Associativismo migrante nas encruzilhadas da gestão de políticas sociais
direitos políticos (de eleger e de ser eleito), o migrante é posto em “pé de igualdade” - formal
– com o autóctone, ao menos no que diz respeito ao “direito de associação, inclusive sindical,
para fins lícitos” (Brasil, 2017). Não obstante, conforme demonstra Dias (2021), a “presença
fantasmagórica” do Estatuto do Estrangeiro se manifesta, ainda hoje, nas barreiras que
perpassam as tentativas de institucionalização dessas organizações.
Para além dos aspectos jurídicos, há que considerar, ainda, que estamos diante de um
movimento migratório radicalmente diferente daquele que prevaleceu no final do século XIX e
início do século XX. Desde 2010, tem havido a predominância de fluxos migratórios
provenientes de países da periferia do capital. A maioria dos migrantes desses fluxos compõe
o grupo qualificado como “indesejado”; em outras palavras, migrantes que não atendem às
exigências imediatas do mercado de trabalho formal, tampouco aos aspectos culturais
dominantes e, por isso mesmo, ocupam o subsolo da estrutura de classe. Além da
superexploração, do desemprego e das consequências da informalidade a que são submetidos,
acresce sobre os migrantes os velhos marcadores de opressão, em especial, o racismo e a
xenofobia. Ainda, a presença do migrante é legitimada pelo avesso, pelo status de “não-
cidadão”, o que tem agregado desafios temerários à proteção social a essa população que,
geralmente, tem suas necessidades minimamente atendidas no “terceiro setor”.
Diante do quadro generalizado da precarização da vida e de trabalho da população
migrante no Brasil, e também da baixíssima representatividade político-institucional dos
interesses dessa população, multiplicam-se as associações de migrantes periféricos em todo país
(são exemplos: as associações de haitianos, angolanos, bolivianos, venezuelanos, entre outras).
Essas associações mantiveram algumas características das associações tradicionais, como o
mutualismo, a assistência aos membros, as manifestações culturais e religiosas, bem como as
atividades recreativas. Entretanto, diferente das primeiras associações de migrantes europeus,
que transitavam na esfera privada entre a “assimilação” e a “guetização”, as atuais, colocam-se
na esfera pública e têm se apropriado dos canais de participação social abertos após 1988 e, não
obstante, incorporam outras formas de protesto no fito de reivindicar “direitos a ter direitos”,
como é possível verificar na literatura atual (Dias, 2021; Langa, 2022). Outra mudança
significativa consiste no fato de que as atuais associações, como reflexo da condição
socioeconômica dos seus membros, são menos estruturadas em relação às primeiras (que
fundaram igrejas, bibliotecas, escolas, hospitais, cooperativas, cidades inteiras, entre outras),
sendo assim, mais propensas a requisitar do Estado a garantia da própria manutenção das ações.
Esses parecem ser os dois aspectos de mudança que caracterizam o associativismo migrante
contemporâneo.
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Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 23, n. 2, p. 417-435, jul./dez. 2023. ISSN 1980-8518