Quem construiu o "Caes do Porto"? As marcas  
das relações raciais e da superexploração  
Who built the "Caes do Porto"? The marks of race relations and  
overexploitation  
Gustavo Gonçalves Fagundes*  
Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca**  
Resumo: O centenário porto construído no Rio  
de Janeiro é obra de engenharia que nos alcança  
no presente. Neste artigo, objetivamos  
demonstrar quem eram, como viviam e em que  
condições laboravam os produtores diretos de  
tamanha empreitada. Para o entendimento  
aprofundado deste processo naqueles canteiros  
de obras, sobrelevam-se as socialmente  
generalizadas marcas das corroídas relações  
raciais no pós-abolição, bem como está  
caracterizada a superexploração da força de  
trabalho engajada em tamanha construção.  
História e Teoria Social devem responder: quem  
construiu o “caes do porto”?  
Abstract: The centenary port built in Rio de  
Janeiro is a work of engineering that reaches us  
today. In this article, we aim to demonstrate who  
they were, how they lived and under what  
conditions the direct producers of such an  
undertaking worked. For an in-depth  
understanding of this process at those  
construction sites, the socially generalized  
marks of corroded racial relations in the post-  
abolition period are highlighted, as well as the  
overexploitation of the workforce engaged in  
such construction. History and Social Theory  
must answer: who built the “caes do porto”?  
Palavras-chaves:  
Porto;  
Racismo;  
Keywords: Port; Racism; Overexploitation.  
Superexploração.  
Introdução  
As páginas a seguir trazem entendimento do racismo enquanto uma tecnologia de  
dominação e da compreensão da sua reprodução a partir das relações de trabalho que  
prevaleceram no processo de destruição/construção do Porto do Rio de Janeiro, ente 1904 e  
1914. Em alusão ao que o atual Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Silvio  
* Doutorando e mestre em Serviço Social pela UFRJ. Assistente social pela UFF. ORCID: https://orcid.org/0000-  
**  
Doutor em História pela UFF. Professor Visitante Adjunto de História do Atlântico no PPGH/DFCH-UESC.  
Nota: Agradecemos as indicações do professor Luiz Cláudio Moisés Ribeiro (UFES) que motivaram a associação  
da reflexão teórica com a pesquisa empírica, acabando por redundar na elaboração em coautoria deste artigo.  
DOI: 10.34019/1980-8518.2024.v24.42315  
Esta obra está licenciada sob os termos  
Recebido em: 24/09/2023  
Aprovado em: 12/04/2024  
Quem construiu o "Caes do Porto"? As marcas das relações raciais e da superexploração  
de Almeida (2019), afirma sobre sua obra, o texto aqui apresentado não se restringe às  
discussões de raça ou da opressão racial, mas sim do conjunto da teoria social. O que no caso  
da presente abordagem diz respeito ao mundo do trabalho, a conformação da classe trabalhadora  
e sua composição racial, os processos produtivos que era engajada, bem como seus métodos de  
organização e mobilização em um determinado período histórico. Essa demarcação se faz  
necessária para evitar estreitar ou isolar o estudo das condições de vida e trabalho da população  
negra, como se o mesmo não compreendesse de forma global as relações de trabalho sob o  
desenvolvimento capitalista.  
A perspectiva que integra as categorias de raça e classe é fruto do entendimento das  
determinações sócio-históricas que estruturaram a sociedade brasileira, a qual impõe um caráter  
sistêmico ao racismo. Dessa forma, entendemos que a abordagem não se apoia em meros atos  
isolados, mas sim num processo histórico que criou subalternidades e favorecimentos entre os  
diferentes grupos raciais. Portanto, tal qual o autor supracitado, partimos da concepção  
estrutural do racismo. Logo, as relações do caso aqui examinado também estão inseridas na  
corrosão social produzida pela opressão racial, mas também no capitalismo dependente que se  
construía no Brasil.  
Depois de três décadas de frustrações com os chamados “melhoramentos portuários” no  
Rio de Janeiro, da reprodução em escalas aperfeiçoadas, mas ainda muito limitadas, da operação  
portuária baseada em trapiches e das elaborações frustradas de diferentes concessionários em  
seus projetos para o porto do Rio de Janeiro, é exemplar a forma como o Estado Nacional  
brasileiro tomou a iniciativa de transformá-lo radicalmente. Os historiadores convencionaram  
(Benchimol, 1990; Lamarão, 1991, Velasco e Cruz, 1998) creditar a “reforma do porto” ao  
governo federal e, secundariamente, à empresa que a executou a empreiteira inglesa C. H.  
Walker & C. a maior parte dos serviços, mas pouco ou nada foi esclarecido sobre aqueles  
sujeitos que venderam suas forças vitais e capacidades criativas para consecução da maior obra  
pública em um século de Brasil independente. De fato, desde o arcabouço legal preparatório até  
a fiscalização das obras no campo, é possível asseverar que aquela obra pública era expressão  
de uma radical transformação urbana e operacional há muito ansiada tanto pelas classes  
dominantes acampadas no Estado Nacional, quanto pelos trabalhadores que penavam na  
operação portuária então estabelecida (Albuquerque, 1983).  
283  
Trazemos o necessário debate de esmiuçar as relações raciais contidas em tal  
empreitada. Com intuito de reconhecer a composição racial daqueles trabalhadores, a  
importância e o risco dos/nos ofícios desempenhados naqueles canteiros de obras, mas  
Gustavo Gonçalves Fagundes; Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca  
especialmente as implicações do racismo na transição do mundo do trabalho no início do século  
XX, cuja observação é possível através da investigação sobre a construção do porto.  
Assim, importa apontar o destino dos brasileiros responsáveis pela produção da riqueza  
nacional no período que sucede a conquista da abolição. Nos apoiaremos nas contribuições de  
Clóvis Moura (1988; 2014; 2021) para expor a construção de mecanismos de barragem social  
contra os trabalhadores negros após o processo abolicionista, um movimento organizado pelo  
Estado Nacional enquanto mediação opressora e com firme impacto na transição da escravidão  
em direção ao assalariamento. Sua dimensão englobou aspectos jurídicos-políticos e todo um  
arcabouço ideológico. Em Florestan Fernandes (2008), temos uma abordagem sobre a  
integração do negro na sociedade de classes, o que traz a consolidação da estrutura social e  
econômica capaz de impor à população negra uma localização inferiorizada em relação aos  
brancos.  
Esse percurso histórico de transição do regime de trabalho é corroído por elementos que  
até hoje estão introjetados no imaginário social. Nesse sentido, as obras do porto do Rio de  
Janeiro ganham centralidade, visto que ali podemos perceber não só a estrita relação de venda  
da força de trabalho como também as potencialidades de organização e mobilização no pós-  
abolição. No caso em tela, fica claro um nível de consciência sobre sua condição de classe que  
se desdobra a partir do acúmulo da experiência de classe dos trabalhadores negros, consciência  
esta, em grande medida, legatária das experiências vividas por esses sujeitos na sociedade  
escravista.  
284  
Registrada a responsabilidade e iniciativa do governo federal, bem como a execução C.  
H. Walker & C., outras empresas e agentes privados, não é justo esquecer os produtores diretos  
da infraestrutura que permaneceu com grande relevância operacional para o país durante seis  
décadas e que nos alcança, materialmente, até os dias de hoje entre a Praça Mauá e o Canal  
do Mangue. Para tanto, é possível integrar o entendimento sobre a construção/constituição  
material do porto e a formação/composição da classe trabalhadora na capital da República.  
Partimos da premissa de que o projetado, reprojetado e, finalmente, executado no porto  
do Rio de Janeiro (1903-1914) não foi uma mera reforma. Ao contrário, era um esforço  
coordenado de destruição/construção da principal repartição fiscal do país e uma das mais  
importantes infraestruturas ao alcance e serviço dos capitais que aqui se acumulavam  
(Mantuano, 2022). A disruptiva transformação da natureza, constituição material e  
equipamento do porto o emancipou do alcance limitado do capital comercial, simbolizado nos  
trapiches que continuaram existindo sem a centralidade de outrora para operação portuária do  
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Quem construiu o "Caes do Porto"? As marcas das relações raciais e da superexploração  
Rio de Janeiro. Construiu-se um porto de escala e cariz industrial, se impôs uma materialidade  
que viabilizava a operação portuária hegemonicamente capitalista na capital da República e este  
processo foi condicionado e tomado pelo capital financeiro a associação entre o banco que há  
muito era financiador externo da dívida pública brasileira, N. M. Rothschild & Sons, e dos  
empreiteiros da maior parte das obras, C. H. Walker & C., ambos britânicos.  
O esforço para construção do porto do Rio de Janeiro foi gestado e parido coadunando  
com a ortodoxia econômica vigente, ratificando a subordinação brasileira ao imperialismo  
capitalista (Singer, 2006), pelas vias dos acordos com os grandes capitais, da articulação com  
as representações nacionais das classes dominantes, dos contratos junto aos financiadores e  
executores empresariais das obras. Aprofundou-se, em suma, o essencial da República  
Oligárquica: a dependência econômica, as desigualdades sociais e a própria questão racial  
(Oliveira, 2006).  
Embora significasse uma mudança material de magnitude inigualável e de repercussões  
larguíssimas, a radical transformação do porto do Rio de Janeiro não surgiu de um novo status  
quo, assim como não deu azo a mudança deste, antes, o reforçou. Neste artigo buscamos  
evidenciar como a superexploração do trabalho dos indivíduos, majoritariamente brasileiros e  
negros, que guardavam para si apenas suas forças vitais e conhecimentos como serventes,  
pedreiros e mestres de obras, especialmente, mas também como canteiros, metalúrgicos,  
marceneiros, marítimos, carregadores etc.. Entendê-los como agentes é fundamental para o  
conhecimento das relações laborais de indisfarçável clivagem nacional e racial que  
viabilizaram a realização das demolições e obras que construíram um dos maiores portos do  
mundo.  
285  
Em suma, não é possível conhecer a História Urbano-Portuária do Rio de Janeiro sem  
responder a seguinte questão: quem fez as dragagens? Quem participou dos aterramentos?  
Quem erigiu aqueles armazéns? Quem construiu o “caes do porto” do Rio de Janeiro?  
Sobre Superexploração e Dependência no entrelaço das relações raciais  
Os trabalhadores que protagonizaram as obras do porto do Rio de Janeiro e a própria  
dinâmica econômica que originou tal empreitada não surgiram com o alvorecer do século XX.  
É preciso nos debruçarmos sobre a dimensão particular da formação brasileira em seus  
meandros socioeconômicos, inclusive para que possamos compreender o racismo enquanto  
parte estrutural e estruturante do processo em tela.  
Partimos do que Ruy Mauro Marini aponta ser o caráter dependente do capitalismo  
brasileiro:  
Gustavo Gonçalves Fagundes; Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca  
O que deveria ser dito é que, ainda quando se trate realmente de um  
desenvolvimento insuficiente das relações capitalistas, essa noção se refere a  
aspectos de uma realidade que, por sua estrutura global e seu funcionamento,  
não poderá desenvolver-se jamais da mesma forma como se desenvolvem as  
economias capitalistas chamadas avançadas. É por isso que, mais do que um  
pré-capitalismo, o que se tem é um capitalismo sui generis, que só adquire  
sentido se o contemplamos na perspectiva do sistema em seu conjunto, tanto  
em nível nacional, quanto, e principalmente, em nível internacional (Marini,  
2005, p. 138).  
A constatação de estarmos submetidos a um capitalismo dependente nos permite  
adentrar tendências que dão legalidade teórica ao que se desdobra na sociedade brasileira. Por  
apresentar uma integração subordinada ao mercado mundial capitalista, assim como o conjunto  
da América Latina, temos a implicação de um intercâmbio desigual de mercadorias.  
Ressaltamos que esse processo coaduna com a vigência da escravidão em pleno século  
XIX, momento em que homens negros e mulheres negras trabalhavam de forma compulsória  
para seus senhores. Período histórico apontado como segunda escravidão, entre 1790 e 1888,  
(Tomich, 2011) ou escravismo tardio, que corresponde ao interregno de 1850 e 1888, (Moura,  
2014), recortes temporais que contribuem na interpretação dos acontecimentos da escravidão  
durante seu apogeu produtivo e de corpos escravizados, plena vinculação com o  
desenvolvimento capitalista até os acontecimentos jurídicos-políticos que acompanharam sua  
desagregação.  
286  
O processo de subjugação das economias dependentes em relação as centrais propiciava  
uma perda de valor nas trocas mercantis entre as primeiras em favor das últimas. Marini  
compreende essa dinâmica e desenvolve a categoria da superexploração da força de trabalho  
como um mecanismo de compensação a essa sucção de valor das nações dependentes, o que se  
configura em uma sui generis compleição da relação capital e trabalho.  
Nas palavras do autor:  
[...] a participação da América Latina no mercado mundial contribuirá para  
que o eixo de acumulação na economia industrial se desloque da produção de  
mais-valia absoluta para a de mais-valia relativa, ou seja, que a acumulação  
passe a depender mais do aumento da capacidade produtiva do trabalho do  
que simplesmente da exploração do trabalhador. No entanto,  
o
desenvolvimento da produção latino-americana, que permite à região  
coadjuvar com essa mudança qualitativa nos países centrais, dar-se-á  
fundamentalmente com base em maior exploração do trabalhador (Marini,  
2005, p. 144, grifo nosso).  
Ao nos aprofundarmos de forma mais detida na referida elaboração teórica, percebemos  
que a reflexão trata das economias das nações latino-americanas e a constituição dos pilares da  
dependência. Visto que “a criação da grande indústria moderna seria fortemente obstaculizada  
se não houvesse contato com os países dependentes, e tido que se realizar sobre uma base  
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estritamente nacional” (p. 142) e aponta que “é a partir desse momento que as relações da  
América Latina com os centros capitalistas europeus se inserem em uma estrutura definida: a  
divisão internacional do trabalho” (p. 141). Ressaltamos ainda que compõem a elaboração a  
preocupação em diferenciar situação colonial de dependência, onde “ainda que se dê uma  
continuidade entre ambas, não são homogêneas” (p. 141).  
A superexploração não se resume a uma condição laboral degradante, ela é um  
mecanismo de compensação frente a inserção subordinada dos países da América Latina no  
mercado mundial e consequente intercâmbio desigual de mercadorias. Uma desigualdade que  
resulta na cessão de valor por parte da nação desfavorecida (dependente) em favor das nações  
beneficiadas. Logo, “o mero fato de que umas produzam bens que as outras não produzem, ou  
não o fazem com a mesma facilidade, permite que as primeiras eludam a Lei do Valor” (Marini,  
2005, p. 152), fenômeno que compõe um dos pilares do que vem a ser a dependência. Essa  
transferência valor implica deterioração da acumulação de capital da classe brasileira e frente a  
inserção subordinada ao mercado mundial, compunha os termos de troca do Brasil enquanto  
nação já na virada do século XIX para o XX.  
Frisamos a incompatibilidade da superexploração com regimes escravistas, justamente  
pela previsão de compra e venda da força de trabalho como também do seu vigor enquanto  
mecanismo de compensação, que reside na contrapartida para que os países dependentes  
reponham a massa de valor perdida na transferência de valor. Dessa forma:  
287  
Aforça de trabalho, na superexploração, além de estar submetida à exploração  
capitalista nas determinações mais gerais da Lei do Valor, está também,  
submetida às determinações específicas desta, sob as quais é agudizada sua  
tendência negativamente determinada, que atua de modo sistemático e  
estrutural sob as condições dependentes, provocando desgaste prematuro da  
força de trabalho e/ou a reposição de seu desgaste de tal maneira em que a  
substância viva do valor não é restaurada em condições normais (isto é, nas  
condições sociais dadas), ocorrendo o rebaixamento do seu valor (Luce, 2018,  
p. 155)  
Compreendemos, a luz da clássica elaboração de Marini e da atualização elaborada por  
Mathias Seibel Luce (2018), a vigência de quatro manifestações específicas da superexploração  
da força de trabalho: a) pagamento da força de trabalho abaixo do seu valor; b) o prolongamento  
da jornada de trabalho além dos limites normais; c) o aumento da intensidade além dos limites  
normais; d) o hiato entre o elemento histórico moral do valor da força de trabalho e a  
remuneração do trabalhador. É a partir dessa particular expressão das relações de produção  
capitalista a que estão submetidos o conjunto dos trabalhadores brasileiros.  
Adrian Sotelo Valencia (2023) orienta que Marini formula a superexploração da força  
de trabalho em um alto nível de abstração e que de nenhuma maneira abre mão dos elementos  
Gustavo Gonçalves Fagundes; Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca  
sociológicos e políticos, como a luta de classes, Estado e poder. “Esses componentes, ao passo  
que interagem como mediações, no plano concreto, a sobredeterminam, seja no sentido  
de aumentá-la ou moderá-la” (p. 20). Isso implica que a superexploração, como qualquer  
fenômeno social, pode ser analisada - inclusive é a forma adotada nos termos realizados por  
Marini - em um determinado nível de abstração teórico-metodológico e isso não impede a  
constituição de mediações para captar seu movimento real e com isso vislumbrar suas  
particularidades. Dessa forma, na compreensão da superexploração, não se deve esquecer a  
“forma como se entrelaça com o Estado e com a dinâmica da luta de classes que a modula, seja  
no sentido de elevá-la ou no sentido de revertê-la em favor dos interesses da classe  
trabalhadora” (p. 26). Nesse sentido, consideramos que o racismo é um determinante  
fundamental na conformação das classes, nas suas experiências, fazer-se e isso se revela em  
elemento chave para o entendimento da superexploração.  
Isso traz a discussão acerca da determinação de um valor normal para a força de  
trabalho. Adiantamos o entendimento de que tal valor se constitui por aspectos históricos e  
conjunturais. Assim, a vigência do racismo enquanto estrutural na formação econômica e social  
brasileira se constitui em um elemento para compor o valor da força de trabalho. Almeida  
(2019, p. 35) afirma que o racismo carrega em si um caráter sistêmico, já que não pode ser  
resumido a meros atos isolados ou expressões discriminatórias, mas “de um processo que  
condições de subalternidade e de privilégio que se distribuem entre grupos raciais se  
reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas”. Por isso, o racismo  
deve ser entendido como estrutural, “decorrência da própria estrutura socia, ou seja, do modo  
‘normal’ com que se constituem relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares” (p.  
50).  
288  
Clóvis Moura (2021), ao trazer indicações sobre como o trabalhador negro transita de  
um bom escravo na percepção senhorial para um mau cidadão na concepção da classe  
dominante, nos oferece pistas contundentes, principalmente pela combinação do Estado  
enquanto mediação opressora. Responsável por moldar e organizar o mercado de trabalho e a  
vigência de um arcabouço ideológico que corroeu o imaginário social o que eximindo com  
maior profundidade na obra de Weber Lopes Goés (2018) com teorias racialistas sobre as  
capacidades e habilidades intelectuais dos trabalhadores negros.  
Não será, atualmente, mau cidadão aquele negro livre que procura, através da  
sua conscientização, levantar o problema da situação racial do Brasil e  
encontrar soluções, globais ou parciais, para ela? Ou será bom cidadão negro  
aquele que aceita o status quo e procura ser apenas divertimento, objeto para  
o branco (como já fora no tempo da escravidão), espécie de mercadoria que  
se vende nos momentos em que a indústria turística procura se desenvolver no  
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país e, com esta atitude de subalternização, regride socialmente até uma franja  
próxima à do antigo escravo?  
Não será, porém, bom cidadão o negro que não aceita a discriminação racial,  
o seu confinamento nas favelas, mocambos e alagados, as restrições que são  
feitas à sua cor no mercado de trabalho e em muitas instituições, e procura, de  
uma forma ou de outra, encontrar saída para o impasse atráves da sua  
participação em movimentos projetivos?  
É visto ainda como mau cidadão negro aquele que vive nas favelas, nos  
cortiços, nos mocambos nordestinos e se situa nas mais baixas camadas  
sociais, como operário não qualificado, doméstica, mendigo, biscateiro,  
criminoso ou alcoólatra. É exatamente aquele segmento descendente do  
escravo, hoje apenas negro livre, porém que não foi, ainda, incorporado, na  
sua grande maioria, a não formalmente, à sociedade civil, como cidadão. O  
negro doente. Avitaminado. Deformado por doenças carenciais. Preterido no  
trabalho. Vivendo nos terreiros de umbanda e candomblé. Fazendo uso da  
medicina popular para curar moléstias que atingem, com maior índice de  
incidência, as áres ecológicas para onde foi inexoravelmente jogado (Moura,  
2021, p. 29).  
Esse imbróglio se desdobra no período de transição do regime de trabalho no Brasil,  
quando a escravidão definha com a dinâmica da luta dos escravizados e o movimento  
abolicionista e com a posterior ascensão do mundo do trabalho assalariado. Ou seja, as obras  
portuárias no Rio de Janeiro são compreendidas ainda nesse recorte temporal.  
Corroboramos com a concepção defendida por Silvio Almeida sobre o racismo não ser  
uma herança direta ou mero resto da escravidão, “até mesmo porque não há oposição entre  
modernidade/capitalismo e escravidão” (Almeida, 2019, p. 183). Logo, o racismo é parte  
constitutiva das estruturas do capitalismo.  
289  
Fagundes (2022) aponta o exército industrial de reserva como mecanismo central na  
relação entre superexploração e racismo estrutural, justamente por buscar na crítica da  
economia política as categorias para as implicações negativas na elaboração do valor da força  
de trabalho.  
A existência do exército industrial de reserva compreende o controle do valor da força  
de trabalho, visto que “produzir uma população excedente relativa, isto é, excedente em relação  
à necessidade média de valorização do capital, é uma condição vital da indústria moderna”  
(Marx, 2017, p. 709), o que a “grosso modo, os movimentos gerais do salário são regulados  
exclusivamente pela expansão e contração do exército industrial de reserva” (Marx, 2017, p.  
712). Tal definição avança em seus contornos ao se constatar, nos termos de Ruy Mauro Marini,  
a existência de um avolumado número de trabalhadores ausentes dos postos de trabalho como  
pressuposto fundamental para vigência da superexploração. E é na transição do regime de  
trabalho escravizado para o trabalho assalariado que primeiro conseguimos observar a  
racialização do processo de constituição de um exército industrial de reserva racializado no  
Gustavo Gonçalves Fagundes; Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca  
Brasil. Ou seja, um avolumado e racializado exército industrial de reserva se constitui a partir  
da igualdade jurídica das relações legais de trabalho.  
Florestan Fernandes, ao abordar a integração do negro na sociedade de classes, nos  
auxilia na observação desse fenômeno.  
Onde a produção se encontrava em níveis baixos, os quadros da ordem  
tradicionalista se mantinham intocáveis: como os antigos libertos, os ex-  
escravos tinham de optar, na quase totalidade, entre a reabsorção no sistema  
de produção, em condições substancialmente análogas às anteriores, e a  
degradação de sua situação econômica, incorporando-se à massa de  
desocupados e de semi-ocupados da economia de subsistência do lugar ou  
outra região. Onde a produção atingia níveis altos, refletindo se no padrão de  
crescimento econômico e de organização do trabalho, existiam reais  
possibilidade de criar um autêntico mercado de trabalho: aí, os ex-escravos  
tinham de concorrer com os chamados “trabalhadores nacionais”. [...] Em  
consequência, ao contrário do que se poderia supor, em vez de favorecer, as  
alternativas da nova situação econômica brasileira solapavam, comprometiam  
ou arruinavam, inexoravelmente, a posição do negro nas relações de produção  
e como agente de trabalho (Fernandes, 2008, p. 31-32).  
Clóvis Moura (2021) afirma que “uma sistemática de peneiramento contra o ex-escravo,  
após a Abolição, permeou as oportunidades de integração na sociedade capitalista emergente”  
(p. 31). Essa realidade imprimiu uma dimensão ideológica da representação dos homens negros  
e mulheres negras enquanto sujeitos responsáveis por sua própria condição, retirando de cena  
os aspectos jurídicos-políticos (nos termos moureanos) que justificam tal situação.  
290  
“No caso específico do negro brasileiro, que além de ter vndo da situação  
inicial de escravo, pertence a uma etnia que possui uma determinada marca,  
segundo os padrões brancos, o problema se agrava e surge, em consequência,  
uma série de barragens e razões justificatórias, capazes de impedir a sua  
ascenão social massiva. Desta forma, os valores etnocêntricos das classes  
dominantes representam uma redoma ideológica que tem como função  
impedir a mobilidade vertical dos seus estratos inferiores” (Moura, 2021, p.  
37).  
No curso do centenário da abolição o autor adensou os debates sobre o tema da situação  
da população negra após a liberdade do cativeiro. Aponta que um acúmulo de combinações  
determinou a imposição dos trabalhadores negros enquanto superpopulação relativa logo nas  
primeiras décadas do século XX. Seja a trajetória histórica do trabalho compulsório, o que  
impedia o acúmulo de bens materiais, ou mesmo o vendaval de teorias racialistas que corroía o  
imaginário social em sentido de inferiorizar essa parcela da população.  
Temos ainda, sob a dinâmica das relações capitalistas, a criação de estereótipos sobre o  
indivíduo não-branco:  
Indolentes, cachaceiros, não-persistentes para o trabalho e, em contrapartida,  
por extensão, apresenta-se o trabalhador branco como o modelo perseverante,  
honesto, de hábitos morigerados e tendências a poupança e à estabilidade no  
emprego. Elege-se o modelo branco como sendo o do trabalhador ideal  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 282-318, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Quem construiu o "Caes do Porto"? As marcas das relações raciais e da superexploração  
(Moura, 1988, p. 69).  
As obras no porto do Rio de Janeiro estão inseridas nesse contexto, os trabalhadores –  
brancos e negros, nacionais e estrangeiros protagonistas dessa empreitada. Omitir as relações  
raciais desse episódio é incorrer em equívocos teóricos e também políticos. Aqueles sujeitos  
organizaram entidades de classe, lutaram por melhores condições de trabalho e colocaram no  
debate público uma série de elementos que devem ser recuperados para ilustrar as experiências  
que conformam a classe trabalhadora em nosso país.  
A Força de Trabalho nas obras portuárias  
No dia em que a Muralha da China ficou pronta,  
para onde foram os pedreiros?  
(Brecht, 1935)  
Na construção do porto do Rio de Janeiro participaram milhares de trabalhadores,  
contramestres, operários, peões, pedreiros e serventes de obras que arriscavam as suas vidas  
pela mera reprodução de sua existência e, indeliberadamente, acabaram contribuindo para  
aquilo que era tido como um grande feito.  
Pensamos como Marcel Van der Linden: aqueles trabalhadores foram levados aos  
canteiros de obras premidos contra a miséria, por sua sobrevivência e de suas famílias (Linden,  
2013). Já Marcelo Badaró Mattos (2008) demonstra como a alongada experiência da escravidão  
e o convívio entre escravizados, ex-escravizados e livres especialmente nos ambientes de  
trabalho rebaixaram os padrões de vida e trabalho possíveis aos sujeitos que construíam a  
classe trabalhadora no Rio de Janeiro do pós-abolição.  
291  
O espaço radicalmente transformado era, antes, constituído de rica diversidade social e  
pobreza material generalizada, ali residia e/ou trabalhava o homem simples (Mantuano; Oliveira  
Junior; Honorato, 2016). É necessário pontuar que essa diversidade não pode ser simplificada.  
As questões das divisões nacionais e raciais não constituíam apenas um dado a ser levado em  
conta pelas autoridades para quantificar e classificar os sujeitos no mundo do trabalho. A  
própria visão dos trabalhadores estava balizada por sua existência enquanto brasileiro,  
português, espanhol, carioca, baiano, branco ou negro. Em determinada medida, estas  
identidades funcionavam como uma solda de partes que eram unidas a quente no mundo  
trabalho, mas também criavam obstáculos ao processo de tomada de consciência da classe.  
Estes obstáculos evidentemente não eram intransponíveis, mas é claro constituíam-se em uma  
clivagem da classe trabalhadora que foi conscientemente produzida pelas classes dominantes  
(Chalhoub, 2001).  
Gustavo Gonçalves Fagundes; Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca  
Trata-se de entender a experiência de classe como oriunda dos conflitos na desagregação  
da escravidão, principalmente no contexto singular das relações de trabalho no cenário urbano.  
A construção do porto do Rio de Janeiro foi central não só pela sua magnitude para a engenharia  
da época, mas também no que concerne ao fazer-se da classe trabalhadora, dado o contexto das  
relações raciais.  
Gracyelle Costa Ferreira (2020), em sua tese de doutorado, se debruça sobre os  
trabalhadores negros na origem da política social no Brasil. Habitualmente, são três os  
segmentos de trabalhadores entendidos como protagonistas desse processo: ferroviários,  
portuários e marítimos. Entretanto, afirma também que pouco se aborda sobre as relações  
étnico-raciais às quais esses sujeitos estavam inseridos e bem pouco sobre a tradição de lutas e  
mobilizações que esses sujeitos encamparam. Em específico sobre os trabalhadores que  
transitavam ou mesmo laboravam diretamente no porto, Ferreira aponta que em finais dos  
oitocentos já era observada uma concentração elevada de trabalhadores negros na Região  
Portuária, seja nos processos de trabalho, ou na organização coletiva para preservação dos seus  
interesses de classe.  
Essa constatação não tem o intuito de imputar à parcela negra do proletariado brasileiro  
uma característica inata de relação com o movimento organizado de trabalhadores e suas  
mobilizações. O que se busca é situar esse conjunto como também pertencente à classe  
trabalhadora do país, não apenas a partir da sua localização na estrutura produtiva, como  
também no seu pertencimento a esse coletivo de indivíduos. A autora demonstra com riqueza  
analítica como o constante abastecimento do exército industrial de reserva pela crescente  
imigração acabava acarretando como consequência da exploração da miséria e brutal entrega  
à sobrevivência dos sujeitos desterritorializados um rebaixamento das perspectivas dos  
trabalhadores brasileiros, especialmente os negros.  
292  
A situação demonstra como os empregadores se valeram da abundância da  
mão de obra estrangeira pouco qualificada. Sim, porque ao contrário do que  
comumente se diz, muitos dos que vieram para o Brasil não tinham profissão  
definida ou trato para o trabalho urbano, seja ele fabril ou de outro cariz. Daí  
muitos deles recorrerem ao trabalho no porto. Ou seja, a tentativa de expulsão  
dos trabalhadores negros de postos ocupados durante a escravidão não pode  
ser ainda hoje considerada do ponto de vista da “incapacidade técnica” desses  
sujeitos, mas de um projeto de Estado articulado por concepções deterministas  
sobre raça e nação. Esse projeto ao mesmo tempo foi parte da formação de um  
mercado que se pretendia assalariado de trabalho no Brasil. O aumento da  
oferta de trabalhadores com os imigrantes da Europa, associado à tentativa de  
extermínio da população negra modulou esse projeto racializado de civilidade  
capitalista no país. Um projeto que visou minar dos livres e libertos negros as  
condições para assalariamento e inserção em atividades de prestígio ou com  
maiores condições para mobilidade econômica (Ferreira, 2020, p. 108-109).  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 282-318, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Quem construiu o "Caes do Porto"? As marcas das relações raciais e da superexploração  
Por outro lado, é preciso ter em mente que portugueses pobres foram ostensivamente  
emigrados para o Rio de Janeiro e, aqui, brutalmente explorados muitas vezes, inclusive por  
seus patrícios. A disputa pelo mercado de trabalho, realidade tão rara se considerarmos o  
conjunto do país, explica por que, no período de afirmação nacional, os ódios e rancores se  
voltaram contra eles, concorrentes mais presentes ante aos nacionais pelas vagas nas obras do  
porto, especialmente aquelas mais bem remuneradas, que exigiam alguma habilidade e  
ofereciam melhores condições salariais e laborais (Menezes, 1996).  
Gladys Sabina Ribeiro demonstra como a intensa exploração do trabalho imigrante,  
nomeadamente português, determinou até mesmo como aqueles lusitanos eram apelidados:  
“burros sem rabo” (Ribeiro, 2017, p. 232). Ribeiro faz importante debate sobre a ideologia do  
trabalho que nos interessa na medida em que estava fundada nas noções de disciplina, dedicação  
e competência no âmbito profissional, e estas eram requeridas constantemente em obras tão  
grandes e complexas como as do porto. As condições árduas da luta pela sobrevivência –  
salários baixos, abundância da força de trabalho habitação escassa e em condições precárias –  
serviam para incutir nos membros da classe trabalhadora que eles tinham de competir uns com  
os outros no intuito de garantir a reprodução material de suas existências.  
No entanto, havia uma dimensão de solidariedade que brotava na contramão das  
disputas raciais e entre nacionais, especialmente quando o embate contra o capital se travava  
de maneira aberta (Fausto, 1977).  
293  
É nesse quadro sociolaboral e de construção da classe trabalhadora no Rio de Janeiro  
que massas de operários da construção civil, naval, da indústria de transformação e dos  
transportes foram mobilizados, direta ou indiretamente, para construção da maior obra pública  
ordenada pelo Estado Nacional brasileiro.  
Estes sujeitos estavam divididos em oito frentes de trabalho para destruição/construção  
do porto: nas oficinas na Ponta da Areia, em Niterói; na Baía de Guanabara, engajados nos  
trabalhos de dragagem e descarte do material dragado para além da barra; na construção do  
cais; nos aterramentos; na destruição e construção das infraestruturas urbanas e portuárias; na  
construção do Canal do Mangue; na pedreira do morro do Senado; e na pedreira do morro da  
Saúde. Importante notar que C. H. Walker & C. não desempenhou todos estes trabalhos, sendo  
responsáveis pelos que envolviam a dragagem e construção do canal, do cais, dos aterramentos  
e de parte dos armazéns internos ao cais. A própria Comissão Fiscal e Administrativa das Obras  
do Porto do Rio de Janeiro1 doravante, CFAOPRJ realizou diretamente, bem como através  
1 A Comissão Fiscal e Administrativa das Obras do Porto do Rio de Janeiro foi criada pelo governo federal para  
Gustavo Gonçalves Fagundes; Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca  
da contratação de terceiros, obras, serviços e fornecimentos fundamentais para o projeto.  
Também é importante que se diga que, naquele momento, obras conexas, complementares e/ou  
subordinadas a destruição/construção do porto foram realizadas tanto pelo governo federal,  
quanto pela municipalidade do Distrito Federal (Benchimol, 1990, p. 316-317), ampliando a  
oferta de trabalho na construção civil.  
A destruição/construção do porto do Rio de Janeiro envolveu uma ampla gama de  
ofícios atribuídos aos trabalhadores e profissões atribuídas aos agentes que ordenavam as  
atividades laborais, em distintas especialidades e níveis de formação. A partir de onze relatórios  
anuais do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas (1904-1908) e do seu sucessor, o  
Ministério da Viação e Obras Públicas (1909-1914), perscrutamos a constância à citação de  
categorias de trabalhadores engajadas nas obras. Identificamos exatas 30 categorias na seção  
“Porto do Rio de Janeiro” dos referidos relatórios. Estas exprimiam com exatidão o fazer dos  
produtores diretos, mas também dos agentes que projetavam, formulavam, fiscalizavam e  
administravam aquelas obras. Para tanto, excluímos a designação desses sujeitos por expressões  
genéricas e abrangentes como “trabalhadores das obras”, “empregados” ou, simplesmente,  
“operários”.  
A unidade escolhida como critério para quantificação foi a ocorrência por relatório(s)  
em que dada categoria aprecia ao menos uma vez. De forma que vedamos a distorção dos dados  
a partir de uma amostra nas informações oferecidas pela fonte, pois se contássemos o número  
de vezes em que cada categoria foi citada reunindo todos os relatórios, os pedreiros e os  
engenheiros poderiam parecer super-representados.  
294  
administrar, fiscalizar e conservar a construção do porto do Rio de Janeiro, bem como executar e contratar obras  
acessórias (Decreto 4.969, 18 de setembro de 1903). A comissão estava sob a direta ascendência do Ministério da  
Indústria, Viação e Obras Públicas e tinha autonomia sobre a gestão das rendas que a Caixa Especial do Porto tinha  
por direito auferir.  
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 282-318, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518  
Quem construiu o "Caes do Porto"? As marcas das relações raciais e da superexploração  
Imagem 1: Nuvem de Palavras Representativa das Categorias de Trabalhadores e Profissionais nas Obras  
Portuárias do Rio de Janeiro (1904-1914).  
Fonte: Elaboração própria com base em BRASIL. Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Proposta e  
Relatório. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905-1909; BRASIL. Ministério da Viação e Obras Públicas.  
Proposta e Relatório. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1910-1915.  
295  
O resultado desta elaboração é o que se vê na Imagem 1. Pedreiros e engenheiros foram  
citados em todos os relatórios, sendo que apenas os serventes de obras2, operários em metais e  
canteiros foram citados em mais da metade destes relatórios, e por isso aparecem coloridos.  
Todos as demais categorias foram citadas em, ao menos, um e até cinco relatórios, quanto maior  
o tamanho da fonte na imagem, em mais relatórios dada categoria foi citada. A variedade das  
categorias demonstra a sofisticação das obras e acabamentos. A historiografia pontua, devida e  
tradicionalmente, a ostensiva importância dos engenheiros nas obras públicas. No entanto, o  
que podemos ver é que trabalhadores como pedreiros, serventes de obras, canteiros e  
metalúrgicos são, sistematicamente, nublados em seu fazer laboral. Foram estes produtores  
diretos que destruíram/construíram o porto do Rio de Janeiro, no alvorecer do século XX.  
Optamos por focar nos operários da construção civil, indústrias e ofícios conexos por  
constituírem a maior parte dos contratados diretamente por C. H. Walker & C., outras empresas  
dedicadas à construção do porto e pela própria CFAOPRJ. A constituição de um mercado de  
trabalho já era uma realidade em construção na cidade do Rio de Janeiro. No início do recorte  
2 Esta categoria é a reunião das expressões análogas “servente de obras” e “servente de pedreiro”.  
Gustavo Gonçalves Fagundes; Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca  
cronológico desta investigação, os operários da construção civil acumulavam-se, acima da  
média, residindo nas quatro freguesias portuárias por fator óbvio: a proximidade do principal  
mercado de trabalho em seu labor as obras do porto e as reformas urbanas. Evidentemente  
que essa situação pode ter sido atenuada após uma década de obras decorridas, mas certamente  
era um fato de peso no arranque daquele processo.  
Segundo o Recenseamento do Rio de Janeiro (1906), 7833 “operários em edificações”  
uma fração importante da força de trabalho naquelas obras residiam nas freguesias  
portuárias no princípio do processo de destruição/construção do porto, o que significava  
relevantes 24.6% frente ao total destes na cidade. Dentre as 25 freguesias urbanas e suburbanas  
da cidade, a Gamboa se destacava como a quarta maior concentração destes operários, Santa  
Rita era a sexta, Santana a décima primeira e São Cristóvão a décima segunda.  
Tabela 1: Operários em Edificações no Rio de Janeiro (1906).  
Operários da  
Brasileiros  
%
Estrangeiros  
%
TOTAL  
Construção Civil  
Rio de Janeiro  
Gamboa  
Santa Rita  
Santana  
São Cristóvão  
14