Percepção da aplicabilidade da Medicina Baseada em Evidência

Perception of Evidence-Based Medicine applicability

José Antônio Chehuen Neto[1]

Mauro Toledo Sirimarco[2]

Magno Cunha de Souza Guerra2

Virgílio Souza e Silva2

Wélida Salles Portela2

Flávio Roberto Silva Rocha2

Resumo

Na década de 90, surgiu o conceito de Medicina Baseada em Evidências (MBE), ciência baseada na lógica e no conhecimento científico, integrado à experiência prática do médico. Para ser aplicada, são necessários a atualização médico-acadêmica e o aperfeiçoamento das técnicas de procura e leitura crítica de artigos científicos. O objetivo do estudo foi verificar a percepção de discentes do curso de medicina e de médicos quanto ao conhecimento, aceitabilidade e aplicabilidade da MBE, avaliando os meios utilizados para atualização médico-acadêmica e para a tomada de decisões clínicas, bem como a necessidade de elaboração de roteiros de busca e uso de informações científicas. Aplicou-se questionário contendo 11 perguntas, respondidas individual e voluntariamente por 200 acadêmicos de Medicina e 120 médicos. Verificou-se que 71,7% dos médicos e 62,4% dos acadêmicos entrevistados concordam com a utilização da MBE na prática clínica; 29,2% dos médicos e 30,9% dos alunos reconhecem dificuldades de aplicabilidade da mesma; a internet mostrou ser o principal meio utilizado para atualização médico-acadêmica (80,8% dos médicos e 80,6% dos discentes). Os achados permitem concluir que, apesar de difundidos o conceito e a concordância com a MBE, sua aplicabilidade ainda esbarra em algumas dificuldades e limitações, o que nos permite inferir que a elaboração e divulgação de roteiros podem auxiliar na construção da pergunta clínica básica e aplicação de informações científicas.

Abstract

In the 90’s, the concept of Evidence-Based Medicine (EBM) arose, a science based on logic and scientific knowledge, integrated to the practical experience of the physician. To be put into practice, medical-academic update and na improvement of the techniques of search and critical reading of scientific articles are necessary. The aim of this study was to verify the perception of Medicine graduation course students and physicians about the knowledge, acceptability and aplicability of EBM, evaluating the means used to medical-academic update and to make clinical decisions, as well as the necessity of elaboration of search scripts and scientific information use. A questionaire of 11 questions was answered individually and voluntarily by 200 Medicine graduation course students and 120 physicians. It was verified that 71,7% of the physicians and 62,4% of the students interviewed agree with the use of EBM in clinical practice; 29,2% of the physicians and 30,9 % of the students admit difficulties in its applicability; Internet has been shown as the main mean for medical-academic update (80,8% the physicians and 80,6% of the students. The findings allow us to conclude that, although the concept and agreement with EBM are diffused, its applicability still colides with some difficulties and limitations, what allow us to infer that the elaboration and the publishment of scripts can assist in the basic clinical question construction and in the scientific informations application.

Introdução

Segundo o clínico Osler, “a Medicina é uma ciência da incerteza e uma arte da probabilidade” (ATALLAH, 2004).Nesse intuito, a partir da década de 70, Anchibald Cochrane, Richard Doll e Kerr White, entre outros estudiosos, passaram a utilizar métodos epidemiológicos associados aos conhecimentos da fisiopatologia, nas situações práticas, iniciando a Epidemiologia Clínica (TSAFRIR, 1996). Em 1980, financiada pela Fundação Rockfeller, criou-se uma rede internacional composta por médicos, estatísticos e cientistas sociais, com o objetivo de desenvolver o campo epidemiológico e promover uma prática clínica com base em dados seguros. Na década de 90, com os avanços da informática, dos métodos estatísticos, da economia de saúde e da autoformação continuada, surgiu o conceito de Medicina Baseada em Evidências – MBE (ATALLAH, 2004).

A MBE pode ser entendida como um movimento que visa reduzir a incerteza na tomada de decisões médicas (FRANÇA, 2003), através de um processo de identificação, de análise e de uso de resultados de investigações científicas, como pilares para a prática clínica (LOPES, 2000). Trata-se, portanto, de uma ciência baseada na lógica e no conhecimento científico, interligados por ensaios clínicos randomizados de boa qualidade (TSAFRIR, 1996).

A MBE defende, ainda, a integração das evidências clínico-epidemiológicas com a experiência prática cotidiana de cada médico. Dessa forma, à aplicação do método clínico, por meio de anamnese bem feita, exame físico competente e diagnóstico diferencial amplo, alia-se a busca pela melhor evidência para a tomada de decisões com maiores possibilidades de efetividade, eficácia e segurança (TSAFRIR, 1996). A aplicação da MBE também diminui os riscos de exposição do paciente a intervenções desnecessárias, por vezes de custo elevado e com potencial iatrogênico (SACKETT, 2000).

O objetivo do estudo foi verificar a percepção de discentes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora e de médicos da cidade de Juiz de Fora (MG) quanto ao conhecimento, aceitabilidade e aplicabilidade da MBE, avaliando os meios utilizados para atualização médico-acadêmica e para a tomada de decisões clínicas, bem como a necessidade de elaboração de roteiros de busca e de uso de informações científicas.

Método

Realizamos um estudo quantitativo, descritivo e transversal. Utilizou-se questionário fechado de múltipla escolha, padronizado, aplicado a 200 acadêmicos do curso de medicina, que cursavam o 5º (n=40), 6º (n=40), 7º (n=40), 8º (n=40) e 9º (n=40) períodos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), presentes em sala de aula, correspondendo a 50% do total de alunos destes períodos, e a 120 médicos atuantes em unidades de saúde do município de Juiz de Fora.

Os critérios de inclusão utilizados foram: os acadêmicos estarem regularmente matriculados no período a ser pesquisado; o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); responder completamente ao questionário; ser médico atuante no município de Juiz de Fora. Excluímos aqueles que não preenchiam aos quesitos mencionados anteriormente; bem como os acadêmicos dos estágios finais do curso médico devido às dificuldades de localização, uma vez que os mesmos se encontram em atividades separadas geograficamente em diferentes estágios; os alunos dos períodos iniciais por ainda não terem qualquer contato com a MBE e os médicos que não concordaram em participar da pesquisa.

O questionário foi respondido voluntariamente, após explanação dos objetivos e concordância com a pesquisa através do TCLE. A pesquisa foi realizada no período de junho a agosto do ano de 2006.

Aplicamos 350 questionários, obtivemos um retorno de 320 (91,43%) e tivemos uma perda amostral de 8,57%. Foram utilizados os 320 questionários para a montagem do banco de dados no programa Access e o programa Microsoft Excel para análise dos dados colhidos. Os questionários foram avaliados de forma quantitativa.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFJF, sob número 145/2006.

Resultados

No presente estudo, verificou-se que 77,50% dos médicos e, aproximadamente, 70,9% dos acadêmicos de Medicina entrevistados acreditam ter o conhecimento do conceito de MBE (Gráfico 1), sendo que a grande maioria concorda com seu uso, como demonstra a Tabela 1.

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Gráfico 1 - Distribuição do grau de conhecimento da MBE no meio médico e acadêmico.

Tabela 1

Grau de concordância com os princípios da MBE

Médicos

Acadêmicos

N (%)

N (%)

Concorda

86 (71,7%)

125 (62,5%)

Não concorda

7 (5,8%)

17 (8,5%)

Desconhece o tema

27 (22,5%)

58 (29,0%)

Total

120 (100%)

200 (100%)

Apesar da notável concordância com a utilização da MBE, observou-se que um número considerável de entrevistados (29,2% de médicos e 31,0% de acadêmicos) reconhece que sua aplicabilidade apresenta limitações (Tabela 2).

Tabela 2

Avaliação da aplicabilidade dos conteúdos da MBE

Médicos

Acadêmicos

N (%)

N (%)

Fácil aplicação

58 (48,3%)

80 (40,0%)

Difícil aplicação

35 (29,2%)

62 (31,0%)

Desconhece o tema

27 (22,5%)

58 (29,0%)

Total

120 (100%)

200 (100%)

Tabela 3

Meios utilizados para atualização entre médicos e acadêmicos de Medicina

Atualização Médica

Atualização Acadêmica

Médicos

Acadêmicos

N (%)

N (%)

Colegas de profissão

35 (29,2%)

Informações dadas por colegas

42 (21,2%)

Reuniões científicas

108 (90%)

Reuniões científicas

107 (53,3%)

Internet

77 (80,8%)

Internet

161 (80,6%)

Visitas a bibliotecas

33 (27,5%)

Visitas a bibliotecas

35 (17,6%)

Representante de laboratório

4 (3,3%)

Informações dadas por professores

102 (50,9%)

Experiência própria

20 (16,7%)

Outros

10 (4,8%)

Outros

18 (15,0%)

Nenhum

4 (2,0%)

Nenhum

0 (0,0%)

Observando a Tabela 3, constatamos que a maioria dos médicos (90%) utiliza as reuniões científicas para se manter atualizada, enquanto que entre os acadêmicos a internet é a principal forma de atualização (80,6%). A motivação para tal atualização entre o meio acadêmico pode ser demonstrada na Tabela 4.

Tabela 4

Objetivos dos acadêmicos de Medicina ao se atualizarem

Acadêmicos

N (%)

Realização de trabalhos de faculdade

154 (77,0%)

Ampliar conhecimentos sobre um assunto

79 (39,5%)

Realização de pesquisas científicas

71 (35,5%)

Complementação de aulas dadas

33 (16,5%)

Outro motivo

1 (0,5%)

Não me atualizo

4 (2,0%)

Verificamos também que grande parte das decisões clínicas tomadas por médicos baseia-se em experiências pessoais (34,2% dos entrevistados), como visto na Tabela 5.

Tabela 5

Principais meios utilizados para a tomada de decisões clínicas

Médicos

N (%)

Experiência clínica

41 (34,2%)

Livros

23 (19,2%)

Colegas

20 (16,7%)

Protocolos

16 (13,3%)

Internet

9 (7,5%)

Reuniões científicas

10 (8,3%)

Por fim, grande parte dos participantes da pesquisa referiu a necessidade de elaboração de roteiros de busca – 69,2% de médicos e 67,5% dos discentes – e de uso de informações científicas – 70% dos médicos e 65,5% dos acadêmicos (Tabela 6).

Tabela 6

Necessidade da elaboração de roteiros de busca e de uso de informações científicas

Roteiro de Busca

Roteiro de Uso

Médicos

Acadêmicos

Médicos

Acadêmicos

N (%)

N (%)

N (%)

N (%)

Sim

83 (69,2%)

135 (67,5%)

84 (70%)

131 (65,5%)

Não

10 (8,3%)

17 (8,7%)

9 (7,5%)

23 (11,5%)

Desconheço o tema, mas me interesso pelo roteiro

25 (20,8%)

44 (21,9%)

25 (20,8%)

41 (20,6%)

Desconheço o tema, mas não me interesso pelo roteiro

2 (1,7%)

4 (1,9%)

2 (1,7%)

5 (2,4%)

Total

120 (100%)

200 (100%)

120 (100%)

200 (100%)

Discussão

A MBE emergiu no início da década de 90. Entretanto, suas origens remontam à década de 80 por meio do movimento da “epidemiologia clínica”, iniciado na Universidade McMaster, no Canadá (DANTAS, 2002). Trata-se da prática médica em um contexto em que a experiência clínica é integrada à capacidade de analisar criticamente, aplicando de forma racional a informação científica, a fim de melhorar a qualidade da assistência médica (LOPES, 2000). Em outras palavras, a MBE tem como alicerce a utilização cuidadosa e judiciosa da melhor evidência científica disponível para se tomar decisões sobre os cuidados com os pacientes. É um processo de sempre descobrir, avaliar e encontrar resultados de investigação, empregando o que se depreende melhor dos resultados científicos disponíveis procedentes de uma pesquisa (ABALOS, 2005).

O conceito de MBE condiciona-se ao fato de que decisões clínicas e cuidados com saúde coletiva e individual devem se estruturar em evidências atuais obtidas por publicações científicas especializadas em estudos e trabalhos, que podem ser analisados criticamente e recomendados (FRANÇA, 2003).

Assim, para o complexo exercício da arte médica, devem ser analisados três componentes principais antes da tomada da decisão clínica: o primeiro refere-se às evidências obtidas por pesquisa clínica e epidemiológica, revisões sistemáticas e dados apresentados pelo paciente; o segundo componente baseia-se na relação médico-paciente, na qual o médico deve-se ater às crenças culturais, às suas experiências anteriores e à percepção da individualidade dos seus pacientes; e o terceiro item compõe-se dos limites determinados pelas normas dos planos de saúde, pelos padrões da comunidade, pelas leis da sociedade, pelo tempo do atendimento e pelos custos dos procedimentos (ABALOS, 2005).

A MBE possui a inegável capacidade de fornecer importantes subsídios nas tentativas de diminuir as margens de incerteza nas decisões clínicas, assim como de evitar riscos de erros em decisões baseadas em intuições originárias da experiência acumulada. Nos últimos anos, conceitos e idéias atribuídos coletivamente à MBE têm se tornado parte da prática clínica diária e os termos “guidelines”, “cuidados baseados em evidência” e “soluções embasadas em informações científicas” são cada vez mais populares no meio médico (HAYWARD, 1995).

No presente estudo, verificou-se que 77,50% dos médicos entrevistados acreditam ter o conhecimento do conceito de MBE, referindo a mesma como “medicina baseada em pesquisas e análise de resultados” na qual “os esforços propedêuticos e terapêuticos estão baseados em trabalhos científicos embasados em dados estatísticos objetivos” (Gráfico 1). Já no meio acadêmico, mais de 70% dos discentes do 6º ao 9º períodos conhecem e se beneficiam da MBE. No quinto período de Medicina na instituição pesquisada, ocorre o primeiro contato curricular obrigatório com conceitos de Medicina Baseada em Evidências através da disciplina Métodos Epidemiológicos, o que explica o fato de somente 50% dos acadêmicos deste período afirmarem conhecer a MBE (Gráfico 1).

Tal fato corrobora com estudos de Gruppen et al. (2005), que em seu artigo defendem a importância da MBE na busca e avaliação crítica de informações científicas. Estes autores demonstram que um único e breve contato com princípios da Medicina Baseada em Evidência é capaz de aumentar o êxito na procura por fontes científicas confiáveis.

A abordagem da MBE durante a faculdade se torna indispensável para a formação de médicos com raciocínio clínico aguçado e aptos para analisar informações científicas, selecionando aquelas com maior força de evidência. Assim, a introdução nas escolas médicas de métodos didáticos que estimulem o auto-aprendizado, bem como de cursos de epidemiologia aplicada a problemas clínicos e de análise crítica de trabalhos científicos, deverá contribuir para a formação de profissionais capazes de selecionar adequadamente a fonte do conhecimento e de avaliar criteriosamente como se transferir a informação para a prática médica (LOPES, 2000).

Na presente pesquisa, verificou-se que a implementação dos conhecimentos de epidemiologia e de metodologia ao longo do curso médico favoreceu a amplificação do conhecimento da MBE. Um estudo inglês (CASPI et al., 2006) demonstrou que 55% de acadêmicos de Medicina americanos têm lacunas de conhecimento que poderiam ser sanadas com a implementação dos conceitos de MBE precocemente durante sua formação acadêmica.

Além de conhecimentos epidemiológicos, é fundamental que as escolas utilizem métodos didáticos que capacitem o estudante de Medicina a pesquisar e analisar criticamente a informação científica, contribuindo, desta forma, para o desenvolvimento de atitudes que resultem na melhoria da qualidade dos cuidados que o futuro médico venha a prestar aos seus pacientes (LOPES, 2000).

Apesar de todo o aparente sucesso, o movimento da MBE tem sido alvo de intensos debates sobre sua aplicabilidade. Algumas das críticas levantadas abordam as seguintes questões: a) “evidências” muitas vezes são incompletas e contraditórias; b) múltiplas técnicas associadas a estratégias clínicas podem aumentar o grau de incerteza na tomada de decisões; c) a MBE impõe um relativo distanciamento da prática médica às preferências dos pacientes; d) a transposição de estudos feitos em grupos populacionais para casos particulares ou individuais é um desafio; e) a MBE é impraticável ou impossível em muitas situações de emergência; f) “evidências” podem não ser encontradas para muitas situações clínicas em sua especificidade; g) a interação entre evidências e experiência clínica mostra-se, muitas vezes, problemática (CASTIEL et al., 2001).

Não obstante a essas discussões, observando a Tabela 1, constata-se que 71,70% dos médicos entrevistados concordam com os conceitos de MBE, o que pôde ser observado também em estudos de West et al. (2007) que demonstraram que 88% de médicos de uma instituição concordam com a Medicina Baseada em Evidências e sua importância na prática clínica. Na Tabela 1, também podemos observar que 29,0% dos acadêmicos e 22,5% dos médicos abordados desconhecem o tema, o que representa um número significativo.

A aplicabilidade da MBE também esbarra no fato de que atualmente, publica-se no mundo uma média de 30 mil revistas biomédicas por ano, o que faz com que alguém que se interesse por manter-se atualizado em temas específicos deva ler cerca de 300 artigos por mês e 100 editoriais, veiculados em revista de grande destaque (FRANÇA, 2003). Ressalte-se ainda a necessidade de tempo dedicado à pesquisa na internet e da disponibilidade de um acervo regular de revistas especializadas (FRANÇA, 2003). Além disso, a barreira idiomática pode dificultar ou limitar o entendimento das informações. Nessa pesquisa, verificou-se que um número considerável de entrevistados – 29,2% de médicos e 31,0% de acadêmicos – reconhece que a aplicabilidade da MBE apresenta limitações, apesar de a maioria concordar com sua utilização (Tabela 2).

A partir da apresentação dos dados anteriores, nota-se o caráter inovador deste artigo, uma vez que não foram encontrados, na extensa revisão científica realizada, dados estatísticos sobre aplicabilidade da MBE junto ao meio médico-acadêmico. Porém, cogita-se que a dificuldade de aplicação da Medicina Baseada em Evidências deva-se à dificuldade de manuseio da informática (internet, principalmente) e à “numerofobia”, a inabilidade em lidar com estatística (DEL MAR et al., 2004).

De acordo com a Tabela 3, as reuniões científicas correspondem ao principal método de atualização para os médicos entrevistados (90%), seguido pela internet (80,8%). Esse quadro se inverte entre os acadêmicos, já que a maioria (80,6%) utiliza primariamente a internet para a busca de informações científicas recentes, devido à facilidade de acesso para os mesmos. Tal fato se torna importante para o direcionamento de profissionais e acadêmicos na busca por informações confiáveis em fontes fidedignas, obedecendo à disponibilidade e às preferências de cada grupo.

Com a implementação da reforma curricular dos cursos médicos do país (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2001), fundamentada no tripé ensino-pesquisa-extensão (UFJF, 2003), a MBE pode ser amplamente favorecida, uma vez que o processo de iniciação científica tende a ser mais difundido e generalizado, o que estimularia a busca de evidências clínicas e a construção do conhecimento por parte do interessado (FRANÇA, 2003). Nessa pesquisa, observou-se que a realização de trabalhos curriculares constitui o principal motivo (77,0%) que leva o estudante a se atualizar, estando a realização de pesquisas científicas em terceiro lugar (35,5%), como visto na Tabela 4. Dessa forma, nota-se que o componente relacionado à pesquisa ainda encontra-se deficiente entre os discentes, possivelmente devido ainda ao insuficiente estímulo e número de vagas voltadas para a iniciação científica, o que poderá refletir na futura aplicabilidade da MBE entre os formandos de Medicina.

A aplicação da MBE leva em conta a capacidade do médico de comparar o contexto de um determinado trabalho com a situação clínica na qual ele pretende aplicar os métodos propostos pela evidência científica encontrada (LOPES, 2000). Sendo assim, a experiência profissional deve permitir os ajustes necessários a cada caso, garantindo ao paciente a obtenção de um cuidado médico pautado em maior probabilidade de benefícios do que de prejuízos. Neste estudo, 34,2% dos médicos entrevistados consideram a experiência clínica como o meio mais importante para a tomada de decisões na prática médica, seguida, em ordem decrescente, por livros, colegas, protocolos, internet e reuniões científicas (Tabela 5). No exercício da Medicina, torna-se fundamental associar esses meios de acordo com as necessidades de cada paciente, sabendo usar os métodos diagnósticos e terapêuticos de forma segura e pautados em evidências científicas (SACKETT, 1986).

Assim, para a segura prática da MBE, torna-se necessário: a) formulação de uma questão clínica clara e objetiva a partir do problema do paciente; b) busca na literatura por artigos relevantes; c) avaliação crítica da evidência; d) seleção da melhor evidência para a decisão clínica; e) vinculação da evidência com experiência clínica ou conhecimento e prática pessoais; f) uso consciente dos achados científicos no cuidado com determinado paciente (BHANDARI, 2006).

Grande parte dos entrevistados referiu a necessidade de elaboração de roteiros de busca – 69,2% de médicos e 67,5% dos discentes – e de uso de informações científicas – 70% dos médicos e 65,5% dos acadêmicos – a fim de facilitar a procura da melhor evidência e a aplicação dos conhecimentos obtidos (Tabela 6).

As possíveis limitações do presente estudo encontram-se na ausência de trabalhos prévios na literatura pesquisada que se utilizassem das mesmas variáveis para verificar a percepção da MBE e na impossibilidade de avaliação de todo o universo médico-acadêmico da cidade de Juiz de Fora, determinada pelas dificuldades técnicas e metodológicas em estender a pesquisa. Salientamos também a possibilidade de viés de seleção, uma vez que todos os pesquisados participaram voluntariamente, sendo que assim houve a possibilidade da participação daqueles que acreditavam ter alguma noção ou maior conhecimento da MBE. Entretanto, foi alocada uma amostra estatística significativa e representativa da realidade local, podendo este estudo ser usado para futuras comparações.

Conclusões

Com o desenvolvimento da atual pesquisa, percebemos que o conceito da MBE é difundido no meio médico-acadêmico, porém ainda são encontrados empecilhos na aplicação deste procedimento de investigação científica.

Na tentativa de diminuir a dificuldade de utilização da MBE, constantes atividades de divulgação entre os acadêmicos devem ser implementadas para melhorar a compreensão e a utilização da mesma. Tal fato pode ser conquistado com o incentivo à busca por fontes fidedignas de evidência, através de um maior acesso curricular à iniciação científica, epidemiologia clínica e protocolos médicos.

Verificamos a grande importância de divulgar roteiros que abordem desde a busca de conhecimento científico até sua aplicação no atendimento ao paciente. A disseminação dos conceitos de MBE estimula a atualização e o aprimoramento da prática médica.

Referências

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[1] Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Medicina - Juiz de Fora, MG. e-mail: chehuen.neto@yahoo.com.br

[2] Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Medicina - Juiz de Fora, MG.

palavras-chave

Medicina Baseada em Evidências (MBE)

Avaliação crítica

Pesquisa clínica

Tomada de decisões

keywords

Evidence-Based Medicine (EBM)

Critical evaluation

Clinical researches

Decision-making

Enviado em 18/12/2007

Aprovado em 04/04/2008