Recuperação funcional do nervo ciático reparado pela cola de fibrina

Funcional recovery of the repaired ciatic nerve by the fibrin glue

Eduardo José Danza Vicente[1]

Antonio de Castro Rodrigues[2]

Márcia Gallacci[3]

Priscila Cadima Vicente3

Sueli Maria dos Reis Santos[4]

Darcilha Maria Nagen da Costa4

Resumo

As moléculas de adesão celular vem sendo utilizadas na coaptação de nervos lesados como alternativa a consagrada neurorrafia, entretanto, faltam estudos experimentais definitivos em relação às duas técnicas. O objetivo deste estudo foi avaliar a recuperação funcional do nervo ciático reparado pela cola de fibrina, por meio de contrações indiretas isoladas aplicadas ao complexo mioneural, nervo ciático - músculo extensor longo dos dedos (EDL). Foram utilizados 16 ratos Wistar divididos em dois grupos: grupo controle (GC), que não sofreu nenhuma lesão e grupo cola (GCL) que teve o nervo ciático lesado e reparado pela cola. Após 10 semanas o complexo mioneural foi coletado para estímulo. O músculo EDL nos animais do GCL respondeu com contrações frente ao estímulo de seu nervo motor. Mesmo com amplitude maior do que o GC, não houve diferença estatisticamente significante. Nervos reparados pela cola são capazes de conduzir impulsos nervosos até o músculo esquelético.

Abstract

The molecules of cellular adhesion are been used for the coaptation of injured nerves as an alternative of the well know neurorrhaphy, however, there are still missing experimental studies of these two techniques. The aim of this study was to evaluate the functional recovery of the sciatic nerve repaired by the fibrin glue, by the means of isolated indirect contractions applied to the myoneural complex, sciatic nerve – extensor muscle of the long fingers (EMLF). Sixteen Wistar rats were divided into two groups: control group (CG), that didn’t have any lesion and the glue group (GG) that had their sciatic nerve injured and repaired with the glue. After 10 weeks, the myoneural complex was collected for the stimulus. The EMLF of the animals of the GG responded with contractions after the stimulus of the motor nerve. Even with greater amplitude than the CG, there wasn’t any significant statistical result. Nerves repaired with glue are capable to conduct nerve impulses to the skeletal muscle.

Introdução

Quando um nervo é seccionado a continuidade entre os cotos pode ser restabelecida por diferentes técnicas (MARTINS et al., 2005). A sutura direta do nervo ou neurorrafia é considerada uma técnica padrão, entretanto algumas condições como o calibre reduzido do nervo lesado ou a presença de um processo inflamatória podem prejudicar o processo de regeneração (NARAKAS, 1988). Como alternativa a convencional neurorrafia, as moléculas de adesão celular, vem sendo utilizadas na coaptação de nervos lesados (MOY et al., 1988; MORANDINI & ORTIZ, 1992; GOSK et al., 2006; ELGAZZAR et al., 2007; SANDRINI et al., 2007; WANG et al., 2007), entretanto, faltam estudos que ampliem o conhecimento definitivo em relação ás duas técnicas (MARTINS et al., 2005).

Resultados insatisfatórios foram obtidos tanto por Moy et al., (1988) estudando a amplitude dos potenciais evocados em nervos reparados pela cola como por Morandini & Ortiz (1992), estudando a eletrocondução de nervos reparados pela cola.

Segundo Faldini et al. (1984), a reinervação com cola de fibrina foi mais completa quando comparada com a neurorrafia, e conduziu melhor os impulsos nervosos. Porém, Smahel et al. (1987), concluíram, através de mensurações eletrofisiológicas, latência e amplitude do componente potencial de ação, que a sutura e a cola não apresentam diferenças estatisticamente significantes no reparo de nervos periféricos.

Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar a recuperação funcional do nervo ciático reparado pela cola de fibrina derivada do veneno de serpente (Crotalus durissus terrificus), desenvolvido no Centro de Estudos de Veneno e Animais Peçonhentos (CEVAP), UNESP-Botucatu, por meio de contrações indiretas isoladas aplicadas ao complexo mioneural, nervo ciático - músculo extensor longo dos dedos (EDL).

Métodos

Foram utilizados 16 ratos Wistar (Rattus norvegiccus), fêmeas, com peso entre 200 a 250g, provenientes do Biotério Central da UNESP - Câmpus de Botucatu/SP, que foram divididos em dois grupos: grupo controle (GC), que não sofreu nenhuma lesão e grupo cola (GCL) que teve o nervo ciático reparado pela cola.

Os animais do GCL foram previamente pesados e anestesiados com pentobarbital intraperitonealmente (30mg/Kg). Uma incisão de aproximadamente 2 cm foi realizada na pele, seguindo-se o eixo longitudinal do membro posterior esquerdo, tendo como referência o trocânter maior do fêmur e o túber isquiático. A musculatura foi afastada e, localizado o nervo ciático, este foi individualizado, seccionado e reparado no mesmo instante pela cola de fibrina. Com o término da cirurgia, a musculatura foi reposicionada e a pele foi suturada com fios de nylon 4-0 Ethicon.

Todos animais foram mantidos em caixas com água e ração “ad libitum”, respeitando-se ciclos de 12 horas de luz. Decorridas dez semanas pós-cirurgia, foi realizada a eutanásia dos animais por inalação de éter etílico. Todos os procedimentos com os animais receberam parecer favorável da Comissão de Ética na Experimentação animal (CEEA), protocolo n° 97/047.

Para o registro miográfico, os animais foram posicionados em decúbito ventral e posteriormente dorsal para a retirada do complexo mioneural. Durante este ato cirúrgico, o complexo mioneural foi mantido umedecido pela superfusão intermitente de solução nutriente com a seguinte composição (milimoles/litro): NaCl - 135: KCl - 5; MgCl2 - 2; NaHCO3 - 15; CaCl2 - 2; Na2HPO4 - 1; glicose - 11.

Uma vez isolado o complexo mioneural foi montado para o registro das contrações indiretas isoladas. O tendão de inserção distal do músculo EDL foi amarrado a um suporte fixo de vidro em forma de “L” e o conjunto nervo-músculo foi montado verticalmente em cuba contendo solução nutriente. O tendão de inserção proximal do músculo EDL foi conectado a um transdutor isométrico de tensão (GOULD), acoplado a um polígrafo (Beckman R511-A). A extremidade livre do nervo ciático foi aspirada por um eletrodo de sucção. Um outro eletrodo, de prata, mergulhado na solução, serviu como eletrodo de referência ou terra (Figura 1).

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Figura 1. Representação esquemática do sistema utilizado para o registro das contrações musculares indiretas isoladas.

Para provocar as contrações musculares, o nervo foi estimulado por pulsos elétricos retangulares, com duração de 0,1 a 0,5 ms, freqüência de 0,5 Hz e intensidade claramente supramáxima.

A preparação foi mantida à temperatura de 27º C e sob constante borbulhamento de carbogênio (95% de O2 + 5% de CO2). Após um período de estabilização de 15 minutos, procedeu-se o registro da contração isolada por 120 minutos (GALLACCI & OLIVEIRA, 1994).

As contrações isoladas foram analisadas através do decréscimo percentual relativo de suas amplitudes em 120 minutos. Para o estudo comparativo dos grupos em relação à amplitude de contração, onde cada um dos oitos animais, nos dois grupos, foi avaliado nos momentos 0, 15, 30, 45, 60, 75, 90, 105 e 120 minutos, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis para comparação dos grupos em cada momento, e o teste de Friedman para comparação dos momentos em cada grupo, com as comparações múltiplas citadas em Zar (1996).

Resultados

Todos os músculos dos complexos mioneurais em ambos os grupos responderam com contrações frente ao estímulo elétrico indireto ao seu nervo motor.

Em relação ao decurso temporal da amplitude das contrações isoladas, pode-se observar que tanto no GC quanto no GCL o decréscimo iniciou-se nos primeiros minutos de registro miográfico, após a estabilização do complexo, atingindo o máximo de decréscimo aos 105 minutos no GC e aos 120 minutos no GCL.

Somente nos primeiros 15 minutos de estímulo a amplitude das contrações entre os dois grupos foi semelhante, nos 105 minutos restantes os animais do GCL apresentaram amplitudes maiores do que os animais do GC, entretanto a análise de perfil, comparando as médias de amplitude de contrações nos grupos, em cada momento e a média dos momentos, dentro de cada grupo, não apresentou diferenças estatisticamente significativas (p>0,05) (Figura 2).

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Figura 2 – Decurso temporal da amplitude das contrações isoladas evocadas indiretamente no músculo EDL nos grupos controle e cola.

Discussão

Cooper & Falb (1968) e Morandini & Ortiz (1992) defendem o uso do adesivo de fibrina, destacando como suas vantagens: a síntese tecidual mais rápida e eficiente; a boa aderência e a reprodução das reações finais do processo normal de coagulação.

Todo o procedimento cirúrgico para reparação nervosa com a utilização da técnica de coaptação com cola de fibrina nesse estudo, teve uma duração menor do que se fosse utilizada a neurorrafia. Para alguns autores (SMAHEL et al., 1987; MOY et al., 1988), um menor tempo de cirurgia constitui um fator importante em termos da qualidade da regeneração nervosa.

Wang et al., (2007) observaram que a reparação do nervo fascial com cola tem a vantagem de ser mais fácil, rápida e mais estável. Gosk et al., (2006) descrevem que a cola de fibrina não é traumática, não causa inflamação nem formação de granuloma. Como desvantagens, Lerner & Binur (1990) relataram o alto custo do adesivo e a dificuldade de controlar possíveis contaminações por agentes infecciosos, como os vírus da AIDS e da hepatite. Como a cola desenvolvida pelo CEVAP substituiu o fibrinogênio humano pelo fibrinogênio bovino, as possíveis chances desse tipo de contaminação são mínimas.

Neste estudo, foi possível observar, que o músculo EDL nos animais reparados pela cola, responderam com contrações frente ao estímulo do seu nervo motor. Em relação à amplitude da contração muscular os animais dos dois grupos não apresentaram diferença estatisticamente significativa.

Sandrini et al., (2007) também não observaram diferenças significativas quando compararam a velocidade de condução do nervo facial sem lesão, 36,53m/seg. e reparado pela cola de fibrina, 81%, descrevendo que a cola pode ser utilizada em anastomoses nervosas. Entretanto Wang et al., (2007) por meio de estudo eletrofisiológico, comparando a cola de fibrina com a sutura perineural no nervo fascial de coelhos, não encontrou diferenças significantes entre as técnicas, entretanto as duas apresentaram valores menores e significantes em relação ao nervo sem lesão.

A amplitude das contrações isoladas foi maior dos 15 minutos de estímulo até o final nos animais do GCL que tiveram o nervo ciático seccionado, quando comparados com o nervo ciático do GC, que não sofreu nenhuma lesão.

De acordo com Schmalbruch (1986), o nervo ciático é constituído por um número variado de fibras mielínicas e amielínicas distribuídas de modo homogêneo no interior dos fascículos. Com relação ao diâmetro das fibras mielínicas, esse nervo apresenta uma população de fibras com distribuição unimodal. Já o músculo EDL, classificado como músculo branco (RODRIGUES & SCHMALBRUCH, 1995), demonstrou ser constituído por uma população heterogênea de fibras, com forma variando de circular a poliédrica, e apresentou uma alta freqüência de ocorrência de fibras de contração rápida e metabolismo oxidativo e glicolítico (FOG) e de fibras de contração rápida e metabolismo glicolítico (FG), se comparado a outros músculos tal como o músculo sóleo de rato e o músculo pectíneo de gato (RODRIGUES et al., 1990).

Esta característica morfofuncional do músculo EDL atua como fator importante no entendimento de nossos resultados, pois sendo o músculo em questão um músculo de contração rápida, com picos de contração e fadiga precoce, parece-nos pertinente atribuir tais resultados à influência exercida pelos novos neuritos na modulação das fibras musculares já existentes.

Conclusão

Os nervos reparados pela cola de fibrina regeneraram e foram capazes de conduzir impulsos nervosos ao músculo EDL resultando em uma contração semelhante aos músculos no grupo controle.

Referências

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ELGAZZAR, R. F.; ABDULMAJEED, I.; MUTABBAKANI, M. Cyanoacrylate glue versus suture in peripheral nerve reanastomosis. Oral surgery, Oral Medicine, Oral Pathology, Oral Radiology and Endodontics,St. Louis, v.104, p.465-472, 2007.

FALDINI, A., PUNTONI, P., MAGNERIN, P.C., LISANTI, M., CARLUCCI, F., RISALILITI, R. Comparative neurophysiological assesments of nerve suture performed by microsurgical methods and with fibrin glue: experimental study. Italian Journal of Orthopaedics and Traumatology, Bologna,v.10, p.527-32, 1984.

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GOSK, J.; KNAKIEWICZ, M.; WIACEK, R.; REICHERT, P. The use of the fibrin glue in the peripheral nerves reconstructions. Polimery w Medycynie, Warszawa, v.36, p.11-15, 2006.

LERNER, R.; BINUR, N.S. Current status of surgical adhesives. Journal of surgical research, New York, v.48, p.165-81, 1990

MARTINS, R. S.; SIQUEIRA, M. G.; SILVA, C. F..; GODOY, B. O.; PLESE, J. P. Electrophysiologic assessment of regeneration in rat sciatic nerve repair using suture, fibrin glue or a combination of both techniques. Arquivos de Neuro-Psiquiatria,São Paulo, v.63, p.601-604, 2005.

MOY, O.J.; PEIMER, C.A. ; KONIUCH, M.P.; HOWARD, C.; ZIELEZNY, M.; KATIKANENI, D.R. Fibrin seal adhesive versus nonabsorbable microsuture in peripheral nerve repair. Journal of Hand Surgery, Edinburgh, v.13, p. 273-278, 1988.

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ZAR, J.H. Bioastatistical Analysis. 3.ed. New Jersey: Prentice Hall, 1996, 662p.

[1] Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Fisioterapia - Juiz de Fora, MG. e-mail: eduardo.vicente@ufjf.edu.br

[2] Universidade de São Paulo - São Paulo, SP.

[3] Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.

[4] Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Enfermagem - Juiz de Fora, MG.

palavras-chave

Regeneração nervosa

Cola de fibrina

Recuperação funcional

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Nerve regeneration

Fibrin glue

Funcional recovery

Enviado em 28/09/2007

Aprovado em 17/02/2008