Inter-relação entre síndrome metabólica e doença renal crônica

Interrelation between metabolic syndrome and chronic kidney disease

Danielle Guedes Ezequiel[1]

Mônica Barros Costa[2]

Rogério Baumgratz de Paula2

Resumo

A obesidade visceral está freqüentemente associada à síndrome metabólica (SM), ao diabetes melittus tipo 2 (DM2) e à hipertensão arterial (HA), principais causas de doença renal crônica em todo o mundo. Todavia, a participação da SM no desenvolvimento de lesão renal em pacientes não diabéticos tem sido pouco estudada. Alterações funcionais renais em obesos são precoces e caracterizadas por aumento do fluxo plasmático renal, hiperfiltração glomerular e aumento da reabsorção tubular de sódio. Além disso, a resistência insulínica, a inflamação e a lipotoxicidade parecem estar envolvidas na lesão renal associada à obesidade e à SM. O melhor entendimento dos mecanismos envolvidos na gênese da lesão renal em pacientes com síndrome metabólica em fase anterior ao aparecimento do diabetes mellitus, possibilitará um diagnostico mais precoce das nefropatias relacionadas à obesidade, desta forma facilitando a implementação de medidas de prevenção da doença renal crônica, nesse grupo de indivíduos.

Abstract

Visceral obesity is commonly associated with metabolic syndrome (MS), diabetes mellitus type 2 (DM2) and arterial hypertension, two main causes of chronic kidney disease in the world. However, the role of MS in renal injury in non-diabetic patients has not been fully elucidated. Renal hemodynamic changes among obese individuals are precocious and marked by glomerular hyperfiltration, increased renal plasma flow and increased tubular sodium reabsorption. In addition, lipotoxicity, insulin resistance and inflammation appear to be involved in the kidney damage of obese subjects with MS. A better understanding of the mechanisms involved in the genesis of the renal lesion in patients with Metabolic Syndrome, before the occurrence of diabetes mellitus, will facilitate an early diagnosis of the renal disease associated with obesity. Thus being, easing the implementation of measures to prevent chronic renal disease, in that group of individuals.

Introdução

A prevalência de obesidade atinge proporções epidêmicas, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento e está ligada a elevados índices de morbimortalidade cardiovascular (OGDEN et al., 2003). Evidências sugerem que não apenas o excesso de peso, mas, sobretudo, a distribuição da gordura corporal tem importantes implicações clínicas. O acúmulo de gordura visceral constitui um indicador de risco tanto metabólico quanto cardiovascular e está freqüentemente associado à síndrome metabólica (FARIA et al., 2002). Em 1988, Gerald Reaven cunhou o termo síndrome X para designar a freqüente associação entre hipertensão arterial (HA), diabetes mellitus, dislipidemia e doença aterosclerótica e estabeleceu a correlação da mesma com a presença de resistência insulínica. Posteriormente, uma série de anormalidades clínicas e fisiopatológicas foi associada ao espectro da síndrome, sendo, atualmente, a nomenclatura síndrome metabólica (SM) a mais utilizada (REAVEN, 1988; Diretriz., 2005). Deste modo, além dos componentes clássicos, como a HA, a dislipidemia e os transtornos do metabolismo da glicose, foram incluídos os estados pró-trombóticos e pró-inflamatórios, a disfunção endotelial, a microalbuminúria, a doença hepática gordurosa não alcoólica, a hiperuricemia e a síndrome dos ovários policísticos (Diretriz, 2005).

Aspectos epidemiológicos

A prevalência de SM varia em função do tipo de população estudada, da faixa etária, de fatores étnicos e dos critérios utilizados para o diagnóstico. De acordo com dados do National Health and Examination Survey (NHANES III), no período de 1988 a 1994, a prevalência da SM na população norte-americana foi de 23,7%, tendo sido de 31,9% nos americanos com ascendência latina; 23,8% nos brancos não hispânicos e 21,6% em indivíduos de origem africana. A maior prevalência atingiu 55,2% entre os índios americanos, na faixa etária de 45 a 74 anos (JING CHEN et al., 2004).

A SM está associada à elevada mortalidade cardiovascular. Em estudo de Lakka et al. (2002), foi observado aumento de 12% na mortalidade por doenças cardiovasculares em indivíduos portadores da SM, quando comparados com a população geral.

No contexto da inter-relação entre SM e rim, o comprometimento da função renal de indivíduos obesos poderia ser conseqüente à associação de obesidade abdominal com DM2 e HA, principais causas de insuficiência renal crônica em todo o mundo. Assim, em estudo realizado por Young et al., envolvendo 202 pacientes em início de terapia renal substitutiva, a prevalência de SM foi igual a 70%, tendo sido esta mais evidente entre mulheres diabéticas (YOUNG et al., 2007). Em contrapartida, poucos autores têm avaliado a estrutura e a função do rim nos obesos, em período anterior ao desenvolvimento do diabetes.

A concepção relativa à importância da obesidade e da SM na gênese da lesão renal tem sido modificada ao longo das décadas. Em 1974, Weisinger et al. constataram a associação de obesidade mórbida com proteinúria, glomerulomegalia e glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) e sugeriram que a obesidade poderia ser causa de doença renal crônica (DRC) (WEISINGER et al., 1974).

No entanto, nem todos os pesquisadores consideravam a obesidade como causa de glomerulopatia. Há duas décadas, Glassock afirmava que a presença de proteinúria em obesos era uma manifestação rara, relacionada à GESF idiopática e, muitas vezes, associada à nefropatia diabética (DORNFELD, 1995). Esta concepção foi modificada em 2001, quando Kambham et al. publicaram uma extensa revisão, envolvendo 6.618 biópsias renais realizadas entre 1986 e 2000. Neste estudo, os autores observaram aumento de dez vezes na incidência de glomerulopatia associada à obesidade em biópsias do ano 2000, quando comparadas àquelas do ano 1986 (NEERAJA et al., 2001).

Confirmando estes achados, Chen et al. identificaram uma forte e significante associação entre SM e risco para doença renal crônica e microalbuminúria, mostrando que esse risco é diretamente proporcional ao número de componentes da SM. No entanto, por se tratar de um estudo observacional, não foi possível estabelecer a relação de causa e efeito entre SM e DRC (JING CHEN et al., 2004).

Mais recentemente, Tanaka et al. (2006), estudando uma população de 6.980 japoneses, sugeriram que a SM é um importante determinante da DRC, em homens abaixo de 60 anos, e que a prevalência da doença renal crônica aumenta com o número de fatores de risco da SM. Estes dados foram confirmados por Kurella et al. (2005), ao acompanharem 10.000 indivíduos não diabéticos, por um período de nove anos e demonstrarem que a SM está associada, de modo independente, com o aumento do risco de DRC incipiente.

Apesar dessas evidências, alguns autores questionam o papel da SM na gênese da DRC e atribuem à obesidade o principal papel na indução da lesão renal. Em recente publicação, Chi-Yuan et al. (2006) observaram que, independente da presença da SM, quanto maior o IMC maior o risco para DRC. Com base nesses achados, os autores questionam o papel da SM, isoladamente, na gênese de lesão renal. Contudo, é preciso lembrar que, freqüentemente, a obesidade se encontra associada à SM e que tanto o sobrepeso quanto a obesidade são importantes fatores de risco para o desenvolvimento do DRC.

Além do seu envolvimento na gênese da DRC, a obesidade abdominal parece acelerar a perda da função renal em pacientes portadores de glomerulopatia. Estes dados foram confirmados por Bonnet et al., em portadores de nefropatia por IgA. Nessa população, indivíduos obesos apresentavam maior probabilidade de desenvolvimento de lesões histológicas complexas, HA e progressão para falência funcional renal, quando comparados aos não obesos (BONNET et al., 2001). Também em pacientes portadores de DRC, a obesidade parece aumentar a velocidade de perda de função renal, mesmo em fases avançadas da doença. Assim, Johnson et al. (2003) concluíram que a obesidade acelera a perda da função renal residual em pacientes obesos quando comparados a não obesos, em programa de diálise peritoneal.

Portanto, pode-se sugerir que os componentes da SM constituem fatores de risco para o desenvolvimento da lesão glomerular, assim como para a progressão de lesões renais preexistentes e que tais alterações podem ser reversíveis com a perda de peso. Embora a correlação entre obesidade, SM e dano renal pareça evidente, os mecanismos pelos quais a lesão renal ocorre não estão bem-estabelecidos.

Aspectos etiopatogênicos

Fatores hemodinâmicos

A obesidade, mesmo em curto prazo, impõe uma sobrecarga hemodinâmica aos rins, que se manifesta por hiperfiltração glomerular e microalbuminúria. Em estudo realizado em cães tornados obesos por meio da administração de dieta rica em gorduras, houve elevação de 30% na filtração glomerular em um período de apenas cinco semanas após a indução da obesidade. Nesse mesmo modelo, nove semanas após a indução da obesidade, observou-se expansão da cápsula de Bowman e aumento da matriz mesangial. A estes achados associaram-se maior expressão de transforming growth factor beta 1 (TGFβ1) glomerular e aumento dos glicosaminoglicanos na membrana basal tubular (HENEGAR et al., 2001). Logo, as alterações funcionais em rins de animais e indivíduos obesos parecem ser precoces e caracterizadas por aumento do fluxo sanguíneo, hiperfiltração glomerular e aumento da reabsorção tubular de sódio. A elevação concomitante da taxa de filtração glomerular e do fluxo plasmático renal acarreta dilatação de arteríolas pré-glomerulares e aumento da pressão hidrostática glomerular (HALL et al., 1993; DE PAULA et al., 2004).

Embora os mecanismos responsáveis pela vasodilatação renal na obesidade ainda não tenham sido completamente elucidados, o mecanismo de feedback da mácula densa parece ter importância. Em sua fase inicial, a obesidade se associa à maior reabsorção de sódio pelos segmentos tubulares anteriores à mácula densa, possivelmente na alça de Henle. Dessa forma, o afluxo de cloreto de sódio à mácula densa ficará reduzido, resultando na ativação do feedback tubuloglomerular e ocasionando vasodilatação das arteríolas aferentes e aumento da secreção de renina, apesar da retenção de sódio e da expansão do volume (HALL et al., 1993; US Renal Data System, 1996).

Entretanto, na obesidade prolongada, a vasodilatação e a hiperfiltração glomerular, associadas à elevação da pressão arterial e às anormalidades metabólicas, podem causar lesão renal com conseqüente redução do ritmo de filtração glomerular (HALL et al., 2003a, 2003b). Em extensa revisão sobre o assunto, Hall et al. (2004) descreveram três mecanismos principais responsáveis pelo aumento da reabsorção tubular de cloreto de sódio, a saber: aumento da atividade do sistema nervoso simpático; ativação do sistema renina-angiotensina e compressão física dos rins pela gordura visceral.

A hiperatividade do sistema nervoso simpático é característica comum encontrada na obesidade, em modelos animais e humanos. A ativação simpática prolongada leva ao aumento da pressão arterial, por ocasionar vasoconstrição periférica e aumento da reabsorção tubular de sódio. Recentes evidências indicam a ação da leptina, dentre outros mecanismos, como possível elo entre o excesso de adiposidade e o aumento da atividade simpática cardiovascular. A concentração plasmática desse hormônio, que é secretado pelo adipócito, aumenta proporcionalmente ao grau de adiposidade. Ao ultrapassar a barreira hematoencefálica, a leptina age em várias regiões hipotalâmicas, especialmente no núcleo arqueado, regulando o balanço energético, reduzindo o apetite e também aumentando o gasto energético através de estimulação simpática (HALL et al., 2004).

O recém proposto conceito de resistência seletiva à leptina pode facilitar o entendimento do papel fisiopatológico desse hormônio na hiperatividade simpática em obesos. Em modelos experimentais de camundongos com obesidade induzida por dieta, observou-se resistência à saciedade e à perda de peso, induzidos pela leptina, porém com preservação da sua ação estimuladora do sistema simpático e, conseqüentemente, hipertensiva (AIZAWA-ABE et al., 2000). Outro provável mecanismo envolvido na retenção de sal associada à obesidade é a hiperatividade do sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA). Em modelos experimentais e em humanos obesos, observa-se elevação da atividade plasmática da renina, do angiotensinogênio, da atividade da enzima conversora da angiotensina e da concentração da aldosterona plasmática, apesar da retenção de sódio e expansão do volume extracelular. Embora a liberação de renina pelo rim tenha papel importante no aumento da angiotensina, o tecido adiposo também tem sido responsabilizado pela ativação do SRAA. Evidências recentes sugerem o envolvimento do sistema renina angiotensina do adipócito na fisiopatologia da HA ligada à obesidade. Em camundongos, o angiotensinogênio derivado do adipócito atua sobre o crescimento e diferenciação dessa célula, além de ser secretado na corrente sangüínea, contribuindo para o pool de angiotensinogênio circulante. Neste modelo, a elevação do angiotensinogênio é proporcional ao aumento da massa adiposa e pode ter papel relevante no mecanismo fisiopatológico da HA e das doenças cardiovasculares ligadas à obesidade (HALL et al., 2003, 2004).

Também a aldosterona tem sido relacionada ao desenvolvimento da HA em obesos. Os níveis plasmáticos deste hormônio estão elevados, especialmente nos hipertensos portadores de obesidade visceral. O mecanismo pelo qual o excesso de gordura pode elevar o nível de aldosterona permanece desconhecido, mas pode estar relacionado à produção de fatores liberadores de mineralocorticóides, pelo adipócito (ENGELI et al., 2003; ENGELI, 2006). Esta hipótese foi recentemente confirmada em um estudo no qual avaliamos os efeitos de um antagonista da aldosterona na prevenção da HA induzida pela obesidade. Nesse estudo, dois grupos de cães foram tornados obesos por meio da administração de dieta rica em gorduras, sendo um grupo controle e um grupo tratado com eplerenone. No grupo tratado, o desenvolvimento de HA foi atenuado em cerca de 50% quando comparado ao grupo controle, apesar de ambos os grupos de animais haverem apresentado o mesmo ganho ponderal (DE PAULA et al., 2004).

Um terceiro mecanismo envolvido no aumento da reabsorção de sódio e na alteração da natriurese pressórica na obesidade é a compressão física dos rins. Em obesos, a compressão renal extrínseca pela gordura perinefrética torna o fluxo sanguíneo renal nos vasa recta mais lento, aumentando assim a reabsorção de sódio (HALL et al. 2003, 2004). Além disso, a obesidade central induz alterações da matriz medular, com elevação de vários de seus componentes, especialmente do ácido hialurônico, alterações histológicas estas que se associam à elevação da pressão intersticial renal. Considerando que os rins são circundados por uma cápsula de baixa complacência, o aumento da pressão intra-renal associado às alterações histológicas da medula renal favoreceria a reabsorção de sódio (HALL et al. 2003, 2004).

Portanto, as alterações hemodinâmicas glomerulares ligadas à obesidade caracterizam-se por vasodilatação da arteríola aferente, hipertensão e hiperfiltração, com aumento da reabsorção de sódio nos segmentos proximais do néfron. A expressão laboratorial das alterações renais de portadores de SM consiste em hiperfiltração glomerular e microalbuminúria (HALL et al., 2002).

Fatores metabólicos e hormonais

Além dos mecanismos hemodinâmicos, a lesão renal em indivíduos obesos parece estar associada aos distúrbios metabólicos e hormonais ligados à obesidade e à SM. Dentre estes, destacam-se a hiperlipidemia e a resistência insulínica (LIN et al., 2006; KAHN, 2006).

Em estudo experimental, Moorhead et al. (1991) demonstraram que a lipotoxicidade mediada pelo processo inflamatório pode ser responsável pela proteinúria, ocasionando proliferação da membrana basal e das células mesangiais glomerulares. Estudos epidemiológicos têm evidenciado que a redução dos níveis de lipídios plasmáticos, através do tratamento com agentes hipolipemiantes, pode preservar a taxa de filtração glomerular e reduzir a proteinúria em pacientes com doença renal preexistente (MOORHEAD et al., 1991; FRIED et al., 2001).

A correlação entre filtração glomerular, dislipidemia e inflamação foi bem demonstrada por Lin et al. (2006), estudando portadores de DM2. Nesse estudo, os autores observaram que, nos indivíduos com menor taxa de filtração glomerular, detectava-se maior concentração de triglicérides, menor concentração de HDL colesterol e aumento de marcadores inflamatórios, tais como o receptor do fator de necrose tumoral tipo 2 (TNFR-2), quando comparados com os indivíduos com taxa de filtração glomerular normal. A elevação do fibrinogênio também se associou à redução da filtração glomerular, evento este que poderia mediar o aumento do risco cardiovascular observado na doença renal crônica.

Mais recentemente, a ação lipotóxica dos ácidos graxos livres tem sido aventada como um dos mecanismos responsáveis pela lesão renal em indivíduos obesos com SM. O acúmulo excessivo de lipídios em tecidos não adiposos como o tecido renal bloquearia as vias de sinalização celular, podendo ocasionar disfunção das células ou induzir apoptose, com conseqüente lesão renal (MOORHEAD et al., 1991).

Também a resistência insulínica e hiperinsulinemia compensatória constituem importantes fatores associados ao desenvolvimento da lesão renal. Além dos efeitos clássicos relacionados ao metabolismo da glicose, a insulina exerce ação vasodilatadora da arteríola aferente e aumenta a expressão de fatores de crescimento em células mesangiais. Entre esses fatores, o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1) promove proliferação de vasos renais e células mesangiais. Estudos in vitro mostraram que o IGF-1 em concentrações fisiológicas e a insulina em concentrações farmacológicas induzem crescimento das células mesangiais. Além disso, o IGF-1 também diminui a atividade da enzima metaloproteinase-2, responsável pela degradação da matriz extracelular. A inibição dessa enzima causaria expansão da matriz extracelular e fibrose renal (BIDDINGER; KAHN, 2006).

Abrass et al. (1994) observaram que células mesangiais tratadas com insulina apresentavam aumento da síntese protéica, com alteração do tipo de colágeno intersticial e da membrana basal destas células, com conseqüente hipertrofia renal. Além disso, estudos realizados in vivo, tanto em animais quanto em humanos, sugerem que a infusão de IGF-1 aumenta o fluxo plasmático renal e a taxa de filtração glomerular (BAUMANN et al., 1992).

Outros estudos in vitro evidenciaram que a insulina aumenta a expressão do fator de crescimento tumoral β1 (TGFβ1) nas células mesangiais e também parece estimular sua produção, nas células epiteliais tubulares. Nos túbulos proximais, a insulina induz a expressão do gene do colágeno tipo IV que se acumula na matriz extracelular, levando à hipertrofia e fibrose renal. Além disso, em obesos, a insulina potencializa o efeito vasoconstritor da angiotensina II sobre o rim, diferentemente de sua ação em indivíduos saudáveis, nos quais causa vasodilatação endotélio-dependente (ANDERSON et al., 1996).

Também a endotelina 1, hormônio fisiologicamente secretado pelas células mesangiais e endoteliais do glomérulo, encontra-se elevada nos estados de resistência insulínica e parece estar ligada à vasoconstrição renal e na contração e proliferação das células mesangiais, além da retenção de sódio e água (MARSEN et al., 1994).

Além das citocinas e dos fatores acima mencionados, o PAI-1 (plasminogen activator inhibitor type 1) é outro fator ligado à resistência insulínica que pode estar envolvido no processo de lesão renal. Este fator é produzido principalmente no fígado e nas células endoteliais vasculares e tem como função a inibição da ação tissular do ativador do plasminogênio, responsável pela conversão do plasminogênio em plasmina, que inicia o processo de fibrinólise. Indivíduos com adiposidade central apresentam aumento na produção de PAI-1 pelos adipócitos, aumento da atividade pró-trombótica e lesão tecidual (ALESSI et al., 1997).

Logo, nos indivíduos portadores de SM, os fatores metabólicos e humorais parecem desencadear aumento do estresse oxidativo, lesão endotelial, aterogênese e, conseqüentemente, lesão renal (SARAFIDIS; RUILOPE, 2006).

Fatores inflamatórios

O tecido adiposo produz diversos fatores inflamatórios e de crescimento, que potencialmente poderiam estar envolvidos no desenvolvimento das lesões renais de obesos com SM (LYON et al., 2003).

Neste cenário, o adipócito tem papel fundamental, sendo considerado um órgão endócrino, secretor de várias substâncias metabolicamente ativas. Estas podem exibir ação antiinflamatória e protetora, como a adiponectina; ou efeitos pró-inflamatórios e pró-trombóticos, como o TNF-α, o PAI-1, a interleucina-6, a interleucina 1-α, a resistina, a leptina e o fator inibidor da migração dos macrófagos (LYON et al., 2003).

A adiponectina é um peptídeo com relevante propriedade antiinflamatória, que potencializa a ação da insulina e inibe etapas do processo inflamatório. No fígado, a adiponectina suprime a produção endógena de glicose, inibindo enzimas relacionadas com a gliconeogênese e, no músculo esquelético, melhora o transporte de glicose e a oxidação de ácidos graxos. Em portadores da SM, é descrita redução dos níveis de adiponectina, ocorrendo aumento da sua concentração com a perda de peso (YANG et al., 2001).

Outra importante citocina do tecido adiposo é a leptina, que parece estar envolvida em mecanismos de lesão renal de modo independente de sua relação com a gênese da HA. Estudos recentes mostram que a leptina aumenta a expressão de citocinas fibrogênicas como o TGF β, facilitando a proliferação e a esclerose glomerular (WOLF et al., 1999). Além disso, por meio de sua interação com os peroxisome proliferators activador receptors (PPARs), especialmente o PPAR γ, a leptina contribui para acúmulo de gordura no tecido adiposo subcutâneo e reduz a deposição de gordura na região central do abdome e em órgãos não adiposos como fígado e rins (UNGER, 2002).

Deste modo, a leptina parece exercer efeito protetor, evitando o depósito de gordura visceral. Ao contrário, em situações de resistência à leptina, ocorreria acúmulo de gordura abdominal, aumento da produção de ácidos graxos livres, resistência insulínica e esteatose generalizada, eventos que culminariam em lesões hepáticas, pancreáticas e cardíacas.

Estudos clínicos confirmam a importância do processo inflamatório na gênese da lesão renal, especialmente em homens com DM2. Neste sentido, Lin et al. (2006) associaram a queda da TFG ao aumento de marcadores inflamatórios, tais como moléculas de adesão da célula vascular e o TNFR-2. Todavia, ainda não está claro se a inflamação seria o fator desencadeador da lesão renal ou se seria importante apenas após a instalação da lesão hemodinamicamente mediada (LAVAUD et al., 2001).

Conclusão

Diante do exposto, parece claro que, independente do diagnóstico de DM2, a SM está diretamente associada à lesão renal. Alguns autores atribuem o dano renal às alterações hemodinâmicas próprias da obesidade, enquanto outros advogam que o conjunto de componentes da SM seja o principal fator determinante. Assim, o entendimento dos mecanismos de indução e de progressão da lesão renal associada à SM permitiria a implantação de medidas de prevenção da DRC.

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[1]Universidade Federal de Juiz de Fora - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Nefrologia - NIEPEN - Juiz de Fora, MG. e-mail: daniezequiel@hotmail.com

[2]Universidade Federal de Juiz de Fora - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Nefrologia - NIEPEN - Juiz de Fora, MG.

palavras-chave

Obesidade

Resistência à Insulina

Insuficiência Renal Crônica

keywords

Obesity

Insulin Resistance

Renal Insufficiency, Chronic

Enviado em 15/12/2007

Aprovado em 20/02/2008