DOI 10.34019/1980-8518.2020.v20.27126
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Residências multiprofissionais em saúde:
elementos acerca do direcionamento
pedagógico da formação
Ana Maria Ferreira
Laura Marcelino Leal

Laura Pires Gualberto Marçola

RESUMO: O presente artigo é parte da pesquisa intitulada “Residência Multiprofissional em Saúde e
Serviço Social: mapeamento teórico e político-pedagógico”, realizada entre 2017 e 2018, pelo Grupo de
Estudos e Pesquisas dos Fundamentos do Serviço Social (GEPEFSS), da Faculdade de Serviço
Social/UFJF em parceria com a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
(ABEPSS). Tem aqui por objetivo identificar as concepções pedagógicas dos programas de residência
no que tange aspectos como organização, princípios e diretrizes nos quais a formação se assenta. A
perspectiva pedagógica será discutida a partir de uma revisão bibliográfica do Serviço Social. Este
estudo evidenciou uma definição de residência no que se refere aos aspectos formativos em consonância
com o aparato normativo, todavia sem apontar as mediações fundamentais relacionadas aos projetos em
disputa tanto na saúde quanto na educação.
PALAVRAS-CHAVE: Residência; Formação; Direcionamento pedagógico.
Multiprofessional residencies in health:
elements about the pedagogical orientation of the formation
ABSTRACT: This article is part of the research entitled “Multiprofessional Residency in Health and
Social Work: theoretical and political-pedagogical mapping”, carried out between 2017 and 2018, by
the Study and Research Group on the Fundamentals of Social Work (GEPEFSS), from the Faculty of
Service Social / UFJF in partnership with the Brazilian Association for Teaching and Research in Social
Work (ABEPSS). It aims to identify the pedagogical conceptions of residency programs in terms of
aspects such as organization, principles and guidelines on which the training is based. The pedagogical
perspective will be discussed based on a bibliographic review of Social Work. This study showed a
definition of residency with regard to formative aspects in line with the normative apparatus, however
without pointing out the fundamental mediations related to the disputed projects in both health and
education.
Assistente Social, Doutora em Serviço Social, professora da Faculdade de Serviço Social/ UFJF. Pesquisadora
do Grupo de Estudos e Pesquisas dos Fundamentos do Serviço Social/ GEPEFSS. E-mail:
anaferreira01@yahoo.com.br.

Mestranda em Serviço Social pelo Programa Pós-graduação em Serviço Social/UFJF. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas dos Fundamentos do Serviço Social/ GEPEFSS. E-mail: lauraleal53@yahoo.com.br.

Graduanda em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social/UFJF. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas dos Fundamentos do Serviço Social/ GEPEFSS. E-mail: lauragmarcola@gmail.com.
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KEYWORDS: Residency; Formation; Pedagogical Direction.
Submetido em 11/09/2019
Aprovado em 21/04/2020
____________________
Introdução
Este artigo se apresenta como desdobramento da pesquisa “Residência
Multiprofissional em Saúde e Serviço Social: mapeamento teórico e político-pedagógico”,
realizada entre 2017 e 2018. A pesquisa tem por objetivo apresentar análises da revisão de
produção bibliográfica do Serviço Social sobre as Residências que englobou 72 produções, a
saber: 17 artigos de periódicos da área; 46 artigos dos anais dos Encontros Nacionais de
Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS)
1
e Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
(CBAS)
2
; e 9 teses e dissertações de autoria de assistentes sociais acerca das Residências. No
que tange ao debate aqui apresentado traremos à baila reflexões - a partir dos elementos da
pesquisa - acerca do direcionamento pedagógico das residências, refletindo sobre os princípios
e o significado da formação para o SUS.
Para fins deste trabalho, definimos a perspectiva pedagógica como categoria analítica
a ser destacada nas publicações encontradas. Nosso objetivo foi identificar as concepções que
perpassam a organização, os princípios e as diretrizes sob os quais se desenvolvem a dinâmica
pedagógica expressa nos trabalhos levantados que manifestam os caminhos que têm sido
percorridos nos programas de residência.
É fundamental destacar que compreendemos como perspectiva pedagógica os
princípios e diretrizes sob os quais se assentam a formação, bem como os elementos presentes
1
A referida pesquisa abrangeu os seguintes anos: 2010; 2012; 2014 e 2016.
2
A referida pesquisa compreendeu o seguinte período: 2010; 2013 e 2016.
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na forma de organização e estruturação das atividades a serem desenvolvidas pelos residentes
considerando a dimensão teórico-prática. Apontamos como necessária tal reflexão no sentido
de reconhecer a residência como lócus de formação para o trabalho no SUS sob a forma de
educação permanente em saúde, e não apenas como treinamento em serviço. Além disso, ao
analisarmos atentamente a questão pedagógica é imprescindível considerarmos que esta aponta
para aspectos mais amplos da sociedade, ou seja, m relação com a construção de projetos para
sociedade, em se fazer as mediações entre a dinâmica microssocial e macrossocial. Portanto,
para além da saúde e da educação, ainda estes sejam lócus privilegiados para o desenvolvimento
das atividades da residência.
A perspectiva pedagógica explicitada através das análises das publicações, referentes
aos programas de residência no país fazem referência ao Projeto da Reforma Sanitária e às
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), visando uma formação profissional competente
para o SUS.
Fazendo um parêntese ao debate da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) é
imprescindível considerarmos que “ainda que parte da implementação da RSB possa ser
traduzida por políticas de saúde, a exemplo da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS),
sua concepção e sua formulação transcendem às políticas estatais” (PAIM, 2008, p. 29).
Portanto, um debate que ultrapassa uma análise setorial, estando em consonância com a
perspectiva de totalidade. Esta é a origem do debate, porém, por uma série de circunstancias
fruto da dinâmica da sociabilidade do capital, o debate da RSB foi substituído por um debate
do SUS, da política de saúde, sendo que este era um dos componentes apontados e não o único,
haja vista que se apontava para a necessidade de transformações profundas na sociedade.
Podemos afirmar que em todos os trabalhos analisados foi possível constatar
congruência em diversos momentos, principalmente no que se refere à concepção de Residência
definida como ensino em serviço, bem como sua organização e dinâmica previstas pelas
normatizações gerais que organizam tal espaço de formação, quais sejam: a Portaria 198/GM
de 2014; A Lei 11.129/2005, bem como a Resolução da Comissão Nacional de Residência
Multiprofissional em Saúde (CNRMS) 2/2012 que dispõe sobre Diretrizes Gerais para os
Programas de Residência Multiprofissional e em Profissional de Saúde.
Art. 3º Os Programas de Residência Multiprofissional e em Área Profissional
da Saúde constituem modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu,
destinado às profissões da saúde, excetuada a médica, sob a forma de curso de
especialização, caracterizado por ensino em serviço, com carga horária de 60
(sessenta) horas semanais, duração mínima de 02 (dois) anos e em regime de
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dedicação exclusiva (BRASIL, 2012: s/p.).
É necessário destacar que a referência ao aparato normativo/legal em si não se constitui
um problema, a questão importante a ser observada está relacionada à delimitação das
concepções e do desenvolvimento das atividades unilateralmente baseadas em tais
determinações. Sendo construída desta forma, quando o se considera a dinâmica da
totalidade, a formação se torna engessada e restrita. Neste sentido, é fundamental ter clareza
das alterações no mundo do trabalho, a precarização das políticas sociais, a ofensiva do capital,
ou seja, as relações macrossociais e microssociais, realizadas as devidas mediações vão
influenciar o desenvolvimento da residência no seu cotidiano como lócus de formação em
serviço. Esta interferência ocorrerá seja no âmbito da residência (no aspecto formativo), como
também no âmbito institucional e nas condições gerais de vida dos usuários que acessam os
serviços de saúde. Dessa forma, ao se desconsiderar esta relação (macro/micro), cada vez mais
a perspectiva da educação em serviço pode se sobrepor a de educação permanente.
Também podemos apontar que os desafios elencados nessa modalidade de formação
continuada são presentes e convergem na totalidade dos trabalhos analisados. Tais desafios
estão relacionados às condições que o trabalho assume na contemporaneidade em sua dinâmica
de precarização; a dificuldade de superação da centralidade no saber médico; a relação teoria e
prática na dinâmica de organização do trabalho, entre outros que buscaremos apontar ao longo
deste artigo. Apesar destes desafios a residência é tida como um espaço privilegiado na medida
em que oportuniza espaços de diálogo entre as diferentes profissões e estimula o conhecimento
através da pesquisa, bem com potencializa a apreensão e o atendimento ampliado às
necessidades de saúde (CLOSS et al. 2012).
Perspectiva Pedagógica dos Programas de Residência.
Neste item, traremos o debate em torno dos elementos identificados nas publicações
que nos auxiliam a compreender a concepção pedagógica das residências. O objetivo é apontar
o que os programas têm desenvolvido em termos de experiências exitosas ou não-exitosas que
nos informam sua concepção para a formação. A partir desses elementos analisaremos os
aspectos pertinentes tendo como referência a compreensão de formação presente nas Diretrizes
Gerais da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) que
traduzem o Projeto Ético-Político do Serviço Social e, portanto, define um direcionamento para
a formação e exercício profissional.
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A definição unânime de Residência encontrada na pesquisa passa necessariamente pela
dimensão normativa instituída pela Lei 11.129/2005 que estabelece a criação dos programas de
Residência Multiprofissional, conforme destacado dos seguintes artigos:
Art. 13. Fica instituída a Residência em Área Profissional da Saúde, definida
como modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, voltada para a
educação em serviço e destinada às categorias profissionais que integram a
área de saúde, excetuada a médica.
§ 1
o
A Residência a que se refere o caput deste artigo constitui-se em um
programa de cooperação intersetorial para favorecer a inserção qualificada dos
jovens profissionais da saúde no mercado de trabalho, particularmente em
áreas prioritárias do Sistema Único de Saúde.
§ 2
o
A Residência a que se refere o caput deste artigo será desenvolvida em
regime de dedicação exclusiva e realizada sob supervisão docente-
assistencial, de responsabilidade conjunta dos setores da educação e da saúde.
Art. 14. Fica criada, no âmbito do Ministério da Educação, a Comissão
Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde - CNRMS, cuja
organização e funcionamento serão disciplinados em ato conjunto dos
Ministros de Estado da Educação e da Saúde (BRASIL, 2005:10).
Outra importante regulação identificada nos trabalhos foi a Portaria Nº 198/GM de 13
de fevereiro de 2004, que institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como
estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores
para o setor e dá outras providências.
Conforme sinalizamos, os trabalhos analisados apontaram para aparato normativo da
residência como elemento fundante na definição e organização dos programas. Dessa forma,
algumas legislações tiveram destaque. No que concerne o debate da questão pedagógica,
ressaltamos a Resolução n.02, de 13 de abril de 2012 que traz aspectos com relação à
organização dos programas.
Art. 5º As instituições que oferecerem Programas de Residência
Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde serão responsáveis pela
organização do Projeto Pedagógico - PP dos respectivos programas de pós-
graduação, em consonância com a legislação vigente.
§1º O PP de um Programa de Residência em Área Profissional da Saúde é
orientado pelo desenvolvimento do núcleo específico dos saberes e práticas
inerentes a cada profissão, em determinado campo de conhecimento.
§2º O PP de um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde é
orientado pelo desenvolvimento de prática multiprofissional e interdisciplinar
em determinado campo de conhecimento, integrando os núcleos de saberes e
práticas de diferentes profissões, devendo, para isto, considerar que:
I. para ser caracterizado como Residência Multiprofissional em Saúde, o
programa deverá ser constituído por, no mínimo, 03 (três) profissões da saúde;
II. quando o programa constituir-se por mais de uma área de concentração,
cada área deverá também contemplar, no mínimo, três profissões da saúde;
III. as atividades teóricas, práticas e teórico-práticas de um Programa de
Residência Multiprofissional em Saúde devem ser organizadas por:
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a. um eixo integrador transversal de saberes, comum a todas as profissões
envolvidas, como base para a consolidação do processo de formação em
equipe multiprofissional e interdisciplinar;
b .um ou mais eixos integradores para a(s) área(s) de concentração
constituinte(s) do Programa;
c. eixos correspondentes aos núcleos de saberes de cada profissão, de forma a
preservar a identidade profissional (BRASIL, 2005).
Podemos apontar que a definição de Residência a partir da legislação reafirmada nas
publicações aponta para a educação permanente afinada com os princípios do SUS e também a
referência ao art. 200 da Constituição. Neste sentido, remete a um modelo pedagógico
estruturado pela regulação nacional. As publicações analisadas apontam a necessidade de
formação afiançada aos princípios do SUS e direcionada a atenção integral a saúde, conforme
exemplifica o trabalho de Costa (2016)
No âmbito da saúde, a formação de recursos humanos é orientada pelas
Diretrizes Nacionais dos cursos de graduação da área de Saúde, que sinalizam
a exigência de uma qualificação comprometida com o SUS e direcionada para
o trabalho em equipe e para a atenção integral à saúde. No caso do Serviço
Social, por se tratar de uma profissão que não é exclusiva da saúde, a formação
profissional segue as Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço Social.
Estas apontam para uma capacitação teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa que proporcione ao profissional a apreensão crítica da
realidade, assim como da dinâmica das relações sociais, geradoras das
múltiplas expressões da questão social em diversos campos, dentre os quais a
saúde, exigindo do assistente social a construção permanente de respostas para
seu enfrentamento (COSTA, 2016:143-144).
No que tange às estratégias pedagógicas, a Resolução 2 de 13 de abril de 2012 da
Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde em seu art 5º estabelece que:
Art - IV- O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde deve ser
orientado por estratégias pedagógicas capazes de utilizar e promover cenários
de aprendizagem configurados em intinerário de linhas de cuidado na rede de
atenção à saúde, adotando metodologias e dispositivos da gestão da clínica
ampliada, de modo a garantir a formação fundamentada na atenção integral,
multiprofissional e interdisciplinar (BRASIL, 2012:3).
Nesta perspectiva, é fundamental considerarmos a Residência por um viés ampliado,
isto é, em seus aspectos micro e macrossociais. Nesta acepção, Mioto et al. (2012) apontam a
importância que os serviços públicos de saúde no Brasil assumem no que tange a formação
profissional numa lógica de integração docente-assistencial. Todavia, há disputas na condução
dos projetos de formação - entre a lógica de fragmentação/especialização versus trabalho
coletivo, e também na relação entre público e privado.
Mioto et al. (2012) sinalizam para a resistência ao modelo baseado na especialização
e na fragmentação do conhecimento, que repercute numa desintegração de serviços, e do
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próprio usuário. Dessa forma, o debate da formação torna-se um ponto fundamental no que
tange a reestruturação dos serviços, haja vista que esta reflexão pode propiciar uma nova lógica
de estruturação que articule formação e o cotidiano dos serviços através da construção de
práticas mais horizontalizadas, por exemplo.
Neste sentido, nas elaborações pesquisadas percebemos que a Residência
Multiprofissional é tida como uma possibilidade de trazer modificações no Sistema Único de
Saúde (SUS) através de uma formação diferenciada dos profissionais. Moraes et al. (2012:3)
destacam em seu trabalho que “os programas apresentam variedades em relação a formatos
metodológicos, porém, defendem a utilização de metodologias participativas e ativas em
relação a educação permanente como eixo pedagógico”.
A residência enquanto modalidade de educação permanente está no bojo dessa disputa
entre projetos, no sentido de que a lógica mercadológica presente na sociedade busca implantar
práticas pedagógicas em que o residente é tido como membro da equipe, de forma a assumir
funções que deveriam ser de responsabilidade do corpo de funcionários de cada instituição. É
fundamental destacar que no conjunto dos trabalhos analisados na pesquisa ao fazerem
referência à legislação, na maioria dos casos, o fazem as mediações acerca das disputas de
projetos e o quanto isso compromete o processo formativo.
No trabalho de Andrade (2015) é salientado alguns aspectos comuns e
inovadores da residência como espaço formativo, na medida em que:
Em comparação aos outros programas de pós-graduação lato sensu dessa área,
a Residência Multiprofissional em Saúde inova em vários aspectos: na
dedicação exclusiva ao processo formativo; na bolsa de educação pelo
trabalho; na articulação intersetorial entre o Ministério da Educação com o
Ministério da Saúde; na formação em serviço; novos cenários de prática; na
articulação do ensino, da pesquisa e da extensão universitária, na articulação
da graduação com a pós-graduação; na relação dialógica entre comunidade
assistida e os profissionais de saúde em formação; e em outras estratégias
pedagógicas em saúde (ANDRADE, 2015:60).
Rolim (2015) destaca a Residência Multiprofissional em Saúde, como:
proposta de um espaço significativo que busca uma transformação de certas
práticas em ões norteadas pela reflexão da realidade e pelos princípios do
Sistema Único de Saúde. A Residência contribui para redimensionar o
cotidiano dos serviços de saúde e o trabalho do Assistente Social, articulando
as práticas e os campos teóricos, ancorados nas Diretrizes Curriculares da
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social e no Projeto
Ético-Político da profissão (ROLIM, 2015:9).
Almeida e Salazar (2017) ressaltam que a Resolução n° 02 de 13 de abril de 2012, do
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Ministério da Educação, da Secretaria de Educação Superior e da Comissão Nacional de
Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS) dispõe sobre algumas diretrizes gerais para
a efetivação das Residências Multiprofissionais em Saúde. O inciso V do artigo da referida
resolução propõe que “o Projeto Pedagógico (PP) deve prever metodologias de integração de
saberes e práticas que permitam construir competências compartilhadas, tendo em vista a
necessidade de mudanças nos processos de formação, de atenção e gestão na saúde” (BRASIL,
2012:2).
Conforme destacam Mioto et al. (2012) em seu trabalho, a disputa de projetos assinala
as tensões e os pontos comuns aos programas de Residência. Nas palavras das autoras
Tensões se manifestam em vários aspectos relacionados à coordenação dos
projetos, ao conteúdo da proposta pedagógica, ao número de horas destinadas
à prática e a teoria, profissões a serem incorporadas e também no número de
residentes por área profissional. (...) Porém, de maneira geral os programas
estavam engajados na proposta de formação de qualidade, comprometidos
com a mudança na forma de produzir saúde, com a superação da dicotomia
teoria e prática e na capacidade que a formação em serviço possibilitasse,
através da presença nas unidades de saúde, a transformação dos serviços de
saúde (MIOTO et. al, 2012:190).
A compreensão da existência de projetos de formação e projetos profissionais em
disputa na residência deve ser tratada com clareza para que possamos definir as estratégias
políticas e pedagógicas a serem impressas nesse tipo de formação. Como dissemos
anteriormente, nos materiais pesquisados um acordo na definição de residência a partir da
legislação e expressa princípios com direções e compromissos na formação competente para o
SUS. Porém, é necessário que possamos nos debruçar sobre as tensões desse terreno em disputa
e como tais se manifestam no cotidiano dos envolvidos diretamente no processo de formação -
residentes, tutores, preceptores - e os envolvidos indiretamente - demais profissionais do campo
da saúde, usuários, professores, e outros para que sejam gestadas propostas que dialoguem com
a defesa de uma saúde pública e de qualidade, e que considere a análise da realidade por um
viés de totalidade. É necessário pensar de maneira articulada os elementos gerais e as formas
como se expressam e são vivenciados em cada território, em cada região do país e cada área de
atuação para definir estratégias que atentam as determinações especificas de forma conectada
com o contexto mais amplo, no que se refere ao reconhecimento de princípios vinculados a
diferentes projetos em disputa na sociedade. Reconhecer a forma como esses elementos
constituem essencialmente a formação para o SUS e a defesa dos seus princípios.
Os dados sobre a estruturação da formação teórico-prática nos programas indicam um
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alinhamento com as diretrizes para a Residência (BRASIL, 2010), que afirmam como eixos:
o foco para a aquisição de conhecimentos que possibilitem a elaboração de
modelos teórico-práticos; inclusão de conteúdo voltados às áreas de
concentração e áreas profissionais a que se referem os programas, e temas
como à bioética, à ética profissional, à metodologia científica, à
epidemiologia, à estatística, às políticas públicas de saúde e ao Sistema Único
de Saúde (CLOSS et al, 2012:7).
No que se refere à proposta pedagógica, constatamos certa concordância no que tange
ao apoio na legislação. Essa referência no aparato organizativo das Residências é importante,
mas ao mesmo tempo nos trazem indagações fundamentais, será que os programas têm limitado
apenas ao estabelecido nas legislações? O fato desse apoio possui relação ou não com a
aprovação de cada programa? Seria esse alinhamento com o aparato legal estratégico para
assegurar a aprovação do programa de residência junto às instâncias burocráticas, ou seria
posicionamento favorável a um determinado conjunto de princípios?
Segundo o trabalho de Rodrigues (2016) alguns elementos fundamentais podem ser
destacados para pensarmos a relação entre os projetos pedagógicos e as Residências. Segundo
a autora
A formação como processo presente nos Programas de Residência oportuniza
análises inicialmente voltadas aos projetos pedagógicos e a dimensão teórico-
política articulada às intencionalidades. Destaca-se que as propostas devem
estar vinculadas aos interesses e necessidades do SUS e pressupostos
presentes na Política Nacional de Saúde (Lei N.º 8.080/1990). Outro ponto
importante é o papel das instituições formadoras e das Associações/Conselhos
Profissionais que definem/defendem determinado projeto de formação em
suas respectivas áreas profissionais (RODRIGUES, 2016:74).
Neste sentido, no que tange especificamente ao serviço social, o Código de Ética
Profissional de 1993 aponta a necessidade da formação continuada se constituir como princípio
para a atuação do assistente social. Consta no Título II Dos Direitos e das Responsabilidades
gerais do/a assistente social, em seu artigo 2°- alínea f - “aprimoramento profissional de forma
contínua, colocando-o a serviço dos princípios deste Código” (CFESS, 2011:26).
Sendo o Código de Ética expressão do projeto ético-político profissional, este
estabelece um conjunto de princípios sob os quais tanto a formação quanto o exercício
profissional devem se pautar. Tais princípios como a defesa dos direitos, a equidade e justiça
social, reconhecimento da liberdade como valor central e a defesa da democracia e da cidadania,
são concepções que estão diretamente vinculadas aos princípios da Reforma Sanitária e, mais
amplamente, com os princípios Constitucionais sob os quais se baseiam a proposta de
organização das Residências Multiprofissionais.
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A defesa dessa proposta de formação precisa estar presente em todas as áreas
de intervenção do Serviço Social, sendo fortalecida no processo de educação
permanente e resguardada em todos os níveis de qualificação, dado que o
assistente social recebe uma formação generalista que o habilita a exercer sua
atividade profissional em diversas áreas e a se inserir em diferentes processos
de trabalho, o que demanda desse profissional um conjunto de conhecimentos
variados, que engloba tanto os conhecimentos específicos do âmbito do
Serviço Social, quanto àqueles decorrentes do espaço sócio ocupacional em
que está alocado (COSTA, 2016: 71-72).
Ao considerarmos as Diretrizes para a formação profissional em Serviço Social
elaboradas pela ABEPSS em 1996, temos claro o perfil que desejamos formar para buscar
profissionais comprometidos com a direção posta pelos princípios do projeto ético-político
profissional. Segundo Santos (2006:63)
Quanto ao perfil do profissional que se pretende formar, afirma ser o de um
profissional capaz de privilegiar a defesa dos direitos sociais, a ampliação da
cidadania e a consolidação da democracia, com uma competência a ser
adquirida nas várias dimensões que compõem o agir profissional: teórico-
prática, técnica e ético-operativa. A formação profissional se configura, então,
como um processo de qualificação teórico-metodológico, técnico e ético-
político para o exercício dessa especialização do trabalho coletivo.
Considerando o contexto contemporâneo são colocados aos assistentes sociais um
conjunto de exigências no sentido de apontar funções e competências para atuar na dinâmica
da complexa realidade social. Considerando a proposta da ABEPSS para a formação
profissional, é necessário que o profissional tenha sólida formação intelectual e cultural, crítica,
competente, criativa e propositiva, para que possa desenvolver suas funções compreendendo o
conjunto das relações sociais, com compromisso reafirmado cotidianamente com o Código de
Ética Profissional.
O conjunto de princípios democráticos, nos quais a formação e o fazer profissional se
baseiam, afinados com o projeto ético-político da profissão apontam para a criticidade e o
desenvolvimento da capacidade de leitura, interpretação e intervenção na realidade. Destaque
para a conexão destes princípios com a direção proposta pela Reforma Sanitária e os princípios
sob os quais se constrói a Constituição Federal de 1988. Conforme aponta o estudo de Costa
(2016:72)
A inserção do assistente social na área de saúde coloca para o profissional a
necessidade de uma formação especializada que lhe proporcione
conhecimentos acerca das particularidades da política de saúde. É importante
ressaltar que o trabalho e a formação profissional na saúde devem ser
direcionados pela articulação entre o Projeto Ético-Político do Serviço Social
e o Projeto de Reforma Sanitária, uma vez que estes projetos apresentam
princípios e valores comuns, os quais lhes atribuem uma identificação política.
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Nesta direção o projeto de formação profissional, construído coletivamente pelo
Serviço Social, opõem-se ao projeto de educação do capital, alicerçado na lógica
mercadológica. Diante desta diretiva há uma contradição basilar entre os princípios do projeto
ético político profissional e as proposições impostas pela educação formatada para o capital,
estas com especificidades em seu nível superior e de pós-graduação.
Neste sentido, a organização pedagógica é fundamental para o planejamento e o
fortalecimento dos princípios que orientam a formação. Além disso, também no que se refere à
relação institucional entre universidade e cenários onde a residência acontece e a definição do
perfil dos profissionais que se almeja formar para o SUS. Devemos apontar como direção
propostas pedagógicas para além do formalismo da norma, que tenham foco nos princípios
estabelecidos pela reforma sanitária e pelo projeto ético político profissional.
Um importante destaque refere-se à necessidade de compreender a diferença entre a
lógica da organização dos serviços em saúde, centrada na produtividade de procedimentos
técnico-operativos, e a lógica do trabalho da instituição formadora, centrada na produção de
conhecimentos teóricos e metodológicos dos campos pedagógicos e núcleos específicos. O
estudo de Araújo e Gelsleichter (2014) traz elementos essenciais nessa perspectiva.
Assim, o treinamento em serviço para os residentes inseridos na RIMS se
apresenta de forma contraditória, retratando a perversidade que perpassa a
sociedade capitalista, que coloca em lados antagônicos o que esestabelecido
na legislação e como isso se efetiva na prática, um descompasso entre o ideal
e o real. No que diz respeito a expectativa da sistematização do conhecimento
dos residentes, o contexto de sobrecarga de serviço tende a ser reduzido à
práticas mecanicistas/rotineiras que dificulta cumprir com as diretrizes
estabelecidas pelo Programa, limitando a assimilação entre teoria e prática
(ARAÚJO; GELSLEICHTER, 2014:10)
Identificamos também desafios importantes no que tange a organização no cotidiano
dos serviços na medida em que em alguns casos há uma participação restrita dos residentes em
eventos científicos, considerando a necessidade de não trazer “prejuízos aos serviços”, bem
como questionamento no que tange aos momentos de eixo teórico, na medida em que não há a
presença do residente no cenário de prática.
Nesta discussão, o trabalho de Rodrigues (2016) aponta para aspectos que são
fundamentais ao pensarmos acerca dos projetos pedagógicos que estão perpassando as
residências multiprofissionais e a relação com o mundo do trabalho, na medida em que
os que acreditam que os residentes devem suprir a necessidade imediata
de recursos humanos, reproduzindo procedimentos e respondendo às
demandas dos serviços, inseridos na equipe de trabalhadores. (...) a presença
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do residente nos serviços tem se tornado desafiante na medida em que a
expectativa é de sua inserção como “mais um” a compor ou “substituir” o
quadro de trabalhadores daquele local (RODRIGUES, 2016:79).
Em relação ao projeto pedagógico de Programas, destacamos a contribuição de Vale
(2012) que apresenta o projeto pedagógico da Residência Multiprofissional do Hospital
Universitário Getúlio Vargas (HUGV), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) para o
Serviço Social e ressalta que:
Espera-se que o residente em Serviço Social na área de concentração em
Saúde Funcional, ao final do curso deve ser um profissional apto a atuar nas
expressões da questão social, na formação e implementação das propostas
para o seu enfrentamento através de políticas públicas e desenvolver uma
prática profissional multidisciplinar voltada para a produção de novos
conhecimentos e melhoria da qualidade dos serviços de assistência (VALE,
2012:6).
Identificamos que poucas publicações trazem referências diretas ao projeto
pedagógico dos Programas, sendo esta, assim, uma lacuna de pesquisa. As obras estão
alicerçadas apenas na legislação, sem apontar outros horizontes, apesar de apontar a existência
de obstáculos. Neste sentido, a elaboração de Vale (2012) se destaca inclusive ao fazer alusão
às expressões da questão social como parte constituinte do projeto pedagógico.
Andrade (2015:65) discute a formação profissional do assistente social na
residência e aponta o objetivo do Projeto Político Pedagógico da REMU/HU/ Universidade
Federal de Sergipe (UFS).
Promover a formação de profissionais da saúde na área de concentração de
saúde do adulto e do idoso com ênfase em infectologia que saibam atuar no
contexto da saúde coletiva nas três esferas assistenciais: promoção de saúde,
prevenção de doenças e recuperação de doentes (reabilitação). Visa-se a
submeter à lógica dominante do modelo médico e produzir linhas de fuga que
estimulem uma atenção humanizada e centrada nos usuários
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE, 2011:10-11, apud ANDRADE,
2015: 65).
Nesta direção, Andrade (2015) apresenta que o Projeto Político Pedagógico da
REMU/HU/ Universidade Federal de Sergipe (UFS) estabelece um perfil de egressos aos
residentes de Serviço Social ressaltando competências, habilidades e atitudes. Dessa forma,
Competências: teórica, ideológica e cultural na defesa dos direitos e exercício
da cidadania (...) atuar na prevenção primária (...).
Habilidade: contribuir na resolução de problemas macro e micro; planejar,
organizar, implementar e gerir programas de atendimento (...) implantar
resoluções alternativas e inovadoras, bem como capacidade crítica, reflexiva
e criativa.
Atitudes: conhecimentos socioculturais e técnicos científicos: que assegurem
a percepção do presente e do futuro, permitindo-lhe compreender e avaliar as
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mudanças e contradições no sistema capitalista como um fenômeno social
(...). (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE, 2011:30-32, apud
ANDRADE, 2015:69-70).
O trabalho de Rolim (2015) apresenta elementos pertinentes no que tange o
projeto pedagógico da Residência Multiprofissional (RESMULTI) da Universidade Federal do
Ceará, na medida em que traz a discussão da formação profissional articulada teoria e prática e
conexão entre os espaços, Universidade, serviços de saúde e comunidade.
a formação de um profissional generalista e humanista, ético,
comprometido com a Universidade na melhoria da qualidade do
ensino, pesquisa e extensão e prestação de serviços à comunidade; a
matriz curricular integrada e sua correspondente organização
institucional que articula dinamicamente prática e teoria, trabalho e
ensino, ensino e comunidade, por meio da integração dos conteúdos e
das disciplinas. A vivência, a observação e a reflexão sobre problemas
extraídos da realidade irão despertar o interesse para os temas
estudados. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2010:12 apud
ROLIM, 2015:45).
Os estudos apontaram dois elementos fundamentais para a formação do residente: a
interdisciplinaridade e a pesquisa. Neste sentido, apesar dos desafios a residência é tida como
um espaço privilegiado na medida em que oportuniza espaços de diálogo entre as diferentes
profissões e estimula o conhecimento através da pesquisa, seja através das investigações
cotidianas, seja por meio do Trabalho de Conclusão de Residência.
Outra questão que destacamos se refere à previsão de capacitação para preceptores e
tutores previstas no projeto pedagógico:
Para isso, é necessário que estes profissionais estejam preparados em todos os
níveis de atuação, o que sugere uma capacitação planejada e permanente,
buscando alcançar todos os níveis de formação, articulando também os
princípios e objetivos do programa de residência multiprofissional. No
entanto, apesar desta capacitação ser proposta no projeto em questão, devemos
destacar a ausência de planejamento e método para que esta seja realizada,
além de que a proposta apresentada se refere a uma formação de maneira
interdisciplinar, o que nos refere também a necessidade de uma capacitação
restrita a cada profissão, envolvendo cada uma das categorias, visto que estas
possuem atribuições específicas a serem tratadas no processo (ANDRADE;
SANTOS, 2016:9).
O trabalho de Closs et al. (2012) aponta que a potencialidade da residência consiste
na apreensão e atendimento ampliado às necessidades de saúde. De acordo com as autoras
O processo de formação ocorre através da integração dos eixos ensino-
serviço-comunidade e da permanente inter-relação entre os núcleos de
saberes e práticas das profissões envolvidas na formação. Esta
formação procura romper com a lógica de fragmentação entre as
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profissões, bem como superar a dissociação entre ensino e serviço,
situando a rede do SUS como lócus de aprendizagem (CLOSS, et al.
2012:03).
Nesta perspectiva, as autoras expõem que através da residência pode-se ter uma
mudança na atenção em saúde, haja vista uma maior possibilidade de se construir uma
abordagem integral do processo saúde-doença. Nas palavras das autoras
Merece destaque a concepção pedagógica crítica presente nessa
modalidade de formação, viabilizada através do eixo ensino-
aprendizagem -trabalho: aprender como processo dinâmico que visa
empreender respostas a dada realidade, permeada por necessidades
concretas e pessoas em interação, na qual o saber é confrontado e
desafiado pelo trabalho. A integralidade da atenção e o trabalho em
equipe também são centrais nos processos de ensino/trabalho realizados
na residência, os quais devem estar alicerçados em projetos
pedagógicos críticos e consistentes e ambientes de trabalho qualificados
ao ensino em serviço (CLOSS, et al. 2012:03).
O trabalho de Closs et al. (2012) se destaca no sentido de trazer alguns apontamentos
mais críticos que não aparecem de forma consistente nas demais produções. Nesta acepção, as
autoras desenvolvem a questão do processo dinâmico da realidade, na relação com as
necessidades concretas, e a importância da integralidade da atenção e do trabalho em equipe.
Na medida em que avançamos na literatura pesquisada ressaltamos a necessidade de
se construir estratégias pedagógicas condizentes com os princípios do SUS, para o qual esta
formação se destina. Neste sentido, a elaboração de projetos pedagógicos afinados com ações
que traduzem os caminhos que precisamos trilhar na defesa da saúde como direito de todos, isto
é, como constitutiva da cidadania. A concepção pedagógica deve estar conectada com o perfil
que queremos formar, estimulando a formação crítica e comprometida, que estimule a pesquisa
e seja afinada com a democracia.
Considerações finais
Ao pensarmos a residência como um espaço diferenciado de formação, Silva (2010)
avança no que tange aos aspectos pedagógicos na medida em que expõe
Pensar a residência multiprofissional em saúde para além do instituído, dos
organogramas, das normas, regras, do estruturado. É reconhecer o
protagonismo dos sujeitos, a sua capacidade de re-significar seus saberes, de
desenvolver sua autonomia e instituir novas práticas na saúde a partir do
movimento de atores interessados e comprometidos com esta proposta
(SILVA, 2010:3-4).
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Nesta acepção, temos com este trabalho a intencionalidade de estimular um debate que
consideramos necessário e urgente. A concepção pedagógica que prevalece entre os materiais
que analisamos vincula-se ao conjunto de normas que organizam os programas de residência.
Apesar de estar diretamente vinculada aos princípios que direcionam a formação para o SUS,
ainda necessidade de ir além, no sentido de construção coletiva de estratégias pedagógicas
que possibilitem o reforço do projeto de saúde vinculado aos princípios e valores da reforma
sanitária, com horizonte para além do formalismo da norma.
No tempo presente temos desafios principalmente no campo da formação marcado pelas
diversas disputas entre os diferentes projetos, sinalizado pelo embate entre público e privado.
Assim, assinalamos que a nossa perspectiva se coloca em favor de uma direção democrática e
comprometida afiançada nos princípios da Reforma Sanitária e no SUS. Diante desse terreno
tenso de disputas afirmamos um conjunto de possibilidades na busca da formação de qualidade
na residência como espaço de formação para o SUS: a importância do estímulo ao protagonismo
do residente como abordagem pedagógica, a residência como forma de avançar no debate do
conceito ampliado de saúde, a possibilidade de trabalho interprofissional.
O trabalho de Rodrigues (2016) ressalta elementos essenciais ao pensarmos a
relação entre a organização da educação pública em sentido macrossocial com a dinâmica da
residência. Nas palavras da autora
Ainda que com resistências de coletivos que acreditam e lutam por uma
educação pública, de qualidade e socialmente referenciada, o viés
meritocrático e do produtivismo acadêmico impera, com índices e pontuações
que produzem e reproduzem a intensificação do trabalho. Consideramos que
esta perspectiva fortalecida pelo viés meritocrático, assentado em exigências
cada vez maiores em termos de produtivismo acadêmico, fragiliza iniciativas
com viés extensionista, como as relativas aos Programas de Residência
(RODRIGUES, 2016:75-76).
A referida autora (2016) acrescenta que a residência tem possibilidade de construir
práticas de trabalho articulado, todavia, sem perder de vistas as especificidades profissionais.
Aliado a discussão do processo formativo, Eleutério, Costa (2012) apontam para o
desafio na estruturação da preceptoria, tendo em vista que a compreensão de alguns
profissionais que residente éo-de-obra, no sentido de compor o serviço, devido o reduzido
número de recursos humanos, frente ao aumento de demandas postas por diferentes segmentos,
usuários, familiares e/ou responsáveis, profissionais e instituição. É importante considerarmos
que esta dinâmica, não está descolada de uma análise macrossocial, das mudanças no mundo
do trabalho, de acirramento das expressões da questão social e de ofensiva do capital para com
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os direitos do trabalho.
Closs et.al (2012) atribuem que a potencialidade da residência multiprofissional em
saúde consiste em sintonizar trabalho e formação. Nesta acepção, é possível uma aproximação
com as necessidades de saúde população usuária e para o trabalho em equipe, tendo em vista o
conceito ampliado de saúde e a determinação social do processo saúde/doença. Todavia, Closs
et. al (2012:3) destacam com relação a residência que “sua conformação como política pública
é recente, o que aponta para a importância de serem ampliadas as pesquisas sobre essa
formação, tendo em vista consolidá-la e qualificá-la”. Isto é, são necessários debates, pesquisas,
trocas para que sejam desveladas as lacunas e as potencialidades dessa modalidade de formação,
isto é, que façam a relação entre os aparatos normativos e o cotidiano dos serviços,
considerando a realidade em sua complexidade.
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