Pandemia e capital: as repercussões da Covid-19 na reprodução social
Revista Libertas, Juiz de Fora, v.
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proporcionam, com facilidade, a disseminação de doenças que se tornam pandemias no mundo
globalizado
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em que vivemos. É evidente que essas conclusões não podem ser analisadas
isoladamente, pois correríamos o risco de sermos acusados de darwinismo social, mas o que
estamos levando em consideração é uma reflexão em que se torna prudente questionar a origem
das doenças e como elas são produzidas, pois sabemos que a natureza e a humanidade coexistem
reciprocamente
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, guardadas as suas particularidades, como produto e produtor numa constante
relação dialética. Por isso, “o mundo natural, incluindo o substrato microbiológico, não pode
ser compreendido sem referência a como a sociedade organiza a produção (porque os dois não
estão, de fato, separados)”. (CHUANG, 2020).
A produção social, o modo pelo qual os seres humanos produzem e reproduzem as suas
existências, está sempre mediada por determinada forma histórica de sociedade, pois “toda
produção é apropriação da natureza pelo indivíduo no interior de e mediada por uma
determinada forma de sociedade” (MARX, 2011, p. 43). Entender a produção como relação
ineliminável (e dialética) da humanidade com a natureza (homem naturalizado e natureza
humanizada)
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e analisar a práxis humana como contínuos (não totais) afastamentos das
barreiras naturais é propor uma compreensão de produção (seja de mercadorias e ou de
pandemias) em seu respectivo contexto socio-histórico.
No citado documento do coletivo Chuang (2020), chamamos a atenção para o subitem
em que é abordada “a produção das pragas”. Abaixo transcrevemos uma das principais
passagens do documento, numa síntese entre tradução e interpretação
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, com a finalidade de
expor um dos principais argumentos:
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O mundo hoje está interligado, principalmente pelo terceiro complexo dinâmico e histórico analisado por Lukács
(2013). O filosofo húngaro ao estudar a produção e reprodução da vida, considera três grandes complexos
dinâmicos e históricos que se desenvolvem ininterruptamente no curso da evolução da humanidade. O primeiro é
a diminuição da quantidade de trabalho necessário à reprodução física do homem; o segundo é o recuo das barreiras
naturais pelo domínio do trabalho e a crescente socialização da sociedade (e da natureza); o terceiro, por sua vez,
é a integração crescente entre as sociedades que se encontram em relação recíproca pelo mercado mundial. (LARA,
2017).
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“Há muito tempo eu tinha recusado a ideia de ‘natureza’ como alheia e separada da cultura, economia e cotidiano.
Eu tenho uma visão mais dialética e relacional da ligação metabólica com a natureza. O capital modifica as
condições ambientais de sua própria reprodução, mas o faz num contexto de consequências não intencionais (como
as mudanças climáticas) e contra as forças evolutivas autônomas e independentes que estão perpetuamente
remodelando as condições ambientais. Deste ponto de vista, não existe um verdadeiro desastre natural. Os vírus
mudam o tempo todo. Mas as circunstâncias nas quais uma mutação se torna uma ameaça à vida dependem das
ações humanas” (HARVEY, 2020, p. 15).
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De acordo com Marx (2004, p. 107): “[...] a sociedade é a unidade essencial completada (vollendente) do homem
com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo da
natureza levado a efeito”.
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Cabe alertar que tivemos acesso a uma versão em inglês do documento. Por isso a tradução é livre e nossa, em
que objetivamos oferecer, principalmente, uma interpretação do conteúdo.