Efeito da glicose na histomorfologia do peritônio durante a diálise peritoneal

Glucose effects on the histomorfology of the peritoneum during peritoneal dialysis

Priscila Cadima Vicente[1]

Jacqueline Costa Teixeira Caramori[2]

Sonia Regina Verde da Silva Franco1

Eduardo José Danza Vicente[3]

José Jonas Pereira[4]

Sueli Maria dos Reis Santos3

Resumo

As alterações peritoneais em pacientes submetidos à diálise peritoneal por longos períodos começam com as modificações mesoteliais e, mais tarde, envolvem alterações submesoteliais, fibrose e vasculopatias. Entre outros fatores, essas alterações podem ser decorrentes da alta concentração de glicose da solução de diálise. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi estudar as alterações histomorfológicas na membrana peritoneal de ratos submetidos à diálise peritoneal, com solução de glicose a temperatura ambiente. Foram utilizados 20 ratos Wistar divididos em dois grupos: grupo controle (GC) com oito animais que não receberam nenhuma injeção intraperitoneal, e grupo solução concentrada (GSC) com 12 animais que receberam 10mL de fluido de diálise com 4,25% de glicose uma vez por dia durante 30 dias. Nos animais do GSC, o peritônio visceral do baço e o parietal da parede abdominal apresentaram alterações epiteliais com transformação cúbica das células mesoteliais e espessamento na camada submesotelial, respectivamente. Esses resultados sugerem que a solução de diálise com 4,25% de glicose em temperatura ambiente realizada uma vez por dia durante 30 dias pode alterar a histomorfologia do peritônio.

Abstract

Alterations in the peritoneum of patients submitted to peritoneal dialysis during long periods begins with modifications of the mesothelium, and latter unfolds to alterations of the submesothelium, of the vascular system and fibrosis. One of the possible explications to these alterations is the high concentration of glucose in the dialysis solution. Therefore, the aim of this study was to study the histomorphological alterations of the peritoneal membrane in rats submitted to peritoneal dialysis, with the glucose solution at the local temperature. 20 Wistar rats were used, divided into two groups: control group (CG) with eight animals that didn’t receive intraperitoneal injection and the concentrated solution group (CSG) with 12 animals that received 10ml of the dialysis fluid with 4.25% of glucose, once a day, for 30 days. The visceral peritoneum of the spleen and the parietal peritoneum of the abdominal wall of the animals of CSG showed alterations of the epithelial layer with cubic transformation of the mesothelium cells and the thickness of the submesothelium layer, respectively. The dialysis solution of glucose at the concentration of 4.25%, at local temperature, applied once a day, during 30 days, altered the histomorphology of the peritoneum.

Introdução

Durante longos períodos de diálise peritoneal (DP), a viabilidade e a capacidade da membrana de filtrar os líquidos e remover os solutos em pacientes anúricos são as duas maiores complicações nos pacientes em DP (PENG et al., 2000). Na DP crônica, o uso de soluções de diálise peritoneal (SDP), consideradas não-fisiológicas ou bioincompatíveis, está associado ao aumento progressivo no transporte de pequenos solutos com o tempo de tratamento, falha na ultrafiltração (UF) e fibrose peritoneal (MUSI et al., 2004).

As alterações peritoneais começam com as modificações mesoteliais e, mais tarde, envolvem alterações submesoteliais, fibrose e vasculopatias. Após meses ou anos de DP em humanos, a fibrose é praticamente um achado constante (GAROSI; DI PAOLO, 2000). Entre as causas sugeridas para essas alterações histológicas estão a resposta de natureza não-fisiológica das SDPs em particular, a alta concentração de glicose, a hipertonicidade, o lactato, baixo pH, as peritonites recorrentes, a liberação de plásticos dos materiais utilizados e os produtos finais da glicosilação (ZAREIE et al., 2003; DUMAN et al., 2004).

A glicose é conhecida por ser um fator importante de bioincompatibilidade dos fluidos de DP comercialmente viáveis. Pelo menos dois mecanismos estão envolvidos no impacto negativo da glicose na função e estrutura peritoneal: o efeito metabólico direto da alta concentração (hiperosmolalidade) e a presença dos produtos de degradação durante a esterilização e armazenamento dos fluidos de DP que podem intensificar os efeitos deletérios da glicose nas soluções de diálise (STYSZYNSKI et al., 2003).

O objetivo deste trabalho foi estudar as alterações histomorfológicas na membrana peritoneal de ratos submetidos à diálise peritoneal, com solução de glicose a temperatura ambiente.

Material e Métodos

Foram utilizados 20 ratos da linhagem Wistar, adultos, machos, com massa inicial média de 250,1g (± 38,7), provenientes do Biotério Central da Universidade de Campinas (UNICAMP) que foram divididos em dois grupos: grupo controle (GC) com oito animais que não receberam nenhuma injeção intraperitoneal, e grupo solução concentrada (GSC) com 12 animais que receberam 10mL de fluido de diálise com 4,25% de glicose em temperatura ambiente.

Para a diálise peritoneal, os animais do grupo GSC foram posicionados em decúbito dorsal e tiveram o abdômen desinfetado com iodo-povidine 1%. Em seguida, foram injetados, intraperitonealmente, com uma seringa de 10mL e uma agulha nº 22 no lado esquerdo, 10mL de solução de diálise com 4,25% de glicose em temperatura ambiente, uma vez por dia no período da manhã. Decorridos 30 dias, realizou-se a eutanásia para a coleta de amostras do peritônio. Antes da laparotomia, foram introduzidos 10mL de formol a 10% na cavidade abdominal para fixação tecidual por vinte minutos.

Amostras do peritônio visceral do baço e do parietal da parede abdominal ventral direita foram coletadas em frascos com formol a 10% por 24 horas e, posteriormente, transferidas para recipientes com álcool 70% pelo mesmo período de tempo. Para a análise histomorfológica, as amostras foram coradas com Tricrômico de Masson e examinadas em microscópio óptico Axiophot 2 da marca Zeiss® com câmera digital Axiocam HRc.

Todos os procedimentos realizados com os animais obedeceram aos princípios éticos estabelecidos pelo Comitê de Ética para Experimentação Animal da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu..

Resultados

Pela análise histomorfológica do peritônio visceral do baço nos animais do grupo GC, pôde-se observar que todos apresentaram um epitélio pavimentoso simples, que é o tipo de epitélio normalmente encontrado em um peritônio que não sofreu nenhum tipo de agressão (Figura 1).

Figura 1 - Peritônio visceral do baço com epitélio pavimentoso simples no GC. Células mesoteliais planas (setas). Tricrômico de Masson - 400X.

Nos animais do grupo GSC, 42% (5/12) apresentaram um epitélio semelhante àquele do GC, enquanto 58% (7/12) revelaram alterações epiteliais. Dentre esses, quatro animais apresentaram uma leve transformação cúbica das células mesoteliais, dois mostraram características moderadas e um com cúbica acentuada (Figura 2).

Figura 2 - Peritônio visceral do baço do GSC com transformação cúbica acentuada das células mesoteliais (setas). Tricrômico de Masson - 200X.

No peritônio parietal da parede abdominal do GC, pôde-se observar que todos os animais apresentavam um epitélio pavimentoso simples, com a camada submesotelial sem edema ou espessamento (Figura 3).

Figura 3 - Peritônio parietal normal com epitélio pavimentoso simples sem evidência da camada submesotelial no GC (setas). Tricrômico de Masson - 100X.

No GSC, pôde-se observar que dois dos 12 animais não apresentavam alterações, sem quaisquer sinais de espessamento. Dos dez animais com alteração na camada submesotelial do peritônio parietal, quatro apresentaram um espessamento leve; três, moderado e três, acentuado (Figura 4).

Figura 4 - Peritônio parietal do GSC com espessamento acentuado (setas). Tricrômico de Masson - 50X.

Discussão

O método de escolha para o procedimento de diálise foi a infusão de líquido intraperitoneal por punção diária sem anestesia. O método de injeção intraperitoneal (IP) pode ser o de escolha, tomando-se cuidado para não injetar o fluido no intestino ou dentro da parede abdominal (PENG et al., 2000).

Segundo Musi et al. (2004), repetidas injeções diárias em ratos, com pequenos volumes IP, parecem representar uma boa técnica de investigação não-invasiva da biocompatibilidade dos fluidos de DP.

Não existe um consenso sobre qual porção do peritônio, parietal ou visceral, deveria ser usada em estudos sobre a morfologia. Em humanos, análises de biópsias de peritônio parietal e visceral pareadas sugerem que as alterações na membrana visceral são menos pronunciadas (WILLIAMS et al., 2003). O inverso foi observado em estudos animais (DE VRIESE et al., 2002; MARTIN-MARTINEZ et al., 2004).

Hekking et al. (2001) e Zareie et al. (2003) demonstraram que diferentes tecidos peritoneais respondem de forma distinta à exposição dos fluidos de DP. Erros podem ser introduzidos quando as amostras são coletadas de lugares diferentes do peritônio (MORTIER et al., 2005). Diante destas dúvidas, optou-se por trabalhar tanto com o peritônio parietal quanto com o visceral.

Neste trabalho, pôde-se observar, durante a análise morfológica, que os animais do GSC apresentavam uma transformação cúbica das células mesoteliais no peritônio visceral do baço. Musi et al. (2004), ao realizarem um estudo empregando amostras do peritônio diafragmático, intestinal e fígado e várias soluções de diálise, observaram que a fração de células mesoteliais com transformação cúbica no peritônio diafragmático estava aumentada no grupo que recebeu solução de diálise comercial com 4% de glicose (Gambrosol) quando comparado com os outros grupos.

Nos animais do GSC, o peritônio parietal apresentava-se mais espesso quando comparado àqueles do GC. Esses resultados sugerem que o peritônio parietal seja um tecido mais sensível, sendo altamente responsivo a soluções concentradas adicionadas à cavidade peritoneal.

Durante uma avaliação morfológica, Kappas et al. (1988) também observaram um espessamento peritoneal em ratos submetidos à lavagem abdominal com solução de cloreto de sódio 0,9% aquecida a cerca de 40°C. Segundo Wang et al. (1999) e Breborowicz et al. (2005), a solução salina fisiológica não é biocompatível como solução de diálise peritoneal e não deveria ser usada como solução controle ou lavagem de cavidades.

As SDPs são consideradas não-fisiológicas ou bioincompatíveis e, por causa disso, foram observados durante a DP crônica um aumento progressivo no transporte de pequenos solutos com o tempo de tratamento, falha na ultrafiltração (UF) e fibrose peritoneal (MUSI et al., 2004).

Diante disso, podemos perceber que o peritônio reage de forma diferente a uma agressão dependendo da sua localização, o que torna sua avaliação muito difícil, principalmente para comparação de dados, como mencionado na discussão de métodos.

Conclusão

Os resultados obtidos no presente estudo sugerem que a solução de diálise com 4,25% de glicose em temperatura ambiente realizada uma vez por dia durante 30 dias pode alterar a histomorfologia do peritônio.

Referências

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DE VRIESE, A. S.; MORTIER, S.; CORNELISSEN, M.; PALMANS, E.; VANACKER, N. J.; LEYSSENS, A.; FAICT, D.; DE RIDDER, L.; LAMEIRE, N. H. The effects of heparin administration in an animal model of chronic peritoneal dialysate exposure. Peritoneal Dialysis International, Downsview, Ontario., v.72, n.5, p.566-572, 2002.

DUMAN, S.; WIECZOROSKA-TOBIS, K.; STYSZYNSKI, A.; KWIATKOWSKA, B.; BREBOROWICZ, A.; OREOPOULOS, D.G. Intraperitoneal enalapril ameliorates morphologic changes induced by hypertonic peritoneal dialysis solutions in rat peritoneum. Advances In Peritoneal Dialysis,Toronto, v.20, p.31-36, 2004.

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[1] Universidade Estadual Paulista, UNESP, FMVZ, Botucatu, SP

[2] Universidade Estadual Paulista, UNESP, FM, Botucatu, SP.

[3] Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, CCS, Juiz de Fora, MG.

[4] Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, ICE, Juiz de Fora, MG.

palavras-chave

Diálise peritoneal

Histomorfologia

Glicose

Rato

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Peritoneal Dialysis

Histomorphology

Glucose

Rat

Enviado em 05/03/2008

Aprovado em 10/04/2008