INTRODUÇÃO

O aumento mundial da expectativa de vida tem sido acompanhado pelo aumento de doenças crônico-degenerativas na população idosa (VERMELHO; MONTEIRO, 2004). Entre elas, destacam-se os quadros demenciais (LOPES; BOTTINO, 2002). Nesse sentido, torna-se importante uma investigação precoce dessas patologias, buscando auxiliar na implementação de meios para prolongar a autonomia e retardar a progressão do processo demencial. 
Nesse contexto, a disponibilização de instrumentos que avaliem o risco de demência de forma mais precoce e precisa torna-se fundamental. Várias escalas de rastreio cognitivo têm sido utilizadas para esse fim, entre elas o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (FOLSTEIN; FOLSTEIN e MCHUGH, 1975), o Teste do Desenho do Relógio (SHULMAN, 1986) e o Teste de Fluência Verbal categoria animais (BRUCKI et al., 1997). Destes, o MEEM (FOLSTEIN; FOLSTEIN e MCHUGH, 1975) preenche as características recomendadas para um teste de rastreio, por ser um instrumento simples, que pode ser aplicado de forma rápida e passível de reaplicação (BERTOLUCCI et al., 1994). Em conseqüência, tem sido empregado em todo o mundo e utilizado tanto para amostras clínicas quanto de comunidade.
No entanto, alguns autores têm ressaltado desvantagens no uso dessa escala, tais como a influência da escolaridade e da idade (ALMEIDA, 1998; BUSTAMANTE et al., 2003; BRUCKI et al., 2003; LAKS et al., 2003), o que poderia reduzir a eficácia da avaliação, principalmente em estudos populacionais, uma vez que podem ser encontradas amostras bastante heterogêneas nesse meio. Assim, torna-se relevante investigar métodos mais adequados de rastrear o declínio cognitivo em amostras da comunidade.
Estudos científicos têm observado que, nos processos demenciais, além da perda progressiva de habilidades cognitivas, uma característica freqüente é o declínio da capacidade funcional do indivíduo (TABERT et al., 2002; LAKS et al., 2005) que é conceituada como o grau de preservação no desempenho de determinados gestos e atividades da vida cotidiana (ROSA et al., 2003). Os déficits na capacidade funcional acarretam a dependência do indivíduo no seu dia-a-dia e podem não atingir todos os domínios do funcionamento do idoso ao mesmo tempo, apresentando diferentes níveis de gradação. Para investigar a capacidade funcional de um indivíduo, pode-se observar seu desempenho em atividades básicas (ABVD’s) e instrumentais (AIVD’s) de vida diária.
As ABVD’s consistem na realização das tarefas de auto-cuidado, como tomar banho, alimentar-se, vestir-se, refletindo um grau mínimo de independência, as quais são avaliadas pelo Índice de Katz (KATZ et al., 1963; ALVES et al., 2007), por exemplo. As AIVD’s, por outro lado, referem-se à capacidade de desempenhar tarefas mais adaptativas ou necessárias para a vida independente na comunidade, como fazer compras, telefonar, viajar sozinho, dentre outras. São tarefas mais complexas e, por isso, declinam mais precocemente que as atividades básicas. Nessa perspectiva, a capacidade funcional torna-se um importante indicador da saúde do idoso (COSTA et al., 2003), sendo que a investigação das AIVD’s pode ser particularmente útil na detecção precoce de processos demenciais.
Vários instrumentos têm sido utilizados para a avaliação do desempenho dos idosos nas AIVD’s. Dentre eles, destacam-se a Escala Bayer de Atividades da Vida Diária (B-ADL) (HINDMARCH et al., 1998), o Informant Questionnaire of Cognitive Decline in the Elderly (IQCODE) (JORM; JACOMB, 1989), a Escala de Atividades Instrumentais Pfeffer (PFEFFER, 1992) e a Escala de Lawton (LAWTON; BRODY, 1969).
A Escala de Lawton (LAWTON; BRODY, 1969) é um instrumento de rápida e fácil aplicação, que avalia a capacidade de telefonar, viajar, fazer compras, preparar refeições, fazer trabalhos manuais domésticos, lavar e passar roupas, tomar remédios e cuidar das finanças, sendo seu resultado expresso através de três possibilidades: independência, dependência parcial (necessidade de algum auxílio na execução das tarefas) e dependência completa. Estudos indicam, no entanto, que fatores sócio-demográficos, como idade, sexo, arranjo familiar e educação podem exercer influência sobre a capacidade funcional do idoso (ROSA et al., 2003; MACIEL; GUERRA, 2007).
Alves et al. (2007) investigaram a influência de doenças crônicas na capacidade funcional de 1769 idosos entrevistados entre janeiro de 2000 e março de 2001, residentes no município de São Paulo e participantes do Projeto Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE), controlada por idade, sexo, arranjo familiar, educação e presença de outras comorbidades. Estes autores relataram a influência significativa de coronariopatias, artropatia, doença pulmonar e hipertensão arterial nas AIVD’s.
Maciel e Guerra (2007) analisaram a influência dos fatores sócio-demográficos, neuropsiquiátricos e de saúde física sobre a capacidade funcional de 310 idosos cadastrados no Sistema de Informações da Atenção Básica (SIAB) do Ministério da Saúde, em dezembro de 2001, escolhidos de forma probabilística aleatória sistemática e residentes na zona urbana do município de Santa Cruz (RN). Os resultados mostraram associação das AIVD’s com a idade, sexo feminino, analfabetismo, estado civil, sintomatologia depressiva e má percepção de saúde.
Apesar da constatação de que a capacidade funcional pode se constituir num importante indicador de bem-estar da população, pesquisas que a avaliem, como as relatadas acima, ainda são escassas na literatura brasileira. No entanto, estudos dessa natureza são fundamentais na medida em que podem auxiliar os planejadores de políticas públicas na reorganização de estratégias preventivas mais eficazes que irão, conseqüentemente, reduzir os custos com os serviços de saúde e minimizar a carga sobre a família. Particularmente, nos processos demenciais do envelhecimento esse conhecimento é relevante na busca e implementação de estratégias que promovam melhor qualidade de vida, prolongando a autonomia do idoso.
Neste sentido, e consoante ao novo paradigma de que o conceito de saúde do idoso deve ultrapassar o simples diagnóstico e tratamento de doenças específicas, expressando a valorização de sua autonomia mesmo na presença de uma ou mais enfermidades, o presente estudo se propôs a investigar a influência que as variáveis sócio-demográficas e de saúde exercem na perda da capacidade funcional em uma amostra de idosos residentes na comunidade. Este estudo populacional foi realizado a partir do Projeto “Prevalência de Demência em Idosos da cidade de Juiz de Fora”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Inicialmente, o projeto teve por finalidade traçar o perfil de saúde física e mental dos idosos em Juiz de Fora, que é uma cidade de porte médio com aproximadamente 500 mil habitantes. Da população total, 11,6% são idosos (47.379 sujeitos), sendo este percentual superior às médias estadual e nacional (IBGE, 2000).

MATERIAL E MÉTODO
Participantes
A população de estudo foi composta por sujeitos idosos com 60 anos de idade ou mais, residentes na comunidade. Para a identificação e o recrutamento dos idosos foi adotado o procedimento porta a porta do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sendo assim, 15 acadêmicos do curso de Psicologia da UFJF, devidamente treinados, visitaram os domicílios no período de junho a dezembro de 2006, buscando pessoas com 60 anos de idade ou mais. Não foram incluídos indivíduos institucionalizados ou incapacitados. A amostra consistiu de 394 idosos, sendo representativa da população total de idosos da área urbana de Juiz de Fora. Para preservar a representatividade da amostra, foram adotados os critérios do IBGE, que dividiu a cidade de Juiz de Fora em 16 unidades territoriais, as quais são definidas segundo critérios de localização geográfica e nível socioeconômico. Os bairros que compõem as unidades territoriais são subdivididos em setores censitários, os quais são formados por ruas definidas em quarteirões específicos, havendo o ponto inicial e o final a ser percorrido (IBGE, 2001). No presente estudo, realizado na área urbana da cidade, foram selecionadas as unidades territoriais com população idosa acima de 5% e, em seguida, foram sorteados os bairros a serem visitados em cada uma dessas unidades, preservando a proporcionalidade de idosos em cada região. Diferentes setores de cada bairro foram visitados até que se completasse o número de idosos que o representasse, caracterizando, portanto, uma amostragem por conglomerados. Trabalhou-se com intervalo de confiança de 95%. 

Aspectos éticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF – MG) sob o número 464.149.2004. O estudo era devidamente apresentado e o idoso convidado a participar. Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, a entrevista, realizada na própria residência do idoso, era feita imediatamente ou agendada, tendo duração média de 50 minutos.
Instrumentos
A entrevista constou de perguntas estruturadas, investigando as variáveis sexo, idade, escolaridade, número de pessoas que vivem com o idoso, percepção do estado de saúde, quantidade de doenças e de medicamentos utilizados. A variável sexo foi mensurada como dicotômica (1 para o gênero masculino e 2 para o feminino). A idade, variável do tipo contínua, foi fornecida pelo idoso ou por um cuidador, sendo também categorizada em: Grupo 1: 60 a 69 anos; Grupo 2: 70 a 79 e Grupo 3: 80 anos ou mais. A variável escolaridade, também do tipo contínua, foi obtida a partir do número de anos estudados, relatado pelo entrevistado. A percepção do estado de saúde foi categorizada de modo a atribuir 1 para “Muito Bom”, 2 para “Bom”, 3 para “Regular”, 4 para “Ruim” e 5 para “Muito Ruim”. O número de pessoas que vivem com o idoso, a quantidade de doenças e de medicamentos utilizados, variáveis contínuas, foram obtidas a partir do relato do participante.
A avaliação da capacidade funcional foi feita através da escala de Lawton (LAWTON; BRODY, 1969). Ela avalia o desempenho em atividades instrumentais de vida diária (incluindo capacidade de telefonar, viajar, fazer compras, preparar refeições, fazer trabalhos manuais domésticos, lavar e passar roupas, tomar remédios e cuidar das finanças), através de três possibilidades: independência, dependência parcial (necessidade de algum auxílio na execução das tarefas) e dependência completa, para as quais são atribuídos 3, 2 e 1 ponto, respectivamente. Sendo assim, o escore nesta escala varia entre 8 e 24 pontos.

Análise dos dados
As análises dos dados foram feitas com o auxílio do software estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 10.0.
Em relação ao procedimento estatístico, foram realizadas análises descritivas com a finalidade de investigar as variáveis sexo, idade, escolaridade, número de pessoas que vivem com o idoso, percepção do estado de saúde, quantidade de doenças e de medicamentos utilizados, além do desempenho na Escala de Lawton.
No que se refere à análise bivariada, foi feita a correlação de Spearman para investigar a relação entre a capacidade funcional dos idosos e as variáveis associadas a ela. Com a finalidade de investigar se houve diferenças de gênero em relação à capacidade funcional foram realizados testes não paramétricos Mann-Whitney.

RESULTADOS

Foram visitados 4616 domicílios entre as 5 unidades territoriais selecionadas. Das residências visitadas, em 18,9% (n=872) havia no mínimo um idoso. Foram recrutados 638 idosos, sendo que, destes, 491 (77%) aceitaram participar e 394 entrevistas foram realizadas, compondo a amostra deste estudo. 
Os idosos que não aceitaram participar do estudo foram divididos em dois grupos: recusa e incapacitados, perfazendo 12 e 11% do total da amostra, respectivamente.

Análise descritiva

A idade média da população de estudo foi de 71,01 anos (DP=8,05; mediana=70; moda=70), variando entre 60 e 98 anos, sendo que 69,5% (n=274) foram representados por mulheres. A média de idade das mulheres foi de 71,50 anos (DP=8,45; mediana=70; moda=70) e a dos homens foi de 69,89 anos (DP=6,93; mediana=69; moda=61). Através da estratificação por grupos etários, foi encontrado que 47,5% da amostra (n=187) tinham entre 60 e 69 anos, 38,1% (n=150) tinham entre 70 e 79 anos e 14,2% (n=56) tinham 80 anos ou mais.
A média de anos estudados foi de 6,10 (DP=4,52; mediana=4; moda=4), sendo 8,1% (n=32) representados por idosos que não tiveram escolaridade e 0,5% (n=2) representado por idosos que tiveram a maior escolaridade encontrada (21 anos). Em relação ao número de pessoas que vivem com o idoso, foi encontrada média de 3,23 (DP=1,72; mediana=3; moda=2).
No que se refere ao modo como os idosos percebem seu estado de saúde, 64,2% (n=253) consideraram-no como bom ou muito bom. A presença de, no mínimo, uma doença foi relatada por 98,7% (n=389) da amostra, sendo que a média foi de 3,58 (DP=1,96; mediana=3; moda=2). O número de medicamentos, por sua vez, apresentou média de 2,85 (DP=2,40; mediana=2; moda=1), sendo que 61 idosos (15,8%) relataram não fazer uso regular de qualquer medicamento.
A pontuação média obtida na escala de Lawton foi de 22,32 (DP=2,97; mediana=24; moda=24), tendo 9 como valor mínimo e 24 como máximo. A independência em todas as atividades instrumentais de vida diária contempladas pela escala foi declarada por 58,1% (n=229) da amostra e não houve idoso que declarasse dependência completa em todas as atividades. Observando cada atividade, o relato de dependência completa na capacidade de uso do telefone foi encontrado em 2,3% da amostra (n=9), na capacidade de viajar para locais distantes sem necessidade de acompanhantes foi encontrado em 2,8% (n=11), na capacidade de fazer compras sozinho foi encontrado em 4,8% (n=19), na capacidade de preparar refeições foi encontrado em 4,3% (n=17), na capacidade de fazer trabalhos domésticos foi encontrado em 5,1% (n=20), na capacidade de lavar e passar roupas foi encontrado em 5,1% (n=20), na capacidade de tomar os remédios na dose e horário corretos foi encontrado em 2% (n=8) e na capacidade de cuidar das finanças foi encontrado em 4,8% (n=19). Observando o desempenho de homens e mulheres na Escala de Lawton, foi verificado que a média de pontos obtida no sexo masculino foi de 22,93 (DP=2,58; mediana=24; moda=24), tendo 10 como escore mínimo e 24 como máximo, com 73,3% (n=88) alcançando esta pontuação e 22,05 (DP=3,10; mediana=24; moda=24) obtida no sexo feminino, tendo 9 como escore mínimo e 24 como máximo, com 51,3% (n=141) alcançando este valor.    

Análise Bivariada
Como os dados não apresentaram uma distribuição normal, correlação de Spearman foi realizada com a finalidade de investigar a relação entre a capacidade funcional dos idosos e as variáveis associadas a ela. Os resultados mostraram correlações negativas e significativas entre a escala de Lawton e idade (r = - 0, 35, p < 0,01), quantidade de doenças (r = - 0, 36, p < 0,01) e também com o número de medicamentos usados (r = - 0, 31, p < 0,01). A percepção de saúde dos idosos, que foi avaliada em 5 categorias sendo a primeira “muito bom”, apresentou correlação negativa e significativa com a Escala de Lawton (r = - 0,29, p < 0,01), significando que quanto pior a avaliação da saúde pelo idoso, pior a sua capacidade funcional. Correlações positivas e significativas foram encontradas entre a escala de Lawton e a escolaridade (r = 0,33, p < 0,01). Correlações não significativas foram encontradas entre o número de pessoas que vivem com o idoso e a capacidade funcional. A Tabela 1 apresenta os resultados das correlações.
            A associação entre gênero e capacidade funcional não pôde ser avaliada através de correlações porque o gênero é uma variável dicotômica. Para investigar se houve diferenças de gênero em relação à capacidade funcional testes não paramétricos Mann-Whitney foram realizados. Os resultados mostraram uma diferença significativa entre os grupos. As mulheres apresentaram maiores índices de incapacidade funcional do que os homens (Z = -3,98; p < 0,01). Elas eram pouco mais de dois anos mais velhas do que os homens. É possível que essa diferença de gênero seja responsável pelos resultados. A Tabela 2 apresenta a média de idade para homens e mulheres.

DISCUSSÃO

A amostra deste estudo, como característico da população brasileira, apresenta um maior percentual de mulheres, estando de acordo com a literatura, que aponta uma maior expectativa de vida para o sexo feminino (ARAÚJO; ALVES, 2001).
É também importante ressaltar a média de escolaridade dos idosos, que é superior à da população geral brasileira (IBGE, 2002) e à de outras regiões do país (LOURENÇO et al., 2005).
No que se refere à presença de, no mínimo, uma doença, os dados encontrados seguem a perspectiva apontada por Ramos et al. (1993) de que a maioria dos idosos seria portadora de alguma doença crônica.
Em relação à Escala de Lawton, cabe ressaltar o fato de nenhum idoso ter relatado dependência completa em todas as atividades de vida diária, o que pode ser uma característica de idosos provenientes da comunidade. O fato de 41,9% da amostra não apresentarem independência em todas as atividades está em concordância com os dados do Conselho Estadual do Idoso do­ Rio Grande do Sul (CEI-RS, 1997), que ressaltam que 40% da população idosa necessitam de algum auxílio para realizar pelo menos uma atividade de vida diária.
No que se refere à dependência completa em alguma tarefa, houve percentuais aproximados na capacidade de fazer trabalho doméstico (5,1%), de lavar roupas (5,1%), de fazer compras sozinho (4,8%) e de cuidar das finanças (4,8%). Seguindo essa perspectiva, Ramos (2003) ressalta que a existência de doenças que não têm um tratamento bem-sucedido pode comprometer a capacidade funcional dos idosos, com dependência física e mental para realizar atividades de vida diária mais complexas, como estas encontradas neste estudo. Por isso, este achado talvez seja explicado pela interferência da presença de doenças no desempenho das AIVD’s dos idosos, o que foi indicado pela correlação negativa significativa existente entre a quantidade de doenças e o desempenho na Escala de Lawton.
Nesse sentido, as análises bivariadas também merecem importantes considerações. Observando a correlação de Spearman, deve-se ressaltar que, além da quantidade de doenças, o número de medicamentos utilizados associou-se à capacidade funcional. Assim, os idosos que relataram utilizar um número maior de medicamentos, apresentaram mais incapacidade funcional, o que pode estar relacionado às limitações impostas pelas doenças e o seu tratamento.
 Importante considerar o fato de indivíduos mais idosos terem apresentado menos independência. Esse achado corrobora dados da literatura, que ressaltam que a chance de o idoso ter maior dependência aumenta para indivíduos com mais de 80 anos (RICCI; KUBOTA e CORDEIRO, 2005).
Além disso, foram confirmados resultados de outras pesquisas, que demonstram que quanto maior a escolaridade, menor é o declínio da capacidade funcional. Em seu estudo, Maciel e Guerra (2007) relataram a associação entre o analfabetismo e o desempenho nas AIVD’s. É possível que tal relação se deva ao fato de que indivíduos com menor escolaridade têm menos acesso a serviços sociais durante a vida, o que se revela em outros aspectos, como habitação, cultura, renda e saúde, a qual está intimamente relacionada à escolaridade, como confirmado nesta pesquisa. Nesse sentido, pessoas com maior instrução podem ter maior preocupação com sua saúde, buscando hábitos de higiene mais saudáveis.
Outro resultado importante foi a associação entre a percepção dos estados de saúde e a capacidade funcional. Como demonstrou Maciel e Guerra (2007), quanto pior a avaliação de saúde, pior a capacidade funcional do idoso. Esse fato pode se relacionar ao viés subjetivo da pergunta. Sendo assim, a ocorrência de problemas de ordem física, psíquica, emocional e social pode gerar sentimentos de fragilidade, que, conseqüentemente podem refletir de maneira negativa no desempenho das AIVD’s. Além disso, é interessante observar que em estudos que investigaram a auto-avaliação de saúde em pacientes com doenças crônicas, há uma correlação significativa entre a gravidade da doença e a avaliação da saúde (SANTOS, 2007). Esses dados parecem indicar que a capacidade dos pacientes de avaliar suas condições de saúde é realista.
Quanto ao gênero, os achados foram semelhantes aos de Maciel e Guerra (2007), em que os indivíduos do sexo feminino apresentaram maior comprometimento da capacidade funcional. Porém, neste estudo, as mulheres eram, em média, dois anos mais velhas que os homens. A natureza dos dados não permitiu que a idade fosse utilizada como uma covariável, pois não eram adequados a análises paramétricas. Estudos futuros devem explorar a relação entre gênero e a capacidade funcional em grupos com idades equivalentes, a fim de verificar se o fato de as mulheres viverem mais está associado a um menor desempenho nas atividades instrumentais de vida diária.
Além disso, é importante que estudos futuros confirmem o desempenho da capacidade funcional com um familiar, já que neste os dados foram obtidos, em sua maioria, com o relato do idoso, o que pode ser uma limitação. Cabe ressaltar, ainda, que não foram encontradas na literatura sugestões de pontos de corte para a Escala de Lawton. Nesse sentido, faz-se importante o incentivo de estudos que tenham esse propósito, já que esta é uma escala de rápida e fácil aplicação e que pode ser administrada por qualquer profissional, o que a indicaria para ser utilizada em estudos populacionais de rastreio. Dessa maneira, será possível ter parâmetros para estabelecer comparações entre diferentes populações e entre os indivíduos de uma mesma população, podendo ser conhecidos aqueles que têm um desempenho adequado nas AIVD’s.
Uma limitação do presente estudo foi a utilização de técnicas correlacionais, as quais não permitem estabelecer relações de causa e efeito. No entanto, a identificação da associação entre as variáveis estudadas possibilita elaborar futuros delineamentos experimentais, que podem investigar o poder preditivo dessas variáveis como fatores de risco para o comprometimento da capacidade funcional.

CONCLUSÃO
A capacidade funcional tem sido uma das variáveis investigadas no contexto do diagnóstico das demências. Dessa maneira, compreender os fatores associados a ela torna-se importante para a criação de modelos que investiguem variáveis de risco para a saúde do idoso.
No presente estudo, o melhor desempenho na capacidade funcional correlacionou com a escolaridade mais alta, com a menor quantidade de doenças e de medicamentos utilizados e com a melhor percepção da saúde. Além disso, os idosos mais jovens apresentaram mais independência nas AIVD’s. O número de pessoas que moram com o idoso, por sua vez, não apresentou correlação com o desempenho da capacidade funcional.
Por fim, como poucos estudos foram delineados para identificar os fatores que interferem na capacidade funcional de idosos, torna-se necessário obter mais dados representativos da população que possam corroborar ou refutar os resultados alcançados neste trabalho.

Agradecimentos:
Agradecemos aos idosos que participaram desta pesquisa, bem como aos bolsistas de Iniciação Científica do projeto “Prevalência de Demência em Idosos da cidade de Juiz de Fora” financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG – Processo número 464.149.2004) e aos alunos de graduação do curso de Psicologia da UFJF matriculados nas disciplinas Treinamento de Pesquisa e Estágio Supervisionado em 2006 e 2007 pelo auxílio na coleta dos dados.


REFERÊNCIAS
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Tabela 1: Coeficiente de correlação de Spearman entre as variáveis estudadas.

 

Idade

Escolaridade

Número de pessoas que moram com o idoso

Quantidade de doenças

Quantidade de medicamentos

Percepção de Saúde

Escala de Lawton

-0,35*

0,33*

- 0,03

-0,36*

-0,31*

-0,29*

Idade

 

-

- 0,18*

- 0,07

0,09

0,09

-0,12

Escolaridade

 

-

-

-0,15*

- 0,21*

-0,18*

-0,25*

Número de pessoas que moram com o idoso

-

-

-

0,02

-0,02

0,05

Quantidade de doenças

-

-

-

-

0,57*

0,39*

Quantidade de
Medicamentos

-

-

-

-

-

0,29*

* p £ 0,01

Tabela 2: Comparação de variáveis entre gêneros

 

Feminino

Masculino

 

a

c

b

d

Idade

71,50

8,45

69,89

6,93

Escolaridade

5,78

4,35

6,83

4,81

Quantidade de doenças

3,83

1,94

3,00

1,91

Escore na Escala de Lawton

22,05

3,10

22,93

2,58