Vitor Bartoletti Sartori
Revista Libertas, Juiz de Fora, v.20, n.1, p. 211-256, jan. / jun. 2020 ISSN 1980-8518
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ambos se defrontam no ato D - FT FT - D, da perspectiva do trabalhador. E
compra e venda, relação monetária, porém uma compra e uma venda em que
se pressupõem o comprador como capitalista e o vendedor como trabalhador
assalariado, e essa relação está dada pelo fato de que as condições para a
realização da força de trabalho – meios de subsistência e meios de produção –
estão separadas, como propriedade alheia, do possuidor da força de trabalho.
(MARX,1985, p. 29)
Se Pachukanis enfoca o primeiro parágrafo do segundo capítulo do livro I de O capital,
faz isto trazendo à tona certa centralidade do Direito, que viria a ser essencial para a própria
extração do mais-valor. Para isto, seriam essenciais tanto o sujeito de direito quanto a igualdade
jurídica. (Cf. PACHUKANIS, 2017) Aqui, porém, Marx não traz tanto à tona o papel do Direito
na compra e venda da mercadoria força de trabalho (FT), mas o papel que tem o dinheiro.
Na passagem analisada por Pachukanis
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a forma contratual é uma mediação entre a
vontade dos possuidores de mercadoria – o comprador e o vendedor – e o reconhecimento das
pessoas como proprietários. Este reconhecimento se dá, segundo o autor da Teoria geral do
Direito e o marxismo, por meio da “forma jurídica”
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, colocada por meio da noção de igualdade,
mais precisamente, da igualdade jurídica. (Cf. PACHUKANIS, 2017) Aqui, porém, o elo
mediador entre o comprador e o vendedor é o dinheiro. Se, como dissemos anteriormente, a
análise do livro I e do livro II implica no reconhecimento de diferentes níveis de concretude, é
preciso que analisemos com cuidado a passagem acima, em que não é o Direito ou a forma
jurídica contratual que tem o maior relevo, mas o dinheiro. Quem enfatiza com maior destaque
a relação entre igualdade jurídica e circulação de mercadorias é Engels, e não Marx. (Cf.
ENGELS, KAUTSKY, 2012) E, é preciso que se diga: a passagem na qual Pachukanis se baseia
está no primeiro parágrafo do segundo capítulo do livro I de O capital, que trata justamente do
processo de troca, que, por sua vez, supõe o dinheiro, que é tratado ao fim da sessão I de O
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Diz Marx: “as mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos, portanto, voltar a
vista para seus guardiões, os possuidores de mercadorias. As mercadorias são coisas e, consequentemente, não
opõem resistência ao homem. Se elas não se submetem a ele de boa vontade, ele pode usar a violência, em outras
palavras, tomá-las. Para que essas coisas se refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que os seus
guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal modo que um, somente
de acordo com a vontade do outro, portanto, apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da
mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem, portanto, reconhecer-se reciprocamente como
proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é uma
relação de vontade, em que se reflete uma relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou de vontade é
dado por meio da relação econômica mesma.” (MARX, 1996 a, p. 79) Para uma análise da passagem tendo em
conta a arquitetura do livro I, Cf. SARTORI, 2019 a. A crítica à relação entre forma mercantil e jurídica se encontra
também em PAÇO CUNHA, 2014.
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Colocamos entre parênteses a expressão pois, embora ela seja central a Pachukanis, ela aparece primordialmente
no plural em Marx, tendo um significado diferente. São formas jurídicas, por exemplo, o contrato as transações
jurídicas, as ficções jurídicas, entre outras. Elas aparecem preponderantemente no livro III de O capital.