O Jardim na Estética de Lukács
Revista Libertas, Juiz de Fora, v.20, n.1, p. 257-275, jan. / jun. 2020 ISSN 1980-8518
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práticas, do arquiteto e do jardineiro, é ao mesmo tempo que de parentesco, de inexpugnável
separação. A diferença de matéria prima entre as duas é definitiva para os contornos de suas
estruturas; para o espaço arquitetônico, a matéria inorgânica radicalmente reformulada, para o
jardim, o orgânico, plantas singulares cuja “autonomia relativa” o autor faz questão de
sublinhar, especialmente para pôr em perspectiva os efeitos possíveis do jardim estético, que
preso atado a uma certa singularidade, estão apartados separados das evocações da arquitetura,
bem mais propensa à expressão da generalidade.
Ao debater a fronteira entre construído e” plantado”, Lukács aponta a “antinomia
essencial” do jardim em sentido estético, princípio que interpretamos como o de uma certa
tensão, ou contradição, decorrente de seu parentesco com a arquitetura e, acima de tudo, do que
o separa dela, sua orientação ao mundo orgânico. O primeiro polo da antinomia a ser
apresentado é o do jardim conforme ideal arquitetônico, que busca, portanto, dar ao “natural”
um caráter o mais dirigido possível pelas atividades e interesses humanos. O segundo polo, por
outro lado, quer eliminar do jardim qualquer traço de “artificialidade” ou interferência humana,
aproximando-o de um mero produto da natureza, postura que ressalta o caráter de singularidade
já referido anteriormente. Lukács tem o cuidado de nunca opor rigidamente os dois polos, e
inclusive ressalta o efeito particular de sua coexistência em certas formações.
Como nas demais seções que compõem esse capítulo (música, artesanato, cinema), é
nítida a preocupação do autor em estabelecer os impactos que as passagens à sociedade do
Capital provocam nas bases do estético, especialmente no que diz respeito à arquitetura e o
jardim, cujo caráter de realidade impede que não sejam afirmativos da particular “forma de vida
coletiva” que abrigam. No caso do jardim, a tendência de concebê-lo na chave de um expurgo
do artificial - o supracitado segundo polo - está alinhada com a figuração de mundo da nascente
burguesia; sua oposição à artificialidade das instituições feudais-absolutistas, o acento da
singularidade dos sujeitos humanos em relação aos estamentos a que pertencem, o fato de que
as relações sociais promovidas por esse grupo acabarão por não aparecer enquanto
manifestamente sociais, mas como “naturais”. O autor se reporta a algumas expressões
ideológicas dessas tendências, como o que propõe “Julie” de Rousseau ao afirmar que no jardim
tudo foi disposto pela natureza, a qual, em contraponto, vale apelar à narrativa do “Cândido”
de Voltaire que em irônica polêmica contra a filosofia da harmonia universal de Leibniz, opera
a violenta expulsão das personagens de seus lugares sociais através de sucessivas tragédias,
para quando finalmente as leva ao repouso, representá-las mais ou menos despidas de suas