Conclusão também defendida por Salvador (2012, p.129),
quando analisa o orçamento público durante os dois mandatos de Lula (2003-2010),
constatando que o Brasil continuou ostentando uma carga tributária de caráter regressivo que
atua como mecanismo a favor da concentração de renda “agravando o ônus fiscal dos mais
pobres e aliviando o das classes mais ricas”, característica que vai ser mantida nos governos de
Dilma Rousseff.
Romero, Andreassy e Godeiro (2014) salientam que um dos aspectos que nos permitem
comprovar tal tendência é a queda inexpressiva da concentração de renda. Embora alguns
dados indiquem uma diminuição da concentração de renda, como exemplifica o leve aumento
do Coeficiente de Gini
3
de 0,595 em 2000 para 0,543 em 2010 e 2011. Este aumento pode ser
atribuído aos programas e políticas adotadas ao longo dos governos petistas, como o Bolsa
3
Destacamos que o Índice de Gini mais próximo de zero representa menos desigualdade social.
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Família. O mesmo podemos dizer com relação aos salários, haja vista que durante os governos
PT foi apontado que a classe trabalhadora obteve ganhos com relação ao salário real, o que pode
levar a uma compreensão equivocada da alteração da dinâmica da superexploração da força de
trabalho, como apontado por nós.
Diante do exposto podemos considerar que a desigualdade social, a concentração de
renda e superexploração da força de trabalho não se alterou no Brasil ao longo das últimas
décadas. Os dados disponibilizados abaixo corroboram nossa hipótese. Segundo Romero,
Andreassy e Godeiro (2014), entre 1970 e 2011 a produção de riqueza e a população brasileira
aumentaram mais de duas vezes. Do ponto de vista populacional passamos de 93,1 milhões na
década de 1970 para 192,4 milhões em 2011. Do ponto de vista da produção de riqueza, nosso
Produto Interno Bruto per capita (PIB per capita) era na década de 1970 de 5.238 dólares por
habitante, ao passo que em 2011 passamos a produzir 12.688 dólares por habitante.
A observação dos dados disponibilizados pelo DIEESE (2016) acerca da variação do
salário mínimo real entre 1983 e 2016 – valores corrigidos em R$ de 2016 –, permite
distinguirmos duas trajetórias distintas. No período entre 1983 (R$ 870,88) e 1995 (R$ 383,73)
continuidade do arrocho salarial iniciado pela ditadura, visto que, a trajetória é de queda
acentuada do poder de compra dos salários, enquanto, a partir de 1996 (R$ 389,65) inicia-se a
reversão dessa trajetória que se intensifica ao longo dos governos do Partido dos Trabalhadores
(PT), culminando em 2016 (R$ 880,00) na aproximação do valor real do mínimo vigente no
início dos anos 1980 - 50% do valor do mínimo real em 1940, quando foi definido por Getúlio
Vargas. Após a trajetória de aumentos reais, no pós-golpe, sob Temer, o poder de compra do
salário volta a cair (DIEESE, 2020).
Para ilustrar, a comparação da variação do salário mínimo nominal com a variação do
salário mínimo necessário permite observar que durante os governos petistas os rendimentos
da grande maioria dos trabalhadores brasileiros se mantiveram abaixo do valor de sua força de
trabalho, comprovando a relação da superexploração da força de trabalho nos países
dependentes – 95% dos empregos gerados corresponderam a remunerações de até 1,5 salários
mínimos (POCHMANN, 2012). Tomando como base o mês de janeiro, em 1995 início do
governo FHC o salário mínimo nominal era de R$ 70,00 ao passo que o salário mínimo
necessário era de R$ 723,82 (mais de sete vezes o valor do primeiro); em 1999 segundo
mandato FHC – eram respectivamente R$ 130,00 e R$ 880,93; ao fim do primeiro mandato de
Lula em janeiro de 2007 eram R$ 350,00 e R$ 1.565,61(mais de quatro vezes o valor do
primeiro); no início do primeiro mandato de Dilma em 2011 o mínimo nominal era R$ 540,00
e o nimo necessário era R$ 2.194, 76; na iminência do golpe em 2016 verificamos
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respectivamente, R$ 880,00 (mínimo nominal) e R$ 3.795,24 (mínimo necessário); em 2017
observamos um salário mínimo nominal de R$ 937,00 e o mínimo necessário de R$ 3.811,29;
em 2018 correspondia respectivamente a R$ 954 e R$ 3.752,65; em 2019 verificamos um
salário mínimo nominal de R$ 998,00 e um mínimo necessário de R$ 3.928,73 e por fim; em
2020 atingimos a marca de R$ 1.039,00 para o primeiro e R$ 4.420,11 para o último (DIEESE,
2019).
Os dados apontados revelam que, apesar da política de valorização do salário mínimo
real verificada ao longo dos governos PT, a superexploração da força de trabalho – por meio da
apropriação pelo capital do fundo de consumo dos trabalhadores permanece vigente como
fundamento da acumulação capitalista no Brasil nessas primeiras duas décadas do século XXI.
A grande maioria dos trabalhadores brasileiros ainda enfrenta dificuldades para sobreviver
contando com apenas um quarto da renda que seria necessária para a manutenção e reprodução
de sua força de trabalho em condições consideradas normais.
Além dos indicadores de distribuição pessoal da renda (DPR) fornecidos pelas PNADs
e Censos do IBGE que captam a “distribuição dos rendimentos que as pessoas, famílias ou
domicílios recebem”, e do Índice de Gini comumente utilizados pelos especialistas ao discutir
a evolução da desigualdade social no Brasil, consideramos necessário para uma caracterização
mais precisa da situação vigente no país a observação do indicador de distribuição funcional da
renda (DFR). O DFR consiste em uma “ótica de análise distributiva que visa analisar a
repartição do Produto Interno Bruto (PIB) ou da Renda Nacional (RN) entre os proprietários de
capital (renda do capital) e os trabalhadores assalariados (renda do trabalho)”, ou em outras
palavras, nos permite observar a distribuição da renda entre os capitalistas, os trabalhadores e
os proprietários de terra, considerando a parcela da renda correspondentes a salários, lucros e
aluguéis (PEREIRA, 2017: 16). Assim:
A DFR é considerada uma Distribuição Primária da Renda, pois se refere à
renda antes das transferências e dedução de impostos, ou seja, antes de
qualquer redistribuição dos rendimentos. Assim, esse é um dos motivos que
justificam a importância de uma análise conjunta da DFR e DPR para uma
compreensão mais acurada do quadro distributivo, visto que os dois tipos de
distribuição são mensurados em momentos diferentes do processo de
apropriação da renda (PEREIRA, 2017: 17).
Com base nos dados fornecidos por Pereira (2017), sobre a soma do conjunto dos
rendimentos dos trabalhadores e dos autônomos, a participação dos Rendimentos do Trabalho
na Renda Nacional caiu de 52% para 46% entre 1990 e 1994, se elevou 10% entre 1994 e 1995
(56%) – período de implementação do Plano Real – e voltou a cair sistematicamente até o ano
de 2004 quando correspondia a cerca de 50% da Renda Nacional. Entre 2004 e 2014
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verificamos uma nova trajetória, ocorrendo a elevação da participação do rendimento do
trabalho na renda do país, que passou de 50% em 2004 para 52% em 2014, pouco acima do
nível verificado em 2003 (51%) após dois mandatos de FHC. A consideração dos rendimentos
dos autônomos como parte do rendimento do trabalho pode levar a superestimação ou
subestimação destes últimos. Logo abaixo apresentamos como isso pode ocorrer quando
analisamos a parcela dos salários na Renda Nacional sem considerar os rendimentos dos
autônomos.
Nas condições demarcadas, a parcela dos salários variou de 45% em 1990 para 40% em
1994, subindo para 42% em 1995 e, partir de então estabeleceu-se uma trajetória de queda até
2004 quando voltou a corresponder a aproximadamente 40% da Renda Nacional, tal como em
1994. De 2004 a 2014 verificamos uma trajetória ascendente com variação dos rendimentos do
trabalho de aproximadamente 40% em 2004 para 43% da Renda Nacional em 2014, acima dos
39% observados em 2003 ao fim dos governos FHC.
Ao compararmos a relação entre os salários reais (SR) e a produtividade do trabalho na
década de 1990 e nos anos 2000, percebemos dois movimentos distintos. Entre 1990 e 2000,
exceto no ano de 1999, ocorreu um forte aumento da produtividade do trabalho, ao passo que
entre 2000 e 2006 a produtividade se estabiliza, voltando a crescer no período 2006-2013.
Enquanto isso, após uma forte queda do SR entre 1990 e 1991, o valor do SR foi retomado em
1993, verificando-se entre 1993 e 2003 uma estabilidade dos salários com tendência
decrescente, a partir de então verificou-se um forte aumento dos salários reais até 2013
(PEREIRA, 2017). Assim, observamos que, de um lado, entre 1993 e 2003, dada a estabilidade
com tendência decrescente do SR, o aumento da produtividade do trabalho no período
contribuiu sobremaneira para a diminuição da parcela dos salários na RN e, por outro, a forte
tendência de alta do SR entre 2003 e 2013 constituiu-se como uma das grandes responsáveis
pela elevação da parcela dos rendimentos do trabalho na RN no período. Como sinaliza Luce
(2012), a pequena melhoria da participação dos trabalhadores na RN que destacamos, não foi
capaz de alterar o nível de desigualdade entre os rendimentos do capital e do trabalho.
Não podemos deixar de chamar a atenção para o fato de que, parte significativa da
inserção da classe trabalhadora no consumo a partir dos anos 2000 teve como fundamento a
expansão do crédito verificada ao longo dos governos PT, ou seja, a subordinação ainda maior
dos trabalhadores ao capital financeiro pela via do endividamento e a formação de bolhas
especulativas, dada a incerteza acerca da solvência da dívida contraída pelos trabalhadores
(ROMERO; ANDREASSY; GODEIRO, 2014). Segundo a Associação Brasileira de Bancos
ABBC (2018), em dezembro de 2006, ao fim do primeiro mandato Lula, 24% das famílias
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brasileiras estavam em dívida com o capital financeiro; em 2010, ao fim do segundo, 39%
haviam se endividado; dando continuidade a trajetória de endividamento crescente das famílias
ao longo dos governos PT. Em dezembro de 2015, meses antes do golpe, 45% das famílias
encontravam-se endividadas.
O quadro fica mais completo, quando observamos que, parte significativa do
endividamento das famílias aproximadamente 25% em 2015 ocorreu na compra da casa
própria, que no nosso entendimento, foi estimulada em grande medida pela execução do
programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) no âmbito do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). Os dados apresentados evidenciam a manutenção da dominância
financeira sobre a economia brasileira característica do neoliberalismo – ao longo dos
governos do PT (GONÇALVES, 2012; 2013).
Ainda no âmbito da renda, com relação às políticas de transferência de renda,
acreditamos ser fundamental para a compreensão da postura do Estado frente às classes em luta
no período, a consideração tanto das transferências feitas a classe trabalhadora, quanto daquelas
feitas ao capital e suas diferentes frações, via pagamento de juros e amortizações da dívida
pública, investimentos estatais e isenções fiscais. O governo FHC pagou ao capital financeiro
entre 1994 e 2002 R$ 6,1 trilhões, enquanto nos dois mandatos de Lula foram pagos R$ 5,7
trilhões e sob Dilma até 2012 haviam sido pagos R$ 1,46 trilhão. Apesar do volume dos
pagamentos referidos o valor da dívida aumentou, passando de R$ 0,3 trilhão em 1994, R$
1,2 trilhão em 2002, R$ 2,7 trilhões em 2010 e R$ 3,7 trilhões em 2012.
Assim no período de 1995 a 2010 a participação dos ativos dos bancos no PIB brasileiro
cresceu substancialmente, intensificando-se sobremaneira ao longo dos dois mandatos de Lula.
Verificamos que em 1995 o PIB foi de R$ 2,341 trilhões e a participação dos ativos bancários
de R$ 0,598 trilhão (26% do PIB) em 2000, respectivamente, R$ 2,689 trilhões e R$ 1,252
trilhão (47% do PIB), em 2003 R$ 2.720 trilhões e R$ 1.331 trilhão (49% do PIB), e por fim
em 2010 o PIB de R$ 3,674 trilhões foi ultrapassado pelos ativos nas os dos bancos que
atingiram o valor de R$ 4,385 trilhões de reais (119% do PIB) (ROMERO; ANDREASSY;
GODEIRO, 2014).
Observamos que o programa Bolsa Família – carro chefe da política social na era PT –
transferiu aos trabalhadores em 2011 e 2012, respectivamente, R$ 17 bilhões e R$ 18 bilhões,
ao passo que, nos mesmos anos, o governo transferiu ao capital financeiro via pagamento de
juros e amortizações da dívida pública, respectivamente, R$ 708 bilhões e R$ 753 bilhões, ou
seja, aproximadamente 42 vezes o valor transferido aos trabalhadores por meio do Bolsa
Família (ROMERO; ANDREASSY; GODEIRO, 2014).
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Aos escassos investimentos em políticas de assistência social soma-se os baixos ou
iníquos investimentos em políticas de saneamento básico, saúde, educação, dentre outras, o que
não permite a redução de gastos da classe trabalhadora pela prestação de serviços sociais
oferecidos pelo governo. O mesmo podemos dizer com relação às políticas passivas de
emprego, como exemplifica o seguro desemprego, com cobertura temporal e financeira
insuficiente para prover renda em tempo hábil para a reinserção do trabalhador no mercado
formal de trabalho. Com a ausência de políticas passivas de emprego a informalidade no país
permanece em alta, como marca da nossa relação de trabalho. Por informais nos referimos aos
trabalhadores sem carteira assinada, domésticos sem carteira assinada, autônomos sem
contribuição à previdência, empreendedores sem CNPJ. No período de 2012 a 2016 a taxa de
informalidade no Brasil ficou em torno de 42%, segundo Chahad (2019).
À informalidade acrescentamos a precariedade das relações de trabalho. As mudanças
nas leis trabalhistas, justificadas para ampliar o mercado formal de trabalho acentuam estas
características, pois são reflexos de uma política para contra-arrestar a queda tendencial da taxa
de lucro e aumentar os ganhos de capital, apostando no arrocho salarial, na expansão da jornada
de trabalho e na redução de benefícios trabalhistas. A reforma trabalhista que altera a
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o congelamento do teto dos gastos são exemplos
desta realidade. A Lei nº 13.467 de julho de 2017, associada a PEC do teto dos gastos aprovada
como EC 95 em 2016 são evidências da necessidade de recuperação das taxas de lucro de
parcelas do grande capital nacional e internacional.
Tal fato pode ser comprovado pela concentração da renda. Os números de 2014 mostram
que 50% dos mais pobres detinham cerca de 5,7 % da renda do trabalho e, em 2019 este
percentual diminui para 3,5%. “Já os 10% mais ricos da população que recebiam cerca de 49%
do total da renda do trabalho em meados de 2014 aumentaram para 52% no início de 2019, um
aumento de 30% na fração da renda apropriada pelos 10% mais ricos” (OREIRO e PAULA,
2019, p. 7).
Do ponto de vista da renda, como destacado por Luce (2012), a privação hodierna de
amplas camadas da classe trabalhadora brasileira do acesso à alimentação normal, habitação,
vestuário, higiene e transporte sugere que, apesar dos esforços levados a cabo pelo PT por meio
das políticas de valorização do salário mínimo e da transferência de renda via Bolsa Família, a
superexploração da força de trabalho por meio da apropriação pelo capital de parte do fundo
de consumo dos trabalhadores permanece como um dos fundamentos da acumulação capitalista
no Brasil nesse início de século XXI.
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Considerações finais
Diante do exposto, inferimos que nos países dependentes, caso do Brasil, a
superexploração da força de trabalho consiste na remuneração da força de trabalho abaixo de
seu valor em decorrência do aumento da intensidade do trabalho, do prolongamento da jornada
de trabalho e da conversão do fundo de consumo dos trabalhadores em fundo de acumulação
do capital, de modo que, são negadas a grandes parcelas dos trabalhadores as condições de
reprodução normal de sua força de trabalho, ocasionando o seu esgotamento prematuro. Essa
foi a solução encontrada pelas classes dominantes das economias dependentes para compensar
a transferência de mais-valia aos países industriais e garantir seus lucros. Nesse sentido, a
categoria da superexploração da força de trabalho desenvolvida por Marini nos anos de 1970
constitui ainda um dos fundamentos sob o qual se desenvolveram as economias dependentes.
Os dados apontados nos revelam que a política de valorização do salário mínimo real
verificada ao longo dos governos PT e as transferências de renda via Bolsa Família, não foram
capazes de alterar o nível de desigualdade entre os rendimentos do capital e do trabalho no
Brasil, existindo indícios de que a superexploração da força de trabalho – por meio da
apropriação pelo capital do fundo de consumo dos trabalhadores permanece vigente como
fundamento da acumulação capitalista no Brasil nessas primeiras duas décadas do século XXI,
de modo que, em 2020 a grande maioria dos trabalhadores brasileiros apropria-se de apenas um
quarto da renda que seria necessária para a manutenção e reprodução de sua força de trabalho
em condições consideradas suficientes para prover minimamente sua sobrevivência.
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