Re-enchanting the world: a debate by Silvia Federici on inclusive feminism and its relationship with capitalism
Reencantando el mundo: un debate de Silvia Federici sobre un feminismo inclusivo y su relación con el capitalismo
Reencantando o Mundo; Intersecções; Política dos Comuns; Cercamentos; Trabalho Reprodutivo.
Reenchanting the World; Intersections; Politics of the Commons; Enclosures; Reproductive Work.
Reencantando el Mundo; Intersecciones; Política de los Comunes; Cercamientos; Trabajo Reproductivo
FEDERICI, Silvia. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. São Paulo: Editora Elefante, 2022.
Silvia Federici emerge como uma figura emblemática no cenário intelectual contemporâneo, destacando-se por suas contribuições significativas no campo do feminismo materialista e na crítica ao capitalismo. Sua trajetória como ativista, escritora e acadêmica italiana é marcada por um compromisso com a análise das estruturas de poder e das injustiças que permeiam as relações de gênero, trabalho e poder. Ao longo de sua carreira, Federici tem se dedicado a desvelar as complexas dinâmicas que subjazem à exploração das mulheres dentro do sistema capitalista, enfatizando a importância de compreender o trabalho reprodutivo e afetivo como fundamentais para a reprodução social. Seus escritos têm sido essenciais para dar voz às experiências das mulheres marginalizadas e para articular estratégias de resistência e transformação. Nesse contexto, “Reencantando o Mundo: Feminismo e a Política dos Comuns” desponta como uma obra seminal que sintetiza as principais reflexões e análises de Federici sobre as intersecções entre feminismo, políticas dos comuns e crítica ao capitalismo. No cerne deste livro, encontramos uma análise profunda das lutas das mulheres, dos cercamentos contemporâneos e do potencial transformador dos comuns como uma alternativa viável ao sistema dominante.
Central para o livro é a ideia dos comuns, conceito que remonta a práticas comunitárias de compartilhamento de recursos e autonomia, que foram historicamente fundamentais para a sobrevivência e a resistência das comunidades. Federici argumenta que o resgate e a revitalização dos comuns são essenciais para construir uma sociedade mais justa e igualitária, e para desafiar as estruturas de dominação do capitalismo.
A autora também destaca o papel fundamental do feminismo na luta pelos comuns, enfatizando as contribuições das mulheres na preservação e na gestão dos recursos naturais, bem como na construção de formas alternativas de organização social e econômica. Ela defende que o feminismo deve ser uma força motriz na busca por mudanças sistêmicas que promovam a equidade de gênero e o bem-estar de todas as pessoas.
Portanto, “Reencantando o Mundo” não apenas oferece uma análise rigorosa dos problemas enfrentados pela sociedade contemporânea, mas também oferece um chamado à ação para construir um mundo mais justo e solidário. Com uma mistura de teoria feminista e crítica social, o livro inspira os leitores a imaginarem e a trabalharem em direção a um futuro onde os comuns são valorizados, as desigualdades são eliminadas e o poder é redistribuído de forma equitativa.
A primeira parte do livro “Reencantando o Mundo: Feminismo e a Política dos Comuns” é composta por uma seleção de textos introdutórios e ensaios que abordam temas cruciais relacionados à acumulação primitiva, globalização, reprodução social e os desafios contemporâneos dos cercamentos. Começando com uma introdução que estabelece as bases conceituais e políticas do livro, Federici delineia a interseção entre feminismo, políticas dos comuns e crítica ao capitalismo. Ela oferece uma visão panorâmica das lutas históricas das mulheres contra a opressão e explora como as teorias feministas têm contribuído para a compreensão das dinâmicas sociais e econômicas, preparando o terreno para as análises subsequentes.
Em seguida, o livro inclui o ensaio “Acumulação Primitiva, Globalização e Reprodução”, no qual Federici examina a relação entre a acumulação primitiva do capital, o processo de globalização e a reprodução social. Ela destaca como o capitalismo se fundamenta na expropriação e exploração das mulheres e dos recursos naturais, iluminando a maneira como essa lógica está intrinsicamente ligada à expansão do mercado global. O ensaio “Introdução aos Novos Cercamentos” segue, oferecendo uma análise aprofundada das formas contemporâneas de cercamento, incluindo a privatização de recursos naturais e a expropriação de terras de comunidades locais. Federici examina criticamente esses processos, evidenciando seu impacto desproporcional sobre as mulheres e as comunidades marginalizadas. Em, “A Crise da Dívida, a África e os Novos Cercamentos” é analisado as implicações da crise da dívida sobre os países africanos, destacando como as políticas de austeridade e as imposições financeiras contribuem para a expropriação e a marginalização das populações locais. Federici enfatiza como essas dinâmicas estão enraizadas na lógica do capitalismo global e defende a importância de resistir a elas por meio da solidariedade e da organização comunitária.
No ensaio sobre a “China: quebrando a tigela de arroz de ferro”, Federici examina as transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas no país, particularmente durante a Revolução Cultural e após as reformas econômicas iniciadas sob Deng Xiaoping. Ela analisa criticamente as mudanças na estrutura agrária e nas relações de trabalho, destacando os impactos sobre as mulheres e as comunidades rurais. Federici argumenta que, apesar das transformações, as formas de exploração e desigualdade persistem, ressaltando a necessidade de uma análise cuidadosa das dinâmicas específicas em cada contexto nacional. Enquanto no ensaio sobre a Comunalidade à Dívida”, Federici investiga as implicações da financeirização da economia global, com foco especial no microcrédito e suas consequências para as mulheres nos países do Sul global. Ela examina como a introdução de práticas financeiras capitalistas em comunidades tradicionalmente baseadas em relações comunitárias tem impactado negativamente a autonomia e o bem-estar das mulheres. Federici denuncia como o microcrédito muitas vezes resulta em endividamento e empobrecimento, ao invés de empoderamento econômico, evidenciando as contradições do capitalismo contemporâneo e a necessidade de alternativas baseadas nos comuns e no feminismo.
Dessa forma os ensaios da parte um fornecem ideias sobre as dinâmicas do capitalismo global e as formas de resistência e organização comunitária. Federici destaca constantemente a importância do feminismo e dos comuns na construção de alternativas ao sistema capitalista, enfatizando a necessidade de solidariedade e luta coletiva para alcançar uma transformação social significativa. Assim, esses ensaios ampliam o escopo da discussão, oferecendo uma análise mais abrangente e detalhada das complexidades do mundo contemporâneo e das possibilidades de mudança.
A segunda parte da obra de Silvia Federici é composta por uma seleção de textos que exploram a relevância e as potencialidades dos comuns como uma alternativa ao sistema capitalista. Esta seção começa com uma introdução que delineia os principais temas e debates abordados nos ensaios subsequentes, fornecendo um contexto para a análise crítica que se segue.
O primeiro ensaio, “Sob os Estados Unidos, os Comuns”, examina a história e a importância dos comuns nos Estados Unidos, destacando exemplos históricos de comunidades que resistiram aos cercamentos e lutaram pela preservação de recursos naturais e espaços públicos. Federici explora como essas experiências de resistência continuam a inspirar movimentos contemporâneos em defesa dos comuns, ressaltando sua importância na construção de formas alternativas de organização social e econômica. Em seguida, “Os Comuns Contra o Capitalismo e Além Dele” aprofunda a análise dos comuns como uma forma de desafiar e transcender as lógicas do capitalismo. Federici argumenta que os comuns oferecem uma alternativa radical ao modelo de propriedade privada e acumulação capitalista, baseada na colaboração, solidariedade e autonomia. Ela destaca como os movimentos em defesa dos comuns estão redefinindo as relações sociais e econômicas, e promovendo formas de organização baseadas na democracia participativa e na gestão comunitária dos recursos.
Subsequente “A Universidade: Um Comum do Conhecimento?” investiga o potencial da universidade como um espaço compartilhado de produção e disseminação do conhecimento. A autora analisa criticamente as tendências de mercantilização e privatização no ensino superior, argumentando que essas tendências ameaçam a acessibilidade e a democratização do conhecimento. Ela defende uma visão de universidade baseada nos princípios dos comuns, onde o conhecimento é compartilhado, acessível e produzido de forma colaborativa, em oposição ao modelo atual centrado na competição e na lucratividade. Na sequência, “As Lutas das Mulheres por Terras na África e a Reconstrução dos Comuns” (174) examina as lutas das mulheres africanas pela posse e controle da terra, destacando como essas lutas estão ligadas à reconstrução dos comuns e à resistência ao avanço do agronegócio e da privatização dos recursos naturais. Federici destaca o papel crucial das mulheres nessas lutas e argumenta que a defesa dos comuns é essencial para garantir a soberania alimentar, a justiça ambiental e os direitos das comunidades locais. Ademais “A Luta das Mulheres pela Terra e pelo Bem Comum na América Latina” explora as experiências das mulheres latino-americanas na defesa da terra e dos recursos naturais, destacando sua resistência contra projetos de desenvolvimento predatórios e apropriação privada. Federici destaca como essas lutas estão enraizadas em formas de organização comunitária e solidariedade, e como as mulheres desempenham um papel central na construção de alternativas baseadas nos comuns e na busca por uma sociedade mais justa e igualitária.
Ao dar sequência a parte dois do livro, encontramos ensaios que exploram as interseções entre marxismo, feminismo e os comuns, assim como o papel do trabalho reprodutivo e afetivo na transformação da vida cotidiana e na construção dos comuns. O ensaio “Marxismo, Feminismo e os Comuns” examina as convergências e divergências entre essas perspectivas teóricas, destacando como o marxismo pode ser enriquecido pelo feminismo ao reconhecer e valorizar o trabalho reprodutivo e a luta das mulheres pela reprodução da vida. Federici argumenta que os comuns oferecem uma base para a convergência entre essas tradições, promovendo uma visão de transformação social que integra as dimensões econômicas, sociais e culturais. Adiante, em “Da Crise aos Comuns: Trabalho Reprodutivo, Trabalho Afetivo, Tecnologia e a Transformação da Vida Cotidiana” examina como a crise econômica e social contemporânea está impulsionando a busca por alternativas baseadas nos comuns. Federici destaca o papel crucial do trabalho reprodutivo e afetivo na manutenção da vida e na reprodução social, e argumenta que a tecnologia pode ser mobilizada para promover a autonomia e a solidariedade, em vez de reforçar as hierarquias e as desigualdades existentes. Por último, “Reencantando o Mundo: Tecnologia, Corpo e Construção dos Comuns” investiga o potencial da tecnologia para fortalecer os comuns e promover formas de vida mais sustentáveis e solidárias. Federici examina criticamente as formas como a tecnologia tem sido utilizada para perpetuar a exploração e o controle, mas também destaca exemplos de práticas tecnológicas que promovem a participação democrática, a autonomia e a cooperação.
Sendo assim, os ensaios os ensaios da parte dois fornecem uma análise aprofundada das inter-relações entre marxismo, feminismo, tecnologia e os comuns, ressaltando seu potencial transformador para enfrentar os desafios contemporâneos e forjar uma sociedade mais justa e equitativa. É relevante destacar que Federici enfatiza consistentemente a importância de reconhecer e valorizar o trabalho reprodutivo e afetivo, além de defender a utilização ética e solidária da tecnologia como parte da busca por alternativas ao sistema capitalista.
O livro “Reencantando o Mundo: Feminismo e a Política dos Comuns” de Silvia Federici oferece uma análise profunda e abrangente das interseções entre feminismo, política dos comuns e crítica ao capitalismo, abordando uma variedade de temas que vão desde a acumulação primitiva e os cercamentos contemporâneos até o papel do trabalho reprodutivo, tecnologia e universidade na construção de alternativas ao sistema dominante. Nas duas partes do livro, Federici apresenta uma série de ensaios que destacam a importância do feminismo na compreensão das dinâmicas sociais e econômicas, bem como na resistência às injustiças e opressões do capitalismo. Ela argumenta que as mulheres têm sido historicamente marginalizadas e exploradas pelo sistema capitalista e desempenham um papel central nas lutas por justiça social, ambiental e de gênero. Dessa forma, a obra de Silvia Federici se destaca como uma obra fundamental para aqueles que buscam compreender as intersecções entre gênero, classe, raça, a considerar uma perspectiva de feminismo mais abrangente, bem como compreender as políticas dos comuns e crítica ao capitalismo. Federici apresenta uma análise profunda e provocativa das dinâmicas sociais, econômicas e políticas que moldam o mundo contemporâneo, oferecendo uma visão crítica das injustiças e opressões enfrentadas pelas mulheres dentro do sistema capitalista. Uma das contribuições mais significativas do livro é a forma como Federici ressalta a importância do trabalho reprodutivo e afetivo, destacando como essas formas de trabalho são essenciais para a reprodução social e são frequentemente desvalorizadas e invisibilizadas pelo capitalismo. Ao colocar essas questões no centro de sua análise, Federici oferece uma perspectiva única sobre as desigualdades de gênero e classe, desafiando as estruturas de poder dominantes e apontando para alternativas mais justas e equitativas. Além disso, o livro aborda de maneira incisiva os cercamentos contemporâneos, ou seja, a privatização e apropriação de recursos comuns que historicamente eram acessíveis às comunidades. Federici destaca como essa privatização ameaça a acessibilidade e a democratização do conhecimento, bem como a preservação dos recursos naturais e culturais compartilhados. Outro aspecto relevante do livro é a defesa de Federici por uma visão de universidade baseada nos princípios dos comuns, onde o conhecimento é compartilhado, acessível e produzido de forma colaborativa. Ela argumenta que isso contrasta com o modelo atual centrado na competição e na lucratividade, enfatizando a importância de reconhecer e valorizar o conhecimento como um bem comum. Em síntese, “Reencantando o Mundo” é uma obra instigante e inspiradora que desafia as concepções convencionais sobre feminismo, política e economia, oferecendo uma análise perspicaz das lutas das mulheres e do potencial transformador dos comuns. Federici nos convida a repensar nossas práticas e perspectivas, inspirando-nos a construir um mundo mais justo, solidário e igualitário.
FEDERICI, Silvia. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. São Paulo: Editora Elefante, 2022. ↩
[1] Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) ↩