DOI 10.34019/1980-8518.2020.v20.30784
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 20, n.2, p. 602-618, jul. / dez. 2020 ISSN 1980-8518
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Considerações sobre a crítica marxista à
dinâmica da pobreza na sociabilidade
capitalista e seu caráter estrutural
Fabrício Fontes de Andrade
*
RESUMO: É objetivo deste artigo debater a crítica marxista à pobreza na sociedade capitalista em face
ao seu caráter funcional e estrutural na sociabilidade capitalista. A análise marxista demonstra que a
pobreza não é passível de superação na sociedade do capital, sendo esta um resultado consequente e
necessário deste modo de produzir riquezas. Palavras-chave: Estado; pobreza; política social;
marxismo.
PALAVRAS-CHAVE: Estado; Pobreza; Política Social; Marxismo.
Considerations about the marxist critique of the dynamics of poverty in
capitalist sociability and its structural character
ABSTRACT: The purpose of this paper is to debate the Marxist critique of poverty in capitalist society
in view of its functional and structural character in capitalist sociability. Marxist analysis shows that
poverty cannot be overcome in capital society, which is a consequent and necessary result of this way
of producing wealth.
KEYWORDS: State; Poverty; Social Policy; Marxism.
*
Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor Adjunto II da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB.
Considerações sobre a crítica marxista à dinâmica da pobreza na sociabilidade capitalista e seu caráter estrutural
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Introdução
Do ponto de vista historiográfico certamente a humanidade convive com formas de
pobreza e seus desdobramentos antes de experimentar o desenvolvimento da sociedade
capitalista. Em modo de produção anterior ao capitalismo, a pobreza decorria seja da
incapacidade de geração de riquezas ou pela escassez de gêneros alimentícios. Situação que se
desdobrou na pobreza de milhões de pessoas, na medida em que surtos e epidemias levavam à
morte um número também significativo de seres humanos por completa incapacidade social de
geração de riquezas e tecnologias para seu enfrentamento.
Se a pobreza é anterior ao capitalismo, sob a organização produtiva do capital esta
assume formas marcadamente distintas das anteriores. Em lugar de ser decorrente da escassez,
sob o ordenamento do capital a pobreza afirma-se e persiste mesmo diante do crescimento
significativo da abundância e da ampliação inédita da capacidade produtiva. Visualiza-se,
portanto, a pobreza como uma contraface do desenvolvimento ampliado do sistema capitalista,
não como resultante de uma incapacidade de geração de riquezas.
Nesta perspectiva, é objetivo deste artigo discutir a análise marxista sobre a pobreza na
sociabilidade do capital, apontando o seu caráter estrutural e funcional no sistema capitalista.
A crítica marxista da pobreza na sociedade burguesa busca superar a interpretação
limitada deste fenômeno em suas evidências mais imediatas, objetivando alcançar suas
determinações essenciais decorrentes do modo de produção capitalista. Logo, ao se analisar a
dinâmica da pobreza enquanto expressão da “questão social”, ou seja, resultante da forma como
se organiza a produção capitalista, faz-se importante destacar que a expressão “Questão Social”
data das primeiras décadas do século XIX, sob a inspiração do pensamento conservador. Tal
expressão surge para designar os problemas sociais decorrentes de uma nova ordem societária,
problemas estes muito ligados ao pauperismo crescente na transição do feudalismo ao
capitalismo enquanto forma primordial de empreender a produção material. Este fenômeno de
aumento da pobreza descrito pelos conservadores passa a ser enfrentado com medidas que
atuam em sua mitigação e controle, mas não em medidas que possibilitem a sua dissolução
nesta emergente ordem societária.
Destaca-se aqui, que nossa investigação se orienta sob a crítica marxista da “questão
social”, cujo estatuto teórico ultrapassa o viés moralizador do conservadorismo para utilizar a
fundamentação da crítica da economia política para desvelamento dos processos societários que
determinam os diversos modos de manifestação concreta da questão social” na sociabilidade
do capital.
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A pobreza no capitalismo e seu caráter estrutural
É importante assinalar que, em direção diversa da adotada neste artigo que utiliza a
teoria crítica, a dimensão argumentativa sob o prisma liberal clássico aponta que as expressões
da “questão social”, entre elas a pobreza, passariam pela atribuição de características deletérias
aos pobres, cuja situação de pobreza estaria vinculada a responsabilização individual por sua
condição, resultado de baixa capacidade educacional dos indivíduos, falta de planejamento e
racionalidade na utilização dos recursos disponíveis aos mesmos, e desordens de origem moral
e comportamental.
Embora não seja objetivo primordial deste artigo analisar especificamente as
experiências históricas do enfrentamento da pobreza, nota-se que na gênese da sociedade
capitalista as ações para mitigar a pobreza resultaram em ações filantrópicas, nas restritivas leis
dos pobres e aprofundadas em seu caráter repressor no advento da Nova lei dos Pobres
1
a partir
de 1834. De acordo com Iamamoto (2001), esta caracterização das situações de pobreza se torna
fundamentalmente problemática no desvelamento de seu caráter estrutural sob o capitalismo,
uma vez que este entendimento mais estreito da dinâmica social possibilita:
a pulverização da questão social, típica da ótica liberal, resulta numa
autonomização e suas múltiplas expressões as várias “questões sociais”
em detrimento da perspectiva de unidade. Impede assim de resgatar a origem
da questão social imanente à organização social capitalista, o que não elide a
necessidade de apreender as múltiplas expressões e formas concretas que
assume” (p.18).
A partir destes pontos destacados quanto ao enfoque dado à “questão social” no
capitalismo, corrobora-se o exame contido em Montaño (2012), em que se demonstra que a
“questão social” e a pobreza passam a ser enfrentados operando três pressupostos articulados:
primeiro, a disjunção dos elementos políticos e econômicos na gênese da “questão social”;
segundo, importando a individualização das causas da pobreza e, em terceiro aspecto, impondo
o seu confronto através da categorização dos pobres e naturalização da miséria.
Em sentido dissonante e crítico à naturalização da miséria contida no pensamento (neo)
liberal, o debate marxista apesar de sua diversidade e complexidade, tem se destacado em
1
Estas medidas foram destinadas a regular a mendicância e a vagabundagem, proporcionando benefícios para as
pessoas em necessidade, desde que não deixassem suas respectivas paróquias ou os distritos onde se estabeleceram.
Essas Leis se dividiam em dois grupos: as velhas e as novas leis dos pobres. As “Velhas Leis dos Pobres” são
aquelas em vigor durante o período de finais do século XVI (reinado de Elizabeth I) até 1834. A sua concepção e
execução eram altamente descentralizadas nas paróquias locais. As Velhas Leis dos Pobres foram substituídas
pelas chamadas “Novas Leis dos Pobres”, estendendo-se desde 1834 até o advento do Estado social moderno na
Grã-Bretanha (após a Segunda Guerra Mundial). As novas Leis dos Pobres foram mais centralizadas (deixando a
paróquia como instância de execução), instalando-se na generalização de “casas de trabalho” (workhouses) e uma
menor assistência aos “capazes de empregar-se”.
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estudos que fundam a gênese da “questão social” na lei geral da acumulação capitalista. Este
debate se consolida e determina a interpretação da emergência da “questão social” à cena
política desde as sistematizações de intervenção social através do Estado como resultado da
mobilização e organização da classe trabalhadora.
Em relação a este processo de ampliação das funções estatais, Netto (2006) afirma que
as intervenções do Estado nas manifestações da “questão social” embora fragmentadas e
residuais se ampliam enquanto tais na passagem do capitalismo concorrencial ao monopolista,
momento a partir do qual, o Estado amplifica suas funções assumindo ações que vão além da
coerção social, inserindo-se na consolidação da esfera do consenso social, operado através de
mecanismos diversos, dentre os quais se destacam as políticas sociais empreendidas nos
Estados capitalistas.
Deste modo, de acordo com a análise de Netto (2006) notam-se diferenciações no modo
de responder às expressões da “questão social” sob o capitalismo, uma vez que, no âmbito do
chamado capitalismo concorrencial a “questão social” somente era alvo de alguma intervenção,
mesmo que elementarmente coercitiva ou superficial, quando a manifestação cotidiana da
“questão socialcolocava óbice à continuidade da produção capitalista. Em seu conteúdo, estas
intervenções empreendidas pelo poder estatal se caracterizavam predominantemente por serem
operacionalizadas de maneira coercitiva e/ou moralizadora frente aos trabalhadores que
escapavam da lógica “modernizadora” e do “progresso” propiciado pelo modo de produção em
consolidação.
Neste sentido, referenciando nossa interpretação em Netto (2006), destaca-se que
somente na passagem para a era dos monopólios que se institucionaliza a administração das
expressões da “questão social” através das políticas sociais como mecanismo de consenso
social. Esta intervenção nas expressões da “questão social” por meio de políticas sociais
emergia no momento em que o Estado sob a hegemonia dos monopólios buscava legitimação
política no âmbito da democracia liberal, se configurando permeável a interesses e
reivindicações mais imediatas da classe trabalhadora, embora estivesse sempre demarcado por
limites de reprodução do próprio sistema capitalista.
Em relação a esta mudança das intervenções nas manifestações da “questão social” e de
conteúdo do Estado capitalista, Netto (2006) sustenta que,
É somente nestas condições que as sequelas da “questão social” tornam-se
mais exatamente: podem se tornar objeto de uma intervenção contínua e
sistemática por parte do Estado. É a partir da concretização das
possibilidades econômico-sociais e políticas segregadas na ordem monopólica
(concretização variável do jogo de forças políticas) que a “questão social” se
põe como alvo de políticas sociais (p.29).
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No que concerne a este processo de ampliação do escopo de atuação da regulação
estatal, é mister compreender que a permeabilidade das demandas postas pela classe
trabalhadora, embora pudessem reverberar alguma ressonância na agenda de governos, se
encontravam sob o limite próprio das condições de reprodução ampliada do capital, sendo
passíveis de atendimento somente aquelas pautas que necessariamente fossem conjugáveis e
assimiláveis com o modo de acumulação capitalista.
Neste sentido, sob a orientação do Estado hegemonicamente determinado pelo capital
monopolista, empreendem-se preponderantemente políticas sociais que buscam enfrentar de
maneira fragmentada a “questão social”. Estas intervenções são marcadas pela contradição de
garantir ganhos imediatos e importantes para a classe trabalhadora e possibilitar a reprodução
do capital, bem como corroborar para invisibilizar os determinantes materiais que configuram
a (re) produção da “questão social” nesta sociabilidade.
Diante destes condicionantes preliminarmente levantados, é importante asseverar que
não desconsiderando as conquistas no âmbito da ampliação das ações do Estado na passagem
do capitalismo concorrencial ao monopolista, de maneira contraditória este processo resultou
em um acelerado e intermitente mecanismo de pauperização relativa do conjunto da classe
trabalhadora. Considera-se ainda, que este entendimento não exclui o fato de que esta
generalização da pauperização foi perpassada em alguns momentos por ganhos, concessões ou
conquistas para a classe trabalhadora, que indiscutivelmente levaram à elevação das condições
imediatas de sobrevivência dos trabalhadores em determinados contextos históricos e
geográficos, ou seja, redundaram em alguma medida na diminuição da pauperização absoluta
2
mesmo que em contextos localizados.
Se nos parece adequado compreender que a categoria “questão social” é atravessada por
diversas abordagens não necessariamente críticas à sociabilidade sob o capitalismo, a crítica
marxiana nos fornece elementos analíticos que possibilitam chegar aos fundamentos da
“questão social” sob diversas determinações, tendo em vista a sua vinculação inequívoca e
consequente com os desdobramentos do capital como força produtiva.
Do mesmo modo, é importante reafirmar que, embora muitas argumentações advoguem
que as transformações capitalistas contemporâneas configurem uma nova “questão social”,
2
A pauperização absoluta registra-se quando as condições de vida e trabalho dos proletários experimentam uma
degradação geral: queda do salário real, aviltamento dos padrões de alimentação e moradia, intensificação do ritmo
de trabalho, aumento do desemprego. A pauperização relativa é distinta: pode ocorrer mesmo quando as condições
de vida dos trabalhadores melhoram, com padrões de alimentação e moradia mais elevados; ela se caracteriza pela
redução da parte que lhes cabe do total dos valores criados, enquanto cresce a parte apropriada pelos capitalistas.
Insista-se em que esta distinção, própria da tradição marxista, não pode ser confundida com a pobreza “absoluta”
e a pobreza “relativa”, que expressam outros referenciais teóricos.
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verifica-se que esta mantém seu cerne fundado na acumulação capitalista, não configurando
uma nova “questão social”, uma vez que sua determinação essencial continua válida. A “questão
social” continua, em nossa interpretação, essencialmente determinada pelo crescimento
capitalista, que se encontra sinteticamente elucidada nos termos de Iamamoto (1991) como:
“senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu
ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte
do empresariado e do Estado.”. (p.77)
A partir da crítica marxista, visualiza-se que o sistema capitalista produz e reproduz a
“questão social” de maneira compulsória e imperiosa à sua reprodução, não sendo, portanto,
resultado de uma desadaptação ou não inclusão das massas na lógica do capital, ou mesmo um
momento transitório decorrente de sua consolidação enquanto sistema hegemônico. A
vinculação “genética” da “questão social” com o alargamento da produção capitalista é
dimensão indissociável da sociabilidade capitalista, que produz pobreza enquanto uma das
evidências mais imediatas da “questão social” na mesma potência de sua capacidade
produtiva cada vez mais coletivizada, e de apropriação da produção concentrada nas mãos de
poucos.
Exatamente, se o desenvolvimento capitalista produz compulsoriamente a ‘questão
social’ diferentes estágios capitalistas produzem diferentes expressões da ‘questão social’
vivenciadas no cotidiano da população. Portanto, podemos afirmar que a “questão social” não
é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações
imediatas são indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social
dominante (NETTO, 2006, p. 45).
O estudo do modo de produção capitalista e suas consequências para as relações sociais
devem ser enfrentadas tendo em vista a composição do capital e suas metamorfoses no
desenrolar da acumulação capitalista. Desta forma, ao analisar os determinantes da produção
capitalista, Marx (2014, p.836) o fez sob dois aspectos fundamentais: do valor e do seu aspecto
material.
Sob o valor a produção é determinada pela proporção em que se dividem os capitais:
constante (meios de produção) e variável (força de trabalho). Em outro aspecto, do ponto de
vista material o capital se coloca como relação social entre meios postos em marcha para a
produção e a quantidade de trabalho necessária para utilizar os referidos meios.
Os desdobramentos da produção capitalista em sua concorrência advinda do modelo de
concentração e centralização do capital acarretam a necessidade de os capitalistas ampliarem o
capital constante e decrescer na razão inversa o uso de capital variável na produção de
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mercadorias.
Nas palavras de Marx (2014) o modo de produção capitalista se concretiza
elementarmente “(...) na diminuição da massa de trabalho proporcionalmente à massa de meios
de produção que ela movimenta ou na diminuição do fator subjetivo do processo de trabalho
em comparação com seus fatores objetivos. (p.847)” Assim, compreendemos que a crescente
introdução e incorporação de tecnologias sob a perspectiva da produção capitalista possibilita
tornar o trabalho mais produtivo, realizando maior extração de mais-valia relativa sobre o
trabalho, acarretando desigualdades sociais para a classe trabalhadora.
A diminuição relativa da parcela variável de capital comparativamente com a parte
constante não significa menor número de trabalhadores empregados, mas o aumento de seu
número absoluto com diminuição de seu valor relativo em comparação com o capital total.
Neste sentido, nota-se que quanto maior a escala do capital global, menor a incorporação
relativa de mão de obra proporcionalmente, sobretudo quando comparamos a incorporação de
trabalhadores com a atração dos mesmos pelo modo de produção capitalista. Este movimento
pode ser notado no fato que,
com o desenvolvimento da força produtiva de seu trabalho, com o fluxo mais
amplo e mais pleno de todos os mananciais da riqueza, amplia-se também a
escala em que uma maior atração dos trabalhadores pelo capital está vinculada
a uma maior repulsão desses mesmos trabalhadores, aumenta a velocidade das
mudanças na composição orgânica do capital e em sua forma técnica, e dilata-
se o âmbito das esferas da produção que são atingidas por essas mudanças, ora
simultânea, ora alternadamente. Assim, com a acumulação do capital
produzida por ela mesma, a população trabalhadora produz, em volume
crescente, os meios que a tornam relativamente supranumerária (MARX,
2014, p. 859).
Portanto, a formação de trabalhadores supranumerários com estas dimensões
elucidadas por Marx (2014) é uma trajetória inerente e vital ao modo de produção capitalista,
não uma reação indesejável nesta sociabilidade. Ou seja, a forma de produção capitalista se
desenvolve de tal maneira que o crescimento do capital global não é acompanhado da demanda
por capital variável na mesma intensidade. Por um lado, a produtividade do trabalho compensa
proporcionalmente o acréscimo absoluto de trabalho, ao mesmo tempo em que a pressão da
população supranumerária disponível faz cair a remuneração paga ao trabalhador empregado
na produção.
Portanto, a formação continuada desta fileira de supranumerários é condição necessária
e consequente do modo de produção capitalista, sem a qual se diminui o dinamismo das relações
de produção capitalistas, não é desta feita, um movimento natural de toda forma produtiva.
Estes pontos de vinculação indissociável da “questão social” e produção capitalista são
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esclarecidos por Marx quanto à manutenção da superpopulação relativa imprescindível à
economia capitalista e a existência de esquemas de alívio fragmentado em suas manifestações,
a exemplo da pobreza.
Nesta análise a pobreza é descrita nas argumentações realizadas por Marx como
pertencente ao capital, como resultante de sua produção, pois nas palavras do autor, “O
pauperismo pertence aos faux frais [custos mortos] da produção capitalista, gastos cuja maior
parte, no entanto, o capital sabe transferir de si mesmo para os ombros da classe trabalhadora e
da pequena classe média” (MARX, 2014, p.875).
Portanto, sendo a pobreza o resultado do modo de produção, os custos da manutenção
dos esquemas de alívio imediato da pobreza são imputados aos trabalhadores e às parcelas da
classe média através da apropriação do excedente produzido sob a forma de impostos e taxas,
que proporcionalmente vão incidir mais sobre os setores da classe trabalhadora em comparação
com os segmentos de maior acesso à renda.
Neste sentido, enquanto traço marcante do movimento de transição ao capitalismo, a
pobreza pré-industrial caracterizada como decorrente da escassez de recursos, desdobra-se no
âmbito da economia capitalista, como uma miséria ampliada em meio à abundância produtiva
generalizada. Este desenvolvimento é resultado direto do novo sistema econômico hegemônico,
cujo processo produtivo acarreta a produção em larga escala de manufaturas e empobrecimento
das massas trabalhadoras na mesma medida da abundante produção de mercadorias. Do ponto
de vista material visualiza-se o crescimento do número de indivíduos em situação de pobreza e
miséria, contrastando com a ampliação do progresso material da sociedade capitalista.
Na obra marxiana sobre a pobreza, as condições de produção capitalistas sob as quais
os homens fazem a história continuam a pressionar uma contradição crescente entre produção
de riqueza social e pauperismo que assola a classe trabalhadora. Sob os imperativos produtivos
do capital, os desdobramentos sociais se refletem no alargamento da superpopulação relativa
de trabalhadores que compõe o segmento mais atingido e fragilizado de um duplo movimento
inerente à ordem capitalista que é: a produção da riqueza social, concomitantemente à produção
da miséria social em grande escala.
Não obstante, é importante asseverar que a superpopulação relativa descrita por Marx
no capítulo XXIII de O Capital, antes de ser um bloco homogêneo, é uma população
multifacetada, que é composta por três segmentações em seu conteúdo, possuindo
características específicas, mas cujo elemento unificador se encontra no fato de serem
resultantes do modo de produção capitalista, e, concomitantemente, funcionais ao mesmo.
Diante destas segmentações trazidas à tona por Marx (2014) da superpopulação relativa,
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a população supranumerária seria composta por:
Flutuante Esta categoria de trabalhadores que compõem o exército industrial de
reserva seria composta pelos trabalhadores que ora estão inseridos diretamente na produção
capitalista, ora estão fora desta. Nas palavras de Marx:
os trabalhadores são ora repelidos, ora atraídos novamente em maior volume,
de modo que, em linhas gerais, o número de trabalhadores ocupados aumenta,
ainda que sempre em proporção decrescente em relação à escala da produção.
A superpopulação existe, aqui, sob a forma flutuante (MARX, 2014, p.870-1).
Este movimento se desenrola com a tendência de produção poupadora de mão de obra,
que amplia a extração de mais-valia com intensificação do ritmo de trabalho, que incorporará
ou retirará do processo produtivo parcelas da classe trabalhadora de acordo com as necessidades
de acumulação do capital.
Latente - Esta categoria de trabalhadores tem sua dinâmica atrelada ao constante fluxo
migratório campo/cidade decorrente da introdução de técnicas industriais no campo, levando
os trabalhadores à cidade em busca de emprego, cuja não incorporação à produção os levará a
compor o Exército de reserva na agricultura. Seria então característica a (re)criação contínua
desta população, em razão de que “a demanda de população trabalhadora rural decresce em
termos absolutos na mesma proporção em que aumenta a acumulação do capital em
funcionamento nessa esfera, e isso sem que a repulsão desses trabalhadores seja complementada
por uma maior atração, como ocorre na indústria não agrícola”(MARX, 2014, p.871).
Assim, a parcela de população expulsa das atividades agrícolas não industriais vai
compor o estoque de mão de obra que garante o rebaixamento dos preços de mão de obra
assalariada nos ramos industriais condensados nos centros urbanos em consolidação.
Estagnada A parcela estagnada da classe trabalhadora que compõe o exército
industrial de reserva é composta e determinada por trabalhadores que não se inserem de maneira
involuntária em atividades produtivas nem na indústria, nem na agricultura. Este segmento é
composto por trabalhadores temporários, precários, entre outras formas de ocupação, mas, que
como segmento pressiona para a elevação da população excedente, contribuindo para a lógica
de acumulação por propiciar a amplificação de mecanismos de expansão da riqueza capitalista.
Esta categoria seria para Marx (2014, p. 874)
uma parte do exército ativo de trabalhadores, mas com ocupação totalmente
irregular. Desse modo, ela proporciona ao capital um depósito inesgotável de
força de trabalho disponível. Sua condição de vida cai abaixo do nível médio
normal da classe trabalhadora, e é precisamente isso que a torna uma base
ampla para certos ramos de exploração do capital. Suas características são o
máximo de tempo de trabalho e o mínimo de salário.
Neste sentido, a superpopulação relativa estagnada vai compor primordialmente, mas
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não exclusivamente, a população alvo de programas focalizados de alívio à pobreza, que diante
da baixa condição social gerada pela compressão dos níveis de salário, pode atingir também
parcelas empregadas da população com baixos níveis salariais.
Dentre as três categorias de trabalhadores a superpopulação relativa estagnada é aquela
que diretamente sofre os impactos do pauperismo e da miséria social por estar dissociada de
maneira imediata dos meios de reprodução societária de maneira mais constante, ficando sob o
controle social de gestão de suas condições de vida tendo em vista alguma potencialidade
desestabilizadora da ordem.
Sobre este aspecto, para Marx (2014) esta última segmentação da superpopulação
relativa, composta pela superpopulação relativa estagnada, reside intermitentemente nas franjas
do pauperismo, uma vez que,
O sedimento mais baixo da superpopulação relativa habita, por fim, a esfera
do pauperismo (...) essa camada social é formada por três categorias. Em
primeiro lugar, os aptos ao trabalho. Basta observar superficialmente as
estatísticas do pauperismo inglês para constatar que sua massa engrossa a cada
crise e diminui a cada retomada dos negócios. Em segundo lugar, os órfãos e
os filhos de indigentes. Estes são candidatos ao exército industrial de reserva
e, em épocas de grande prosperidade, como, por exemplo, em 1860, são rápida
e massivamente alistados no exército ativo de trabalhadores. Em terceiro
lugar, os degradados, maltrapilhos, incapacitados para o trabalho. Trata-se
especialmente de indivíduos que sucumbem por sua imobilidade, causada pela
divisão do trabalho, daqueles que ultrapassam a idade normal de um
trabalhador e, finalmente, das vítimas da indústria aleijados, doentes, viúvas
etc. –, cujo número aumenta com a maquinaria perigosa, a mineração, as
fábricas químicas etc. O pauperismo constitui o asilo para inválidos do
exército trabalhador ativo e o peso morto do exército industrial de reserva
(MARX, 2014, p. 875).
Assim, dentre os três segmentos da superpopulação relativa, sua parcela estagnada irá
compor prioritariamente os esquemas de alívio segmentado à pobreza da ordem capitalista,
confinados ao estigma da não integração ao contexto da ética do trabalho, cuja resultante é a
perpetuação em um círculo vicioso e involuntário por parte dos mesmos e de suas famílias na
pobreza.
É importante destacar também, que além das camadas da superpopulação relativa, outra
camada da população intermitentemente alvo dos esquemas de alívio da pobreza com viés
moralizador e disciplinador é o denominado Lumpemproletariado.
O lumpemproletariado é uma parcela dos trabalhadores cuja delimitação inclui pessoas
que ocupam a linha tênue entre os sujeitos oriundos da decadência de atividades burguesas e
parte marginalizada da classe trabalhadora jogada a degradação humana pela dinâmica do
capital, tais como: dependentes do álcool e outras drogas, andarilhos, maltrapilhos, presidiários
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libertos etc. É uma camada de pessoas que diferentemente – pelo menos em parte – da camada
estagnada da superpopulação relativa não se adaptou aos preceitos capitalistas e muito menos
parecem estar à disposição de sua incorporação à esfera produtiva por terem sido tornados
inúteis à produção de mercadorias, portanto, invisíveis aos olhos do capital.
Na caracterização do Lumpemproletariado, Marx identifica-o como sendo o segmento
de pessoas que não se vinculou sistematicamente ao mundo do trabalho, e que muito menos
apresenta disciplina de adesão a uma tarefa revolucionária vinculada a um projeto societário
socialista.
Na abordagem sobre as especificidades do lumpemproletariado, é importante destacar
que antes de ser especificamente uma categoria cuja importância está em delimitar sua
composição, a validade categorial do lumpemproletariado está muito mais direcionada ao
significado de seu processo de criação no sistema capitalista. Neste cenário analítico, este
segmento da população se torna alvo dos esquemas de superação da pobreza, pois, parte-se da
compreensão de que:
O principal significado da expressão lumpemproletariado não está tanto na
referência a qualquer grupo social específico que tenha papel social e político
importante, mas antes no fato de ela chamar a atenção para o fato de que, em
condições extremas de crise e de desintegração social em uma sociedade
capitalista, grande número de pessoas podem separar-se de sua classe e vir a
formar uma massa “desgovernada”, particularmente vulnerável às ideologias
e aos movimentos reacionários (BOTTOMORE, 1993, p. 329).
Assim, diante da persistência e do crescimento deste segmento da superpopulação
relativa na ordem social, estes são também alvo primordial dos programas de alívio à pobreza
de maneira moralizadora e de controle sobre os mesmos, evitando que os mesmos fujam à lógica
do capital. Do mesmo modo, com vistas a controlar a ampliação do número de indivíduos
enquadrados na superpopulação relativa estagnada que podem recair no Lumpemproletariado e
se tornar perturbadora da ordem capitalista, o Estado desenvolve ações no sentido de garantir
algum nível de manutenção desta parcela da população nos níveis mínimos toleráveis de
sobrevivência dos mesmos, e funcionais à acumulação.
Na execução destas tarefas, o Estado capitalista opera a incorporação fragmentada
destes segmentos da população de forma diferenciada tendo em vista sua condição/adaptação
ou não ao trabalho, reativando o binômio assistência/repressão quando esta situação coloca em
risco as atividades produtivas ou a acumulação de capital.
Tendo em vista os elementos da teoria social crítica, as situações que decorrem em
pauperismo que podem levar os trabalhadores ao lumpemproletariado que os esquemas de
alívio tentam evitar são fruto inexorável do modo de produção capitalista e de seu
Considerações sobre a crítica marxista à dinâmica da pobreza na sociabilidade capitalista e seu caráter estrutural
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desenvolvimento, que na mesma medida em que amplia sua capacidade de produtiva, amplia
em polo oposto, situações de agudização do pauperismo e da superpopulação relativa. Este
resultado não se afigura, portanto, como uma situação isolada que escapou à lógica do progresso
capitalista decorrente do livre mercado, mas, é inevitavelmente sua consequência imediata.
É preciso apontar que, apesar da produção da miséria social no capitalismo ser uma
tendência, no quadro teórico marxiano a alteração da composição orgânica do capital não
resulta necessariamente na diminuição do valor absoluto da classe trabalhadora ou de seu
ganho, uma vez que “ainda que o progresso da acumulação diminua a grandeza relativa da parte
variável do capital, ele não exclui de modo algum, com isso, o aumento de sua grandeza
absoluta” (MARX 2014, p. 848).
Logo, pode-se assistir a momentos conjunturais de ganhos absolutos da classe
trabalhadora, quando a demanda por trabalhadores é superior em relação a sua disponibilidade,
garantindo melhoria das suas condições imediatas de sobrevivência e reprodução, sem no
entanto, se alterar a distância da sua parte incorporada em relação à parcela de trabalho não
pago pelo capitalista. Nestas conjunturas, ocorre a pauperização relativa da classe trabalhadora
em relação ao produzido socialmente, concomitantemente ocorre a melhoria de ganhos
imediatos e absolutos da parte da classe trabalhadora incorporada ao trabalho capitalista.
Especificamente sobre esta relação de pobreza absoluta e relativa, em concordância com
Rosdolsky (2001, p. 250 ss.) consideramos que não podemos afirmar que exista na análise
marxiana a determinação de uma teoria do empobrecimento geral e irrestrito da classe
trabalhadora em toda e qualquer conjuntura de produção capitalista. A partir do exame da teoria
marxiana, notadamente a tendência à pauperização diz respeito ao crescimento da pobreza
relativa dos trabalhadores incorporados ao processo produtivo. No que lhe concerne, a
ampliação da miséria, ou da pobreza absoluta, diz respeito ao aumento do Exército industrial
de reserva, das parcelas não integráveis da classe trabalhadora, sendo seu desdobramento o fato
de a condição da classe trabalhadora se deteriorar em comparação com as condições da
burguesia de maneira geral.
Este movimento tendencial de pauperização da classe trabalhadora em comparação com
a incorporação do excedente pela classe capitalista é descrito por Marx como lei geral, absoluta,
da acumulação capitalista, pois conforme comprovou Marx em seu estudo das relações
capitalistas de produção:
Quanto maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume
e o vigor de seu crescimento e, portanto, também a grandeza absoluta do
proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior será o exército
industrial de reserva.(...) A grandeza proporcional do exército industrial de
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reserva acompanha, pois, o aumento das potências da riqueza. Essa é a lei
geral, absoluta, da acumulação capitalista (MARX, 2014, p. 876).
Tal recurso ao cerne das relações capitalistas de produção para demonstrar a contínua
geração de pobreza no capitalismo tem o objetivo de reiterar a assertiva que não se suprime a
pobreza, ou qualquer outra situação que tenha seu fundamento decorrente da “questão social”,
sem necessariamente suprimir as relações de produção capitalistas, pois tais dinâmicas
reproduzem como sua contraface, a miséria social.
Não obstante, vale a pena asseverar que apesar de processos de empobrecimento
absoluto e relativo se vincularem ao modo de produção capitalista, esta vinculação não se
restringe a determinação puramente econômica destas situações, uma vez que nas formações
capitalistas temos situações díspares de pobreza e desigualdade entre as nações ou mesmo
dentro de um estado-nação específico. Tais diferenças, internas ou externas às nações são
determinadas por mediações complexas do ponto de vista político-cultural, bem como das
diferentes relações geopolíticas que interferem na configuração da dimensão do
empobrecimento da classe trabalhadora e de níveis de desigualdade maiores ou menores
dependendo da inserção do país no sistema capitalista mundial.
Deste modo, é necessário afirmar, que apesar de termos concordância quanto à
multidimensionalidade da pobreza, entendemos que este caráter multidimensional se restringe
às suas manifestações fenomênicas.
Quanto às determinações da pobreza, ao contrário do pensamento pós-moderno que
chancela as causas da pobreza a multiderterminações resolvíveis de maneira parcializada e
pulverizada do ponto de vista cultural, ético etc., em nosso entendimento, o âmago da pobreza
se encontra na raiz das contradições sociais inerentes à relação capital/trabalho. Tais
contradições resultam funcionalmente em uma apropriação diferenciada dos bens e serviços
produzidos socialmente, cujo acesso mais socializado se encontra interditado devido ao próprio
viés imprescindível e imanente da pobreza na sociabilidade do capital.
Compreendemos que a multidimensionalidade das formas de experimentação da
pobreza na sociedade capitalista é determinante em seu diagnóstico cotidiano, tendo em vista
as particularidades de cada formação social específica, cujas relações sociais, políticas e
econômicas vão condicionar sua dimensão e seu enfrentamento por parte do Estado. No entanto,
a partir das conclusões realizadas por Marx (2014) verifica-se que na sua gênese e causalidade
as situações de pobreza são fruto da forma de produção capitalista. Portanto, esta
multidimensionalidade presente nas manifestações cotidianas da pobreza não é válida também
na sua gênese e fundamento.
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Se por um lado a crítica marxista da pobreza aponta sua conexão ao processo capitalista
de produção material e reprodução social, por outro lado temos como resultado desta vinculação
da pobreza à dinâmica do capital o fato de que as alternativas hegemônicas de combate ao
empobrecimento se encontram necessariamente limitadas pela sua ligação à ordem do capital.
Esta limitação estrutural leva a ações segmentadas, atingindo perfunctoriamente a expressão da
pobreza na sociedade. As alternativas apontadas invariavelmente se restringem à gestão
burocrática da pobreza, culpabilização dos pobres por sua condição e medidas punitivas.
Neste sentido, decorre da revisão até aqui empreendida, que para o alívio da pobreza e
sua superação, não basta um conteúdo discursivo, ou o simples recurso à administração estatal
para que se enfrentem situações que são estruturais e perenes sob a sociabilidade capitalista.
Em relação a este fato, que pode nos levar a análise geral dos limites das soluções
superestruturais para o fenômeno da pobreza, Marx (2011), em sua resposta direcionada a
Rudge, desmistifica a causa apontada por este para a não resolutividade das questões apontadas
em relação à situação de trabalhadores da Silésia. Em sua análise, Rudge identifica como
determinante para a pobreza nesta região uma falta de desenvolvimento político do governo da
Prússia em comparação com a Inglaterra.
Sobre esta argumentação mistificada das causas da persistência da pobreza, Marx aponta
ser esta uma falsa questão levantada pelo “prussiano” em seu texto, uma vez que a “vontade
política” não é capaz sozinha de resolver os problemas sociais decorrentes da agudização da
“questão social”.
Quanto aos argumentos levantados por Ruge, Marx aponta que o Estado mais
desenvolvido à época, o inglês, convivia com altos níveis de avanço da pobreza em sua
sociedade, o que leva Marx a afirmar que indubitavelmente: o exame da Inglaterra é a
experiência mais segura para conhecer-se a relação de um país político com o pauperismo. Na
Inglaterra, a miséria dos trabalhadores não é parcial, mas universal; não se limita aos distritos
industriais, mas se estende aos agrícolas” (MARX, 2011, p. 144).
Prosseguindo com sua explanação sobre os argumentos de uma boa ou política como
determinante para superação do avanço da pobreza, Rudge afirma que o Rei Frederico II vê na
pobreza uma falha de assistência social na Prússia. Porém, este argumento não é nada muito
diferente do que se evidencia na Inglaterra, em que ora se reduz a pobreza a um déficit
educacional, ou a uma inabilitação da legislação assistencial ao atendimento das demandas.
Neste sentido, depois de três séculos de vigência das leis dos pobres elizabetanas e o
aumento da pobreza concomitante, qual o diagnóstico apontado pela comissão reformadora das
leis dos pobres? Obviamente, falha na administração. Para os reformadores do parlamento
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inglês a resposta para o avanço da pobreza é que “a causa principal da grave situação do
pauperismo inglês está na própria lei relativa aos pobres. A assistência, o meio legal contra o
mal social, acaba favorecendo-o” (MARX, 2011, p.143).
Nota-se que a pobreza está longe de ser reconhecida pelos reformadores sociais como
decorrente de uma forma específica de produção, sendo identificada de maneira superficial
como resultante da própria legislação que regula o seu enfrentamento.
Ao reformar a própria legislação de regulação da pobreza, não se verifica a resolução
para o avanço desta. Assim, aponta-se como problema individual, localizado na própria
imprevidência dos pobres. Em relação a esta ação errática de tentar conter o pauperismo na
consolidação do capitalismo, Marx sintetiza de maneira exata,
Como se vê, a Inglaterra tentou acabar com o pauperismo primeiramente
através da assistência e das medidas administrativas. Em seguida, ela
descobriu, no progressivo aumento do pauperismo, não a necessária
consequência da indústria moderna, mas antes o resultado do imposto inglês
para os pobres. Ela entendeu a miséria universal unicamente como uma
particularidade da legislação inglesa. Aquilo que, no começo, fazia-se derivar
de uma falta de assistência, agora se faz derivar de um excesso de assistência.
Finalmente, a miséria é considerada como culpa dos pobres e, deste modo,
neles punida (MARX, 2011, p. 143).
Nota-se a partir da síntese crítica cirurgicamente elaborada por Marx, que embora a
pauperização na sociedade capitalista seja um processo decorrente e útil ao seu
desenvolvimento, seu crescimento é mistificadamente identificado na ordem burguesa como
fenômeno autônomo em relação à forma da produção material da riqueza.
Interpretada como algo exógeno ao Modo de Produção Capitalista, a pobreza passa a
ser abordada como problema de ordem moral/comportamental ou, invariavelmente, como
resultado de administração desta, em que a assistência aos pobres seria geradora de tal
condição.
Considerações finais
A partir de uma abordagem mais ampla de investigação, este artigo buscou demonstrar
que a crítica marxista aponta para a impossibilidade do aprofundamento de medidas em direção
ao combate dos elementos centrais da pobreza na sociedade capitalista.
Ao realizar o levantamento da massa crítica sobre a pobreza na análise marxiana, nota-
se que na sociedade capitalista a pobreza se circunscreve identificada à situações individuais,
naturalizadoras e culpabilizadoras dos pobres, que são identificados e abordados pelo suposto
déficit pessoal em relação ao seu nível de adequação ao modo de produção capitalista,
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superficialidade interpretativa contrastada com o caráter estrutural da pobreza na sociabilidade
do capital.
Por seu turno, realizar este percurso reforça a compreensão de que, sob a ótica marxiana,
a pobreza é geneticamente ligada ao desenvolvimento capitalista, sendo a sua contraface, na
medida em que o crescimento do sistema capitalista resulta em uma dinamização da pobreza
em seu polo oposto. Esta vinculação genética entre pobreza e capitalismo demonstra a
reprodução da pobreza como condição resultante e necessária ao processo de reprodução do
capital, portanto, ineliminável sob estas condições.
No bojo dos elementos debatidos neste artigo, nota-se o aporte perfunctório da
burguesia sobre a dinâmica da pobreza, restando à sociedade capitalista empreender esforços
para mitigá-la, mantendo-a em níveis considerados aceitáveis e funcionais ao capitalismo.
Indiscutivelmente, entendemos que as situações de pobreza experimentadas na
sociedade capitalista não são uniformes, muito menos homogêneas, apresentando, via de regra,
matizes diferenciados a depender do contexto econômico, cultural, político e geopolítico de
cada nação. Estas diferenciações e singularidades são resultantes da inserção capitalista de cada
nação, e das disputas de classe que se plasmam nas ações do Estado desde o momento em que
este amplia suas funções para além de um caráter essencialmente coercitivo de controle
societário sobre a população, passando a operar também medidas de consenso social no âmbito
da sociedade civil.
Apesar destes níveis e alcances diferenciados das situações de pobreza, estas se
vinculam visceralmente à lei geral da acumulação capitalista, uma vez que como se buscou
demonstrar criticamente, as bases da pobreza advêm do caráter estrutural e irremissivelmente
desigual do sistema capitalista que gera pobreza em polo oposto à sua capacidade de produção
de riqueza.
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