Prevalência de portadores da síndrome da respiração bucal na rede escolar do município de Juiz de Fora – MG

Prevalence of oral breathing syndrome in public school children on Juiz de Fora - MG

Marcos Vinicius Queiroz de Paula[1]

Isabel Cristina Gonçalves Leite[2]

Ricardo Rodrigues Werneck[3]

Resumo

A Síndrome da Respiração Bucal é um somatório de características que acometem os portadores de respiração bucal (RB). Conhecer a prevalência desta condição na população contribui para que sejam tomadas atitudes preventivas e curativas por parte dos órgãos de saúde governamentais. Foi conduzido um estudo transversal na cidade de Juiz de Fora, analisando 649 escolares de 6 a 12 anos. Após devidamente autorizados para participarem do estudo, foram submetidos a exames odontológicos e fonoaudiológicos. A prevalência de respiração bucal na amostra foi de 59,5%. As variáveis associadas à detecção da RB foram sexo masculino, dorso da língua alto e língua anteriorizada. A RB aumentou a freqüência de achados de: sono agitado, baba noturna, gengiva hipertrófica e mordida aberta anterior. Múltiplos campos da saúde da criança estão envolvidos na Síndrome da Respiração Bucal, exigindo a oportuna intervenção multiprofissional para sua detecção e correção.

Abstract

Mouth-breathing syndrome (MBS) is a diagnosis that encompasses the clinical features of subjects who present mouth breathing (MB). A greater knowledge of the prevalence of the condition is necessary for preventive and curative actions to be taken. This was a cross-sectional study of 649 school children aged from 6 to 12 years, undertaken in the city of Juiz de Fora, Minas Gerais, Brazil. After informed consent was obtained, the subjects underwent dental and speech-language-hearing assessment. MB was found in 59.5%, with association with the following variables: male sex, high position of the back of the tongue, and more anterior position of the tongue. MB increased the frequency of restless sleep, nocturnal drooling, gum hypertrophy, and anterior open bite. The MBS calls for collaborative action of several fields of expertise, so that early detection and correction are reached.

Introdução

Chadha et al. (1987), Ribeiro et al. (2002) e Carvalho (2003) afirmaram que a função respiratória normal se faz por via nasal desde o nascimento e assim deve ser pelo resto da vida, mesmo com a maior resistência à passagem de ar inalado pela via aérea nasal.

Di Francesco (1999) e Ferreira (1999) concordaram que a respiração nasal assume um papel protetor das cavidades paranasais, auriculares e das vias aéreas inferiores, não podendo ser separada do restante do trato respiratório, uma vez que sua função primordial é o preparo do ar para que haja melhor aproveitamento deste nos pulmões. De acordo com Prates et al. (1997) e Parolo e Bianchini (2000), o crescimento facial está intimamente associado à atividade funcional, representada por diferentes componentes da área da cabeça e pescoço. A respiração nasal propicia adequado crescimento e desenvolvimento do complexo craniofacial interagindo com as funções estomatognáticas do indivíduo, como a mastigação e a deglutição.

Quando há obstrução nasal, o padrão respiratório é alterado em maior ou menor grau, favorecendo a respiração bucal (RB). Existem casos em que a RB é apenas um hábito e as vias aéreas superiores estão desobstruídas, mas a criança continua com a respiração viciosa (BERNARDES, 1999). A obstrução nasal conduz à RB, resultando em posição alterada da língua e lábios entreabertos (LINDER-ARONSON, 1970; PRINCIPATO, 1991; PROFFIT, 1993). Assim, qualquer obstáculo à passagem do ar pelas vias aéreas superiores, seja por malformação, inflamação da mucosa nasal (rinite), desvio de septo nasal ou hipertrofia do anel de Waldeyer, provocará obstrução nasal obrigando o paciente a respirar pela boca (WECKX; WECKX, 1995). Para Di Francesco et al. (2004), a RB é um dos sintomas mais freqüentes na infância e vários autores a relacionam diretamente às alterações do crescimento facial, fala, distúrbios alimentares, alterações posturais, dificuldades escolares e doenças do sono, que interferem na qualidade de vida da criança (FERREIRA, 1999; PAROLO; BIANCHINI, 2000; LESSA et al., 2005; VERA et al., 2006). Outras características de crianças respiradoras bucais são o cansaço freqüente, sonolência diurna, adinamia, apetite reduzido, alterações nutricionais, enurese noturna e déficit de aprendizado (DI FRANCESCO et al., 2004).

Conforme descrevem Lessa et al. (2005), os respiradores bucais tendem a apresentar maior inclinação mandibular, padrão de crescimento vertical com alterações nas proporções faciais normais, caracterizadas pela maior altura facial anterior inferior e menor altura posterior da face, evidenciando, assim, a influência da função respiratória no desenvolvimento craniofacial. De acordo com Branco et al. (2007), pela variedade de causas e manifestações, muitos autores denominam “síndrome do respirador bucal” às características encontradas nos indivíduos que utilizam a boca para respirar, sendo que tais manifestações desencadeiam inúmeras adaptações que, se não tratadas precoce e corretamente, irão trazer conseqüências por toda a vida.

No quadro abaixo, se observam as principais alterações encontradas no indivíduo respirador bucal e largamente citadas pela literatura. 

crescimento

aumento vertical do terço inferior da face

 

arco maxilar estreito

 

palato em ogiva

 

ângulo goníaco obtuso

 

mordida aberta, protusão anterior, mordida cruzada

 

crescimento craniofacial vertical

laríngeas

hióide mais baixo

 

alterações da musculatura supra-hioídea

muscular

lábio superior e inferior encurtados

 

hipofunção dos músculos elevadores

 

alteração muscular e postural da língua

 

mentual retraído

funções orais

qualidade vocal hipo ou hipernasal rouca

 

fala imprecisa

 

mastigação ineficiente

 

deglutição atípica

face

longa e estreita

 

nariz pequeno e estreito

 

cianose infra-orbitária

 

falta de expressividade

 

incompetência labial

 

lábios ressecados ou excesso de saliva na comissura

Quadro 1 - Principais alterações esncontradas em indiíduos respiradores bucais

Fonte: Branco et al., 2007.

O efeito da obstrução nasal sobre o crescimento facial e dental é bastante controverso, em função do critério muitas vezes subjetivo utilizado para definir a RB. A falta de objetividade dos exames pode levar a diagnóstico incorreto e, conseqüentemente, a tratamento não apropriado (LESSA, 2005).

Com o objetivo de conhecer a prevalência de respiradores bucais entre os escolares da Rede de Ensino do município de Juiz de Fora – Minas Gerais, foi realizado um estudo transversal no ano de 2006, nesta localidade.

Metodologia

O presente estudo apresenta recorte transversal descritivo. Um grupo de estudos composto por profissionais da otorrinolaringologia, pediatria, fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia e odontologia elaborou um roteiro para análise dos escolares e um questionário para ser preenchido pelos responsáveis, que, naquele momento, autorizavam a participação ou não de seus filhos.

A composição da amostra seguiu o caráter de amostra por conglomerados, com seleção proporcional de escolas privadas, públicas (municipais, estaduais e federais) conforme matrículas efetivas por idade e instituição. Foi também utilizado metodologia diferenciada para cálculo de amostra, conforme descrito por Pereira (2003). O cálculo foi conduzido por faixas etárias, levando-se em consideração a prevalência de respiração bucal para a idade em questão de 35%.

N = z2 x z2 / (x + e) 2 x deff + taxa de não resposta

De um universo de 49.832 escolares entre 6 e 12 anos, matriculados na rede de ensino de Juiz de Fora no ano de 2006 (SER-JF/SEDINE/SEE/SA/SPL/DPRO), foi sorteada uma amostra constituída de 541 menores, considerando a prevalência do evento de 35%, com a precisão desejada de 4%, erro alfa de 5%. Foram acrescentados 20% à amostra, admitindo eventuais perdas, elevando o total de escolares para 649.

A equipe examinadora foi composta por três acadêmicos de fonoaudiologia e três de odontologia devidamente calibrados. Paramentados, realizaram inspeção visual intra-oral e extra-oral, seguindo as normas de biossegurança preconizadas para inquéritos epidemiológicos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A etapa de calibração foi realizada em uma escola municipal sorteada para o estudo por meio do exame de 15 menores devidamente autorizados, em duas etapas.

No primeiro momento, foram realizados os exames iniciais para concordância interexaminadores, pré-teste dos itens propostos e reprodutibilidade dos mesmos. Foram verificadas concordâncias que variaram de 0,75 a 0,89. As discordâncias mais significativas foram detectadas para reavaliação dos critérios de exame, reexame e revisão teórica.

O segundo momento caracterizou-se pela realização da segunda série de exames para estabelecer a concordância intra-examinador. Desta vez, a concordância variou de 0,85 a 0,93. Nesta oportunidade, foram reexaminados por todo o grupo os menores com maiores discordâncias em seus exames preliminares para definição de padrões diagnósticos.

Uma revisão teórica dos itens de maior discordância, permitindo a modificação de critérios de estratificação das variáveis foi realizada e foram retirados em comum acordo itens de extrema discordância e menor relevância para o objetivo proposto.

A série de exames foi iniciada na seqüência, tendo duração de julho a setembro, de acordo com a agenda disponível nas escolas.

A idade foi coletada em anos completos; a variável respiração foi definida em dois níveis (nasal e oral); as variáveis obtidas por questionamento aos pais receberam classificação nominal. As variáveis posições da língua e mandíbula foram classificadas como dicotômicas (sim/não).

Os exames odontológico e fonoaudiológico seguiram o proposto por Maciel e Leite (2005), sendo que o exame odontológico analisou as condições oclusais como estágio da dentição, classificação de Angle e padrões de má oclusão. Por sua vez, o exame fonoaudiológico foi composto pela avaliação da posição habitual da língua e função da respiração.

Os dados foram digitados e analisados no programa EPI INFO 3.3.2. Foram obtidas medidas de tendência central das variáveis quantitativas, bem como calculadas razões de prevalência para tabelas de contingência envolvendo dados categóricos.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora sob o protocolo número 011/2005 em 04.01.2006.

Resultados

A taxa de não resposta (não autorização, ausência no dia do exame, recusa, pacientes portadores de necessidades especiais) foi de 13%.

A mediana de idade dos avaliados foi de 9 anos, com média de 8,9 (desvio padrão de 2,09). Os principais achados são descritos a seguir.

Na amostra estudada, 50,1% eram do sexo feminino.

Das crianças examinadas, 40,5% apresentavam respiração nasal e 59,5% respiração bucal.

De acordo com a Classificação de Angle, 67,3% dos examinados apresentaram classe I; 15,3%, classe II - 1ª divisão; 3,4%, classe II - 2ª divisão e 7,8%, classe III.

A tipologia facial mesocefálica foi encontrada em 52,9% dos pacientes examinados. Braquicefálica foi a tipologia facial de 4,8% dos pacientes e a dolicocefálica de 2,3%.

Tratando-se de um estudo transversal, foi calculada a medida de associação razão de prevalência (RP), tendo sido construídos intervalos de confiança de 95%. Seguindo padrões de plausibilidade biológica, na Tabela 1, a respiração oral foi tratada como variável dependente (“efeito”) e, na Tabela 2, como variável independente (“causa”).

Tabela 1

Variáveis independentes e seu impacto na respiração bucal

Variável independente

RP

IC 95%

dorso alto

2,33*

1,97-2,76

>=9 anos

0,69*

0,57-0,85

língua anteriorizada

2,27*

1,91-2,69

tonsila hipertrófica

0,84

0,68-1,02

ponta de língua alta

0,44*

0,37-0,51

sexo masculino

1,4*

1,14-1,72

Tabela 2

Impacto da respiração bucal em algumas variáveis dependentes estudadas

Variável dependente

RP

IC 95%

dificuldade de aprendizagem

1,16

0,93-1,43

sono agitado

1,33*

1,04-1,69

ronco

0,95

0,8-1,13

babar à noite

1,18*

1,00-1,38

sonolento de dia

0,98

0,88-1,08

palato atrésico

1,72

0,88-2,12

gengiva hipertrófica

1,67*

1,15-2,38

mordida aberta anterior

2,27*

1,91-2,69

mordida cruzada posterior

1,26

0,89-1,79

p-valor < 5%

Discussão

Como características do padrão de deglutição do respirador bucal, Bicalho et al. (2006) enfatizaram a prevalência da participação da musculatura perioral, com projeção anterior da língua e cabeça, deglutição ruidosa, interposição de lábio inferior e modificações relevantes na postura de repouso dos lábios. Verificamos, neste estudo, que os escolares com o dorso da língua alto apresentam uma freqüência superior ao dobro de casos de respiração bucal. Por outro lado, a ponta da língua elevada em repouso foi 56% menos prevalente entre respiradores bucais. O posicionamento estático da língua considerado normal para o início do processo de deglutição deveria ser aquele que toca a papila incisiva.

Não obstante esta pesquisa não ter avaliado a oportunidade de tratamento clínico ou cirúrgico da RB na amostra, constatou-se como fator associado positivamente à redução da freqüência de RB a idade acima dos 9 anos, sendo que, a partir desta faixa etária, cai em 31% a prevalência de um paciente apresentar tal patologia.

Motonaga et al. (2000) preconizam que o crescimento craniofacial é determinado por vários fatores, como herança genética e RB crônica, a qual, quando se instala durante a fase de crescimento da criança, provocará alterações morfológicas no complexo craniodentofacial. A obstrução nasal, portanto, pode estar associada à presença de doenças, sendo a rinite alérgica acompanhada ou não de hipertrofia de amígdala palatina ou faríngea a mais freqüente. Divergindo da literatura, os achados deste estudo não foram conclusivos em demonstrar a associação da hipertrofia amigdaliana e a RB.

Podem-se considerar os distúrbios do sono achados comuns entre as crianças respiradoras bucais. A RB pode interferir no sono noturno e causar fadiga e sonolência no dia seguinte, reduzindo o aprendizado e a eficiência do trabalho e diminuindo a qualidade de vida (BRANCO et al., 2007). O ronco e a sonolência diurna, apesar de amplamente considerados na literatura como conseqüências da RB, aqui não encontraram evidências de associação. Esses dados não apresentaram significância estatística. Da mesma maneira, a dificuldade de aprendizagem, relatada pelos pais pouco acima da margem de normalidade, não se mostrou uma variável estatisticamente significativa.

Relataram-se, em associação à RB e à conseqüente redução do espaço da rinofaringe, sinais como baba noturna, roncos e distúrbios respiratórios decorrentes de alergia e, nos casos mais graves, a síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono, caracterizada por episódios repetitivos de obstrução das vias aéreas superiores durante o sono, usualmente associados à interrupção do mesmo (BRANCO et al., 2007). As crianças e adolescentes examinados com RB babam à noite com 18% a mais de freqüência do que o grupo sem RB, talvez seja uma conseqüência natural da busca noturna de suplência bucal da respiração. A variável correspondente ao sono agitado, apresentando uma RP de 1,33 (1,04-1,69), mostrou sofrer importante influência da RB, sem, contudo, isentar a possibilidade de ocorrência em associação com outras patologias. Alterações do sono poderiam estar causando, por exemplo, distúrbios comportamentais, porém estes não foram aqui investigados.

Pela falta de fluxo aéreo nasal, a pressão da língua no palato é reduzida, desviando a mandíbula para baixo e para trás em relação à base do crânio, quando os músculos abaixadores da mandíbula exercem sobre ela uma tração muscular para trás, a cada inspiração. Devido a este abaixamento mandibular, os dentes superiores são privados de seu suporte muscular e pressão lateral. A partir desta relação instável entre forças musculares externas e internas sobre a boca, o músculo bucinador causa uma pressão no arco maxilar, resultando em estreitamento, associando o comprometimento respiratório às deformidades dentofaciais (LESSA et al., 2005). Foi encontrado neste estudo, entre os RB, um percentual aumentado em 72% de atresia de palato e de 26% de mordida cruzada posterior, em comparação aos respiradores nasais, fato explicado pela pressão provocada pelos bucinadores sobre a região posterior da arcada superior, associada à ausência de pressão antagônica da língua. No entanto, para estes dois fatores, o intervalo de confiança não demonstrou significância estatística.

Os RB apresentaram na amostra pesquisada uma prevalência 67% superior de gengiva hipertrófica, quando comparados aos respiradores nasais. Este percentual talvez se justifique pelo ressecamento da mucosa provocado pela passagem do ar pela boca.

A mordida aberta anterior (MAA) pode ser considerada um dos sinais da síndrome do respirador bucal, sendo que os portadores desta síndrome apresentam aproximadamente duas vezes maior freqüência de desenvolverem esta má oclusão. A língua baixa e a interposição provocada pela mesma no movimento adaptado de deglutição poderiam ser as causas da MAA. De acordo com Cintra et al. (2000), a RB obriga o paciente a manter a boca aberta para suprir a deficiência de ar respirado. Com isso, o equilíbrio vestíbulo-lingual é removido, alterando o equilíbrio da musculatura facial e gerando uma deficiência funcional importante.

Conclusão

A prevalência de Respiradores Bucais na rede de ensino da cidade de Juiz de Fora no ano de 2006 foi de 59,5%. Foram variáveis associadas à detecção da RB: sexo masculino, dorso da língua alto e língua anteriorizada. A RB aumentou a freqüência de achados de: sono agitado, baba noturna, gengiva hipertrófica e mordida aberta anterior.

Referências

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[1] Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Odontologia - Juiz de Fora, MG. e-mail: mvqpp@yahoo.com.br

[2] Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Medicina - Juiz de Fora, MG.

[3] Centro de Ensino Superior - Juiz de Fora, MG.

palavras-chave

Respiração bucal

Anormalidades maxilofaciais-epidemiologia

keywords

Mouth breatlhing

Maxillofacial abnormalities-
epidemiology

Enviado em 08/01/2008

Aprovado em 28/02/2008