DOI 10.34019/1980-8518.2023.v23.41523  
Associativismo migrante nas encruzilhadas da  
gestão de políticas sociais  
Migrant associations at the crossroads of social policy management  
João Ricardo Lemes*  
Líria Maria Bettiol Lanza**  
Resumo: O texto problematiza a relação entre o  
associativismo migrante e as tendências da  
gestão das políticas sociais, no contexto de  
reorganização do Estado sob os ditames do  
neoliberalismo. A partir da revisão bibliográfica  
acerca do associativismo e da análise de duas  
entrevistas semiestruturadas realizadas com  
representantes de duas Associações de  
migrantes localizadas no estado do Paraná, o  
artigo tece reflexões sobre os limites dessas  
organizações, que apresentam potenciais  
aspirações democráticas, no entanto, nelas  
prevalecem a intencionalidade de constituir-se  
como executoras de serviços atinentes ao “dever  
do Estado”, retroalimentando os processos de  
“reforma institucional” e de “ajustamento  
ideológico” das políticas neoliberais.  
Abstract: The paper problematizes the  
relationship between migrant associations and  
trends in social policy management, in the  
context of State reorganization under the  
dictates of neoliberalism. Based on the  
bibliographical review about associativism and  
the analysis of two semi-structured interviews  
carried out with representatives of two migrant  
associations located in the state of Paraná, the  
article reflects on the limits of these  
organizations, which have potential democratic  
aspirations, however, prevail in them the  
intention of constituting themselves as  
executors of services related to the “duty of the  
State”, feeding back the processes of  
“institutional reform” and “ideological  
adjustment” of neoliberal policies.  
Palavras-chaves: Associativismo migrante;  
Keywords: Migrant associations; Social policy  
Gestão de política social; Neoliberalismo.  
management; Neoliberalism.  
Recebido em: 30/06/2023  
Aprovado em: 22/11/2023  
*
Graduado em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestrando no Programa de Pós-  
Graduação em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) - Bolsista CAPES.  
**  
Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Doutora  
em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-Doutora pela Escola  
Nacional de Saúde Pública de Lisboa/Portugal (ENSP/Portugal). Professora Associada do Departamento de  
Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n. 2, p. 417-435, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518  
João Ricardo Lemes; Líria Maria Bettiol Lanza  
Introdução  
A encruzilhada a que fazemos referência, neste artigo, coloca-nos diante do processo  
que Evelina Dagnino (2004) chamou de “confluência perversa”, ou seja, a coexistência - nada  
pacífica e, muito menos, equalizada de dois projetos societários antagônicos: um votado para  
a ampliação da esfera democrática, à defesa de direitos universais, e de mecanismos de  
participação popular e de controle social das políticas sociais demandas expressas, em parte,  
na Constituição de 1988 -; e outro, como expressão da ofensiva burguesa, apontado para as  
“reformas institucionais” e para os “ajustamentos discursivos” atinentes às políticas neoliberais  
(Harvey, 2007), cuja institucionalização desse projeto ocorreu na esteira da contrarreforma do  
Estado brasileiro na década de 1990, momento em que se assentou as bases político-econômicas  
e ideológicas para o uso quase exclusivo do Estado pelo capital.  
Em comum, entre esses dois projetos: somente o vocabulário. “A perversidade estaria  
colocada, desde logo, no fato de que, apontando para direções opostas e até antagônicas, ambos  
os projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva” (Dagnino, 2004, p. 142). À moda  
do “ajustamento ideológico”, a requisição da sociedade civil pelo neoliberalismo, não busca  
outra coisa senão desmobilizá-la e deslocá-la para o âmbito da execução de políticas sociais  
(Montaño, 2002). Ainda que essa tendência já venha sendo observada desde o final do século  
XX, pelo que Gohn (2008) identificou como um “novo associativismo”, o dilema permanece  
atual, não somente porque novos marcos jurídicos foram criados para melhor regular a relação  
entre Estado e sociedade civil e facilitar o repasse dos recursos públicos ao “terceiro setor” (a  
exemplo da Lei nº 13.019/2014). Também sujeitos, antes empurrados às franjas da esfera  
pública, passaram a reivindicar a participação institucional e, consequentemente, a se  
confrontarem com as fronteiras da gestão das políticas sociais. As ações coletivas dos migrantes  
internacionais em torno do Estado são emblemáticas da atual configuração da relação entre  
Estado e sociedade civil.  
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Pode-se facilmente identificar a generalização da migração internacional, que atingiu,  
em 2020, a marca de 281 milhões pessoas fora do seu país de nascimento (Mcauliffe;  
Triandafyllidou, 2021), como um dos “monstros” - parafraseando Behring (2023) - libertados  
pela reação burguesa, que constrange a classe trabalhadora no nível mundial. De outro modo, a  
migração hodierna é produto cabal dos distintos processos de expropriação contemporânea,  
quer seja em decorrência de guerras e conflitos armados, quer seja como fuga do  
embrutecimento das condições de vida e de trabalho, ou de desastres ambientais (Boschetti,  
2017). Em síntese, essa migração responde à ameaça da própria sobrevivência, dada a ativação  
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dos “limites absolutos”, históricos e materiais, para a garantia da reprodução de um sistema em  
crise (Mészáros, 2011).  
A migração internacional contemporânea no Brasil é formada basicamente por essa  
humanidade expropriada, “que tudo perdeu e a quem tudo foi roubado” (Boschetti, 2017, p.  
56), colocando novos e urgentes desafios à agenda das políticas sociais. Ao já debatido tema da  
desproteção social, acresce um novíssimo fenômeno, ainda pouco explorado: a emergência e a  
multiplicação do associativismo migrante1 com traços distintos em relação às tradicionais  
associações formadas por migrantes europeus e asiáticos, essencialmente mutualistas e  
culturais, datadas numa época em que não havia políticas sociais estruturadas no país. Para além  
do perfil (pois, no caso do Paraná, nosso lócus de pesquisa, as novas associações são  
constituídas por migrantes provenientes de regiões periféricas, em sua maioria da América  
Latina e do continente africano), a principal característica que permite a identificação de algo  
inédito consiste no fato de que as associações, assumindo cada vez mais uma função protetiva,  
têm extrapolado as esferas privadas do mutualismo étnico e intencionado uma aproximação ao  
Estado e, consequentemente, à gestão e à execução das políticas sociais.  
Diante do exposto, neste texto, propomos problematizar a relação entre o associativismo  
migrante e as tendências da gestão de políticas sociais, no contexto de reorganização do Estado  
sob os ditames do neoliberalismo. Precisamente, buscamos compreender se, essas novas  
associações desenham práticas na perspectiva da democratização da gestão, ou, se estão sendo  
incorporadas nos processos de ajuste neoliberal, meramente como executoras das políticas  
sociais. Para tanto, lançamos mão da revisão bibliográfica acerca do associativismo migrante e  
da análise de duas entrevistas semiestruturadas realizadas com fundadores e presidentes de duas  
Associações de migrantes (uma de cunho plurinacional e outra nacional) atuantes em dois  
municípios de médio porte, ao norte do Paraná.2  
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Dado o caráter aproximativo desta análise, buscamos apresentar alguns elementos que  
julgamos pertinentes para a reflexão dessa encruzilhada, o que pressupõe, em primeiro lugar,  
investigar as tendências da gestão das políticas sociais no Brasil, que, segundo a advertência de  
Silva (2000), implica atenção especial às particularidades da formação histórica do Brasil e a  
sua inserção na esfera da produção mundial. Isso também nos conduz à necessidade de  
compreender a relação entre o Estado e a sociedade civil.  
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1
Para os fins desta análise, associativismo civil é tomado como uma aposta na associação de pessoas como um  
meio de mediar as necessidades imediatas e de construir concretamente melhores condições de vida para a  
coletividade.  
2
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da  
Universidade Estadual de Londrina (UEL) por meio dos respectivos pareceres nº 2.219.037 e nº 6.337.885.  
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Ainda, como não se trata de uma completa novidade, é preciso identificar os diferentes  
“modos de ser” do associativismo migrante em dados contextos históricos, o que, por sua vez,  
possibilita identificar as características que as novas associações vêm assumindo na  
contemporaneidade. Esse enfoque adquire densidade pelo fato de que a literatura sobre o tema  
tende a passar ao largo da relação entre as associações de migrantes e o Estado, e quase nada  
indica a interlocução dessas organizações com as políticas sociais. Ao contrário, o que se  
verifica é a hegemonia da abordagem cultural-identitária, a qual esquiva-se de qualquer análise  
crítica acerca dos rumos dessas organizações e das possibilidades de construir processos que  
fortaleçam concretamente os grupos e as classes subalternas. Na contracorrente, buscamos  
reunir pistas que direcionam futuras problematizações pertinentes à análise da relação entre o  
associativismo migrante e o Estado brasileiro.  
A configuração do Estado brasileiro e o desenvolvimento da política social  
Seguindo as pegadas de Silva (2000), os caminhos e descaminhos da política social, no  
Brasil, são determinados também pelas particularidades da formação social brasileira, com  
especial atenção para o desenvolvimento do capitalismo dependente e para a edificação de um  
Estado autocrático condensador dos interesses das burguesias interna e externa.  
O caráter dependente do capitalismo brasileiro advém do fato de que a independência  
política não alterou a posição subordinada do país na Divisão Internacional do Trabalho, antes  
as transformações políticas e econômicas operadas ao longo do século XX aprofundaram essa  
relação. De acordo com Brettas (2020), uma das particularidades mais perversas do capitalismo  
de tipo dependente consiste na chamada “superexploração” da força de trabalho, que funciona  
como um mecanismo de compensação da dinâmica de “transferência de valor” produzido  
internamente para o capital internacional. Outra particularidade destacada por Santos (2020)  
consiste na não incorporação de valores democráticos burgueses. Por aqui, conservou-se traços  
de velhas lógicas de dominação, entre elas a patrimonialista. Não é casual, portanto, a  
“absoluta” incompatibilidade entre democracia e o capitalismo brasileiro (Fagnani, 2017).  
Nesse processo, o Estado cumpre um papel decisivo na garantia das condições  
econômicas necessárias para a concentração de riqueza interna e para a reprodução da  
dependência ao capital externo. Por outro lado, atua politicamente no controle e na dominação  
dos trabalhadores superexplorados combinando uma brutal repressão com políticas sociais  
focalizadas e restritivas. Portanto, desde muito cedo o Estado brasileiro esteve comprometido  
com a classe dominante e pouco ou quase nada permeável às demandas das classes subalternas  
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(Santos, 2012, p. 119). São esses, alguns elementos que determinaram o tipo do padrão de  
proteção social construído por aqui.  
Segundo Silva (2000), no Brasil, nunca houve um Estado de Bem-Estar Social, ao  
contrário, o desenvolvimento da política social no século XX ocorreu sob uma matriz  
“eminentemente residual”, cujas marcas dizem respeito a respostas sociais fragmentadas e  
seletivas (grafadas no clientelismo, no privilégio e no favor), ademais, voltadas às “categorias  
ocupacionais particulares, consideradas estratégicas e com maior poder de pressão” (Silva,  
2000, p. 16). Em última análise, o que estava por trás desse padrão de proteção social, além dos  
velhos e novos elementos de dominação e exploração, era a concepção de cidadania  
estratificada em detrimento de uma perspectiva de direitos universais.  
Somente com a redemocratização da sociedade brasileira seguida pela consolidação da  
Constituição Federal de 1988 é que se passa a estruturar o embrião da cidadania social no Brasil  
(Fragnani, 2017), processo que teve início já nos finais da década anterior com o fortalecimento  
da sociedade civil em oposição à ditadura militar (1964-1985).  
A despeito das disputas entre os distintos projetos societários que permearam aquela  
conjuntura, cabe sinalizar que a ala democrática angariou importantes conquistas, expressas na  
CF/1988. Entre as conquistas, Souza Filho (2011) chama a atenção para as premissas que  
balizaram a ampliação formal da democracia social e o alargamento da democracia política.  
Ou seja, pela primeira vez, é estruturado um sistema de proteção social no Brasil afinado com  
alguns valores do Estado de Bem-Estar Social, sobretudo pela perspectiva dos direitos  
universais, adotada relativamente por algumas políticas de Seguridade Social constituída  
pelas políticas de Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Por outro lado, foram  
garantidos alguns mecanismos institucionais de participação popular voltado ao controle social  
da gestão, formulação e implementação das políticas sociais.  
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Outra novidade consistiu no fortalecimento de uma gestão pública burocrática com o  
fito de combater os traços imperantes da dominação patrimonialista, ao mesmo tempo que  
pautava mecanismo de prevenção ao engessamento burocrático.  
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Os preceitos aprovados na Carta de 1988 em relação à administração pública  
buscavam garantir uma espinha dorsal burocrática para o Estado brasileiro  
fundada na impessoalidade, no mérito e na proteção ao cargo, expandindo os  
instrumentos de controle democrático para estruturar uma ordem  
administrativa permeável à sociedade (Souza Filho, 2011, p. 159).  
De acordo com o autor, as propostas apresentadas pela CF/1988 conduziriam a  
construção de instrumentos técnicos e políticos favoráveis a uma administração pública na  
perspectiva da gestão democrática, tanto permeável ao controle popular quanto na composição  
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de um funcionalismo público brindado às vontades do bloco dominante. Estava aberta, assim,  
uma possível via para a ampliação e o aprofundamento dos direitos universais.  
Entretanto, a ofensiva sobre os avanços formais espelhados na CF/1988 veio - nos  
termos de Fagnani (2017, p. 2) - “antes mesmo de o livro impresso sair da gráfica do  
Congresso”. Passa-se, então, a desmontar o que nem havia sido implementado. Esse fato se  
deve a ligeira recomposição do poder burguês sobre o Estado brasileiro, justamente quando os  
ventos neoliberalizantes varriam parte dos Welfare States em outras partes do mundo.  
Tendências da gestão de política social no contexto de ofensiva neoliberal  
O neoliberalismo, enquanto um projeto político-econômico, foi a alternativa encontrada  
diante da crise de hegemonia nas décadas finais do século XX, contexto em que - parafraseando  
Gramsci - o velho estava morrendo e o novo ainda não podia nascer. Aquele “interregno”,  
deflagrado pela crise de acumulação do capital nos anos de 1970, foi rapidamente contornado  
pela recomposição do poder burguês delineando uma saída à direita, cujos desdobramentos a  
história se encarregaria de narrar através de uma brutal concentração de riqueza e de poder, bem  
como de um recuo significativo dos padrões civilizatórios.  
A necessidade de “reiniciar o processo de acumulação” em escala global, conforme a  
análise de Harvey (2007), fez com que os países, um após outro, mesmo que de forma  
geograficamente desigual e por meio de distintos processos, se abrissem para o neoliberalismo.  
Os casos latino-americanos, em especial o chileno, são emblemáticos da imposição desse  
modelo por regimes ditatoriais. Os Estados Unidos (de Reagan) e a Inglaterra (de Thatcher)  
abraçaram seletivamente o neoliberalismo sob a chancela da democracia. De resto, o modelo  
foi implementado em alguns países também por meio de chantagens dos organismos  
multilaterais (como o FMI e o Banco Mundial). De qualquer forma, tão logo se tornou  
hegemônico, o neoliberalismo mostrou-se fracassado em reativar a economia global. Por que,  
então, mais neoliberalismo continua sendo a retórica do mercado?  
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Ora, Harvey (2007) argumenta que o que o neoliberalismo perdeu em crescimento  
econômico ganhou na restauração do poder burguês, daí, portanto, a insistência em reformas  
institucionais para subsidiar a redistribuição de riqueza concomitantes ao ajustamento  
discursivo ou ideológico para fins de legitimação dos processos em curso.  
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Nessa esteira, o Estado continua sendo uma peça fundamental, quando não central para  
a implementação das reformas institucionais neoliberais - embora a relação Estado-mercado  
tenha se alterado conforme as transformações do próprio sistema. No entanto, um traço típico  
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desse projeto, de ontem e hoje, é a total rejeição ao Estado intervencionista e, por conseguinte,  
aos direitos sociais universais (Harvey, 2007; Puello-Socarrás, 2021).  
Em se tratando das características “essenciais” do capitalismo do século XXI, Puello-  
Socarrás (2021), sob a designação de um “novo” neoliberalismo, chama a atenção para as  
transformações havidas nessas quatro décadas de vigência do neoliberalismo, com ênfase para  
a passagem de uma práxis de “des-regulação” (que marcou a etapa inicial desse projeto) para  
uma práxis heterodoxa de “re-regulação” (que dita os rumos atuais do neoliberalismo). A  
principal argumentação do cientista político colombiano é a de que as novas tendências de  
regulação exigem um Estado forte em função do mercado. A síntese dessa bem-sucedida  
relação (mercado e Estado) é a edificação de um “novo” tipo de Estado de caráter Punitivo,  
Empreendedor e de Trabalho o EPET.  
Das notas de Puello-Socarrás (2021) cumpre observar que a reconfiguração do Estado  
neoliberal é aprofundada nos países latino-americanos dada as suas particularidades, em  
especial o seu caráter autoritário e o tipo de capitalismo dependente. Em linhas gerais, esse  
novo Estado condensa: a) Workfare: aprofundamento da superexploração do trabalho associado  
a políticas sociais subordinadas aos interesses do mercado e orientadas para a reativação da  
força de trabalho sob novas condições (leia-se, flexibilização e empreendedorismo); b) Estado  
Penal: elevação ao limite dos processos de superexploração de classe nivelados verticalmente  
pela dominação e opressão de raça, sexo, etnia etc. - nessa perspectiva, as respostas estatais  
combinam políticas sociais residuais de controle da pobreza e criminalização dos pobres por  
meio do aparato policial; c) Estado empreendedor: agrega o incentivo ao empreendedorismo  
individual, as reformas do Estado na perspectiva de uma administração convencionalmente  
chamada de “pós-burocrática” e a elevação do Estado como “empreendedor coletivo” apoiando  
e criando condições (políticas e econômicas) para o fortalecimento do mercado.  
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Portanto, o “novo” Estado neoliberal possui uma nítida natureza de classe. Mais do que  
meramente “liberalizar” o mercado, age regulando diretamente as relações sociais. Como visto,  
no âmbito social, ao lado da repressão, prevalece a tendência que Pereira (2013) chamou de  
“direitização” da política social. Do ponto de vista econômico, o Estado além de criar condições  
para a acumulação, absorve os prejuízos do mercado via transferência de recursos públicos para  
os cofres privados. Ao fim e ao cabo, o novo Estado neoliberal nos termos de Puello-Socarrás  
(2021) parece arquitetar os alicerces para o saque contínuo à maneira de um Robin Hood às  
avessas, “isto é, [...] uma gritante regressividade na distribuição da riqueza (entre indivíduos,  
classes e nações)” em que “os despossuídos de bens materiais e financeiros [...] sustentam os  
possuidores desses bens” (Pereira, 2013, p. 16).  
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Partindo da periodização proposta por Behring (2018), no Brasil, o neoliberalismo  
desenvolveu-se em três fases: a de introdução, nos governos de Fernando Collor e Fernando  
Henrique Cardoso (1995-2004), seguida de um neoliberalismo de face “branda” nos governos  
de Lula e Dilma (2004-2015) e a retomada da ofensiva burguesa, por meio do  
ultraneoliberalismo, que vai do golpe de 2015 até a gestão de Bolsonaro (Behring, 2023).  
O pontapé da consolidação do neoliberalismo no Brasil foi dado pela contrarreforma do  
Estado nos anos de 1990. Sob a justificativa de combater privilégios e o excesso de burocracia,  
enxugar a máquina pública, estabelecer novos mecanismo de controle e tornar o Estado  
eficiente, o ministro de FHC, Bresser-Pereira, elaborou as linhas mestras para a construção de  
uma “moderna” gestão pública baseada na administração empresarial. Na realidade, para Souza  
Filho (2011, p. 173), o que estava em questão era “diminuir o que não existia e redefinir o que  
não foi construído”. Buscou-se, então, barrar as possibilidades da construção de uma cidadania  
social proposta na nova Constituição em favor dos ajustes neoliberais.  
Em primeiro lugar, a contrarreforma representou a recomposição do poder burguês  
sobre o Estado no bojo das novas tendências do capitalismo, assim, a arquitetônica do Estado  
gerencial (supostamente “pós-burocrática”), estava, de cima a baixo, afinada ao receituário  
neoliberal, por mais que o seu principal ideólogo, Bresser-Pereira, tenha negado.  
Em segundo lugar, a pretensão de superar o modelo burocrático e os traços  
patrimonialistas do Estado brasileiro não passou de mera retórica utilizada em defesa da  
contrarreforma administrativa. Para Souza Filho (2011), o novo arranjo administrativo  
combinou um tipo de burocracia “monocrática”, ou seja, centralizada nas esferas de decisão (e  
com baixa permeabilidade da participação popular) com alguns mecanismos de flexibilização  
gerencial, sobretudo nos serviços “públicos” direcionados à população, que possibilitou não  
apenas a transferência de atividades do Estado para o mercado e para a sociedade civil, como  
também a permanência dos velhos elementos de dominação patrimonialista.  
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Desse modo, a contrarreforma do Estado brasileiro teve como finalidade o  
fortalecimento do mercado e a redução do Estado no âmbito social, o que tem feito sem alterar  
as antigas relações de dominação tanto na Divisão Internacional no Trabalho, quanto na  
dominação de classe. Portanto, conforme reiterado pelo autor, a contrapelo dos avanços  
constitucionais, as novas premissas da administração pública constrangem os mecanismos  
burocráticos potenciais para o desenvolvimento de uma gestão na perspectiva democrática,  
obstruindo as vias de concretização, ampliação e aprofundamento dos direitos universais, ao  
mesmo tempo que promove o desmonte da Seguridade Social (Souza Filho, 2011).  
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De todos os modos, as reformas institucionais e os ajustamentos ideológicos da agenda  
de contrarreforma do Estado, elaborada por Bresser-Pereira e implementada no governo FHC,  
são linhas que perpassam, de forma mais ou menos nítidas, todas as fases do neoliberalismo no  
Brasil. Até mesmo os “deslocamentos suaves” dos 13 anos dos governos petistas não ensejaram  
uma ruptura com os elementos basilares daquela agenda, ainda que reconheçamos os  
importantes impactos sociais na vida da classe trabalhadora, em especial para a população que  
vivia em situação de pobreza extrema e absoluta (Behring, 2018).  
Ainda assim, do ponto de vista das respostas estatais à “questão social”, a premissa  
continua sendo a “redução dos custos da intervenção do Estado”, processo ritmado pelas  
tendências de focalização, descentralização e privatização das políticas sociais.  
Um dos principais efeitos dessas tendências tem sido o fortalecimento do chamado  
“terceiro setor”, que agrega um conjunto de organizações da sociedade civil, entre elas as  
associações, voltadas não mais para as esferas de decisão e de controle, mas unicamente para a  
execução de serviços que deveriam ser de primazia estatal (Dagnino, 2004).  
Para Montaño (2002), o “terceiro setor”, como um instrumento para os ajustes  
neoliberais, por um lado, mostra-se eficiente na criação de consensos que legitimam a redução  
da intervenção estatal no âmbito social. Por outro, atua na domestificação da sociedade civil,  
promovendo o seu deslocamento do campo das lutas de classes, para às “atividades de ajuda-  
mútua em parceria com o Estado e o empresariado. E, com isso, enquanto a população se  
debruça exclusivamente no âmbito da sociedade civil, a direção central do governo fica nas  
mãos dos neoliberais” (Montaño, 2002, p. 9).  
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Dos anos de 1990 até a atualidade, todo esse quadro descrito acima foi aprofundado. Na  
segunda metade da década de 2010, o Brasil, conduzido por um Estado capturado pelas forças  
de extrema-direita, entrou na sua fase neoliberal mais destrutiva, também chamado por Behring  
(2023) como ultraneoliberalismo. A devastação foi generalizada: do social ao ambiental, da  
Seguridade Social aos direitos trabalhistas. O incipiente “sistema” de direitos como um todo foi  
afetado. A brusca debandada do Estado do âmbito social alargou ainda mais o escopo do  
“terceiro setor” e novos atores adentraram no campo de disputa pela execução das políticas  
sociais, entre eles, as associações de migrantes periféricos recém-chegados ao Brasil, o que nos  
coloca a tarefa de compreender quais são os limites, as potencialidades e as intencionalidades  
desses novos atores.  
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A relação do Estado brasileiro com as associações civis  
A fim de demarcar o campo no qual nos moveremos, uma definição mais próxima das  
atuais associações de migrantes consiste na percepção de que elas servem como instrumentos  
para a estruturação de ações coletivas, a partir da aposta na associação de pessoas como um  
meio de mediar as necessidades imediatas e de construir concretamente melhores condições de  
vida para a coletividade, com ou sem “personalidade jurídica”.  
A hipótese de que tem havido mudanças significativas, tanto no perfil das associações  
como na configuração das ações coletivas dos migrantes, sustenta-se em dois níveis de análise  
complementares. Primeiro, na abordagem do desenvolvimento do associativismo no bojo da  
sociedade civil brasileira, entendida aqui, a luz da perspectiva gramsciana, como “um espaço  
contraditório, atravessado por projetos de classe distintos” (Simionatto; Costa, 2012, p. 18).  
Essa noção permite verificar tanto a relação Estado-Associações, como as influências da disputa  
entre distintos projetos societários sobre as práticas associativas, em dados contextos históricos.  
O segundo nível considera as particularidades e características dos fluxos migratórios em  
direção ao Brasil como aspectos decisivos da singularização das ações coletivas desses atores  
no quadro geral das organizações coletivas.  
A relação entre o Estado brasileiro e as associações é bastante antiga. Na segunda  
metade do século XIX, qualquer grupo que pretendia formar uma associação era obrigado a  
submeter-se aos trâmites burocráticos da administração Imperial. Isso é, cabia ao Império  
permitir ou não o funcionamento das organizações, por exemplo, embora esse contexto seja  
marcado por um movimento organizativo bastante heterogêneo - composto por irmandades,  
sociedades religiosas, de ofício, literárias, científicas, entre outras -, a maioria das associações  
“legalizadas” caracterizava-se enquanto agregações mutualistas (Jesus, 2007)3. Dentre os  
principais objetivos dessas associações, Jesus e Lacerda (2010, p. 133) destacam “a oferta de  
proteção, em situações de enfermidades e moléstias [...], além do custeio de funerais, remédios  
e de ajuda nos casos em que os associados estivessem presos”.  
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O desenvolvimento do associativismo migrante também data desse período. Sabe-se que  
o incentivo à migração europeia, aprofundado no final do século XIX, objetivou, para além de  
estocar uma força de trabalho “livre”, branquear a população. À reserva das vantagens  
oferecidas pelo Estado aos migrantes europeus (tais como a posse de terras), boa parte desses  
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Isso demonstra que, desde o princípio, a institucionalização das associações serviu como controle das ações  
coletivas dos grupos e classes subalternas, pois, enquanto as associações mutualistas e de migrantes europeus  
“obtinham rotineiramente o beneplácito imperial”, as tentativas de constituição de sociedades de ofício de  
“resistência” e de associações abolicionistas cunhadas no repertório africano por pessoas ex-escravizadas eram  
frequentemente indeferidas pelo governo Imperial (Batalha, 1999; Jesus; Lacerda, 2010, p. 134).  
Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n. 2, p. 417-435, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518  
Associativismo migrante nas encruzilhadas da gestão de políticas sociais  
trabalhadores “importados” estavam submetidos às relações de trabalho precárias, próprias do  
pensamento social do sistema colonial, que, em última instância, fomentava a disputa entre  
migrantes e autóctones no mercado de trabalho. Jesus (2007) destaca que ¼ do total de  
associações mutualistas, registradas na capital do Império, entre 1860 e 1889, pertencia à  
comunidade migrante, as quais eram, majoritariamente, baseadas no critério étnico (são  
exemplos as associações de portugueses, poloneses, italianos, alemães, franceses, entre outros)  
e destinavam-se à proteção dos seus próprios membros.  
A inflexão no trato da “questão social”, após a “Revolução de 30” - caracterizada pela  
combinação da repressão com intervenção estatal na regulação da relação capital-trabalho  
mediante políticas sociais fragmentadas -, culminou em uma reviravolta no campo da  
organização coletiva como um todo (Batistella, 2015). Particularmente, o declínio das  
associações do tipo mutualista (que não deixaram de existir, obviamente) foi inversamente  
proporcional à ascensão das entidades e associações filantrópicas de cunho religioso. A  
colaboração entre o Governo Vargas e essas associações, traduziu-se na destinação de recursos  
públicos à execução das ações sociais e à manutenção de estruturas assistencialistas em posse  
da Igreja Católica (Ganança, 2006) voltadas à proteção do contingente populacional excedente,  
isto é, às pessoas sem vínculos formais de trabalho.  
Nas fontes disponíveis acerca do associativismo, que trata do período que segue da  
década de 1930 à 1980, inexiste dados consolidados acerca da criação e do desenvolvimento  
das associações migrantes, o que não torna possível aferir um panorama geral que possibilita a  
comparação com o período anterior. No entanto, a tendência de retração do associativismo  
mutualista como um todo, somado às políticas migratórias restritivas do Governo Vargas, no  
intuito de barrar a migração internacional e “nacionalizar” a força de trabalho, podem ter  
contribuído também para o refluxo das associações mutualistas baseadas na nacionalidade. De  
qualquer modo, estudos de caso focados em nacionalidades isoladas (Sousa, 2007; Matos, 2019;  
Malikoski, 2020) indicam que o associativismo migrante, existente até a Ditadura Militar,  
manteve basicamente as mesmas características étnicas a exceção do surgimento das  
associações de japoneses fomentadas e subsidiadas pelo Governo Japonês (Osaki, 2017) , bem  
como, manteve-se parte das ações protetivas. A novidade, porém, foi o fortalecimento da  
dimensão cultural, como uma ferramenta de resistência ao processo de assimilação anexo à  
política de “nacionalização” – chauvinista - do Estado Novo (Malikoski, 2020). Somente no  
final do século XX é que surgem as primeiras associações de migrantes vindos de países  
periféricos, em especial de bolivianos, de cunho, essencialmente, empresarial (Zanella, 2014).  
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João Ricardo Lemes; Líria Maria Bettiol Lanza  
As décadas de repressão imposta pela Ditadura Militar são igualmente importantes para  
a análise da ação coletiva no Brasil, principalmente porque houve nesse contexto a irrupção de  
“novos” atores na cena política (Sader, 1988), dentre os quais destacam-se as associações  
populares e de classe (as associações de moradores, de bairro e as ONGs progressistas, são  
algumas delas), que não apenas fizeram resistência ao regime ditatorial, como também, na  
esteira na luta por direitos, influenciaram demasiadamente a introdução de instrumentos  
democráticos na Constituição Federal de 1988.  
Conforme discutido anteriormente, o processo de “confluência perversa” (Dagnino,  
2004) desencadeado pela Reforma do Estado na década de 1990 isto é, a canalização e a  
inversão das inspirações democrática-populares pelo projeto neoliberal em vista de legitimar o  
“Estado mínimo” – desferiu golpes fatais à sociedade civil, sobretudo às associações que havia  
pouco se constituído como aparelhos de contra-hegemonia, e agora, converteram-se “em correia  
de transmissão da hegemonia dominante” (Nogueira, 2004, p. 60). Eis o chão donde brotou o  
“novo associativismo” (GOHN, 2008), marcando o retorno da prevalência da sociedade civil  
no âmbito da proteção social, com um novo discurso ideológico: “não mais da benemerência,  
da caridade e da filantropia, mas sim da eficiência, profissionalização, voluntariado,  
ineficiência do Estado e co-responsabilização da sociedade civil” (Ganança, 2006, p. 30). Nessa  
perspectiva, o conjunto de instrumentos jurídicos aprimorados para regular a relação entre  
Estado e sociedade civil como a CF/1988, o Código Civil de 2002, e o novo Marco  
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei nº 13.019/2014) não fazem mais do  
que reforçar “uma concepção de sociedade civil organizada instrumentalmente para os fins do  
Estado, na execução das políticas públicas” (Ganança, 2006, p. 103).  
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O associativismo migrante não se fez alheio à “nova” tendência que passa a vigorar no  
campo das ações coletivas, apenas se mostrou retardatário à incorporação desses discursos em  
vista da particularidade da condição de migrante e da relação entre Estado e migração. De 1980  
a 2017, período de vigência do Estatuto de Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), orientado pela diretriz  
da “segurança nacional”, as associações de migrantes foram largamente constrangidas, não  
apenas restringidas à manifestação cultural, religiosa e à atuação mutualista, essa lei também  
condicionava o funcionamento dessas organizações à tutela do Ministério da Justiça quando  
“constituídas de mais da metade de associados estrangeiros” (Brasil, 1980). Toda forma,  
portanto, que assumisse uma “vontade” não “heterônoma” (ao estilo kantiano) colocava seus  
membros sujeitos à expulsão do país.  
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A relação entre o Estado e as associações de migrantes só foi alterada a partir da Lei de  
Migração (nº 13.445/2017), em que, malgrado a permanência do não reconhecimento dos  
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direitos políticos (de eleger e de ser eleito), o migrante é posto em “pé de igualdade” - formal  
– com o autóctone, ao menos no que diz respeito ao “direito de associação, inclusive sindical,  
para fins lícitos” (Brasil, 2017). Não obstante, conforme demonstra Dias (2021), a “presença  
fantasmagórica” do Estatuto do Estrangeiro se manifesta, ainda hoje, nas barreiras que  
perpassam as tentativas de institucionalização dessas organizações.  
Para além dos aspectos jurídicos, há que considerar, ainda, que estamos diante de um  
movimento migratório radicalmente diferente daquele que prevaleceu no final do século XIX e  
início do século XX. Desde 2010, tem havido a predominância de fluxos migratórios  
provenientes de países da periferia do capital. A maioria dos migrantes desses fluxos compõe  
o grupo qualificado como “indesejado”; em outras palavras, migrantes que não atendem às  
exigências imediatas do mercado de trabalho formal, tampouco aos aspectos culturais  
dominantes e, por isso mesmo, ocupam o subsolo da estrutura de classe. Além da  
superexploração, do desemprego e das consequências da informalidade a que são submetidos,  
acresce sobre os migrantes os velhos marcadores de opressão, em especial, o racismo e a  
xenofobia. Ainda, a presença do migrante é legitimada pelo avesso, pelo status de “não-  
cidadão”, o que tem agregado desafios temerários à proteção social a essa população que,  
geralmente, tem suas necessidades minimamente atendidas no “terceiro setor”.  
Diante do quadro generalizado da precarização da vida e de trabalho da população  
migrante no Brasil, e também da baixíssima representatividade político-institucional dos  
interesses dessa população, multiplicam-se as associações de migrantes periféricos em todo país  
(são exemplos: as associações de haitianos, angolanos, bolivianos, venezuelanos, entre outras).  
Essas associações mantiveram algumas características das associações tradicionais, como o  
mutualismo, a assistência aos membros, as manifestações culturais e religiosas, bem como as  
atividades recreativas. Entretanto, diferente das primeiras associações de migrantes europeus,  
que transitavam na esfera privada entre a “assimilação” e a “guetização”, as atuais, colocam-se  
na esfera pública e têm se apropriado dos canais de participação social abertos após 1988 e, não  
obstante, incorporam outras formas de protesto no fito de reivindicar “direitos a ter direitos”,  
como é possível verificar na literatura atual (Dias, 2021; Langa, 2022). Outra mudança  
significativa consiste no fato de que as atuais associações, como reflexo da condição  
socioeconômica dos seus membros, são menos estruturadas em relação às primeiras (que  
fundaram igrejas, bibliotecas, escolas, hospitais, cooperativas, cidades inteiras, entre outras),  
sendo assim, mais propensas a requisitar do Estado a garantia da própria manutenção das ações.  
Esses parecem ser os dois aspectos de mudança que caracterizam o associativismo migrante  
contemporâneo.  
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