Gustavo Gonçalves Fagundes; Thiago Vinicius Mantuano da Fonseca
Brasil. Ou seja, um avolumado e racializado exército industrial de reserva se constitui a partir
da igualdade jurídica das relações legais de trabalho.
Florestan Fernandes, ao abordar a integração do negro na sociedade de classes, nos
auxilia na observação desse fenômeno.
Onde a produção se encontrava em níveis baixos, os quadros da ordem
tradicionalista se mantinham intocáveis: como os antigos libertos, os ex-
escravos tinham de optar, na quase totalidade, entre a reabsorção no sistema
de produção, em condições substancialmente análogas às anteriores, e a
degradação de sua situação econômica, incorporando-se à massa de
desocupados e de semi-ocupados da economia de subsistência do lugar ou
outra região. Onde a produção atingia níveis altos, refletindo se no padrão de
crescimento econômico e de organização do trabalho, existiam reais
possibilidade de criar um autêntico mercado de trabalho: aí, os ex-escravos
tinham de concorrer com os chamados “trabalhadores nacionais”. [...] Em
consequência, ao contrário do que se poderia supor, em vez de favorecer, as
alternativas da nova situação econômica brasileira solapavam, comprometiam
ou arruinavam, inexoravelmente, a posição do negro nas relações de produção
e como agente de trabalho (Fernandes, 2008, p. 31-32).
Clóvis Moura (2021) afirma que “uma sistemática de peneiramento contra o ex-escravo,
após a Abolição, permeou as oportunidades de integração na sociedade capitalista emergente”
(p. 31). Essa realidade imprimiu uma dimensão ideológica da representação dos homens negros
e mulheres negras enquanto sujeitos responsáveis por sua própria condição, retirando de cena
os aspectos jurídicos-políticos (nos termos moureanos) que justificam tal situação.
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“No caso específico do negro brasileiro, que além de ter vndo da situação
inicial de escravo, pertence a uma etnia que possui uma determinada marca,
segundo os padrões brancos, o problema se agrava e surge, em consequência,
uma série de barragens e razões justificatórias, capazes de impedir a sua
ascenão social massiva. Desta forma, os valores etnocêntricos das classes
dominantes representam uma redoma ideológica que tem como função
impedir a mobilidade vertical dos seus estratos inferiores” (Moura, 2021, p.
37).
No curso do centenário da abolição o autor adensou os debates sobre o tema da situação
da população negra após a liberdade do cativeiro. Aponta que um acúmulo de combinações
determinou a imposição dos trabalhadores negros enquanto superpopulação relativa logo nas
primeiras décadas do século XX. Seja a trajetória histórica do trabalho compulsório, o que
impedia o acúmulo de bens materiais, ou mesmo o vendaval de teorias racialistas que corroía o
imaginário social em sentido de inferiorizar essa parcela da população.
Temos ainda, sob a dinâmica das relações capitalistas, a criação de estereótipos sobre o
indivíduo não-branco:
Indolentes, cachaceiros, não-persistentes para o trabalho e, em contrapartida,
por extensão, apresenta-se o trabalhador branco como o modelo perseverante,
honesto, de hábitos morigerados e tendências a poupança e à estabilidade no
emprego. Elege-se o modelo branco como sendo o do trabalhador ideal
Libertas, Juiz de Fora, v. 24, n. 1, p. 282-318, jan./jun. 2024. ISSN 1980-8518