Da vontade de fazer música à gravação em pequenos estúdios caseiros: A Emergência da Produção Musical Local em Cabo Verde

Sumário
  1. Resumo
  2. Abstract
  3. Resumen
  4. Introdução
  5. Das ‘influências’ às tentativas de gravação com Cassetes
  6. O Rádio ‘Caixa bloco’, a criação de ‘Sons’ e os Shows
  7. No Kubiku do Azaiaz: MiniDisc, Leitor de CD, Micro e um Tape
  8. Critérios de acesso para gravação e a divulgação na Rádio
  9. O ‘aparelho’ do Zé Ramos e os demos
  10. Da gravação à experiência de produção nos estúdios caseiros
  11. Referências Bibliográficas

Da vontade de fazer música à gravação em pequenos estúdios caseiros: A Emergência da Produção Musical Local em Cabo Verde

From the desire of making Music to recording in Small Home Studios: The Emergence of Local Music Production in Cabo Verde

De las ganas de hacer música a la grabación en pequeños estudios caseros: el surgimiento de la producción musical local en Cabo Verde

Carmen Barros Furtado 1

Resumo

O presente artigo aborda os passos iniciais da gravação musical em Cabo Verde como condições que possibilitaram a emergência da produção musical local, desenvolvida em pequenos estúdios e estúdios caseiros e protagonizada por uma rede de artistas residentes que desafiam parâmetros convencionais de performance, autoria, criação e produção musical, e que, não raras vezes, recebem o rótulo de ka múzika [não é música]. Com base em narrativas de músicos deste universo, o texto sugere que o surgimento e desenvolvimento, na capital, Cidade da Praia, e em outros pontos do país, principalmente, a partir dos anos 1980, deste tipo de produção musical estão ligados a processos mais amplos que conectam trajetórias fortemente permeadas pela mobilidade e circulação internacional, e com elas as denominadas influências culturais, o acesso e a disponibilidade de equipamentos e aparatos eletrónicos e tecnológicos, entrecruzadas com a busca por territórios existenciais e por espaços de afirmação individual e coletiva, que nos induzem a conceções e entendimentos alternativos de música, autoria e música cabo-verdiana.

Palavras-chave: Música Cabo-verdiana, Ka Múzika, Autoria, Produção Musical Local, Estúdios Caseiros

Abstract

This article examines the early steps of music recording in Cabo Verde as conditions that enabled the emergence of local music production, developed in small and home studios and driven by a network of resident artists who challenge conventional parameters of performance, authorship, creation, and music production, and who are, not infrequently, labeled ka múzika [not music]. Based on narratives from musicians within this sphere, the text argues that the rise and development of this mode of music production in the capital, Praia, and elsewhere in the country (particularly from the 1980s onward, are tied to broader processes. These connect trajectories heavily marked by international mobility and circulation - alongside associated cultural influences, access to electronic and technological equipment - and intersect with the pursuit of existential territories and spaces of individual/collective affirmation. Such processes compel us toward alternative conceptions of music, authorship, and Cabo Verdean music itself.

Keywords: Cape Verdean Music, Ka Múzika, Authorship, Local Music Production, Home studios

Resumen

El artículo se propone reflexionar sobre las condiciones de posibilidad de la emergencia de la producción musical local en Cabo Verde en pequeños estudios y estudios caseros, protagonizada por una red de artistas residentes cuyos proyectos no obedecen, necesariamente, a parámetros convencionales de performance, autoría, creación y producción musical, y que, no pocas veces, reciben la etiqueta de ka múzika [no es música], como negación de su condición artístico-musical. A partir de las narrativas de los músicos de este universo, el texto sugiere que el surgimiento y desarrollo, en la capital, Ciudad de Praia, y en otros puntos del país, principalmente a partir de la década de 1980, de este tipo de producción musical, están vinculados a procesos más amplios que conectan trayectorias fuertemente permeadas por la movilidad y circulación internacional —y con ellas las denominadas influencias culturales, el acceso y la disponibilidad de equipos y dispositivos electrónicos y tecnológicos— entrecruzadas con la búsqueda de territorios existenciales y de espacios de afirmación individual y colectiva, que nos conducen a concepciones y entendimientos alternativos de música, autoría y música caboverdiana.

Palabras clave: Música caboverdiana, Ka Múzika, Autoría, Producción musical local, Estudios caseros

Introdução

Naquela altura, éramos os putos do Bairro. Estávamos sempre em frente ao prédio a jogar futebol, outros a dançar e tal, e resolvemos experimentar fazer música… Mas tínhamos influências. Já existiam rapazes do Bairro que faziam qualquer coisa: Azaiaz, Sox, Ducoriginal, Lúcio - o CK Las [...] (Buda Andrade)

Em Cabo Verde, no campo da criação e produção musical, mais especificamente da criação musical (composição e interpretação), tal como acontece em muitos países e realidades, a opção pela música está muito mais ligada à transmissão e desenvolvimento da prática musical em situações e espaços de proximidade como a família, as redes de sociabilidade, de vizinhança, de amizade do que em espaços formais e institucionais de ensino e aprendizagem. Apesar de muito limitada a existência de escolas formais de ensino e aprendizagem da música, e ainda que não constitua uma atividade tida como profissional, a opção pela música era e é apresentada, quase sempre, como natural ao cabo-verdiano. Muitas vezes, tida até como uma caraterística sócio histórica, afirmando-se, com isso, Cabo Verde como terra de músicos.

Foi, assim, frequentando e explorando esses espaços de transmissão, troca, ensino, aprendizagem e prática musical dos músicos do Bairro Craveiro Lopes, na Cidade da Praia (Barros Furtado, 2009), que tive contato com uma complexa rede social de artistas e profissionais. 2

O conceito de rede social é aqui empregue a partir de Bott (1976) e Mitchell (1969) para explicitar processos de interação social que não são apreensíveis somente a partir da ideia de grupo social, quando as relações sociais aparecem altamente complexificadas entre indivíduos de origens e pertenças distintas.

Este universo de artistas, maioritariamente masculinos, desenvolvia conceções de performance, composição, autoria, e produção musical, que se apresentavam, de alguma forma, diferentes, e alternativas, do tipo de criação e produção artística presente em grande parte da produção intelectual e académica sobre música e cultura cabo-verdianas - na qual se destacam duas linhas predominantes: ora discutindo a relação entre os géneros musicais ditos tradicionais enquanto experiência musical, abordando, também, a sua relação com a identidade nacional (Dias, 2004; Hubbard, 2011), ora analisando e interpretando a música e os músicos na sua relação com os contextos sociais em que são criados e que circulam (Barbosa, 2006; Cidra, 2005; Monteiro, 2009; Sieber, 2005; Hoffman, 2005).

Os agentes principais deste tipo de projetos eram, na sua maioria, músicos, que nas suas produções, optavam por performances “não convencionais” através da manipulação das músicas no computador, em estúdios caseiros, em vez da existência de todo um aparato material e de infraestrutura que é exigido num estúdio convencional, incluindo instrumentos musicais, ambiente acústico “adequado” à gravação, e especialmente uma variedade de microfones com capacidade para demandas da ordem do som diferenciadas (Amaral, 2009). 3

Em paralelo com os poucos estúdios formalmente estabelecidos em Cabo Verde, coexistem um número considerável de estúdios de gravação em casas, situados nos diferentes bairros dos centros urbanos, que oferecem facilidades alternativas de produção musical.

Muitos músicos e interlocutores, com os quais dialoguei, durante o trabalho de campo, do Bairro Craveiro Lopes ou de outras localidades da Cidade da Praia, faziam recurso a expressões como ka muzika para fazer referência a boa parte destes projetos musicais independentes e emergentes, mais direcionados para géneros como hip hop, zouklove. Para esta expressão de desqualificação e de negação da condição musical, contribui elementos como as letras e os temas das composições (vistas como ‘sem conteúdos’, e ‘descartáveis’), a quase não utilização dos instrumentos musicais convencionais, a forma de domínio, utilização, e manipulação da voz, bem assim a estruturação do processo de criação e produção, que podem evidenciar o desalinhamento deste universo com o tipo e a forma de fazer música presente nos circuitos formais de produção musical, e nos espaços e mercados internacionais da indústria musical. 4 5 6

Tendencialmente, a abordagem do hip hop, e zouklove, tidos como géneros modernos no contexto da música em Cabo Verde, apontam a desqualificação, e desvalorização, muitas vezes, a estes associados como reflexo e resultado das discussões e disputas geracionais no meio musical, entre os defensores da vertente considerada tradicional (tida como resultante do processo de formação histórico, social e cultural da identidade, do povo, e da nação) e os apologistas dos géneros ditos modernos (cuja tendência de abordagem tem sido, habitualmente, do ponto de vista da apropriação das ‘influências’ musicais estrangeiras, a partir do fim do terceiro terço do século XX), sobre a autenticidade da produção cultural, e a sua ligação à identidade nacional.

Se, por um lado, esta ideia de desqualificação, associada a estes músicos e às suas produções musicais, poderá elucidar discussões e disputas internas no meio musical cabo-verdiano, entre os ‘tradicionalistas’ e os ‘modernistas’, remete também para os argumentos que suportam a classificação e concetualização daquilo que é considerado de ‘múzika’ [música], “boa música”, “música de boa qualidade”, e também “música cabo-verdiana”, e, em oposição ka Múzika. Ou seja, o rótulo Ka Múzika, habitualmente acoplado a alguma produção centrada nas novas ‘influências’ musicais em Cabo Verde (com o Zouk, e o Hip hop, predominantemente), estaria também diretamente relacionado com práticas não convencionais de criação, produção e autoria artístico-musical, facilitadas, em grande medida, pelas novas tecnologias de gravação e produção musical.

Assim, neste artigo, a partir das estórias, experiências e narrativas dos músicos sobre os seus passos iniciais de criação, gravação e produção musical - que possibilitaram a emergência da produção musical local em Cabo Verde - pretende-se evidenciar os contextos sociais, culturais e tecnológicos que moldaram estas práticas, bem como as formas alternativas de expressão musical e de construção identitária que delas emergem e que induzem a conceções e entendimentos alternativos de música e de autoria.

Das ‘influências’ às tentativas de gravação com Cassetes

Com 12 anos, Ducoriginal dançava breackdance e cantava rap, mas sozinho. Como escutar a sua voz? Como sentir a sua forma de cantar numa melodia? Foi, então, que resolveu fazer curtas gravações em casa, com dois pequenos gravadores. Num gravador, ele coloca uma cassete, só com o instrumental, e no outro, uma outra cassete, que podia ser original, ‘virgem’ (ou não), onde, ficaria gravada a junção do instrumental e da voz.

Ele fez assim em 1988, e voltou a fazer semelhante em 1993 quando veio a Cabo Verde passar férias, depois de emigrar para Holanda em 1991. Nesta altura, ele reencontra o Lúcio (de nome artístico CK Las), seu amigo de infância, que também está de férias, mas que vive em Portugal. Juntam-se ao Tsó Lopi, e ao Tosh Lopi e formam o grupo de rap DLTT, monograma que corresponde às iniciais dos quatros nomes. Eles querem fazer gravação das suas músicas. Fazem-na na casa de Tsó Lopi, em Ponta Txitxarru, no bairro de Achadinha Cima, na Praia. No quarto, Tsó Lopi, tem um gravador grande, com dois microfones e duas cassetes. Numa cassete, toca o instrumental, e, enquanto eles cantam, fica gravada na outra cassete o ‘som’ completo.

É CK Las quem conta os primeiros passos, para criação de ‘sons’. Já ouviam Michael Jackson, Billy Ocean, Europe, e «muitos outros grupos da década de 1980 que faziam sucesso» e já dançavam breakdance. Mas, faltava fazer, eles próprios, música, para poderem “se ouvir”.

A única possibilidade era fazer gravação em cassetes - sobre instrumentais norte-americanos - as tecnologias e equipamentos, até então, disponíveis e acessíveis para eles.

«Isto era gravação, mas ainda não era produção musical… pelo menos ainda», Diz Buda do grupo de Rap «República». Ele começa a cantar em 1998, “dando” freestyle (que para ele é a forma de cantar com letras improvisadas) no instrumental do CD do rapper norte-americano DMX ‘It’s dark and hell is hot’ considerado por muitos como um ‘clássico’ do hip hop. Mas a ‘influência’ veio antes:

É a influência do Hip hop que eu ouvia, desde 1993. Em 1996, eu já escrevia. Naquela altura, eu não escrevia rap, eu escrevia poemas, nada a ver. É aquela coisa de estar com a malta, aquela influência. O pessoal de São vicente começou a cantar, sabíamos que eles estavam a fazer seus instrumentais, estavam a brincar de fazer música. Nós também começamos a brincar, atrás do prédio. É a influência daquela onda que chegou a Cabo Verde, que acabou por me contagiar. Depois também porque eu ouvia muito o hip hop, a influência das cassetes que vinham dos Estados Unidos da América, havia clima, eu senti que podia escrever (Buda Andrade).

Como ‘influência’, Buda designa o hip hop norte-americano que ouvia, mas também todo entorno social que se vivia em Cabo Verde, e nos seus espaços de convivência e amizade, e que eram, também, de partilha artística. Em certa medida, isto nos remete para a ideia da música e da criação artística enquanto fenómeno e prática social (Seeger, 1977) - que evidencia as condições sociais da produção da música como aspetos que complexificam o ato da criação -. O self criativo, desse ponto de vista, não se constitui apenas como um ente transcendental, mas uma estrutura de um indivíduo social - de uma pessoa, com suas pré-disposições imaginativas e existenciais, estabelecida num mundo social. É a ideia presente no conceito de mundo artístico proposto por Becker (1977: 9) como «constituído do conjunto de pessoas e organização que produzem os acontecimentos e objetos definidos por esse mesmo mundo como arte».

Esta conceção do mundo artístico de Becker, a que induz a fala de Buda sobre o início da sua relação com a música, não constitui um caso isolado, antes, aparece em diferentes trajetórias de músicos cabo-verdianos, quando, em cenário de aprendizagem e transmissão de conhecimentos musicais por canais ‘não formais’, se refere as sociabilidades (Simmel, 1983) como fatores determinantes da opção pela música (Barros Furtado, 2009: 104).

O Rádio ‘Caixa bloco’, a criação de ‘Sons’ e os Shows

A primeira vez que gravei foi na casa do Lando. Nesta altura tínhamos o grupo “Enigma”, mas tínhamos vergonha de subir ao palco. Fazíamos as gravações no ‘caixa bloco’. Sabes aqueles rádios grandes que os rapazes do rap colocavam em cima do ombro nos vídeo-clips? De repente descobrimos que o rádio na casa do Lando afinal gravava. Aí, nós passávamos a nossa vida na casa dele. Era gravar noite e dia, em cassetes, mas ainda não tínhamos instrumental (Azayaz).

Nesta fase, não tinham absolutamente nada’. Como diz Azaiaz ‘era só teoria’, ‘só simular cantar’, dançar breakdance, imitar instrumentais, e gravação de música à capela, no rádio que eles apelidavam de ‘caixa bloco’ (devido ao seu tamanho e formato que se assemelhava a um ‘bloco’ de cimento).

As gravações ‘mais a sério’ começam depois, com o Sox, no grupo «Black Power», um grupo de reggae e rabadop, formado por este e César. César é vizinho de Sox, e emigra depois para Portugal. Azaiaz é convidado a fazer parte do grupo, porque já existia um relacionamento ‘de trabalho’, e era ele quem escrevia as letras das músicas.

Quando entrei no grupo do Sox, eu já tinha as minhas cassetes, aquelas músicas americanas. Entre 1995 a 1996, eu fazia instrumental nas cassetes, juntando partes não cantadas das músicas. É assim… colocas a cassete a tocar, gravas só o início onde não tem voz, e páras. Continuas com uma outra parte e páras… só nas partes que não tem voz. E vais juntando até ter um instrumental completo, com alguns minutos. Quando conseguires juntar um instrumental numa cassete, podes cantar com o instrumental e gravar a música numa outra cassete (Azayaz).

O processo de criação de sonoridades, ou ‘instrumentais’ - que seriam posteriormente utilizados para fazer músicas – se dá pela junção de fragmentos de tempos sonoros ‘não cantados’ - previamente isolados - de músicas (na maioria, americanas) possivelmente originais.

Em certa medida, se assemelha a o que Deleuze, ao abordar o ato da criação no cinema, através do exemplo do cineasta francês Robert Bresson, destaca como algo entranhado em toda ‘disciplina criadora’: a constituição dos espaços-tempo, que existe «no limite de todas as tentativas de criação».

Em Robert Bresson (diretor francês, 1907), caso bastante conhecido, raramente existem espaços inteiros. São espaços que podemos chamar desconexos. Há, por exemplo, um canto, um canto de um quarto. Depois vemos um outro canto, ou então um pedaço da parede. Tudo ocorre como se o espaço bressoniano se apresentasse como uma série de pequenos fragmentos cuja conexão não está predeterminada (…) Mas Bresson foi um dos primeiros a construir o espaço com pequenos fragmentos desconexos, ou seja, pequenos fragmentos cuja conexão não é predeterminada (…) A junção de pequenos trechos de espaço bressoniano pelo fato mesmo de serem trechos, pedaços desconexos do espaço, pode ser exclusivamente uma junção manual (Deleuze, 1997, p. 5)

O papel da mão na conexão de uma parte à outra parte do espaço seria, então, uma característica própria de Bresson, enquanto criador. Mas, esta junção de pedaços desconexos, que permite uma criação ‘nova’, não é movida por prazer, antes por necessidade. O ato da criação, como propõe Deleuze, resulta da necessidade: «Um criador não é um ser que trabalha pelo prazer. Um criador só faz aquilo de que tem absoluta necessidade» (Idem, Ibidem: 3)

Essa necessidade, referida por Deleuze, como o que determina o ato da criação, foi o que levou Azaiaz, Ducoriginal, Buda, entre outros, que se aventuraram em tentar produzir sonoridades, a partir das cassetes, a inventar e a criar ‘novos’ ‘sons’, derivados de ‘sons’ já existentes e com outras ‘autorias’.

A criatividade, desse ponto de vista, para além de derivar da necessidade, ao possibilitar novas músicas, a partir de outras existentes, permite-nos percebê-la através da manifestação e incorporação de elementos (já previamente existentes) que melhor satisfazem ou respondem uma situação ou um propósito. Assim, a criatividade não constituiria algo exclusivo da figura do génio criativo (Elias, 1995), no sentido da criação ou produção do original como partindo da simples ‘inspiração’ individual e transcendental, mas antes uma caraterística comum, de pessoas comuns.

A ‘absoluta necessidade’ - ainda que seja um conceito complexo - elucida o porquê da utilização das músicas das cassetes para ‘criar’ novas músicas, conectando partes separadas para formação de conjuntos com alguma sequência. Esta necessidade é determinada por ser, nessa altura, a ‘única’ possibilidade, de criar e gravar músicas. Assim, diz Azaiaz: «Nesta altura, eram as cassetes, não tínhamos outra forma de gravar música… e nem todos tinham o rádio ‘caixa-bloco’».

As gravações das músicas dos «Black Power» acontecem, assim, em cassetes, na casa do Sox, num rádio pequeno, com colunas amplificadas e um microfone. As cassetes chegam, por via dos familiares residentes nos Estados Unidos da América (EUA), e na França. As “produções” em cassetes serviam para os shows.

Os shows eram os espaços de divulgação das suas músicas, sempre que lhes era permitido cantar nos momentos vazios do programa, «mas não recebíamos nada em troca, era cantar para ser conhecido». Assim como os «Black Power», a dupla Sandro & Ló, residentes no Bairro de Achada Grande, e voltados mais para o Zouklove, fazia gravações. Como diz Sandro, «com aqueles rádios grandes, dos rappers, que acendiam luzes», e que depois eram utilizadas «para shows, atividades no bairro, concursos de Miss nos Liceus».

O lançamento da ‘fita-cassetes’ pela empresa holandesa Philips, nos anos 1960, juntamente com o seu aparelho leitor, o ‘toca-fitas’ – que os músicos aqui apelidam de ‘caixa-bloco’ - e também, outros aparelhos que permitiam tanto ler como gravar sons, tornava, assim, facilitada a tarefa de gravar, copiar e duplicar obras musicais, inclusive aquelas fixadas sob a forma de disco de vinil, o Long Play (LP).

Se, pouco antes, a única chance de se obter sucesso no show business era a vinculação a uma gravadora, que detinha o sofisticado aparato necessário para a produção de LP’s, com a inovação da ‘fita-cassetes’, o cenário timidamente começou a mudar, e possibilitou que os músicos pudessem gravar suas interpretações, mesmo que de forma amadora e com significativa perda de qualidade em relação aos discos de vinil, mas ao menos passaram a ter uma nova opção, da qual lançavam mão para divulgar seus trabalhos artísticos ao público (Losso, 2008, p. 59)

Se em Cabo Verde a utilização das cassetes, para cópia e duplicação, aparece de forma mais expressiva (pelo menos nas narrativas desses músicos) a partir dos anos 1980, intensificando-se durante 1990 – período coincidente com a aprovação da primeira Lei dos Direitos do Autor, no país - no plano internacional, este era um debate mais antigo, e que tinha levado, em 1971, ao estabelecimento da Convenção de Genebra sobre a «Proteção de Produtores de Fonogramas contra a reprodução não autorizada de seus fonogramas». Esta Convenção foi precedida por uma outra de 1961, a Convenção de Roma para «Proteção dos intérpretes, produtores e organismos de radiodifusão» que proibia utilizações não-autorizadas, e concedia aos produtores de fonogramas o direito de autorizar e proibir a reprodução direta ou indireta de seus fonogramas (Idem, Ibidem: 35).

Assim, qualquer produção musical associada ao que se considerava ‘cópia’ ou ‘duplicação’ de músicas já existentes, em cassetes, mesmo que originasse outras músicas ‘supostamente’ novas, à luz das convenções internacionais dos direitos autorais, e da legislação doméstica, através da Lei 101/III/90 de 29 de dezembro que definiu os Direitos do Autor, estas não seriam músicas ‘criadas’, mas sim ‘cópias’ não autorizadas.

No Kubiku do Azaiaz: MiniDisc, Leitor de CD, Micro e um Tape

Em 1997, Azaiaz já fazia as gravações em sua casa, mas não mais com rádio de duas cassetes, o ‘caixa-bloco’. Agora as gravações aconteciam com o MiniDisc e leitor de CD que conseguiu arranjar através de um vizinho por vinte mil escudos.

O Compact Disc (CD), tecnologia que possibilitava o registo e posterior extração de sons sem ruídos – que, em certa medida, levou a uma grande diminuição de utilização do rádio ‘toca-fitas’, ou melhor, o ‘caixa-bloco’ - era introduzido em inícios de 1980, pela Philips, juntamente com a Sony. Com a chegada do CD, os consumidores substituíram suas coleções de LPs, pagando novamente pelas mesmas músicas, o que favoreceu enormemente as gravadoras. As vendas cresceram, já que a cópia só era possível para fita cassete, com perda significativa de qualidade. Assim, após o impacto das duplicações em cassete, a indústria fonográfica renasceu com o novo formato digital (Losso, 2008)

Na década seguinte, em 1990, era lançado o CD-Regravável, bem assim o aparelho leitor e gravador. Com esta tecnologia criava-se a possibilidade de se copiar músicas de um CD para o outro. Assim, «não somente, os usuários duplicavam uns para os outros seus CDs como começou a existir um processo, no início informal, de duplicação e venda com fins comerciais» (Idem, Ibidem).

Nesta mesma altura era lançado o MiniDisc (MD), que constitui um mini-CD regravável dentro de uma caixa protetora. O sistema MiniDisc foi desenvolvido para substituir o sistema convencional de gravadores de cassetes compactas. O formato MiniDisc define dois tipos de discos óticos: um é um disco magneto-ótico gravável para gravação pelo utilizador e o outro é um disco convencional só de leitura para gravação de música e software (Yoshida, 1994)

Após o investimento no leitor de CDs e no MiniDisc, Azaiaz passa a fazer as gravações na sala da casa da sua avó. Com frequência muito intensiva para uma sala de estar, as gravações são transferidas para um outro espaço, para o kubiku. Como diz Azayaz, “Quando entrei (…) senti algo que não consigo explicar. Era da forma como eu queria. O meu primeiro estúdio foi lá, no quarto dos fundos. Era um lugar espetacular para um estúdio, fizemos boas gravações e produções. Foi o momento alto…, era tudo com o MiniDisc”. 7

Para além do gravador de CD, MiniDisc, e colunas, o kubiku tinha um computador – que ainda não era utilizado -, e luzes, para completar um cenário que refletia o “ambiente de um estúdio”. A intensão era fazer «boa impressão», para quem ia lá gravar. De todos, o «Buda era aquele que ia mais» e que aponta este espaço como a sua única possibilidade de gravação nesta altura.

Os instrumentais vinham dos EUA. Era o Sitó, meu amigo, que mandava, ele emigrou para os EUA. Mandava-me CDs. Colocávamos o CD a tocar. Ao lado tínhamos um gravador de Mini-disc, que saiu depois do CD e deu a possibilidade de gravar e regravar. Era assim: colocávamos a gravar, tínhamos o micro logo ali, o micro era muito fraquinho, acho dos piores que havia. Não fazíamos nada, ainda, no computador, não sabíamos mexer. As letras eram feitas na hora, as músicas na hora. Era tudo no momento. Tínhamos um auscultador, e um micro… era para cantar, a gravação era um ‘tape’ (Buda Andrade).

A gravação era ‘um só tape’, no sentido de ter de ser completa e não por partes. Por isso, exigia concentração, para não errar, porque corrigir uma parte da música, que não tinha ficado bem, significava gravar a música completa de novo.

Azaiaz também fala da complexidade do processo de gravação em MiniDisc mas exalta a qualidade que conseguiam nas músicas. Um processo moroso, trabalhoso, que exigia paciência e «habilidade» (como diz Buda) e que era movido pela ‘absoluta necessidade’ de gravar músicas, num contexto de inexistência de estúdios de gravação musical na Praia, dificultando a ‘revelação’ de talentos.

Um micro, e um ‘tape’. Quando um de nós estava a cantar e o outro tinha que entrar com o coro, não havia nenhuma forma de parar, para que o outro começasse a gravar. Tínhamos de ser rápidos, correr, para que aquele que estivesse a cantar terminasse rápido e saísse da frente do micro, e dar espaço para o outro rapidamente começar a sua vez. Era assim a gravação em MiniDisc (Azayaz).

A gravação e registo, com leitor de CD e MiniDisc, acontece de forma praticamente simultânea à criação musical, numa espécie de «aqui e agora». Entre criar (definir letra, ensaiar) e gravar num CD, o tempo era mínimo.

Barthes (2004) ao abordar a diferença entre o autor e o scriptor moderno aponta o tempo como aspeto central. O tempo, na sua relação com o processo criativo, é o que determina a autoria e a escrita moderna. O Autor alimenta o livro, quer dizer que existe antes dele, pensa, sofre, vive com ele; tem com ele a mesma relação de antecedência que um pai mantém com o seu filho. Exatamente ao contrário, o scriptor moderno nasce ao mesmo tempo que o seu texto; não está de modo algum provido de um ser que precederia ou excederia a sua escrita, não é de modo algum o sujeito de que o seu livro seria o predicado; não existe outro tempo para além do de enunciação, e todo o texto é escrito eternamente aqui e agora (Barthes, 2004, p. 3).

O tempo de ‘enunciação’ como o tempo da criação (e que, por sua vez, seria o tempo da gravação) seria a lógica da escrita moderna. Desse ponto de vista, não estaríamos a falar da figura do ‘autor’, nem do conceito de ‘autoria’, uma vez que a relação que os músicos estabelecem com a sua criação (o seu texto, na abordagem de Barthes) no kubiku, não é uma relação de anterioridade, antes de simultaneidade: «o aqui e o agora». Esta simultaneidade do scriptor moderno com seu texto, do músico com as suas músicas feitas no kubiku, resulta de um contexto de ‘absoluta necessidade’ de criação artística a partir dos meios (eletrónicos e tecnológicos) disponíveis.

Critérios de acesso para gravação e a divulgação na Rádio

O aumento significativo do número de ‘usuários’ do kubiku permitiu-lhe uma certa caraterística de rentabilidade económica, deixando de ser um espaço, somente de realização dos desejos de criação e gravação musical de um grupo de amigos.

Contudo, a fixação de um preço (mil escudos) para aceder aos serviços aí disponibilizados não era algo pensado, à partida, de propósito para dar lucro, mas sim uma forma encontrada para criar critérios de acesso e gerir o aumento ‘descontrolado’ de pretendentes à gravação, permitindo também alguma compensação financeira.

Apesar disso, as sessões de gravação não estavam exclusivamente ‘abertas’ para aqueles que podiam pagar, mas para todos aqueles que Azaiaz (o dono) permitisse. Ou seja, a existência de uma regra económica de funcionamento do kubiku não era o aspeto determinante na manutenção deste espaço, e a sua razão de ser, era, sim, muito mais, uma regra de ‘controlo’ do próprio espaço.

Com as músicas gravadas em CD, a circulação e divulgação passou a acontecer com mais facilidade, e «as pessoas já sabiam da existência das músicas». Mas ainda não chegavam às rádios.

Rádio, em Cabo Verde, era somente Rádio de Cabo Verde. Nesta rádio, as nossas músicas não tocavam, eram uma espécie de música do diabo. Depois que o Giordano criou a Rádio Praia FM, ele pediu-nos as músicas para tocar, e foi só a partir daí é que as coisas tomaram um outro rumo (Azayaz).

Azaiaz entende “música do diabo” como aquela que, apesar de ter seu circuito e universo de circulação e consumo próprios, tinha uma conotação negativa, vista como ka múzika para ser passada na Rádio Nacional.

Praia FM é uma estação de rádio que começou as suas emissões a 15 de Maio de 1999. O projeto de sua criação foi desenvolvido por Giordano Custódio que, depois da sua formação no Brasil, desenhou «um primeiro projeto de uma empresa de comunicação que deveria ser âncora de um grupo, uma agência com rádio e TV».

O ponto de partida e o principal objetivo da Praia FM era trazer novas ideias e uma forma diferente de fazer rádio. Este objetivo era motivado, como diz Custódio, porque

Primeiro, a programação da Rádio Nacional de Cabo Verde, e o próprio Conselho de Administração, da altura, de que eu fazia parte, estava fechado para novas ideias, e, segundo, porque a maneira de fazer rádio em Cabo Verde, estava oprimida. Havia uma única linha de fazer locução que era pesada, monótona e voltada para adultos (Giordano Custódio).

Após uma pesquisa de mercado, decidiram que o público-alvo seria a ‘camada jovem’, dos 15 aos 45 anos. Para atrair este público, adotaram um estilo de locução descontraído, e veiculavam músicas que os ‘jovens’ gosta(va)m: «os artistas traziam as suas músicas aqui na rádio, e nós colocávamos para tocar, e também ouvintes emprestavam CDs de música que queriam ouvir na rádio».

Ao dissolver a barreira entre o ouvinte (que passou a ter a chance de pôr na rádio as suas preferências musicais) e a equipa da rádio que define os conteúdos sonoros, abriu-se a possibilidade para uma maior circulação de músicas produzidas de forma alternativa e não convencional, permitindo chegar a um público maior a o que normalmente acontecia, pelas redes de contatos pessoais onde circulavam estas músicas. Criando-se essa possibilidade, eventualmente até involuntariamente, e se entendermos os meios de comunicação social como instâncias de tratamento, e também legitimação de fatos e produtos, a ‘música do diabo’, a ka múzika, elevava o seu estatuto a música merecedora de uma maior audição, saindo de uma certa invisibilidade, ou melhor, inaudibilidade.

O ‘aparelho’ do Zé Ramos e os demos

Quando Zé Ramos frequentava o kubiku do Azaiaz, em 1997 e 1998, não pensava, ainda, em fazer gravação ou produção. Para ele, era «curiosidade». Morava no bairro de Lém-Cachorro, e pertencia ao grupo «Cepelipianos», tocando teclado, junto com outros amigos de outras zonas da Praia, como Achadinha Baixo e Calabaceira.

Os «Cepelipianos» surgem após serem proporcionadas aulas de música para membros das associações juvenis da Igreja Católica, na Praia. Alguns jovens que frequentaram estas aulas resolvem formar grupo de música. O repertório era composto por música tradicional, mas a maioria seguia a «linha do reggae brasileiro».

O grupo tinha necessidade de fazer gravação para poder levar para as rádios, e a única via era a gravação em cassetes, que fazia com metodologia de gravação diferente do que Azaiaz, Sandro, ou Buda utilizavam. O grupo criava a parte instrumental da música, através de instrumentos musicais convencionais, necessitando, por isso, de uma única cassete para fazer a gravação. Montado o ambiente de ‘conjunto’, era só preparar para não errar, colocar a cassete, começar a gravar, e investir na performance.

O grupo dura dois anos, altura em que recebe o convite para trabalhar no Palácio da Cultura, no Plateau, no centro da cidade, como produtor de eventos. Lá, ele tem a oportunidade de fazer uma formação na área de técnica de som e de estar em permanente contato com artistas nacionais e internacionais. É, nesta altura, que trava contato e passa a integrar o «Djingo», grupo musical, que tocava música tradicional, e desenvolvia um trabalho de pesquisa voltado para as origens da música cabo-verdiana.

O momento que se vivia no país era propício. Assistia-se à revitalização do Batuku, que veio a culminar com a criação do «batuku em orquestra» (Gonçalves, 2006).

Batuku é uma manifestação cultural (música e dança) característica da ilha de Santiago e à qual se atribui origens africanas, tendo sido interdita a sua prática durante o período colonial que terminou com a independência nacional em 1975. A partir de 2000, foi “reformulado” por Orlando Pantera, músico e compositor, o que permitiu que este género, antes da independência nacional, proibido nos espaços públicos, e no período seguinte circunscrito aos terreiros do meio rural santiaguense, saltasse para os palcos dos centros urbanos.

É, a permanência de Zé Ramos nesse grupo que vai possibilitar os seus passos iniciais, primeiro na gravação, depois na produção musical e na montagem do seu estúdio.

Eu fiquei no «Djingo» entre 2000 a 2004, e pude participar de perto na produção no trabalho do projeto ‘Ayan’ gravado num estúdio em Pedra Badejo. A participação do Djingo no projeto ‘Ayan’ contribuiu para o reforço do nome do grupo que já era conhecido na Ilha de Santiago, mas também me permitiu, para além de gravar como artista, fazer parte da equipa de produção do CD, com um engenheiro de som português (Zé Ramos).

O lançamento da coletânea “Ayan” acontece em 2002. No «Djingo» e ainda durante a gravação do CD Ayan em 2001, Zé Ramos adquire os seus primeiros equipamentos, do qual se destaca o ‘aparelho’ que lhe permitia fazer gravações separadas, o que antes não era possível. Ele não consegue dizer o nome exato desse equipamento, que designa simplesmente de ‘aparelho’. 8

Era um aparelho três em um. Permitia ligar o microfone, ligar o teclado e outros instrumentos onde fazia os arranjos musicais, e gravar a voz. Tinha três funções e tinha capacidade de gravar todos os elementos em separado, o que antes não dava. Antes tinha que ser tudo em simultâneo. Se precisasse gravar uma música em que entrava viola, cavaquinho, teclado e voz tinha de ensaiar tudo muito bem para gravar tudo ao mesmo tempo, sem falhas. Com esse equipamento, eu podia gravar viola só, cavaquinho só, voz só. Este foi o principal ganho com este aparelho (Zé Ramos).

Para a gravação com o ‘aparelho’, o requisito mínimo era ter a letra da música. Alguns pretendentes à gravação, para além da letra, chegavam já com a ideia do estilo que queriam gravar, mas o processo de construção da música original era, sempre, partilhado. O artista chega e canta, Zé Ramos escuta bem a letra e melodia (no caso de ter já uma melodia). Caso não tivesse melodia, tinha que ser ele a fazer um instrumental para a música. Neste meio tempo, vai pensando na harmonia, nas notas musicais, e depois decidem juntos (ele e o artista), o estilo de música mais adequado e, passam à gravação.

Só era possível fazer ‘makets’, ‘demos’, para a pessoa levar a um produtor ou a uma outra pessoa. O resultado da gravação era uma espécie de amostra que seria utilizada numa gravação a sério. Por isso, era um trabalho que sempre iria sofrer alterações. Eu fiz muitos trabalhos que vieram depois a ser editados em CDs em estúdios profissionais (Zé Ramos).

Apesar de possibilitar mais facilidades de gravação que com as cassetes, o processo era «ainda muito rudimentar». De todo modo, ainda assim, registava uma grande procura, principalmente, por aqueles que, almejavam despertar o interesse de um produtor ou manager, e, assim, conseguir a gravação de um CD num estúdio profissional. Para isso, precisavam de demos, makets, enquanto gravações musicais de ‘demostração’ dos talentos, a produtores, managers. Nesta altura já começavam a aparecer estúdios de gravação profissionais em Cabo Verde.

Diferentemente da criação e gravação musical no kubiku, com o ‘aparelho’ a simultaneidade destes dois processos não se verifica. Com o ‘aparelho’ de Zé Ramos, o músico pré-existe à sua música, ele a faz existir, o que conduz a o que Barthes considera como ‘autoria’, enquanto anterior à obra. Assim, diferentemente do kubiku do Azaiaz, o processo criativo, com aparelho de Zé Ramos, nada mais seria que um processo de autoria, e não de escrita.

Da gravação à experiência de produção nos estúdios caseiros

«Eu sempre tive computador em casa», diz Bizzy, dos «Republica». Em 2000, vai de férias a Lisboa, Portugal onde vive seu irmão mais velho, Kaló que gosta de música e tem softwares de produção musical no seu computador. Bizzy se interessa. Quando volta para Cabo Verde, traz consigo os programas. Passa a explorá-los. Um ano depois vai estudar no Brasil para fazer formação superior em Design, mas continua a explorar os softwares de produção musical. De lá, mantêm contacto, amizade e troca de ideias com Buda.

Buda está em Portugal a estudar engenharia informática. Em Lisboa, tem muito mais acesso a tecnologias do que na Praia. É, em Lisboa que adquire o seu computador próprio. Vai tentando recolher tudo o que considera que lhe pode ser útil em termos de softwares para produção musical. Mora num bairro social e seus vizinhos fazem produção musical em casa. «Eles estavam mais avançados. Aí pensei: se eles fazem, eu também posso fazer».

Os home studios surgem como espaços acessíveis para a produção musical, viabilizados por computadores e Digital Audio Workstations (DAWs). Essa tecnologia não só simplificou a gravação e a produção, como também transformou a interação com o som, ao introduzir uma interface visual que contrasta com as abordagens puramente auditivas do ambiente analógico do século XX (Cassano, 2024).

Em 2002, com softwares de música no seu computador, e com mais conhecimentos de informática, experimenta fazer música. No início não consegue, mas vai tentando. Passa cada vez mais tempo dentro de casa, para pesquisar sobre produção musical. Nesse tempo, reencontra, em Lisboa, Azaiaz, vindo de França, onde teve contacto, pela primeira vez com produção musical caseira.

Com Azaiaz, monta um pequeno estúdio, num quarto pequeno, ao fundo do corredor, na casa da mãe deste. O estúdio tem uma mesa, o microfone, e o computador. Para além deste estúdio, Buda tem também um no seu quarto, na sua casa em Caxias, mas o centro é a casa de Azaiaz.

Fazíamos gravações de noite e dia, O núcleo do Bairro Side, se reencontrou em Lisboa, eu, Azaiaz, Kaya, Poly e Klaus, passávamos, neste novo kubiku a fazer as nossas gravações. Foi ali que fizemos as primeiras produções, e foi neste período que surgiram os nossos shows em Portugal. Em Lisboa, nossos horizontes abriram, posso dizer que ficamos com mais visão. Ali era tudo, tínhamos acesso a tecnologias, a softwares de produção, conhecemos gente que sabia mexer nos programas… Este foi um período muito rico, para o Bairro Side (Buda Andrade).

Buda conseguia os programas, na internet, e através de colegas da faculdade e passava para Azaiaz, que, nesta altura, era DJ numa discoteca, e comercializava compilações de músicas várias em CDs. «Eu já tinha familiaridade com coisas de som e gravação, desde sempre. Eu já tinha sido DJ na Praia, antes de ir para França».

Apesar da “familiaridade” com equipamentos de som, música, os sofwares de produção musical, eram novidade. Para aprender a mexer nesses programas, assim como Buda, Azayaz teve de passar vários meses sem sair de casa, tentando entender como funcionavam programas como Cool Edit (programa de gravação, mistura e edição de áudio), e Fruit Loops (software de criação e composição de áudio).

Mantinha-se o padrão de criação musical a partir de instrumentais norte-americanos que conseguiam, antes por familiares em outros países, e, estando na emigração, também pela internet. A ‘presença’ na emigração tinha, igualmente, propiciado o acesso facilitado às tecnologias, equipamentos de som (mais baratos), e os softwares musicais, o que permitiu a montagem dos primeiros home studios.

Contudo, o que determinou os primeiros passos da produção musical foi a vontade e o querer fazer, fundamentado na ideia de que se alguém faz é porque, certamente, qualquer um pode fazer. Esta ideia desvela o sentido do ato da criação, e a figura do criador no sentido transcendental, trazendo o comum e o ‘banal’ do processo criativo musical não mais restrito ao ‘génio’ e ao ‘autor’.

O processo criativo, e o seu produto - a música - se afirmam, enquanto tal, não pela dificuldade, impossibilidade, ou qualidade de alguns, mas, inversamente, num quadro de possibilidade em que a diferença reside simplesmente na dimensão de singularidade imposta pelo músico, na forma como se dá esse processo, no seu desejo, no seu agenciamento, e na forma como constrói a sua existência pela música: ‘se eles fazem, eu também posso fazer’.

Partilho, por isso, a ideia de Goldman (2006), quando refere as atividades musicais de (alguns) blocos afros de Salvador, no Brasil como «uma das dimensões essenciais dos processos de criação de territórios existenciais que permitem a pessoas discriminadas produzir sua própria dignidade e vontade de viver» (p. 18).

Seguindo esta ideia, a música, é compreendida a partir da forma como as pessoas vivem e escolhem viver, não somente e simplesmente num momento transcendental de superação das suas virtualidades criativas - que corresponderia a o que Foucault atribui à ‘ideia tradicional do autor’ - mas enquanto delimitação de territórios existenciais, como ritornelos de subjetividades. A música pode, assim, ser entendida e estudada pela forma como as pessoas vivem, existem, ou desejam viver e existir, ou como elas conferem sentido às coisas, e ao mundo, através do que elas consideram e entendem por ‘música’.

Gravações com rádio e cassetes, com MiniDisc e leitor de CD, e com o ‘aparelho’ constituíram os primeiros passos, e antecedem a produção musical através de softwares digitais.

A afirmação recorrente de Buda e Zé Ramos que tudo o que fizeram antes não era “produção”, era, simplesmente, “gravação”, encontra fundamento na ideia de que, antes dos estúdios caseiros, não era possível a criação de instrumentais próprios e ter o controlo e manipulação do processo de mistura deste com a voz.

A gravação possibilitava, somente, a mistura do som com a voz, mas não permitia que se trabalhasse esta junção, da forma como eles pretendiam. Assim, é na possibilidade de trabalhar os diferentes elementos de um “som”, isoladamente e em conjunto, integrando-os de forma que eles se tornassem como “agradável ao ouvido” que se dá a produção musical, que para eles, começa «verdadeiramente» com os home studios, os estúdios caseiros.

Se, durante muito tempo, fazer a produção de um trabalho discográfico, exigia a deslocação do artista para um outro país, para cumprir, pelo menos, a etapa da gravação da voz, a instalação de estúdios (profissionais ou não) em Cabo Verde, a partir dos anos 2000, possibilitava a produção de um trabalho em território nacional, a qualquer pessoa que, como diz Buda «tivesse um computador, um microfone, e vontade de fazer música».

Os primeiros estúdios caseiros na Praia com tecnologia digital surgem nos inícios dos anos 2000, mas tem as condições de possibilidade da sua emergência demarcadas desde 1980, derivados do contacto e dos fluxos com a diáspora cabo-verdiana em outras partes do mundo, e movidos por trocas, encontros e relações que complexificam amizade, transações económicas.

Desenvolvimento de tecnologias digitais (gravadoras, softwares e instrumentos virtuais e digitais), a curiosidade, relações de amizade, a emigração, o acesso a aparatos eletrónicos e tecnológicos são alguns dos elementos que possibilitaram a gravação e produção em estúdios, com espaço físico e equipamentos bem reduzidos, o que permitiu que «a casa, o quarto, o cómodo desocupado, tornassem em estúdios de gravação» (Alves, 2006), estimulando também o surgimento do chamado “hyphenated musician” [músico hifenizado] (Théberge, 1997), um artista multifuncional que acumula papéis como músico, produtor, compositor e outros.

A emergência dos estúdios caseiros, nos agenciamentos da produção musical local, tornou a criação e produção musical acessível a qualquer um, possibilitando e desmistificando o conceito de autoria associado à música cabo-verdiana, aos “modos de ser” da música em Cabo Verde.

Em Cabo Verde, em diferentes momentos, foram vários e diferentes os debates sobre as ‘influências’ na música cabo-verdiana. Apesar de não constituir, o foco central deste artigo, importa destacar que, entre enunciados e construções discursivas, as ‘influências’ foram quase sempre percebidas, ora como ameaças à tradição, e à autenticidade cultural, ora entendidas como rasgos de criatividade artística que determinaram marcos na música cabo-verdiana. (Barros Furtado, 2014).

Entre estes dois tipos de entendimento, vislumbra-se, a meu ver, um terceiro, que ganhou força sobretudo nos últimos 30 anos, especialmente associado a certas produções de hip hop e zouklove em pequenos estúdios e estúdios caseiros - muitas vezes rotuladas como ka múzika. Esse olhar alternativo reconhece que, por meio desses géneros, a incorporação e a fusão de diferentes ‘influências’ musicais alimentam práticas de criação e produção que questionam e deslocam os fundamentos tradicionais da autoria e da genialidade, abrindo espaço para novas formas de expressão, legitimidade e sentido na música.

Ka múzika emerge, assim, no universo da produção musical local, como um termo de “desqualificação artístico-musical” construído para assinalar diferença e oposição face à representação hegemónica do que se entende por música cabo-verdiana. Tal desqualificação não se sustenta apenas no discurso sobre o suposto “desvirtuamento” dessa música, mas também se ancora nas práticas e nos modos de ser que envolvem a criação, gravação, produção e autoria, revelando disputas simbólicas mais amplas em torno da legitimidade e do pertencimento no campo musical.

Compreender, a partir das narrativas e experiências dos músicos, estes ‘modos de ser’ do fazer musical no universo da produção musical local em Cabo Verde foi o propósito deste artigo.

Nestes “modos de ser” quem (e como) faz a música não é determinado por critérios de legitimação geral definidos a partir de uma perspetiva e posição musical ‘hegemónica’. Ela se determina no “desejar” fazer, no “querer” fazer música, independentemente da imagem pré-concebida do que é música, ou arte. Esta é uma ideia que aparece através de expressões tais como «eles faziam, eu pensei: porque não posso fazer também?».

Nestes “modos de ser”, a autoria deixa de gravitar exclusivamente em torno da figura e da suposta genialidade do “autor” para abrir espaço à vontade e ao desejo de fazer música, algo que pode habitar em qualquer pessoa. Trata-se de um processo vivido no “aqui e agora”, como sugere Barthes, no qual cada obra, cada música, se torna ocasião para a reinvenção e reescrita contínua de si mesmo, revelando que a criação é menos um ato isolado de genialidade e mais um fluxo permanente de construção e transformação.

Da simples vontade de fazer música, passando por agenciamentos empreendidos na criação, gravação, montagem do estúdio, à produção musical, e a possibilidade de reequacionamento de categorias fixas cunhadas para géneros musicais e a produção musical local… entre kubikus, ‘aparelhos’, solidariedade e favores… os estúdios caseiros popularizam e democratizam a criação artística, remetendo-a para um campo em que se invertem os sentidos da música, da criatividade e da autoria.

Referências Bibliográficas

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Notas

  1. Licenciada em Sociologia, Mestre e Doutora em Ciências Sociais, com estudos e pesquisas no domínio das Práticas Culturais, Etnomusicologia, Produção Musical e Políticas Públicas. Colabora com a Universidade de Santiago, Cabo Verde, no Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local. É quadro da Administração Pública cabo-verdiana, exercendo, desde 2020 a função de Presidente do Instituto da Alta Autoridade para a Imigração.
  2. O Bairro Craveiro Lopes fica localizado na região centro-oeste da Cidade da Praia e constitui o primeiro bairro social e económico inaugurado em Cabo Verde em 1954, ainda no período colonial. A política colonial privilegia como primeiros moradores funcionários do Estado, que ao residirem no primeiro projeto de um bairro urbano moderno em Cabo Verde, incorporam um sentimento de distinção social em relação a outros bairros da capital. Neste contexto, um número considerável de moradores que se dedica(va)m à prática musical ajudou a construir uma identidade artístico-intelectual para esse espaço social (Barros Furtado, 2009)
  3. Neste artigo, convenciona-se utilizar os termos ‘projetos musicais locais’, e ‘produção musical local’ para fazer referência a toda produção musical, e aos projetos daí decorrentes, desenvolvidos por artistas residentes em Cabo Verde, através dos estúdios ‘independentes’, instalados, na sua grande maioria, em residências – os home studios, ou estúdios caseiros. O termo ‘local’ é apropriado a partir do discurso nativo, como localizado no ‘seu’ bairro, na ‘sua’ comunidade, na ‘sua’ casa, no ‘seu’ quarto, ou, ainda, situado num outro espaço qualquer de enraizamento territorial ou de residência do produtor ou músico.
  4. Pesquisa de terreno realizada, junto de músicos e artistas, na Cidade da Praia (Cabo Verde) de 2008 a 2009 para a Dissertação de Mestrado com o título Bairro de pertença, Bairro de música: Espaços, Sociabilidades e Trajectórias de Músicos n(d)o meio urbano cabo-verdiano, e continuada até 2014 com a Tese de Doutoramento com o título «Múzikas e Ka Múzikas: As Músicas nas Economias Criativas e na Produção Musical Local em Cabo Verde» que discute a emergência e desenvolvimento da produção musical local, desenvolvida em pequenos estúdios, em Cabo Verde, no contexto de busca de implementação das Economias Criativas, enquanto modelo de desenvolvimento e crescimento económico do país, que prioriza a exportação e a internacionalização da cultura, em especial, da música.
  5. Expressão da língua cabo-verdiana, que corresponde em português a «Não é música», enquanto a negação da condição e da qualidade musical de determinadas músicas.
    Todas as expressões da língua cabo-verdiana utilizadas neste artigo têm como referência as regras propostas pelo Alfabeto Unificado para a Escrita do Crioulo (ALUPEC).
  6. Zouk love é a designação normalmente utilizada para a versão “cabo-verdiana” do zouk das Antilhas. Outras designações são também utilizadas, como por exemplo, o cabolove, ou o cabozouk.
  7. Termo utilizado em língua cabo-verdiana correspondente, em português, a ‘Cubículo’, que significa quarto ou compartimento de casa pequeno.
  8. Ayan é uma expressão de concordância e corresponde ao ‘Sim’, em português. É empregada principalmente na variante da língua cabo-verdiana falada na ilha de Santiago.